Ao longo do tempo, o trabalho foi considerado uma categoria fundante do ser social por haver transformado a relação do homem com a natureza por meio do desenvolvimento de forças produtivas em um processo coletivo, que ocorre dentro de um movimento em que o homem produz a sociedade e é também produzido por ela, tendo o trabalho importante papel na organização de toda a vida social, como indica Gorz:

a característica mais importante desse trabalho – aquele que ‘temos’, ‘procuramos’, ‘oferecemos’ – é ser uma atividade que se realiza na esfera pública, solicitada, definida e reconhecida útil por outros além de nós e, a este título, remunerada. É pelo trabalho remunerado (mais particularmente, pelo trabalho assalariado) que pertencemos à esfera pública, adquirimos uma existência e uma identidade sociais (isto é, uma “profissão”), inserimo-nos em uma rede de relações e de intercâmbios, onde a outros somos equiparados e sobre os quais vemos conferidos certos direitos, em troca de certos deveres. O trabalho socialmente remunerado e determinado – mesmo para aqueles e aquelas que o procuram, para aqueles que a ele se preparam ou para aqueles a quem falta trabalho – é, de longe, o fator mais importante da socialização. Por isso, a sociedade industrial pode perceber a si mesma como uma ‘sociedade de trabalhadores’, distinta de todas as demais que a precederam. (GORZ, 2003, p. 21)

Entretanto, a fragmentação do trabalho e da articulação da classe trabalhadora, além da flexibilização do trabalho na sociedade contemporânea, são importantes questões a serem consideradas no que diz respeito ao sentido que o trabalho adquire para o sujeito nesta sociedade. Também vale pensar quem é o sujeito neste novo cenário do mundo do trabalho, em que as relações estão se modificando, bem como os paradigmas relacionados à centralidade do trabalho. Surge, então, o questionamento sobre o trabalho como categoria chave na sociedade.

Para Offe (1994), a identidade coletiva, bem como a divisão social e política, não são mais baseadas somente no trabalho assalariado e na dependência do sujeito em relação a ele. O autor aponta ainda a fragilização da ideia do trabalho como dever, ou seja, elemento essencial de uma vida correta e de um sujeito moralmente bom, ou como necessidade, de maneira que o trabalho se apresente simplesmente como condição para a sobrevivência. Assim, o trabalho como dever humano ético e seu poder coercitivo podem estar se desintegrando.

Porém, de acordo com Antunes (2006), as lutas sociais persistem e,

ainda que presenciando uma redução quantitativa (com repercussões qualitativas) no mundo produtivo, o trabalho abstrato cumpre papel decisivo na criação de valores de troca. As mercadorias geradas no mundo do capital resultam da atividade (manual e/ou intelectual) que decorre do trabalho humano em interação com os meios de produção. (ANTUNES, 2006, p. 83)

O autor esclarece que, para admitir ou não a existência de uma crise na sociedade do trabalho abstrato, é preciso pensar sobre a lógica do capital e sobre o sistema produtor de mercadorias como motor da sociedade econômica, e conclui que “as mudanças em curso no processo de trabalho, apesar de algumas alterações epidérmicas, não eliminam os condicionantes básicos desse fenômeno social”.

Diante das análises dos autores, podemos perceber o quanto os temas em relação ao trabalho e suas representações para o sujeito e para a sociedade são cercados de controvérsias e diferentes possibilidades de construção devido à complexidade dos valores e dos significados que atribuem sentido e edificam as estruturas da vida em sociedade.

O constante movimento e o fluxo da realidade social exigem permanente reflexão e reavaliação sobre os aspectos do trabalho e seu lugar na sociedade.

 

Referências Bibliográficas

ANTUNES, Ricardo. Qual a Crise da Sociedade do Trabalho? In: _________. Adeus ao Trabalho?11 ed. São Paulo, Cortez; Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2006.

 GORZ, André. Primeira Parte. In: _________. Metamorfoses do Trabalho: crítica da razão econômica. São Paulo, Annablume, 2003.

 OFFE, Claus. Trabalho: categoria sociológica chave? In: _________. Capitalismo desorganizado. 2 ed. São Paulo, Brasiliense, 1994.