O ESPAÇO DA RELIGIÃO NO SÉCULO XXI: EVIDÊNCIAS DA ALDEIA GLOBAL

Fábio dos Reis Garczarek

Por séculos ou até mesmo milênios a religião ocupou um espaço privilegiado na vida da maioria dos homens na Terra. O objetivo deste trabalho é analisar qual lugar ocupa a religião hoje, no cotidiano das pessoas inseridas no contexto da globalização. Apontamos como hipótese, que a real necessidade criada pelo sistema capitalista, tornando as pessoas dependentes dos bens materiais (a chamada sociedade do consumo), colocou à religião um papel coadjuvante na atualidade. Consumismo este muito criticado pelas diferentes religiões no mundo todo.
A religião que na antiguidade era seguida cegamente pelos homens em busca da salvação, Weber (1964), vê esta mesma religião como ato realizado pelos homens de maneira racional, e que somente faz religião os intelectuais. O autor enxerga nos dogmas, formas de domínio e poder racionalmente elaboradas, principalmente, por aqueles que comandam as igrejas. Porém, a religião para Weber é inseparável do processo civilizatório que passa a sociedade, e dentro deste contexto pode se afirmar que os princípios das sociedades originaram-se a partir da religião.
A partir da religião, as sociedades constituíram e ampliariam seu espaço dentro das mais diversas regiões. As mudanças ocorridas em função dos dogmas transformaram-se nas mudanças sociais, como o surgimento e integração de cidades-estados, instâncias burocráticas dirigidas por intelectuais e centralização do Estado. A religião serve para consolidar o poder imperial (JASPERS, 1994).
As principais religiões (também chamadas de religiões universais³), segundo Ortiz (2000), são o judaísmo, confucionismo, bramanismo, budismo, cristianismo e islamismo. Essas religiões ainda contam com milhares de fiéis pelo mundo todo, mas esses mesmos seguidores também vão aos shoppings centers, lojas, bares, restaurantes, cinemas, parques, cassinos, fazem longas viagens, sem contar que trabalham várias horas todos os dias. Com essas demonstrações pode-se percebe que o tempo destinado para ir às sinagogas e templos religiosos, no mundo globalizado, fica cada vez menor.
Com o surgimento da sociedade moderna (a partir da revolução Industrial), a religião entrou em um processo de declínio de sua centralidade e formas de dominação. A religião dentro dos processos da globalização ficou atuante em um espaço, cada vez mais, reduzido. Durkheim (1968) afirma em seus estudos que a religião se enfraqueceu perante as pesquisas científicas, porém, a ciência não é capaz de explicar o sentido das ações coletivas, ao contrário da religião vista como um instrumento de grande potencial informativo da ação humana na Terra.
A religião também atua, com um papel secundário, nos processos de integração de uma nação (como é o caso do protestantismo nos Estados Unidos e do Catolicismo na América Latina) ainda que para ocorrer uma integração de uma região sejam necessários outros fatores.
Atualmente, o Estado-Laico (sem vínculo com a igreja) tem um peso político-econômico relevante, e dito as regras no mundo globalizado. Entretanto, esse mesmo Estado, que tem uma função importante no plano internacional, em questões político-diplomáticas e econômicas, não consegue mobilizar as pessoas, do ponto de vista ideológico-cultural. Contrariamente à religião que consegue mobilizar pessoas em escala universal, conseguindo assim um poder maior neste quesito. Pode-se perceber então, que a religião na maioria das vezes ocupa um papel coadjuvante nas relações atuais, pode ser favorecida quando a questão transcende o poder de mobilização do Estado no âmbito mundial.
A sociedade moderna empurrou a religião para um papel secundário, mas não conseguiu eliminá-la, pois a memória de identidade de um povo combina normas religiosas com ações políticas. Hunttington (1994), em seu livro "O choque das civilizações" afirma que a religiosidade das pessoas é fator crucial ao definir seus conflitos e interesses. Serve como demonstração a questão do mundo muçulmano, aonde esses religiosos ao buscar seus interesses próprios se organizam politicamente e reivindicam seus propósitos diplomaticamente e até mesmo com força militar na ânsia de serem ouvidos.
Há que se levar também em consideração o padrão universal, ainda que se comparados diferentes religiões. Hans Kung compara o cristianismo, confucionismo e o islamismo como religiões que têm regras básicas de comportamento, para o autor os padrões éticos dessas religiões são "universalmente" válidos.
Um tema recorrente no debate sobre as religiões universais diz respeito a mundialização ou a globalização que se caracteriza pela integração e o conjunto de transformações de ordem políticas, econômicas, social e cultural entre diferentes países. Esse processo surgiu para servir o sistema capitalista e principalmente os países desenvolvidos, no qual Huntington defende a tese de que "em política, como em economia, aumenta o abismo entre desenvolvidos e subdesenvolvidos e acentua o caminho tomado pelos países subdesenvolvidos," sendo a integração mundial entre os países existindo várias características marcantes sendo: o fluxo comercial mundial gerando uma reorganização geopolítica do mundo em blocos comerciais e regionais, a revolução e inovações tecnológicas nas comunicações e na eletrônica, homoginação dos centros urbanos nas megalópoles, nesse sentido as religiões "particulares" tem seu estatuto alterado pela globalização caracterizando pela mobilidade e distância de seu núcleo de origem, gerando as chamadas religiões universais. Particularmente com a mundialização da cultura a expansão das corporações para regiões fora de seus núcleos geopolíticos,em contraponto religiões e as crenças na sua concepção moderna com as chamadas sociedades "ocidentais" estão se transformando e assumindo um novo "universo" perante a sociedade.
Para Milton Santos na medida em que o mundo se expandiu e encolheu, ele tornou-se um "lugar". Isso tem decorrência sobre o temperamento religioso e o papel que o Estado desenvolve, que consiste no grau de interferência do Estado para reduzir ou aumentar obstáculos no fluxo comercial com as relações internacionais.De fato o mundo se expandiu, e a hibridização entre as culturas populares locais e uma cultura de massa supostamente "universal" que consiste na capacidade de integração de povos diversos em uma mesma norma de sentido, sendo o poder de irradiação a partir de um centro religioso. Por exemplo, a civilização islâmica, cuja extensão a partir de uma matriz religiosa e de um idioma considerado sagrado, o árabe, conseguiu agregar grupos com tradições e origens distintas.
. Essas são os centros das questões ideológicas que conduz ao fortalecimento da economia local, nacional, e regional, baseada na apropriação dos recursos naturais, na parceria da grande oferta e comercialização ambiental que contribui ativamente para a integração dos mercados regionais. O comércio, as finanças, os investimentos são instrumentos pelos quais se interligam em fluxos e conexões de redes, no plano internacional, a produção e consumo exagerado da população.
Não existe uma definição única e universalmente aceita para a globalização. Segundo Held (2001), "a globalização tem sido diversamente concebida como ação à distância (quando os atos dos agentes sociais de um lugar podem ter conseqüências significativas para terceiros distantes); como compreensão espaço-temporal (numa referência ao modo como a comunicação eletrônica instantânea vem desgastando as limitações da existência e do tempo na organização e na interação sociais); como interdependência acelerada (entendida como a intensificação do entrelaçamento entre economias e sociedades nacionais, de tal modo que os acontecimentos de um país têm um impacto direto em outros); como um mundo em processo de encolhimento (erosão das fronteiras e das barreiras geográficas à atividade socioeconômica); e, entre outros conceitos, como integração global, reordenação das relações de poder inter-regionais, consciência da situação global e intensificação da interligação inter-regional".
O advento da globalização de acordo com Milton Santos (2000) "consumismo e competitividade levam ao emagrecimento moral e intelectual da pessoa, à redução da personalidade e da visão do mundo, convidando, também, a esquecer a oposição fundamental entre a figura do consumidor e a figura do cidadão." A Religião e o comércio surgem como entidades morais mundiais, concorrentes e conflitantes, sendo cada um com seus deuses, suas exigências,sua ética, sua moral, seus direitos e deveres numa sociedade globalizadora.
Assim, a magnitude da globalização é crescente, sendo que os povos ficam cada vez mais interdependentes, tendo na passagem histórica uma herança religiosa contraponto entre a vontade divina, adoração e o mercado global. Contudo,os países desenvolvidos são os mais beneficiados, permanentemente cada vez mais ricos tendo o domínio econômico, político mundial em seu controle, e conseqüentemente desconhecendo as fronteiras de seus povos em suas culturas, costumes, crenças e religiosidade, enquanto os paises em desenvolvimento ficam subordinados, reprimidos ao sistema e a materialização das coisas colocada como necessidade do ser humano, onde a humanidade conhecerá por fim um governo universal, onde o individuo se sentirá em casa em qualquer parte da Terra.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEYER, Peter. "Religion and Globalisation". Londres: Sage Publications, 1997.

DURKHEIM, Emile. "Les Formes Élementaires de la Vie Religieuse". Paris: PUF, 1968.

HUNTINGTON, Samuel. "O choque das civilizações". In: Política Externa. 2 (4): março‐abril, 1994.

JASPERS, Karl. "Origen y Meta de la Historia". Barcelona: Ediciones Altaya, 1994.

KUNG, Hans. "Uma Ética Global para a Política e a Economia Mundiais". Petrópolis: Editora Vozes, 1999.

ORTIZ, Renato. "Anotações sobre religião e globalização". Trabalho apresentado no Seminário Cultura Comunicação e Estado na América Latina - Os desafios da globalização, organizado por WACC - CEA, Córdoba, Argentina, julho de 2000.

HELD,Davi; MCGREW,Antony. "Prós e Contras da Globalização".Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.p.11.

SANTOS, Milton. "Por uma outra globalização do pensamento único à consciência universal." São Paulo: Record, 2000.