Neste capítulo queremos desenvolver os elementos sistemáticos de toda a pesquisa presente neste trabalho de conclusão. Buscamos pensar a categoria Reino de Deus como um acontecimento histórico, um evento vivenciado e narrado nas Sagradas Escrituras. Propõe-se realizar uma abordagem do caráter escatológico da categoria Reino de Deus fundamentada na Escritura e nos documentos da Tradição da Igreja, além de um debate acerca dos aspectos escatológicos presentes no século XX, bem como o aspecto ecumênico da escatologia e a escatologia presente no Concílio Vaticano II. Há também uma reflexão acerca dos problemas atuais da escatologia, abordando a passagem de uma Teologia dos Novíssimos para a Escatologia cristã da esperança, refletindo sobre como é visto o Reino de Deus nos dias de hoje e com é visto ao longo da história.

1 O REINO DE DEUS: UM ACONTECIMENTO HISTÓRICO

 

1.1 JESUS E O REINO DE DEUS

Quando se analisa e se busca estudar a realidade de Jesus de Nazaré, o que nos vem em primeiro plano é o fato de que Jesus não fez de si mesmo o centro de sua pregação. “Jesus se sabia, vivia e trabalhava a partir de algo e para algo distinto de si mesmo”.[1] Sua missão e pregação centralizaram-se na propagação do Reino de Deus.

Na vida e missão de Jesus, encontramos dois termos primordiais: Reino de Deus e Pai. São termos autênticos de Jesus, que expressam realidades totalizantes. O Reino de Deus expressa a totalidade da realidade e aquilo que é preciso fazer. Com o termo Pai, Jesus expressa uma realidade pessoal, que dá sentido último à sua vida. Portanto, Reino de Deus e Pai são realidades sistematicamente importantes para a teologia e, primordialmente, para a escatologia, uma vez que é a partir desses conceitos que se pode organizar e hierarquizar melhor as múltiplas atividades externas de Jesus, podendo até supor o que Jesus foi em sua própria interioridade, o que pode nos levar a entender das razões de seu destino, enquanto histórico, para a cruz.[2]

Tanto a realidade reino quanto Pai, mesmo que se apresentem distintamente e não estabeleçam entre si qualquer intercâmbio, elas se completam. Desse modo, o reino dá razão do ser de Deus como Abba e a paternidade divina é o que dá fundamento e razão ao ser do reino. Ao analisarmos a relação existente entre Jesus e o reino, temos acesso de uma melhor maneira à totalidade de Jesus, que parte de sua atividade exterior em favor do reino e que avança daí para sua relação interior com Deus.[3]

A pregação de Jesus está na novidade da irrupção do Reino de Deus, que não começa no primeiro dia derradeiro ou para o indivíduo depois de sua morte. O Reino já é vida agora, tanto quanto a destituição da morte e de seu poder, que, também, fazem parte do Reino juntamente com a libertação dos poderes desumanizantes do mundo presente, bem como a capacitação para uma vida digna do ser humano, para que o uso dos sentidos encontre a reconciliação e a comunhão. Eis o tema central da pregação de Jesus: o anúncio do Reino de Deus, que começa e se torna efetivo aqui e agora, que tem como momento marcante a pregação acerca da libertação da morte. A libertação, no entanto, só pode ser entendida quando colocada em paralelo com outras realidades, tais como a possibilidade de uma vida libertada e libertadora, que torna compreensível a cautela com que os autores neotestamentários fizeram em relação às descrições fantasiosas do além, colocada em destaque na apocalíptica contemporânea.[4]

 

1.2 O REINO DE DEUS COMO REALIDADE ÚLTIMA EM JESUS

Nos Evangelho de Marcos e de Mateus encontramos o começo da missão pública de Jesus com as seguintes palavras: “Jesus foi para a Galileia e proclamava a boa-notícia dizendo: ‘completou-se o tempo, está próximo o reino de Deus, convertei-vos e crede no evangelho’.” (Mc 1,14; Mt 4,17). Já Lucas apresenta essa mesma perspectiva do início da missão de Jesus ocorrendo numa sinagoga de Nazaré com estas palavras: “Ele foi a Nazara, onde fora criado, e, segundo seu costume, entrou em dia de sábado na sinagoga e levantou-se para fazer a leitura. Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías” (Lc 4, 16-17). O anúncio da boa-nova para Lucas é dirigida aos pobres e oprimidos, mas o próprio Jesus relaciona a boa-nova com o reino, dizendo que “[...] é preciso que anuncie a boa-nova do reino de Deus, porque para isso que fui enviado” (Lc 4,43). Já a Fonte Q também resume a missão de Jesus aos pobres, o que equivale à boa-nova do reino.[5]

A realidade última para Jesus não está nele mesmo, mas também não é dada como pura transcendência a-histórica, o reino dos céus, e também não foi a Igreja.[6] Contudo, se isto está claro e é também hoje o mais aceito, é preciso explicar o que ainda está somente implícito, de que Jesus não somente pregou a si mesmo, mas que pregou uma realidade última que, para ele, não foi simplesmente só Deus, mas o reino de Deus. Desse modo, Deus é visto inserido dentro de uma realidade mais ampla: o reino de Deus.[7]

Jesus expressa a realidade última em uma unidade que se apresenta também dual, ou, se preferível, em uma dualidade unificada. Enquanto realidade última, sempre está Deus e algo que não é Deus. Portanto, é preciso falar de Deus e de reino, ou, então, é preciso falar de Deus e de uma vontade realizada de Deus, de Deus e de povo de Deus, entre outras características mais. A realidade última, para Jesus, tem uma dimensão transcendente e também histórica ao mesmo tempo. A dimensão histórica depende da transcendente, o que nos leva a concluir que o Reino é dependente em última instância do que é Deus. Nesse sentido, o advento do reino é apresentado sempre de modos diferentes daquele feito por João Batista e daquele feito por Jesus, já que cada qual apresenta noções diferentes de Deus. Também a compreensão de Deus depende do que é o reino, pois, para Jesus, Deus não é uma realidade que poderia não se relacionar com a história, tampouco a história com ele, mas que essa relação seja essencial ao próprio Deus.[8]

Essas concepções que Jesus tem de Deus estão arraigadas no Antigo Testamento. Deus nunca aparece como um Deus-em-si, mas como um Deus voltado para a história, o que o faz um Deus-de-um-povo. A confissão de Israel de que “eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo” (Jr 7,23) proclama um Deus que se mostra por essência um ser de relações, que se revela e que existe em relação a um povo. É um Deus-de, um Deus-para, um Deus-em, mas nunca um Deus-em-si. É Deus quem escuta os clamores do povo e vai em seu auxílio para libertá-lo, constituindo-o povo e fazendo-o seu povo. Para os profetas, é Deus quem defende os necessitados, os oprimidos, quem denuncia os opressores e anuncia a nova aliança com o seu povo. Na literatura apocalíptica, Deus é quem refaz, escatologicamente, seu povo e a criação toda. Na literatura sapiencial, ele aparece (e continua aparecendo) como o providente e até mesmo seu silêncio se trata de um silêncio ativo e dizente, não uma mera ausência de Deus na história, mas um silêncio que se faz sentir. Partindo dessas tradições todas, “[...] Jesus compreende a realidade última como uma unidade dual, um Deus que se dá à história ou uma história que chega a ser segundo Deus”.[9] Essa realidade última, a unidade dual, é a expressão formal da categoria reino de Deus presente nos discursos de Jesus.

Há que se verificar, no entanto, que isso estabelece um paradoxo, pois Jesus fala muitas vezes acerca do Reino de Deus, mas não chega a dizer concretamente o que isso vem a ser. Nos dizeres de Jesus, nunca está expressamente claro o que seja o reino de Deus, apenas reforça que ele está próximo. Nem mesmo em suas parábolas sobre o reino Jesus chega a definir o que seja o reino, mesmo que acentue que o reino é uma novidade, é uma exigência, mas nunca o define por completo, nem esclarece o conceito de soberania de Deus acerca do reino. No entanto, não é de se surpreender que Jesus não defina o que seja o reino de Deus. Os sinóticos chegam a afirmar, em outros contextos e com outra linguagem, que o dia do reino nem mesmo Jesus o conhece, o que é de conhecimento apenas do Pai. Isso significa que o conhecimento do reino é coisa de Deus somente e que se Jesus o tivesse definido, teria ultrapassado a própria historicidade sua e também seu aparecimento na terra não teria sido de forma humana. Entretanto, não é possível se deduzir que Jesus nada sabia a respeito do reino, muito menos que fosse uma palavra vazia de significados para ele. É preciso averiguar o que é que Jesus pensava do reino de Deus.[10]

 

1.3 O REINO DE DEUS NO ANTIGO TESTAMENTO

“A expressão ‘reino de Deus’ (malkuta Jahweh, basileia tou theou) é uma formulação apocalíptica tardia”.[11] Contudo, a relação de Iahweh com a realeza de Israel aparece com muita frequência ao logo de todo o Antigo Testamento. A terminologia reino de Deus não é, entretanto, originariamente e muito menos específica do povo de Israel, sendo já existente no Antigo Oriente. O que Israel fez de novidade nessa terminologia foi historicizar a noção de Deus-rei adequada à sua fé fundamental, na qual reforçava a perspectiva de um Deus que intervém na história. Desse modo, quando Israel instituiu-se como monarquia, uma realidade que lhe era estranha, assumiu, também, os símbolos desse regime de governo para expressar a sua presença ao Deus que o salvou e que fez povo seu.[12]

A realeza de Iahweh, capaz de intervir na história, foi apresentada com nuances diversas e nas mais variadas dimensões ao longo da história de Israel. No período mosaico, acentuou-se por demais o comando de Iahweh, e, no tempo dos juízes, a sua exclusividade. Durante o período da monarquia, a realeza de Iahweh tornou-se compatível a do rei de Israel. Contudo, é depois do fracasso da monarquia e após as catástrofes nacionais vividas pelo exílio, cativeiro e pela ocupação por potências estrangeiras que foi aparecendo com mais clareza o que significa o esperado reinado de Deus: um futuro como reino de justiça para Israel enquanto povo e no seio do próprio Israel. A literatura apocalíptica foi responsável por universalizar tal expectativa, dando-lhe uma perspectiva cósmica. Dado o pessimismo histórico, a apocalíptica acabou escatologizando essa mesma expectativa, fazendo coincidir com o aparecimento do reino de Deus, com o final dos tempos, em que se dará a renovação definitiva de toda a realidade e a ressurreição dos mortos já para este mundo atual, que, como está, não pode receber a Deus.[13]

A categoria reino de Deus apresenta-se sob duas conotações essenciais. A primeira é centrada no aspecto do governo de Deus em ação e a segunda no aspecto que visa transformar uma realidade histórico-social que é injusta e má em uma outra realidade boa e justa. Portanto, mais do que o reino de Deus, deve-se falar de um reinado de Deus, conforme podemos verificar no dizer do salmista: “Ele vem para governar a terra, governará o mundo com justiça e os povos com equidade” (Sal 96,13).

“Reino de Deus” não é uma realidade geográfico-política, embora expresse a esperança de um povo concreto, do modo como, por exemplo, se entendeu a cristandade medieval, de tal maneira que a Igreja praticamente coincidia com os limites geográficos que a separavam dos infiéis. Também não é [...] uma realidade cultual-ascendente, [...] que Israel só tem Javé por rei, embora sem dúvida nenhuma Israel faça isto em sua liturgia como resposta a Javé.[14]

Reinado, então, é a ação positiva de Deus, que transforma a realidade. Reino de Deus é o que ocorre neste nosso mundo quando Deus é quem reina. A história, a sociedade, o povo são todos transformados conforme a vontade desse Deus. A característica, então, desse reino de Deus está na realização do ideal régio da justiça. Portanto, reino de Deus é uma realidade sumamente positiva, a boa-nova por excelência, mas também se apresenta como realidade crítica do próprio presente, que é mau e injusto.

1.4 A EXPECTATIVA DO REINO DE DEUS NO TEMPO DE JESUS

O reino de Deus é uma utopia que responde a uma esperança popular e secular, em meio a uma infinidade de calamidades históricas. O reino é o bom, o sumamente bom, é algo libertador, pois vem no meio de e contra a opressão do anti-reino. O reino necessita e, ao mesmo tempo, gera uma esperança que é também libertadora da compreensível desesperança acumulada na história: quem sempre triunfa, na história, é o anti-reino.

No tempo de Jesus notamos bem presente as mais diversas expectativas acerca do reino de Deus. Por exemplo, fariseus e saduceus, nesse tempo, esquadrinhavam os sinais dos tempos para averiguar a vida do reino. Os essênios e os fariseus queriam acelerar essa vinda, caracterizada pela pureza, pela contemplação e pela observância da Lei. Mas também havia grupos que queriam acelerar essa vinda com violência armada, tentando implantar uma teocracia, embora seja pouco provável que no tempo de Jesus já existisse o grupo anti-romano armado dos zelotas.[15] Após a morte de Jesus, estes aparecem com mais exatidão, formulando seu ideal do que seja o reino de Deus.

Outro grupo importante é o representado pelos saduceus. Eles eram sumos sacerdotes e sua origem, provavelmente, remonta a sadoc, daí também serem chamados de sadoquitas. Era uma facção dentro do judaísmo, relatado no Novo Testamento e por Flávio Josefo. Formavam, acima de tudo, uma aristocracia sacerdotal e negavam a ressurreição dos mortos, a existência dos anjos e dos espíritos (cf. At 23, 6-8). Não apresentavam qualquer vestígio de uma doutrina messiânica, apenas acreditavam no chamado Messias sacerdotal, aceitando tão somente a Torah como sendo a lei escrita, rejeitando, portanto, a doutrina dos fariseus, das tradições dos anciãos entre outras. Em relação aos fariseus, eram ainda mais rigorosos quanto à interpretação da legislação penal. O sumo sacerdote era aceito pelas autoridades como o representante do povo, o que dava às famílias sacerdotais certos prestígios e influências políticas. Não eram necessariamente um partido político, embora defendessem e representassem certas ideias acerca do comportamento a assumir relativamente à administração romana. Nos evangelhos, eles são condenados juntamente com os fariseus por João Batista (cf. Mt 3,7) e também por Jesus (cf. Mt 16,1-12).  A única discussão deste grupo com Jesus é relatada na questão concernente ao casamento levirático (cf. Mt 22,23-33; Mc 12,18-27; Lc 20,27-40). Tal questão era uma armadilha que tinha por objetivo ridicularizar a crença pregada acerca da ressurreição.[16]

Os herodianos, que são mencionados em Mc 3,6 como o grupo que planejava a morte de Jesus com os fariseus, apresentavam uma identidade um tanto quanto discutida nos dias de hoje. Alguns biblistas dizem que era um gruo que acreditava que Herodes Magno fosse o Messias e que, então, os herodianos fossem uma seita fundada por Herodes. Estudiosos mais recentes, no entanto, colocam a hipótese de que eles tivessem sido soldados de Herodes, seus cortesões, ou, então, membros do pessoal de sua casa. Contudo, é mais provável que os herodianos fossem aqueles que favoreciam a casa de Herodes, ou seja, apoiavam o domínio herodiano e o domínio romano no qual ele estava baseado.[17]

Outro grupo era o representado pelos sicários. O vocábulo sicário deriva da palavra latina sica, como era conhecido um pequeno punhal ou adaga de tamanho pequeno que se podia facilmente ocultar debaixo da roupa, ou mesmo na palma da mão. A sica também foi usada pelos notáveis romanos, os patrícios, para cometer suicídio quando abriam as suas veias. Em muitos casos, quando o Imperador romano ordenava a pena capital de um cidadão, ele podia escolher cometer suicídio ou ser executado. Neste caso, o cidadão romano podia contar com os serviços do sicário, como era conhecido o portador da sica. O sicário é uma figura conhecida pelo direito romano que regulamentou a sua atividade e que por isso condenava os métodos cruéis com o qual os sicários levavam a cabo a condução de um suicídio ou de execuções. Os sicários representaram uma atividade que esteve vinculada à política, atuando em assembleias populares quando os adversários políticos contratavam sicários profissionais para por fim às suas questões políticas. Com o tempo, o termo sicário passou também a designar assassinos contratados, em referência às pessoas que matam em troca de dinheiro, ou mesmo de promessas de grandes recompensas.[18]

O fato preponderante é que existiram várias expectativas, já no tempo de Jesus, acerca da vinda e do estabelecimento do reino de Deus na terra. Jesus é compreendido conforme cada uma dessas expectativas, a fim de poder confirmá-las, ou modificá-las e também até por subvertê-las. Sem sombra de dúvidas, uma das figuras mais importantes está em João Batista, que aparece no deserto pregando a vinda iminente de Deus, mas com os termos juízo de Deus, e não com reino de Deus. Nesse sentido, a descrição encontrada na literatura de Mateus mostra a aproximação do reino de Deus com o objetivo de mostrar o paralelismo existente entre João Batista e Jesus. Embora João não se utilize do termo reino, ele dá uma resposta à expectativa de seu tempo, ainda que inesperada por conta do vigor da ameaça. Deus aproxima-se de forma escatológica, o que implica uma conversão, pois só ela pode salvar, não a pertença a Israel. João Batista é o profeta que denuncia o pecado e anuncia a vinda de Deus e de seu radical juízo. Isso dá margens a uma única possibilidade: a conversão, que se expressa no batismo como perdão dos pecados e que é realizada como fruto digno de conversão (cf. Mt 3,8). O anúncio da boa-nova é a possibilidade de salvação no batismo e anuncia algo escatológico, que é a unificação do verdadeiro Israel. Através do banho de imersão, João Batista congregava os penitentes para poder reuni-los em um povo escatológico a fim de salvá-lo do veredicto de condenação no juízo final.[19]

Tanto a mensagem quanto a pessoa de João, o Batista, exerceram grande influência no contexto da época de Jesus, assim como na própria pessoa e na própria missão de Jesus. Os evangelhos narram que Jesus se deixou batizar por João, o que nos faz perceber que a historicidade do fato é um dado indiscutível. Desse modo, não haveria como ser invenção das comunidade primitivas tal acontecimento se este não tivesse verdadeiramente uma base constituída numa realidade constatada e presente na vida dos primeiros discípulos. Isso deve-se ao fato de se verificar que Jesus é, justamente, batizado juntamente com o restante do povo (cf. Lc 3,21), não se distinguindo dos demais (cf. Jo 1,26.31) e recebendo um batismo especificamente para a remissão dos pecados. Claro que isso não deixaria de causar certa indignação nas primeiras comunidades o fato de Jesus deixa-se batizar por João, o que parece nos denotar uma inferioridade em relação a João, e que, depois da ressurreição de Jesus, os discípulos ainda continuassem a praticar o batismo (cf. At 19,1-7), o que também demonstra a continuação entre a competição existente entre os discípulos de Jesus e os de João Batista, que encontram ecos nos evangelhos e nos Atos: tais como o jejum dos discípulos de João contraposto ao não jejum dos de Jesus (cf. Mc 2,18s); o de Jesus e seus discípulos também batizarem (cf. Jo 3,22s) – embora aqui o evangelho de João não reconheça nem indique que o próprio Jesus batizava –, batizando até mais que os discípulos de João (cf. Jo 4,1); o fato de que os discípulos que foram de João passaram, depois, ao discipulado de Jesus (cf. Jo 1,35-42).[20]

“Uma última prova da historicidade do batismo de Jesus por João é que a cena do batismo foi sendo reescrita para que não restasse dúvida quanto à superioridade de Jesus sobre João, embora aquele aceitasse ser batizado por este”.[21] O evangelho de Marcos narra o batismo de Jesus de maneira bem simples e curta (cf. Mc 1,9). Já Mateus, preocupado com a doutrina, antepõe um diálogo entre Jesus e João no qual este recusa batizá-lo, em um primeiro momento (cf. Mt 3,14) e só concorda baseado nas palavras do próprio Jesus: “[...] assim nos convém cumprir toda a justiça” (Mt 3,15). Lucas, no entanto, silencia o nome de João, o Batista, e apresenta só o fato do batismo em si mesmo e de forma bem passageira, para se concentrar na revelação do Espírito a Jesus, estando este em oração (cf. Lc 3,21-22). João, o evangelista, evita a cena do batismo, mesmo que possa-se dizer que ele faça uma alusão à mesma de forma bem sucinta, e se interessa, principalmente, pelo testemunho que João, o Batista, dá de Jesus, que é quem batiza no Espírito Santo (cf. Jo 1,19-28). Portanto, João Batista, diante dessas prerrogativas todas, torna-se, na tradição da Igreja, o precursor de Jesus.[22]

Toda essa reflexão nos leva a captar que Jesus tomará de João a ocasião e também alguns conteúdos para fazer sua própria proclamação da vinda do Reino de Deus. Assim como João, Jesus aparecerá, inicialmente, como um profeta e anunciará a vinda próxima de Deus, destruindo as falsas esperanças alicerçadas nas prerrogativas de Israel, anunciando o juízo de Deus não somente sobre os gentios, mas sobre Israel também, rejeitando os que confiam em sua própria justiça, acolhendo pecadores notórios, abrindo sua pregação a todos e não a um resto separatista (contrariando, por exemplo, o estilo dos essênios e dos fariseus). Também, Jesus oferece a possibilidade da salvação, que, em nenhum dos dois casos (João Batista e Jesus) relaciona-se com as instituições salvíficas do Antigo Testamento: templo, culto, sacrifícios; mas algo que está alheio a elas: o batismo em vista da remissão dos pecados (no caso de João Batista), confiança incondicional em Deus (no caso de Jesus), e a conversão real em ambos os casos (em ambos os casos).[23]

1.5 O SIGNIFICADO DO ANÚNCIO DE JESUS SOBRE O REINO DE DEUS

 

1.5.1 VIAS DE AVERIGUAÇÃO SOBRE O REINO DE DEUS

Conforme os textos do Novo Testamento, o termo reino de Deus, ou também reino dos céus, parece constituir a verdadeira e própria palavra guia presente no anúncio de Jesus. As palavras reino de Deus aparecem 122 vezes no Novo Testamento, sendo que 99 delas estão nos Evangelhos Sinóticos, das quais 90 delas são proferidas por Jesus. Nesse sentido, podemos notar que essas palavras possuem uma importância fundamental na tradição acerca do anúncio dessa categoria. Embora na experiência pós-pascal, essas palavras venham logo a perder sua prioridade e passarão para um segundo plano, enquanto que o foco da pregação pré-pascal de Jesus é constituído pela mensagem sobre o reino de Deus, na pregação apostólica pós-pascal encontramos um lugar que se torna ocupado pela cristologia. “Obviamente, esse desenvolvimento, historicamente acertável [...], pode ser entendido como o sinal de uma ruptura entre a pregação pré-pascal e a pós-pascal”, [24] embora como expressão de heresia.

Todavia, podemos também perguntar se essa mudança na palavra guia não foi, talvez, indicada no modo pelo qual o mesmo tema se mantenha válido em circunstâncias diversas. Para cada caso, para a geração protocristã, a elaboração da cristologia constituía a expressão própria de sua fidelidade, não somente devota à pessoa, mas também à Palavra e à obra de Jesus. O fato, no entanto, é que, no transmitir do Evangelho, tenha-se conservado na sua forma original, testemunhando que essa expressão permaneceu por si presente e pôde ser ouvida sem que se verificasse por aquela ruptura com o cristianismo tido como concretamente vivido. Se a cristologia deveria ser a continuação do tema reino de Deus, é óbvio que podemos trazer informações sobre o conteúdo original desta palavra como sobre a tensão espiritual que estava à base. O que nos ajuda a descobrir algo sobre sua relação com o tempo e com a realidade.[25]

Mateus, em seu Evangelho, utiliza-se do termo reino dos céus, ao invés de reino de Deus como fará Marcos e Lucas. Ambas as expressões possuem o mesmo significado: o fundo linguístico usado por Mateus encontra-se na própria norma da língua hebraica, que reforma a ideia de que não se pode usar diretamente o nome de Deus, mas de se referir a Deus somente com perífrases, isso com sentido de respeito pela grandeza deste nome. Nesse caso, céu é, portanto, uma perífrase que indica Deus. Esse é um aspecto importante, uma vez que, a exemplo de Marcos e Luca, nem mesmo Mateus aborda qualquer coisa que seja concernente primariamente ao além-mundo. Tal observação encontra reforço quando acrescentamos que também a palavra, que habitualmente é traduzida por reino (e que vem do grego βασιλεία) não exprime, em uso proveniente do hebraico, um espaço dominado, mas sim uma realidade ativa. Pela expressão reino de Deus indica-se o reinar de Deus, o poder vivo que Deus exercita sobre o mundo. Jesus não chega a se referir, primeiramente, a algo que esteja no céu, mas a algo que Deus trabalha e trabalhará futuramente aqui na terra.[26]

A consideração que se faz acerca do significado da linguagem já nos introduz na interpretação do próprio objeto. No entanto, é preciso ter em vista que Jesus mesmo se insere com toda sua mensagem em uma tradição linguística e mental já preexistente em uma história da fé e da oração. Sua novidade manifesta-se no mundo com o qual ele mesmo se adéqua para tal tradição, dando-lhe continuidade e também transformando-lhe. A fé de Israel estava caracterizada desde seu início pelo momento da promessa e pela tensão da esperança. Esperança essa que se cristaliza no desenvolvimento que emerge das Escrituras do Antigo Testamento e que assume formas diferenciadas.[27]

Para o judaísmo antigo, distinguiam-se habitualmente dois tipos fundamentais de espera. Um deles é a espera rabínica, que apresenta diversas variações e correlações. Para a espera rabínica, Deus é sempre o Senhor do mundo e é quem o governa. Entretanto, está escondido, o que faz desse tipo fundamental esperar que Deus saia de seu esconderijo para se manifestar abertamente em sua plena potência de ser. Muitos rabinos acreditam que a libertação vinda de Deus possa ser apressada mediante a observância da Lei e das obras de caridade, bem como o exercício da penitência.[28]

Outro tipo é a espera apocalíptica, que destaca fortemente a radical diversidade dos dois eons (do passado e do futuro) e se desenvolve como expressão da esperança em situações desesperadamente minoritárias, contudo, fundamentando-se em outros tipos de esperança. Verificamos, com isso, um multiforme quadro cultural, ao qual insere-se a pregação de Jesus, cuja novidade não consiste tanto em pensamentos novos, mas na autoridade pela qual separa o trigo do joio. O componente davídico-dinástico, que continuava, por exemplo, de forma concreta na corrente dos zelotas, não encontra lugar na mensagem de Jesus. Em consequência a isso, ele nunca se declarou diretamente como sendo o Messias. Isso só será revelado através da inscrição posta no alto de sua cruz, que revela que é ele o Messias-Cristo. Desde aquele momento, ele se tornará o princípio pelo qual se fundamentará todo o credo cristão. Através desse catalisador, a cruz, que esse título de Messias-Cristo alcançará um significado extremamente novo.[29]

Mas, conforme seja, ambas as tradições apresentam programas em comum. Um dos seus aspectos comuns se dá no fato de seu sinal referir-se a Jesus como Jesus mesmo e se encontram juntos na oferta de sua mensagem. Mensagem essa que, no entanto, pede uma penitência na hora presente do juízo e da salvação. Mesmo essa correlação entre penitência e graça, entre penitência e escatologia, torna-se inteligível quando, por exemplo, verificamos o próprio sinal do profeta Jonas: Nínive foi jogada à própria sorte e mereceu a destruição. Entretanto, a graça inesperada e desmerecida é concedida àquela cidade pecaminosa, o que consiste no fato de que, em meio à sua miséria, foi-lhe enviada um profeta, que lhe revela o seu destino e lhe oferece a oportunidade de fazer penitência. E o improvável se torna fato: a cidade se converte e é poupada da destruição. Nesse sentido, a penitência aparece como graça, em primeiro lugar, pelo fato de ter sido oferecida e, em segundo lugar, por ter sido aceita. É essa a concepção na qual se reflete a pregação de Jesus, que proclama com autoridade que a penitência é graça e se volta, portanto, para os próprios pecadores e se torna por eles compreendida.[30]

Ao se tratar do que Jesus pensava acerca do reino de Deus, Jon Sobrino apresenta-nos três vias de averiguação. A primeira via é a que a teologia mais se utiliza. É o que se chama de via nocional e que consiste em averiguar a noção da qual Jesus apresenta acerca do reino de Deus, aferindo-a com as noções prévias que se verificava em Israel. A consciência de Jesus depende, entre muitas coisas, do Antigo Testamento. Jesus não anunciará, portanto, algo absolutamente novo, mas a novidade de Jesus estará em concentrar em seu anúncio a categoria reino de Deus.[31] Há que se insistir no próprio fato de que Jesus usa a terminologia do reino, em contrapartida ao uso geral que se encontra na tradição bíblica e judaica e que diz que tanto o termo reino quanto o termo salvação estão ausentes da pregação de Jesus.

Uma outra forma de averiguação, um pouco menos considerada pela teologia, está na chamada via do destinatário, que são os pobres. Há, no discurso de Jesus, uma correlação entre reino e destinatários, o que nos leva a concluir que, a partir de um, podemos saber algo do outro. Isso torna-se evidente ainda mais se o reino de Deus for apresentado não só como verdade, mas também como boa-nova, já que, neste caso, o destinatário ilumina intrinsecamente o que na notícia existe de bom.[32]

Uma terceira averiguação está na via da prática. Essa via é entendida em sentido amplo: palavras e atos de Jesus e pressupõe que o que Jesus fez estava a serviço do anúncio do reino. O conteúdo concreto do reino se depreende do conjunto de atividades de Jesus, o que nos leva a perceber que ela também é, muitas vezes, exigida pelo próprio Jesus quando relaciona sua atividade à atividade do reino, de forma bem explicita. Um exemplo disso está na expulsão dos demônios. Há, também, uma possibilidade de as atividades de Jesus expressarem sinais daquilo que se entendia por reino de Deus, como, por exemplo, as refeições. Há uma verossimilhança na suposição de que o anúncio e a atividade de Jesus estavam intrinsecamente relacionados.[33]

As presentes reflexões metodológicas sobre como estabelecer o que o reino de Deus foi para Jesus são de vital importância, principalmente dentro de uma teologia moderna, ainda que progressista, que usa mais a via nocional, porém acrescentando elementos da via da prática, embora costume ignorar de fato a via do destinatário, no que concerne à teologia da libertação. Verificamos, portanto, que abre-se uma infinidade de possibilidades conclusivas acerca desse tema.[34]

1.5.2 PROXIMIDADE DO REINO

Jesus nos oferece, através dos evangelhos, sua própria visão acerca do reino de Deus. A mensagem de Jesus sobre o reino de Deus está impressa por um sentido de contínua atualização e não está ligada nem a um lugar nem a um tempo. Ela não depende de especulações sobre espaço e tempo, mas está centrada na pessoa mesmo de Jesus e em suas categorias principais, que são a graça e a penitência e a graça e a ética. Esses binômios, na verdade, constituem-se em uma unidade imprescindível, e sua relação é de máxima importância.[35]

João Batista proclamava que Deus já vem. Jesus diz que o reino de Deus está perto. O evangelho de Marcos, em especial, declara: “Em verdade vos digo que estão aqui presentes alguns que não provarão a morte até que vejam o Reino de Deus chegando com poder” (Mc 9,1). Através das parábolas narradas nos evangelhos, o reino é como a colheita que já está madura (cf. Mt 9,37s), os campos estão ficando brancos (cf. Jo 4,35), e que, agora, já há o vinho novo (cf. Mc 2,18-20). Para Jesus, o reino de Deus já está presente no meio de nós, conforme ele responde aos fariseus no evangelho de Lucas (17,21). “[...] a aurora da salvação já está despontando, os velhos tempos passaram”.[36] A hora de Deus, sua vitória e a consumação do mundo estão próximas.  Na ceia, Jesus volta a mostrar sua convicção de que o reino virá: “[...] já não bebereis do fruto da videira até aquele dia em que beberei o vinho novo no Reino de Deus” (Mc 14,25). Ao dizer que beberei o vinho novo no Reino de Deus, Jesus explicita que haverá uma nova ceia, um novo banquete, que contará com a presença, à mesa, de Abraão, Isaac e Jacó, e ao qual se juntarão os pagãos dos quatro cantos do mundo (cf. Lc 13,28s).[37]

Certamente, essas afirmações de Jesus perturbaram os chefes de sua época, pois Jesus não só espera o reino de Deus, mas afirma categoricamente que ele está perto, que sua vinda é iminente, que o reino não deve ser tão somente objeto de esperança, mas é objeto de certeza. Jesus, em suas parábolas, sublinha que a vinda do reino, também, é humilde, apresentado em sinais pequenos, mas que é certo e seguro. Com uma linguagem de certa forma sistemática, Jesus tem a audácia de proclamar o desfecho do drama da história, a superação do anti-reino com a vinda salvífica de Deus. Portanto, os sinais que acompanham suas palavras têm o objetivo de manter a esperança.[38]

1.5.3 O REINO COMO INICIATIVA, DOM E GRAÇA DE DEUS

Jesus afirma sobre o reino que ele é dom: puro dom de Deus, que não pode, de forma alguma, ser forçado pela ação dos homens. A vinda do reino encontra-se totalmente traspassada por gratuidade, pois Deus vem por amor gratuito, sem vir como resposta à ação humana. Entretanto, a gratuidade divina não se opõe, de forma alguma, à ação humana, mas também não se trata de um crescimento mágico. A gratuidade, por sua vez, não pressupõe uma inatividade do reino, mas tem por função realizar uma série de atividades relacionadas a ele. “[...] A vinda do reino exige uma conversão, metanóia, o que [...] é uma ação do ouvinte: a esperança que os pobres devem chegar a ter, a mudança radical de conduta que os opressores devem fazer, a exigência a todos de uma vida digna do reino”.[39]

A vinda do reino é algo que só se pode pedir, não se pode forçar. Contudo, a vontade de Deus tem que se realizar já nesta terra, o que deixa claro a nós que isso é absoluta iniciativa amorosa de Deus, não forçada, muito menos forçável pela ação humana. O amor gratuito de Deus é que gera a necessidade e a possibilidade da reação amorosa dos homens, levando à conversão. No caso da conversão do pecador, é a bondade e a ternura de Deus que movem o pecador a uma mudança de conduta. Desse modo, a misericórdia de Deus, experimentada, torna-se fundamento para o comportamento misericordioso que deve existir entre os homens. Diz João em sua primeira carta que “[...] se Deus assim nos amou, amemo-nos uns aos outros” (4,11). Através do amor gratuito de Deus, alcançamos os conteúdos e a capacidade para que possamos amar o irmão.

Nesse sentido, o dom de Deus jamais se opõe à ação humana. A única oposição, por assim dizer, que se possa encontrar é o fato de que a atividade humana deva ser compreendida como aquela que possa causar ou forçar a própria ação divina. Isso Jesus rejeita ao afirmar que o reino é dom e que não se pode nem tem que forçar sua vinda. A única coisa que resta ao ser humano é orar, assim como ensina Jesus: “[...] venha a nós o vosso reino” (Mt 6,10; Lc 11,2).[40]

 

1.5.4 O REINO DE DEUS COMO “BOA-NOVA” (ευ-αγγελιον)

Em tradições precedentes, a vinda do reino de Deus consistia em crise e juízo tanto do mundo quanto da história. Jesus não vem como aquele tranquilizador de consciência, o que o faz estar em conformidade com João Batista. Jesus compartilha com João a ideia do juízo e, assim, espera a vinda do Filho do Homem nesse dia. Entretanto, diferente a João Batista, o que está iminente, para Jesus, não é o juízo de Deus – embora, certamente, este também virá -, mas a graça de Deus, sob o qual Jesus expressa com um termo que não encontramos nas palavras de João Batista: o ευ-αγγελιον (evangelho), ou a boa-nova, ou a boa-notícia.[41]

[...] a chegada do reino de Deus é algo bom e o sumamente bom. Jesus, como o Batista, exige conversão quando anuncia a chegada do reino (Mc 1,14; Mt 4,17) e depois exigirá conversão radical (Mc 9, 43-48). Mas em si mesma, a chegada do reino é antes de qualquer coisa uma boa-notícia, como explicam Mt e Lc: “a boa-nova do reino de Deus”. A notícia sumamente importante que Jesus traz é: Deus se aproxima, se aproxima porque é bom e é bom para os homens que Deus se aproxime.[42]

Em uma linguagem sistemática, ele diz que Deus rompeu para sempre a simetria de ser possivelmente condenador. Deus é apresentado como salvação e, ao se aproximar, gera essa salvação. Nesse sentido, a expressão ευ-αγγελιον aparece diversas vezes no Novo Testamento, apresentando uma diversidade de significados.[43] Para a literatura dos sinóticos, é um termo central, mas que apresenta diversidade de significados. No início de Marcos, por exemplo, o termo evangelho pode referir-se a Jesus ou àquilo que ele traz (cf. 1,1). Em outras passagens, no entanto, o termo aparece na boca de Jesus sendo usado em sentido absoluto (8,35; 10,29; 13,10; 14,9), aparecendo uma vez como a boa-notícia de Deus (1,14). Em Marcos, a boa-notícia, portanto, é aquilo que Jesus traz da parte de Deus, embora a ela também pertença a pessoa, a vida e o destino de Jesus. Mateus, por sua vez, apresenta apenas um significado: a boa-notícia do reino (cf. 4,23; 9,35; 24,14).[44]

Lucas evita o uso do substantivo evangelho, sendo que, em sua literatura, esse termo só aparece duas vezes nos Atos dos Apóstolos. Dessas duas, uma em sentido absoluto (At 15,7) e a outra como qualificação do favor de Deus (20,24). Entretanto, Lucas se utiliza muito, como a Fonte Q, do verbo evangelizar, que aparece por 10 vezes em seu evangelho e por 15 nos Atos. Ele se utiliza do verbo para dar um sentido de levar a boa-notícia. Tanto em Lucas quanto na Fonte Q, o termo ευ-αγγελιον remonta ao significado também encontrado no profeta Isaías (61,1-3; 42,1-4; 51,16; 52,7; 59,21), que se encontra intimamente ligado com os conceitos de profeta escatológico e o de levar a boa nova aos pobres.[45]

Portanto, a boa-notícia, nos evangelhos, é Jesus, mas, antes de tudo, com prioridade lógica. Boa-notícia é o que Jesus traz: o reino de Deus, pois não se pode separar o reino de Deus que Jesus anuncia e a boa-notícia que o próprio Jesus traz. Às vezes um e outro aparecem unidos, mesmo linguisticamente: o evangelho do reino de Deus, que traz como significado o reino de Deus como boa-notícia. O anúncio do reino de Deus não só é verdadeiro, como também é algo que por essência deve ser anunciado com alegria e deve produzir alegria, como também o demonstram os evangelhos. Isso impõe algumas condições sobre como anunciá-lo no presente e possibilita uma verificação a respeito do que se foi anunciado. Anunciar uma verdade para que seja aceita não é o mesmo que anunciar uma verdade que é boa-notícia. O fato de o reino de Deus ser ευ-αγγελιον significa que deve alegrar aos ouvintes. Jesus articula um dado radical da existência humana: ele promete que o reino não será mais utopia nem objeto de ansiosa expectação (cf. Lc 3,15), mas se tornará topia, ou seja, objeto de alegria para todo o povo (cf. Lc 2,9). Por isso, o Deus do reino expressa a esperança real de um povo em grandes dificuldades materiais, que se imerge em crises de identidade cultural. Jesus, então, é aquele que suscita um indubitável eco no povo durante todo o seu ministério, que é, até hoje, levado por aqueles que se tornam seus seguidores.[46]

2 O REINO DE DEUS E A TRADIÇÃO CRISTÃ

Tomando por base os conhecimentos cristológicos e antropológicos, o ensinamento dos grandes doutores da teologia começaram lentamente a dar um aspecto diferente ao conceito de Hades (ou de Xeol, ou de inferno), que é um movimento que não resulta, todavia, nem é levado a fundo e que também não conduz a nada de decisivo. Isso não se desenvolveu a ponto de consentir novas afirmações doutrinais e também não chegou a prejudicar a consciência pública. Sob o pano de fundo dessas convicções, que se inspiram sobretudo na história de Lázaro e que eram, para o sentimento dos crentes, suficientemente claras e certas, destacam o ponto central da confissão cristã, que se faz através da fé na ressurreição da carne. Tudo quanto é símbolo e fórmulas dogmáticas trabalham sob essa perspectiva (cf. DZ 2, 5, 10-64, 76, 150). Entretanto, o fato de que no Ocidente não se fale de ressurreição dos mortos, mas sim de ressurreição da carne, indica a humanidade toda. Com isso, encontramo-nos contemporaneamente na esfera da influência da teologia joanina, da qual Justino e Irineu eram particularmente próximos.

2.1 PERÍODO ANTIGO OU PATRÍSTICO

O período conhecido e chamado por Era Patrística apresenta uma particular noção acerca do que seja a escatologia. Costuma-se partir de um pressuposto de que a Patrística seja um período imediato ao pós-apostólico, marcado pela primeira carta de Clemente que testemunha a tensão existente entre o pensamento de uma inesperada e de uma repentina parusia do Senhor.[47]

Através de um olhar panorâmico acerca da formação doutrinária da Igreja, podemos distinguir, pelo menos claramente, três momentos. A Igreja Antiga (ou do tempo Patrístico) que apresentava uma significativa ausência quanto à não existência de qualquer que seja a afirmação doutrinal sobre a imortalidade da alma. Não era algo sentido como necessário, tendo em vista a raiz judaica da qual a fé cristã transportou a certeza de que os defuntos não se aprofundam no nada, mas que esperam no Hades a ressurreição sob um aspecto que se conforme com sua conduta de vida. De outro lado, não havendo a fé cristã afirmado nada de específico a se considerar, não havia motivo de se pensar algo em particular sobre a formulação dogmática, na qual somente os dogmas principais da fé cristã encontravam-se fixados na sua particularidade e novidade.[48]

No Oriente, Clemente e Orígenes assinalaram uma certa reviravolta, que levaria a uma necessidade de ser examinada. Por certo, a esses dois autores, como para o tempo posterior a eles, a situação dos defuntos permanece em um estado intermediário e o tipo básico de fé comunitária de orientação judaica não está ainda abandonado. No Ocidente, em contrapartida, falta também uma censura parecida. É certo que o século IV encontrou um desenvolvimento que foi cada vez mais encontrando em seus estudos um melhor aprofundamento durante o passar dos anos. Geralmente, seguindo a tradição judaica, a sorte dos mártires era sempre distinta daquela apresentada pelos demais defuntos e era atribuída àqueles a glória definitiva. A penetração da simbologia antiga na arte dos sepulcros e nas tradições fúnebres (libações) não pôs um fim a tal estado das coisas, mas, antes, acabou por vulgarizá-lo e consolidá-lo logo em seguida.[49]

A perspectiva cristológica mantém seu vigor na escatologia dos Padres com o tema da dúplice parusia e do significado da segunda. Desse modo, ao analisar o diálogo entre os judeus e os cristãos, Justino cita duas parusias do Cristo: uma humilde e outra gloriosa, colocando em evidência, sobretudo, a relação entre paixão e glória. Entretanto, quando se fala da segunda vinda, fala-se de milenarismo, que encontra-se difuso no pensamento escatológico do primeiro e do segundo século, principalmente nos ambientes populares. Esse tema da dupla parusia apresenta o tema também do seu relacionamento que também retoma o deferimento da segunda. Dentro do período patrístico, ressoam duas séries de motivações: a primeira fala da catástrofe final retomada em vista de uma nova criação pela qual se manifestará o Logos já presente e ativo como dynamis da história; a segunda é o juízo que se coloca em suspenso para garantir à humanidade um tempo de penitência. Neste segundo aspecto, o retardo da parusia é motivado pelo faro de que os penitentes ainda devam se converter. Para Justino, Deus julga dentro do tempo e com o tempo a liberdade da qual o homem dispõe para a observância da justiça. Se o cerne da esperança cristã é, portanto, a parusia do Cristo, o papel do homem, a sua necessidade de se expressar na história através da sua liberdade, constitui, para os Padres, um motivo antropológico intimamente ligado ao cristológico.[50]

Esta ligação entre o motivo cristológico e o antropológico emerge mais claramente ainda a propósito do tema da ressurreição dos mortos, em conjunto com o da ressurreição de Cristo. Para os Padres apostólicos, a ressurreição corpórea do homem é um elemento essencial da esperança cristã, fundamentado, no entanto, na ressurreição de Cristo e em sua encarnação. Essas chamadas duas parusias comportam a ressonância escatológica para a qual o Verbo leva à progressiva exaltação o processo da salvação do homem por inteiro, levando-se em conta sua carne, da qual se torna partícipe da aphtharsia ou imortalidade não só como um eternizar do corpo, mas como participação na glória que resplandece no Cristo ressuscitado.[51]

Há uma tendência de se espiritualizar as coisas na chamada Patrística, inclusive à escatologia. Isso fez com que a escatologia encontrasse sua expressão mais forte, sobretudo, em Orígenes, que apresenta-nos uma imagem da parusia com tendências a um libertar-se das coordenadas pelo binômio espaço-tempo. Essa imagem é a manifestação do Cristo a todos os homens, deixando de lado qualquer perspectiva que se apresente como estabelecendo nisso um lugar determinado, mas que se encontra onde quer que seja. Essa imagem é, antes de tudo, concebida como revelação que iniciará com a morte: “[...] as almas dos justos [...] passarão como que em uma escola de provação [...] na qual elas se prepararão para seu destino eterno”.[52] Também com aqueles que pecaram, sobrepostos a sofrimentos purificadores e temporais e que serão restituídos à condição de primogênitos; assim, todos os homens serão recuperados pela disciplina, pela persuasão e pela instrução.

Nos primeiros séculos, os pensadores da Igreja pensavam tão somente em contrapor à mentalidade existencial e científica do mundo de então e as consequentes e diversas interpretações cristãs da ressurreição, instância fundamental do Credo cristão. Na chamada Antiguidade Tardia, sobretudo no confronto com a tendência original da teologia, a discussão se desenvolve sobre um terreno concreto. Essa discussão se transforma, então, em uma animada disputa acerca do tipo de materialidade por atribuir-se ao corpo ressuscitado e o relacionamento deste corpo ressuscitado com o corpo terreno.[53] A fórmula conhecida como Fides Damasi, do século V e atribuída a Dâmaso I, exprime:

Cremos que nós, purificados na sua morte e sangue, haveremos de ser ressuscitados por ele, no último dia, nesta carne na qual agora vivemos, e temos a esperança de que dele haveremos de alcançar ou a vida eterna como recompensa do bom mérito, ou a perda do suplício eterno pelos pecados.[54]

O Concílio de Toledo, de 675 d.C., enuncia algumas fórmulas, dentre as quais está a que diz que

[...] segundo [... o] exemplo da nossa Cabeça acontecerá a verdadeira ressurreição da carne de todos os mortos. Cremos que não ressuscitaremos numa carne etérea ou em outra qualquer (como alguns deliravam), mas naquela na qual vivemos, subsistimos e nos movemos.[55]

Agostinho (354-430) retoma de maneira singular a perspectiva universal da escatologia. Com isso, ele fez ressurgir as grandes perspectivas da escatologia bíblica: no caminho da história do mundo, na qual a realidade visível da civitas terrestre é a figura do evento invisível do Reino, vindo da civitas Dei. Nesse sentido, a escatologia agostiniana transcende o setorial e o categorial escatológico, superando a concentração sobre as coisas últimas que tinha, por vezes, tomado o próprio pensamento dos Padres, retornando, assim, a um horizonte universal, ao qual se integra a escatologia com a eclesiologia e com a história, em uma tensão rumo ao Christus totus, ou seja, ao homem perfeito, cabeça e corpo, que consta de todos os membros e que a seu tempo encontrarão pleno cumprimento e que a cada dia se alcançam no mesmo coro, enquanto a Igreja se edifica.[56]

Portanto, no pensamento dos Padres, a escatologia se liga em uma visão universalista da história salvífica, caracterizada pela irrupção do Eterno no tempo, sobretudo através do evento decisivo da encarnação, realizado uma vez por todas (cf. Rm 6,10; Hb 7,27; 9,12; 10,10). Por conta desse evento, inauguram-se os tempos escatológicos que não negam o sentido da duração histórica: tendo presente a imagem de Irineu do cacho e do ramo da videira (o sarmento), podemos dizer que

A eternidade é o fruto do qual o tempo presente é a flor. Sem o dom do verão radioso que desce do céu, não haveria amadurecimento no outono; não é menos verdadeiro, porém, que o fruto amadurecido foi fecundado e se elaborava na floração da primavera.[57]

É preciso, porém, considerarmos que as grandes perspectivas escatológicas do período patrístico não deixavam de lado o destino do indivíduo, já tão notado na escatologia bíblica. Ao invés disso, tal destaque ia tendenciosamente assumindo um sempre e maior relevo sobre o influxo da cultura helenística, antes de cunho individualista. Assim, aparecia de forma crescente, com certa coisificação dos fins últimos, o interesse para a sorte da alma após a morte, a sua imortalidade, o seu estado de espera pelo juízo universal e à ressurreição na parusia.[58]

2.2 O PERÍODO DA IDADE MÉDIA OU MEDIEVAL

A contribuição do período medieval ao desenvolvimento da esperança escatológica foi cultivada principalmente pela espiritualidade monástica, conforme já dissertamos nesse trabalho. Nesse sentido, as primeiras afirmações doutrinais do período medieval, concernentes à escatologia, pertencem à definição da problemática, ainda e inteiramente, à Igreja Antiga. Com a bula dogmática Benedictus Deus, do papa Bento XII, inicia-se um novo estágio do desenvolvimento doutrinal da Igreja. Bento XII afirma que no tempo após a Paixão, Morte e Ascensão do Cristo, as almas dos defuntos que não precisaram de qualquer purificação, não devem estar em seu estágio intermediário, mas “[...] viram e veem a essência divina com uma visão intuitiva e, mais ainda, face a face – sem que haja a mediação de nenhuma criatura como objeto de visão”[59], revelando-se em sua essência divina sob modo imediato, desnudo, claro e manifesto.

No ano de 1241, a Universidade de Paris (então conhecida como Magisterium da Igreja) exprimiu uma decisão semelhante: a essência da afirmação entrou, então, no Credo do imperador Miguel Paleologo, formulado pelo II Concílio de Lião, em 1274.[60] Já o papa João XXII (1316-1334) usara, em um primeiro momento, a mesma e máxima naturalidade daquela fórmula, que, no entanto, em seu último período, foram tidos como duvidosos em consequência a um estudo aprofundado dos Padres, onde encontraram a doutrina da espera do céu, a qual domina inteiramente todo o período patrístico e que influenciará ainda em uma série de textos posteriores. Isso tudo acaba por induzir o papa a expor, em uma série de pregações, um novo conhecimento acerca de uma fase intermediária e extremamente cristológica da sorte dos defuntos: somente com o juízo universal e a ressurreição a esse estágio intermediário substituirá o estatuto trinitário definitivo; até o dia último, os santos se encontram sob o altar (cf. Ap 6,9ss), isto é, sob a proteção e na consolação da humanidade do Cristo. Após o juízo, eles sairão do velamento de sua humanidade e subirão sobre o altar para ver Deus face a face. A passagem do primeiro ao segundo estágio coincide com distribuição do reino ao Pai, da qual nos fala 1Cor 15,24.[61]

O Cristo encontra-se no céu. Isso significa que Deus é acessível ao homem, que o homem é justificado através dele, ou seja, que pertence ao Cristo e que por ele é aceito. Desse modo, entra, passando através da morte, no próprio Deus. Sejam os conceitos neotestamentários, sejam os conceitos patrísticos sobre a vida dos defuntos entre a morte e a ressurreição, um e outro provém das ideias diferenciadas do primeiro judaísmos acerca do Xeol. Essas ideias estão, por vezes, em referência ao centro cristológico e sobrepostas a um processo de cristianização, ao qual porém, em primeiro plano, de fronte à tarefa mais urgente da clarificação e da consolidação da mensagem da ressurreição, da qual está atribuída somente uma importância secundária.[62]

Os textos doutrinais dos séculos XIII e XIV significam, nesta ótica, que a associação entre as afirmações judaico-intratestamentárias e a confissão cristã assume agora um perfil mais preciso. Conserva uma forma de estágio intermediário, o purgatório, que, todavia, só agora, depois de um abandono sistemático das ideias sobre o Xeol, apresenta-se circunscrito com clareza teológica qual entidade a si definitiva, com base ao princípio da purificação. O fato que nos advêm, após a separação das Igrejas Orientais, explica que não se é mais possível chegar a uma concepção unitária entre o Ocidente e o Oriente. Os lugares onde até agora se supunha estariam os justos e os pecadores, tornam-se, agora, dissolvidos e substituídos, à luz da cristologia da ascensão ao céu, por situações temporâneo-definitivas: com o inferno, que está em função dos pecadores e com o céu que já está aberto aos justos.[63]

2.3 O PERÍODO MODERNO

O período conhecido como Escolástica tardia apresenta o tema da escatologia como que assinalado por um momento de pronunciado estagnação. Nesse período, as perspectivas fundamentais e típicas da teologia do período medieval foram se perdendo. É nesse contexto que encontramos a Reforma Luterana, que constituiu a tentativa de uma mudança de tendências para a renovação e uma reviravolta nas Escrituras e à tensão apocalíptica. Lutero entendia a escatologia com relação à cristologia e à justificação. Para ser mais preciso, ele entendia a escatologia como doutrina da experiência da ira e da graça de Deus, no encontro pessoal com o Cristo, para o qual ela não podia ser interpretada exclusivamente no quadro de uma reflexão sistemática.[64]

Consequente a isso, Lutero sentia, na própria consciência, as chamas do inferno, mas não por isso renuncia à espera do último dia e do fim dos tempos. A consciência de experimentar, na morte do Cristo, o fim da própria existência é traduzida diretamente na convicção que o fim dos tempos já está próximo. Nesse sentido, sua concepção está de um todo e essencialmente orientada para o Novo Testamento.[65]

Lutero, que por um lado distanciou-se com tanta convicção do pensamento sobre a imortalidade da alma a favor da ressurreição, tomou, de outro, uma posição bem peculiar contra a temporalidade. Frente a essas perspectivas, o texto doutrinal da Idade Média mantém-se fiel ao conceito do estágio intermediário, enquanto também distingue entre a determinação definitiva pessoal e aquela cósmico-histórica da cristologia. O texto pode ser retido em efeitos como síntese do desenvolvimento espiritual da Patrística.[66] A bula Apostolici regiminis, de 1513 do V Concílio Lateranense confirma que não é permitido falar da mortalidade da alma espiritual, ou de opinar que ela não seja uma entidade individual-pessoal, mas, contrário a isso, é coletiva, da qual os homens simples participam. O texto é instrutivo, uma vez que evidencia a síntese patrístico-medieval do pensamento grego e daqueles cristãos em um confronto com o espírito do renascimento, que refuta essa síntese e buscar substituí-la novamente com o pensamento grego na sua pureza pré-cristã, levando assim para o tempo moderno.[67]

O Concílio de Trento, condicionado fundamentalmente pelas questões levantadas pela Reforma, não afrontou o problema escatológico. Indiretamente, apresentou o problema escatológico no quadro da doutrina sobre a justificação e como graça doada aos crentes na existência terrena. Preocupados em afirmar o já agora da justificação, operada por Deus misericordioso para os méritos do seu diletíssimo Filho, Jesus Cristo, para o qual mediante o batismo, sacramento da fé, o homem é santificado e assinalado pelo Espírito Santo, os Padres conciliares não ignoraram que a sua causa final é a glória de Deus e de Cristo e a vida eterna. No entanto, também não dão muita relevância a esse aspecto.[68]

O tema da escatologia é, ao contrário, mais expressamente afrontado pelo lado muito setorial, em consideração da questão do purgatório. Tal afirmação doutrinal encontra-se sustentada somente levada em consideração à imperfeição do estado de justificação do homem, devido à permanência de um delito de pena temporal.[69] Do mesmo modo como no Concílio de Florença (1439-1445), o Concílio de Trento (1545-1563) afirma a purificação através de categorias de caráter penal, peculiares à concepção soteriológica latina que, na época da baixa Idade Média, dominou de maneira permanente o pensamento teológico e, com singularidade, o pensamento escatológico.[70]

 

3 O DEBATE ESCATOLÓGICO PRESENTE NO SÉCULO XX

 

3.1 OS ASPECTOS DAS ESCATOLOGIAS NÃO CATÓLICAS

O debate acerca da escatologia, dentro do século XX, foi animado de modo vivaz pela teologia protestante. Sem dúvidas, a concepção escatológica do mundo protestante operou uma verdadeira e peculiar revolução na teologia do século XX, pela qual se torna difícil refletir sobre escatologia sem recorrer a tais etapas e sem retornar às raízes teológico-culturais de tais concepções. Para muitos dos autores protestantes, tais como Barth, Bultmann, Moltmann, Panneberg, a escatologia não só é a consequência do seu próprio sistema de pensamento teológico, mas frequentemente constitui a alma própria do seu modo de proceder, ou seja, a escatologia se funde com a sua teologia.[71]

Encontramos alguns problemas e, dentre eles, o problema de ordem ecumênica, que é aquele da escatologia de estado intermediário. Sobre esse tema, encontram-se as diversas impostações escatológicas de fundo. Isso porque, sobre esse fundo, projetam-se as diferentes perspectivas teológicas dos autores e de suas diversas escolas. A escatologia intermediária, então, faz assim um teste decisivo das visões escatológicas das várias confissões cristãs e torna o terreno privilegiado, isso se não exclusivo, do confronto ecumênico inter-confessional.[72]

Na concepção escatológica protestante estão presentes alguns lugares teológicos fundamentais como a teoria da justificação, o relacionamento entre história e história salvífica, a possibilidade ao menos do diálogo entre palavra de Deus e as culturas, quaisquer que elas sejam. Acerca do tema da escatologia intermediária, verificam-se variadas divergências que chamam em sua causa problemáticas de cunhos filosóficos e teológicos. Os pontos de maior fricção concernem à antropologia: o problema da retribuição, a imortalidade da alma, a ressurreição dos corpos. Entretanto, também, de modo mais geral, a hermenêutica bíblica e teológica, que apresentam a possibilidade de ao menos inculturar a linguagem bíblica e as verdades da fé.[73]

No tempo de Lutero, tratando do estado do homem após a morte, ele sustentava que a imortalidade não provém de uma virtude natural do espírito, considerado em si mesmo, mas pelo relacionamento pessoal da fé com Deus, pelo qual sendo chamado Deus, o homem tem uma esperança de eternidade como parceiro e interlocutor. Nessa perspectiva, a ideia de imortalidade tende a ser pensada não como propriedade inerente ao homem, quase que se o homem fosse por si só capaz de sobreviver à morte. Atualmente, o protestantismo aproxima o problema antropológico da imortalidade àquele da justificação. O homem não possui uma justiça própria, enquanto qualidade inerente à sua natureza. Também o homem não possui uma imortalidade própria como se ela fosse uma propriedade natural da alma. Desde Lutero em diante, os pontos de maior diferença com a teologia católica, acerca da escatologia, concernem, sobretudo, à escatologia intermediária.[74]

“[...] O «recurso à imortalidade» é característico do homem que, dominado pela terrível certeza da morte, busca diminuir a importância referindo-se ao mito”.[75] Desse modo, a imortalidade é um mito de evasão no qual a humanidade se refugia para não considerar a própria e radical finitude que se revela na morte, considerada como fim que agarra o homem em sua pessoal totalidade. O homem, desse modo, não sobrevive à morte no sentido natural de imortalidade, já que não podemos permanecer neste plano, aqui em baixo, somos imortais, mas também somos seres na espera da ressurreição.

Moltmann sente a necessidade de radicar a escatologia na doutrina da esperança cristã. O eschaton abraça “[...] tanto a coisa esperada quanto o ato de esperar que a suscita”[76], com o eschaton indica-se seja aquilo que esperamos (futurum), seja aquilo que é a fonte das nossas esperanças (adventus). A doutrina acerca da esperança cristã, que é a escatologia, é como que um novo princípio fundamental que anima todo o cristianismo, o qual é todo quanto escatológico, como a nota com a qual tudo se encaixa, a aurora do esperado novo dia que colore cada coisa com sua luz.[77]

O princípio transcendental da esperança, em Moltmann, é posto no evento escatológico particular que é a ressurreição de Jesus, refutação antecipada e possibilidade para o futuro. A ressurreição, em Moltmann, parece pôr-se como o autêntico transcendental do ponto de vista humano. Todo o fato cristão é tornado escatologia, tendo em vista colocá-lo no centro. O cristianismo foi deixando de ser escatológico porque se deixou fascinar pelo entusiasmo do cumprimento, esquecendo-se o potencial de tensão rumo ao futuro-esperança que brota da ressurreição. O pensamento grego, elevando o conceito de epifania da divindade, influenciou na teologia cristã, fazendo-a tornar-se uma teologia epifânica, mais que escatológica. Em consequência a isso, a ressurreição de Jesus é considerada como exaltação e entronização, e é posta em relação à encarnação. Sem dúvidas, a humilhação até a morte de cruz pode ser entendida como um levar aos extremos limites a encarnação com a qual o Cristo atrai todas as coisas dentro do âmbito de seu próprio senhorio, todavia, desse modo, a cruz é reduzida a ser uma etapa transitória na sua ascensão ao seu senhorio celeste. A cruz permanece até o cumprimento do eschaton que assinala e firma o seu senhorio no mundo.[78]

Se a ressurreição é entendida nesses termos, como uma entronização celeste, então, o evento sacramental que a representa no culto torna-se um paralelo da sua encarnação e é tomado como sinal e realização de seu senhorio celeste e da sua vida celeste no campo das coisas terrenas, fragmentadas em um grande número de potencialidades. Assim, a história perde sua orientação escatológica. Já não é mais a esfera da qual os homens sofrem e esperam gemendo e cansando-se, na expectativa do futuro de Cristo para o mundo, mas torna-se o âmbito no qual o senhorio celeste de Cristo se desvela na Igreja e no sacramento. Contrário ao não-ainda escatológico está o somente-agora cultual, que se torna a chave da história post-Christum.[79]

A teologia ortodoxa, que não conheceu uma revolução escatológica que assinalasse toda a sua teologia, apresenta uma escatologia não muito elaborada. A controvérsia entre ortodoxos e católicos da época do cisma do século IX e que vigorou até o século XIII abordou muitos temas (entre eles o Filioque, o primado, o pão ázimo), mas, no entanto, nunca entrou no terreno da escatologia. Na verdade, as divergências existiam, mas não destacavam a ocasião para evidenciá-las. Por quanto se considere, então, as almas dos justos ou dos pecadores confessos, alguns teólogos retêm que não estão destinados ao fogo do purgatório. Com a ajuda dos sufrágios, essas almas vão à felicidade do paraíso. A questão acalorou-se repentinamente: os orientais acusaram os latinos acerca da ideia do fogo do purgatório, como se estes quisessem repropôr o erro original do fogo da apocatástase.[80] Os dominicanos, em 1252, reprovaram, em um escrito contra os gregos (Contra errores graecorum) a doutrina dos orientais que não arremetiam à imediata retribuição porque as almas dos defuntos não rejubilam da beatitude celeste antes do juízo final, e, no mesmo tempo, não sofrem o inferno antes que o juiz supremo não emita a sentença definitiva. Eles refutavam a doutrina oriental com citações de são João Crisóstomo, santo Atanásio e são Basílio. Até mesmo são Tomás se ocupou dessa questão no seu De rationibus fidei ad cantorem Antiochenum e em seu Contra errores graecum, já mencionado. Mas, no II Concílio de Lion (1274), a discussão entre latinos e gregos não abordou o tema dos novíssimos, o que significa que a questão, em sua globalidade, não depende de fatores generalizados acerca do relacionamento entre as igrejas do Oriente e as do Ocidente nem, sobretudo, acerca do problema do primado do papa de Roma. Prova disso é que a união se rompeu e as polêmicas sobre purgatório, inferno e a retribuição logo após a morte e que, após a Benedictus Deus, em sucessivos momentos os debates ficaram intermináveis e confusos.[81]

Mais além dos acontecimentos históricos e de sua evolução, é preciso individuar as diversas perspectivas entre a igreja oriental e a latina. Em um primeiro instante, encontramos ambas as igrejas convergindo para a existência de um estágio intermediário da escatologia compreendido entre a morte e a parusia do Senhor. Antes de tudo, a escatologia das igrejas orientais está dominada pela espera que envolve toda a escatologia do terceiro século com sonhos milenarísticos. Os mortos esperam um único juízo final que dará lugar ao fim do mundo, enquanto que esta é a hora da espera. Eles estão em estado transitório e intermediário que só é uma antecipação do estado final. É claro que nesta concepção não há uma salvação definitiva ou uma danação no estado intermediário, pois tudo está suspenso ou antecipado algumas igrejas orientais antigas foram as primeiras a romper com Roma, depois de Éfeso (em 431), e retinham que, no intervalo entre morte e parusia, as almas estão em estado de inconsciência (hipnopsichismo), de letargia, à espera de uma retribuição.[82]

Além do caráter de espera da retribuição que se opõe ao dogma católico de imediata e plena retribuição post-mortem, nota-se a diferença entre a concepção oriental do estado intermediário e a diferença latina fundamentada sobre a diferente concepção da soteriologia.[83] Os orientais não desenvolveram, muito menos nunca aceitaram, a concepção de uma satisfação penal com a distinção verificada entre os ocidentais. Nota-se que essa distinção está fundamentada na concepção latina do estado intermediário de purificação como pura remissão do reatus poenae, e não do reatus culpae, de onde não existindo mais no purgatório uma possibilidade de mérito (satisfactio), existiria só a possibilidade de descontar-se da pena (satispassio) algumas culpas remidas antes da morte. Desse modo, a concepção do estágio intermediário da purificação, para a igreja latina, é mais que outra retrospectiva; ela tende a reparar os defeitos, as imperfeições e as escórias de tudo quanto é bem e se é feito unicamente nessa vida terrena.[84]

Hoje em dia, a posição da teologia ortodoxa aproxima-se, em alguns aspectos, às posições do protestantismo contemporâneo e se destaca por algumas posições da própria tradição. Desse modo, a título de exemplo, enquanto no passado a originalidade, vista com a doutrina da apocatástase, era nitidamente refutada e era também uma das razões de oposição da concepção latina acerca do purgatório, agora apresenta-se como revigoramento próprio à sua doutrina originária, para, assim, sustentar sua posição. Dentre os teólogos ortodoxos, há uma teologia vigente hoje que diz respeito à não existência de um estado intermediário de purificação, no qual opera a força do Espírito Santo e a eficácia dos sufrágios. Essa eficácia não conhece limites, para o qual o verdadeiro problema está em fechar-se, se existe o purgatório, mas se existir um inferno definitivo. O inferno é, desse modo, um purgatório e a perspectiva própria desse pensamento resguarda sua própria posição a uma escatologia intermediária, que é considerada em vista de uma escatologia total que abarca toda a criação e todos os homens. Ao trabalhar o estado intermediário entre a morte e o juízo, o termo purgatório, segundo a tradição ortodoxa, já não o apresenta como um lugar especial e distinto da condição definitiva de perdição ou de salvação imediata, anteriormente ao juízo único e final. O estado intermediário é só e intrinsecamente uma referência ao purgatório, a que ainda nada de absolutamente definitivo é adquirido, mas a obra de redenção continua.[85]

A ascese oriental não é expiação, mas é espiritualização deificante e, quando os gregos falam de sofrimento purificador, não estão se referindo à satisfação penal: é absolutamente impossível usar o termo mesmo de expiação purificadora. Quando abordam o conceito de penalidades, refutam o aspecto preciso da satisfação, rejeitam a pena do fogo antes do juízo e negam, portanto, a ignis purgatorius e toda a doutrina romana do purgatório, no aspecto jurídico. O Oriente, ao excluir a satisfação penal, ensina a purificação após a morte, não como pena a ser purgada, mas como continuação do destino, da purificação e da libertação progressiva. Entre a morte e o juízo, a espera é tida como criadora, pois a oração dos viventes, suas ofertas feitas em favor dos defuntos, os sacramentos da igreja intervêm e continuam a obra do Senhor.[86]

Portanto, o acento, nas igrejas ortodoxas, está sempre posto sobre o drama da salvação como transfiguração cósmica e deificante. Os pontos de diversidade entre Oriente e Ocidente referem-se sobretudo à escatologia intermediária. Essa é concebida como continuação do drama da salvação caracterizada não por formas de satisfação penal, mas por uma condição de espera ativa na qual o homem se purifica, se liberta de algumas imperfeições e, nos termos da teologia ortodoxa atual, também do estado passado e de danação. O caráter de purgatório do estágio intermediário exprime, portanto, um estágio ainda não definitivo referente à salvação. Isso virá com o triunfo do amor e da misericórdia. Desse modo, a eternidade será somente extensão do mundo transfigurado e divinizado.[87]

 

3.2 A CONTRIBUIÇÃO DA TEOLOGIA CATÓLICA PARA A ESCATOLOGIA

Enquanto desenvolvimento, a escatologia católica, nos últimos anos, apresentou-se em um âmbito mais setorial, seja em referência aos manuais, seja em referência às pesquisas que tocaram ou que tocam os aspectos específicos do tema escatológico. Na teologia católica, a escatologia intermediária ocupou um lugar privilegiado. Isso é notado desde a época das controvérsias medievais até os manuais recentes. A importância conferida à fase intermediária é tal que ela não só ocupou o primeiro lugar na estrutura do De Novissimis, mas ofuscou o sentido e o resultado do eschaton final referente ao anúncio da ressurreição e do retorno do Cristo.[88]

 

3.2.1 A ESCATOLOGIA DO VATICANO II

A escatologia do Concílio Vaticano II alcançou um posto notável na teologia católica contemporânea, sobretudo em consideração daquilo que podemos chamar de seu ponto de vista programático e unitário, referente à consideração da igreja no seu dúplice fundamento: referência a si mesma (ad intra) e ao mundo (ad extra). Em ambos os pontos, fazendo referência às duas principais constituições dogmáticas do Vaticano II, Lumen Gentium e Gaudium et Spes, emerge, abertamente, a perspectiva escatológica como sendo horizonte essencial para a vida da igreja. As duas perspectivas aparecem para dar uma visão global, e também sistematicamente unitária, à escatologia cristã. Os dois documentos inserem a dimensão da esperança cristã no quadro da história salvífica particular e universal, tendo em vista que a igreja anuncia uma esperança não só por si, mas também por conta do mundo. É assim que ela se revela como luz das nações, tendo na sua perspectiva não só os crentes, mas os homes e mulheres de todos os tempos.[89]

A perspectiva escatológica, à qual se refere a Lumen Gentium, impõe-se historicamente a partir dos inícios do segundo período do Concílio, com a intervenção dos bispos alemães e escandinavos, alcançando a estruturação atual do texto. Na breve síntese escatológica católica apresentada nessa constituição dogmática emerge a importância do seu auxílio em matéria de escatologia: nela, de fato, a escatologia é novamente colocada no horizonte da história da salvação como esperança da igreja vista nos seus diversos momentos da caminhada rumo à Jerusalém celeste, que será, também, o eschaton de toda a criação em Cristo (cf. Ef 1,10; Col 1,20; 2Pd 3,10-13).[90]

O ponto de vista do Concílio supera a impostação manualística da escatologia em partes sistemáticas entre a escatologia intermediária, entendida como escatologia do simples, e escatologia coletiva, identificada na escatologia final, a fim de adotar antes de tudo a distinção dos diversos momentos do caminho histórico da única igreja na qual se insere, a cada momento, a história do simples. Fala-se do tempo presente da igreja peregrinante, como tempo escatológico na qual chegou para nós o fim dos tempos (cf. 1Cor 10,11). Entretanto, também esse tempo presente caracteriza-se por aquela figura deste mundo que passa e que vive entre as criaturas, que toca as mesmas estruturas da igreja, suspirando pela manifestação dos filhos de Deus (cf. Rm 8,19-22).[91]

No recuperar da perspectiva histórico-universal, a escatologia da constituição dogmática Lumen Gentium possui, ainda, o mérito de centralizar a perspectiva eclesiológico-salvífica no mistério cristológico, operando, não somente, uma fusão entre escatologia e eclesiologia, mas, também, entre escatologia e cristologia. A distinção dos tempos da história salvífica no já-agora (que é antecipação escatológica) da era cristã é adornada por uma verdadeira santidade e supera, portanto, a igreja sinagogal do antigo êxodo, e isso é devido ao evento cristológico da cruz e exaltação-ressurreição (cf. Jo 12,32; Rm 6,9). A missão do Espírito vivificador, por quem a prometida restauração que esperamos e que já começou com o Cristo, sendo levada adiante com o envio do Espírito Santo, na Igreja. O caráter escatológico da existência cristã presente aparece fundamentado na sua antecipação sobre o evento cristológico. Essa recuperação da dimensão escatológica, no presente cristão, consiste em alargar nesta perspectiva o significado da escatologia intermediária, definindo-a não simplesmente nas dificuldades da existência do simples homem na morte, mas como fase intermediária da história da salvação aberta pelo evento da encarnação e da páscoa de Cristo e que será concluído com a sua parusia.[92]

Tal tempo intermediário, caracterizado pelo já-agora escatológico e pelo não-ainda, abraça não só a fase terrestre e peregrinante da igreja, mas também uma existência além da morte para o qual “[...] alguns dos seus discípulos peregrinam na terra, outros, já passados desta vida, estão se purificando e, outros vivem já glorificados, contemplando claramente o próprio Deus, uno e trino, tal qual é”.[93] Estes momentos ao qual a igreja vive em seus membros individuais os diversos estágios de aproximação da parusia, não constituem, para o Concílio, o tratamento de um capítulo da escatologia individual, na qual se retorna a um discurso individualístico sobre a sorte do simples, nem a repetição da antiga classificação das três igrejas (militante, padecente e triunfante). Cada caráter pessoal da escatologia, de fato, é vista pela constituição no interior do mistério de comunhão da única igreja, da qual “[...] a união dos que estão na terra com os irmãos que adormeceram na paz de Cristo, de maneira nenhuma se interrompe; pelo contrário, segundo a fé constante da Igreja, reforça-se pela comunicação dos bens espirituais”.[94]

Já a constituição pastoral Gaudium et Spes apresenta um ponto de vista de uma escatologia conciliar dominada pela tentativa de estabelecer um diálogo entre a esperança cristã e o futuro mundano. Lá onde a ausência desse diálogo gerou no mundo uma esperança sem fé, inteiramente direta do horizonte intramundano rumo a um futuro a ser realizado somente através do desenvolvimento econômico e social, o Concílio efetua uma análise acurada da existência humana no contexto das múltiplas e rápidas mudanças que marcam o nosso tempo e que colocaram em desequilíbrio e inseguranças a vida humana. A pergunta escatológica aproxima-se dos questionamentos últimos da existência humana, dos quais estão o significado da dor, do mal e da morte. Dessa maneira, a constituição pastoral tende a rebuscar o horizonte da esperança humana em busca de uma perspectiva de um além-mundo da existência terrestre, na qual só se pode cumprir o sentido definitivo da vida e das suas aspirações da qual o homem não pode proteger-se do risco do desespero. A esperança cristã, nesse sentido, dá vigor à esperança humana com força do horizonte de uma transcendência de Deus, que fundamenta a transcendência do futuro.[95] Por essa chave de compreensão, a constituição pastoral dedica todo um parágrafo à questão da morte, com uma linguagem um tanto quanto existencial, bem diferente da abordada pela Lumen Gentium. A Gaudium et Spes aborda as angústias e os temores do homem diante à morte, motivado, sobretudo, pelo pensamento de um fim total. Assim, a constituição aborda explicitamente aquele desejo de imortalidade que o homem leva “[...] invencivelmente radicado em seu coração”.[96]

Essa imortalidade levada de forma invencível e radicada no coração do homem, insurge do germe de eternidade que o homem também tem em si e que não pode ser apagado pelo simples prolongamento da longevidade biológica. Através da afirmação de uma vida além da morte, a Gaudium et Spes, em um diálogo com o homem contemporâneo e sensível aos valores terrenos e históricos, mostra como se torna falsa a crítica à escatologia transcendente como responsável de uma evasão do crente pelos seus empenhos terrestres. A esperança cristã não determina algumas alienações históricas, ainda que ofereça novos motivos sustentáveis pela atuação destes. Desse modo, o Concílio leva adiante o diálogo sobre a esperança animando a perspectiva do empenho terreno para a transformação do mundo com o horizonte cósmico dos novos céus e da nova terra, pelos quais, no que diz respeito à distinção entre o progresso terreno e o desenvolvimento do Reino, o crescimento do corpo cósmico da humanidade, através dos valores terrestres é, porém, de grande importância para o evento da realeza de Deus que é, de fato, espanto e anúncio.[97]

4 A DISCUSSÃO ATUAL

A teologia de hoje sempre está determinada pela discussão com a época precedente. Nesse sentido, conforme já foi possível verificar, somos frutos do pensamento teológico-escatológico das mais variadas fases da história. Na escatologia, presente e futuro intra-histórico, de um lado, e o fim escatológico do outro apresentavam-se, em épocas anteriores, totalmente separados. A escatologia não tinha interesse no curso da história do mundo, mas apenas em seu fim: no dia derradeiro em que Cristo voltará em glória, os mortos ressuscitarão e serão julgados. Esse mundo atual acabará e um novo mundo surgirá; temor e esperança concentram-se, então, no destino final dos indivíduos e não mais no destino do mundo. Essa posição se orientava fortemente por certos motivos da apocalíptica. Nessa posição, o pensamento pessimista em relação ao presente eon e a rigorosa diferenciação entre o presente (velho eon) e os esperados acontecimentos finais (novo eon) estavam colocados em comum com as concepções da literatura apocalíptica. Entretanto, essa posição não estava animada pelo espírito de intensa expectativa que a apocalíptica apresentava, pois o fim parecia, agora, estar situado em um futuro distante.[98]

O neo-escolástico, cuja perspectiva se baseia nessa posição acima citada, resultou, por um lado, em certo desinteresse por parte dos crentes no progresso técnico e social da humanidade. E, por outro lado, gerou uma pequena relevância à fé para a pessoa engajada tanto no aspecto técnico quanto no social. Um dos predecessores disso foi Teilhard de Chardin, que viu, nessa polarização entre esperança cristã pelo além e o engajamento em relação ao mundo do aquém, baseando-se nas ciências naturais e na técnica, um grande desafio.[99]

Desse modo, a teologia se viu colocada frente a um novo desafio, depois do fracasso das esperanças políticas surgidas pelos idos dos anos 60, e em face aos prognósticos de estudos futuristas que se apresentaram cada vez mais pessimistas, desde os anos 70. As reações teológicas acerca desse novo desafio apresentou-se, pelo menos, em duas ênfases distintas. A primeira ênfase trata da ocupação sobretudo do processo de libertação social, elaborando uma relação entre história da esperança e história do sofrimento. Nesse sentido, Moltmann complementa sua Teologia da Esperança com a teologia da cruz, que não seria outra coisa senão o verso da teologia da esperança cristã.[100] A esperança pascal não ilumina só a um novo e desconhecido da história por ela iniciada, mas, concomitantemente, para trás, aos cemitérios da história.

Várias reflexões hermenêuticas contribuíram para a mudança da escatologia nas últimas décadas. Elas fornecem a chave de compreensão da maioria dos enunciados quanto ao conteúdo. Uma escatologia que se orienta basicamente pela apocalíptica pode dar a impressão de estar baseada numa espécie de relato de testemunhas oculares, ou seja, Deus teria mostrado a algumas pessoas escolhidas o futuro como uma terra distante, em virtude de sua natureza divina, o mesmo Jesus que viveu na terra teria se disposto a um conhecimento ilimitado sobre o futuro. Dessas testemunhas, a escatologia cristã colheria as informações precisas, reunindo-as em uma descrição completa.[101]

A teologia mais recente redescobriu a força da expressão vista como específica nos símbolos, nas metáforas, nas figuras, e no caráter análogo de todo o discurso acerca da fé. Para a escatologia, há uma especial importância na diferenciação daquilo que é a linguagem informativa exata e o que é a linguagem figurativa e aberta. Esta é sua linguagem mais adequada, tendo em vista que ela não trata de conteúdos neutros, mas de conteúdos pessoais, tanto mais quanto se trata de um futuro histórico, de fazer uma articulação com a esperança. Já a “[...] linguagem figurativa é concreta e [...] capaz de fazer a relação com experiências e expectativas da atualidade”.[102] A linguagem figurativa também apresenta uma abertura, pois as figuras podem transfigurar-se em outras, transcender a si mesmas, as expectativas podem ampliar-se sem que venham a se perder a sua continuidade história e a continuidade da história da esperança e a continuidade da promessa. Esse contexto nos apresenta uma transformação, explicitada na transposição de motivos, de figuras bíblicas de esperança, como, por exemplo, as pastagens que se transformam em terra de leite e mel, mostrando que o primeiro Êxodo é superado por um segundo Êxodo que é ainda mais deslumbrante, significando, assim, uma superação da primeira aliança por uma nova aliança.[103]

O mundo de hoje tornou-se profano e tudo indica que este processo está longe de atingir um termo previsível. A fé, resultado do mundo profano, é por este interrogada sobre o modo como se comporta perante esse universo que a instituiu. É claro que [...] a fé pode simplesmente tornar-se surda e [...] persistir na tradição teológica e na devoção religiosa, como se o Espírito Santo ainda não a tivesse iluminado.[104]

Cristo apresenta-se como evento de uma múltipla verdade, do qual a carne só aparece como carne pela encarnação de Deus, aparecendo como terra, como mundo secularizado. Deus, desse modo, só aparece totalmente como Deus na sua superioridade transcendental relacionada com o mundo, tornando-se ativa na economia do movimento histórico que se põe em sujeição à lei de Cristo. Esse aspecto edifica-se como horizonte de uma compreensão do mundo que é genuinamente cristã. Todo o futuro do mundo, nesse sentido, torna-se continua no modo de ser proveniente da hora do Cristo (cf. 1Cor 10,11; Ef 1,10; 1Pe 4,7). A humanidade, que caminha para frente, penetra cada vez mais com profundidade em sua própria origem histórica, colocando-se cada vez mais, e de forma sempre mais séria, sob  lei e o signo do seu começo, que é afirmação da aceitação por Deus, em Jesus Cristo.[105]

A Bíblia é o livro da promessa feita por Deus aos homens. Isso significa que a revelação eficaz de seu amor revela, ao mesmo tempo, o próprio homem a si mesmo. A promessa revela-se, interpela e realiza-se ao longo da história. Ela é que orienta toda a história para o futuro, pondo, assim, a revelação em perspectiva escatológica. A história humana não é nada mais do que história do cumprimento paulatino e surpreendente da promessa. Assim, a promessa é um dom aceito na fé; dom que fez de Abraão o pai dos que crêem, pois foi a ele que se fez, inicialmente, a promessa (cf. Gn 12,1-3; 15, 1-6) de que ele e sua posteridade seriam os herdeiros do mundo (cf. Rm 4,13). [106]

Os profetas anunciavam um reino de paz. Paz essa que, porém, supõe o estabelecimento da justiça, que é produto da equidade (cf. Is 32,17).  Paz, amor, justiça, liberdade são realidades intimistas, não são só atitudes interiores, mas são realidades sociais e que são também portadoras de uma libertação histórica. Por isso, a supressão da miséria e da exploração dos seres humanos é sinal da vinda do reino em nosso meio. O reino só se fará presente de fato quando houver gozo e regozijo no povo (cf. Is 65,21-22). As promessas escatológicas vão se cumprindo ao longo do tempo e da história humana. Entretanto, isso não significa que se identifiquem com realidades sociais determinadas. A obra libertadora das promessas escatológicas vai além do previsto e encontra sua finalidade em novas e insuspeitadas possibilidades. O encontro pleno com o Senhor porá fim à história e se dará na história, o que fará com que tomemos o acontecimento histórico em toda sua concreção e significação, tendo em vista sua constante desinstalação. Por estar presentes desde já, as promessas escatológicas dinamizam o devir da humanidade e projeta-o para além do que podia o homem esperar, negando-se a toda planificação. Assim, em Cristo é que todas as promessas feitas por Deus tem sua plena realização (cf. 2Cor 1,20).[107]

Portanto, a escatologia, que apresentou por séculos uma existência tranquila, agora encontra-se posta em uma época de crise histórica do tempo atual. Saímos de um momento escatológico que se preocupa tão somente com as coisas últimas e que procurava dar aos fiéis as respostas através da Teologia dos Novíssimos, e passamos para uma Escatologia da esperança, que é a nossa esperança e que acaba fundamentando a própria fé cristã nessa categoria que foi resgatada: a esperança. Para tal, poderíamos também hoje escrever uma escatologia tão somente voltada à forma de discussões com as teologias do futuro. Entretanto, as perguntas acerca do futuro e do presente e a inteira temática da esperança e da prática da esperança faz parte da temática escatológica. Assim, o motivo exterior e o interior que essas perguntas acabam implicando, apresentam uma concepção especificamente cristã do futuro e do presente e são, para o homem, tão necessárias quanto lhes é necessário o cristianismo, ainda que por várias razões a forma deste último possa apresentar-se como sendo não atual.[108]

Tudo na vida humana acaba tendo uma mudança. Assim como as questões técnicas presentes na nossa sociedade ao longo de nossa história, também o pensamento humano foi adquirindo novas perspectivas. E é isso que verificamos ao falarmos de teologia e, principalmente, de escatologia. Desse modo, nesse terceiro capítulo, ainda em continuidade à especulação acerca do caráter escatológico do reino de Deus, pudemos verificar, em suas fundamentações bíblicos-doutrinárias, as passagens todas que o pensamento escatológico cristão foi sofrendo ao longo da história humana.

Em um primeiro momento, marcado sobretudo pela época da Patrística e do Período Medieval, vemos uma menor preocupação para com as questões escatológicas e sobre o reino. Por isso, há uma certa dificuldade em se poder escrever ou falar sobre tais temáticas para aqueles períodos. No entanto, sabemos bem que foram épocas marcadas, sem sombra de dúvidas, por uma Teologia dos Novíssimos, que apresentava uma escatologia não tão preocupada ou nem tão em busca de uma especulação teológica, mas que se cercava e se baseava nos conceitos de purgatório, inferno, paraíso, e sob as perspectivas das igrejas padecente, triunfante e militante.

A Idade Moderna e, principalmente, os tempos contemporâneos abrem perspectivas diversas e resgatam o tema da esperança para a escatologia. Nesse momento, as teologias de cunho não católico contribuíram para esse resgate e para essa revalorização da escatologia, tendo em vista que a teologia dos novíssimos não dava tanto destaque à escatologia, colocando-a sempre à margem da especulação teológica. O fato é que, hoje, a escatologia reassume o seu lugar primordial e de destaque no pensamento teológico da Igreja. Fruto disso é a preocupação sempre maior e crescente que se é verificado nos documentos do Concílio Vaticano II, grande marco da abertura e da renovação teológico-pastoral da Igreja Católica.

Indo ao encontro dessa recuperação da escatologia, baseada na esperança, temos uma das categorias centrais dentro do pensamento escatológico: o reino de Deus. É evidente notar que a experiência que hoje temos da categoria reino de Deus está bem afastada do que foi a noção que os apóstolos e os discípulos das comunidades cristãs primitivas tiveram dessa categoria. A experiência dos primeiros cristãos acerca disso era muito mais presente e mais forte, tendo em vista que ainda carregavam as experiências tidas pelos primeiros discípulos ainda muito próximas e presentes em suas vidas.

Hoje, a escatologia tenta recuperar essas experiências, não de forma anacrônica, tentando viver as perspectivas do reino dos primeiros cristãos aplicadas no modo de viver hodierno. A escatologia busca recuperar também o dado da esperança nesse que é o grande projeto da vida de Jesus. O reino, como costumamos dizer, já está presente e ainda não está, tendo em vista que já está em nosso meio, pois ainda temos muito vivas e firmes em nossas vidas o testemunho que Jesus deixou, através da boa-notícia (dos evangelhos) e da tradição que foi passada de geração em geração. Mas, ainda não está completo, precisa ainda ser construído, edificado e concretizado todos os dias. Reino esse que se faz da justiça, da edificação da dignidade do homem, em comunhão com os outros seres humanos e com a natureza, e que deve ser buscado em primeiro lugar, na firme certeza de que tudo o mais nos será acrescentado. 



[1] SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 105.

[2] Cf. SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 105.

[3] Cf. SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 105.

[4] Cf. SCHNEIDER, Theodor. Manual de dogmática, p. 383-384.

[5] Cf. SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 106.

[6] “É claro que Jesus não pensou numa Igreja tal como esta surgiu, embora desencadeasse um movimento que levou a ela e esta se remeteu de fato e de direito a Jesus (e a seu Espírito)”. In: SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 106, nota número 6.

[7] Cf. SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 107.

[8] Ibidem.

[9] SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 108.

[10] Cf. SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, 108.

[11] SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 110 : “O termo como tal não era central no judaísmo tardio, nem sequer na apocalíptica que surgiu”, nota número 16.

[12] Cf. SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 110.

[13] Cf. SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 111.

[14] SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 111. “Como toda realidade importante, incluída a de Deus, a compreensão do ‘reino de Deus’ pode ser falsificada, reduzindo o reino individualmente – ‘que Cristo reine nos corações’ – e, sobretudo, pode degenerar no contrário quando é equiparado a uma teocracia em cujo nome se pode oprimir e matar os que simplesmente não participam deste reino. Todas as terríveis ‘guerras santas’, tão frequentes na história, encontram aqui sua justificação divina”. In: Ibidem, nota número 18.

[15] Cf. SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 113: “Em geral são questionadas hoje as teses [...] sobre a existência de zelotas no tempo de Jesus. Antes se insiste em que seu surgimento é posterior, embora isso não elimine que Jesus [...] e os primeiros cristão fossem confundidos com agitadores políticos (At 5, 35-39)”. Nota de número 22.

[16] Cf. Dicionário BÍBLICO. In: SADUCEUS, p. 824; Cf. JEREMIAS, J. Jerusalém no tempo de Jesus, p. 356-360; MORIN, E. Jesus e as estruturas do seu tempo, p. 107-109.

[17] Cf. Dicionário BÍBLICO. In: HERODIANOS, p. 417-418; JEREMIAS, J. Jerusalém no tempo de Jesus, p. 438-442; MORIN, E. Jesus e as estruturas do seu tempo, p. 109.

[18] Cf. Dicionário BÍBLICO. In: SICÁRIOS, p. 876.

[19] Cf. SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 114.

[20] Ibidem.

[21] SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 115.

[22] Cf. SOBRINO, Jon. . Jesus, o libertador, p. 115.

[23] Ibidem, p. 116.

[24] RATZINGER, Joseph. Escatologia: morte e vita eterna, p. 45 : “Ovviamente questo sviluppo, storicamente accertabile [...], può essere inteso come il segno di una rottura tra la predicazione prepasquale e quella postpasquale” .

[25] Cf. RATZINGER, Joseph. Escatologia: morte e vita eterna, p. 45.

[26] Cf. RATZINGER, Joseph. Escatologia: morte e vita eterna, p. 46.

[27] Ibidem.

[28] Ibidem, p. 47.

[29] Ibidem, p. 48.

[30] Cf. RATZINGER, Joseph. Escatologia: morte e vita eterna, p. 50.

[31] Cf. SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 109.

[32] “Esta consideração óbvia não esteve tão presente na teologia que tendeu a universalizar precipitadamente os destinatários da salvação. A teologia da libertação está muito consciente, porém, da necessidade de historicizar os destinatários da salvação para, por sua vez, saber de que salvação e de que libertação se trata”. In: SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 109, nota de número 13.

[33] Cf. SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 109.

[34] Ibidem.

[35] Cf. RATZINGER, Joseph. Escatologia, vita e morte, p. 50.

[36] SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 119.

[37] Cf. SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 119.

[38] Ibidem.

[39] SOBRINO, Jon. Idem, p. 120.

[40] Cf. SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 121.

[41] Ibidem.

[42] SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 121.

[43] Só Paulo, em suas cartas autênticas, se utiliza por 48 vezes desta expressão, sendo que 22 vezes ela é usada em sentido absoluto, cujo significado é mais restrito, referindo-se ao sofrimento, à cruz e à ressurreição de Jesus. Cf. SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 121, nota de número 34.

[44] Cf. SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 122.

[45] Ibidem.

[46] Cf. SOBRINO, Jon. Jesus, o libertador, p. 122-123.

[47] Cf. BORDONI, Marcello; CIOLA, Nicola. Gesù, nostra speranza, p. 97.

[48] Cf. RATZINGER, Joseph. Escatologia: morte e vita eterna, p. 146.

[49] Cf. RATZINGER, Joseph. Escatologia: morte e vita eterna, p. 146-147.

[50] Cf. BORDONI, Marcello; CIOLA, Nicola. Gesù, nostra speranza, p. 98.

[51] Cf. BORDONI, Marcello. La parusia del Cristo nel pensiero Patristico, p. 354 – 355. In: BORDONI, Marcello; CIOLA, Nicola. Gesù, nostra speranza, p. 98

[52] BORDONI, Marcello; CIOLA, Nicola. Gesù, nostra speranza, p. 99 : “[...] le anime dei giusti [...] passerano come in una scuola di prova [...] in cui essi si prepareranno al loro destino eterno”.

[53] Cf. RATZINGER, Joseph. Escatologia: morte e vita eterna, p. 148.

[54] DZ 72.

[55] DZ 540.

[56] Cf. BORDONI, Marcello; CIOLA, Nicola. Gesù, nostra speranza, p. 100.

[57] MALEVEZ, L. Deux théologies catholiques de l’histoire, p. 232. In: BORDONI, Marcello; CIOLA, Nicola. Gesù, nostra speranza, p. 101 : “L’eternità è il frutto di cui il tempo presente è il fiore. Senza il dono della state radiosa che scende del cielo, non ci sarebbe maturazione nell’autunno; non resta meno vero, però, che il frutto maturo era fecondato e s’elaborava nella fioritura della primavera”.

[58] Cf. BORDONI, Marcello; CIOLA, Nicola. Gesù nostra speranza, p. 101.

[59] DZ 1000.

[60] Cf. DZ 856-858.

[61] Cf. RATZINGER, Joseph. Escatologia: morte e vita eterna, p. 150.

[62] Cf. RATZINGER, Joseph. Escatologia: morte e vita eterna, p. 151.

[63] Cf. DZ 1002.

[64] Cf. BORDONI, Marcello; CIOLA, Nicola. Gesù, nostra speranza, p. 104.

[65] Cf. BORDONI, Marcello; CIOLA, Nicola. Gesù, nostra speranza, p.104.

[66] Cf. RATZINGER, Joseph. Escatologia: morte e vita eterna, p. 152.

[67] Cf. DZ 1440.

[68] Cf. BORDONI, Marcello; CIOLA, Nicola. Gesù, nostra speranza, p. 105.

[69] Cf. DZ 1580.

[70] Cf. BORDONI, Marcello; CIOLA, Nicola. Gesù, nostra speranza, p. 105.

[71] Ibidem, p. 107.

[72] Ibidem, p. 108.

[73] Cf. BORDONI, Marcello; CIOLA, Nicola. Gesù, nostra speranza, 108.

[74] Ibidem, p. 109.

[75] BORDONI, Marcello; CIOLA, Nicola. Gesù, nostra speranza, p. 109: “[...] il «ricorso all’immortalità» è caratteristico dell’uomo che, dominato dalla terribile certezza della morte, cerca di sminuirne l’importanza rifacendosi al mito”.

[76] MOLTMANN, Jürgen. Teologia da esperança, p. 10.

[77] Cf. MOLTMANN, Jürgen. Idem.

[78] Cf. BORDONI, Marcello; CIOLA, Nicola. Gesù, nostra speranza, p. 117.

[79] Cf. MOLTMANN, Jürgen. Teologia da esperança, p. 162.

[80] Apocatástase: s.f. (do grego apokatástasis) – em teologia, é a doutrina da restauração final dos ímpios, formulada pela primeira vez por Orígenes. Cf. LEXICON – Dicionário Teológico Enciclopédico, verbete Apocatástase, p. 40.

[81] Cf. BORDONI, Marcello; CIOLA, Nicola. Gesù, nostra speranza, p. 124.

[82] Ibidem.

[83] Cf. DZ 1000-1002.

[84] Cf. BORDONI, Marcello; CIOLA, Nicola. Gesù, nostra speranza, p. 124-125.

[85] Ibidem, p. 126-127.

[86] Cf. BORDONI, Marcello; CIOLA, Nicola. Gesù, nostra speranza, p. 128.

[87] Ibidem, p. 129.

[88] Ibidem, p. 130.

[89] Cf. BORDONI, Marcello; CIOLA, Nicola. Gesù, nostra speranza, p. 151.

[90] Ibidem.

[91] Cf. LG 48.

[92] Cf. BORDONI, Marcello; CIOLA, Nicola. Gesù, nostra speranza, p. 152.

[93] LG 49.

[94] LG 49

[95] Cf. GS 20; 3-4; 10; 21.

[96] GS 18.

[97] Cf. GS 39.

[98] Cf. SCHNEIDER, Theodor. Manual de dogmática, p. 363-364, v. II.

[99] Ibidem, p. 364.

[100] Cf. MOLTMANN, Jürgen. Teologia da esperança, p. 10.

[101] Cf. SCHNEIDER, Theodor. Manual de dogmática, p. 369, v. II.

[102] SCHNEIDER, Theodor. Manual de dogmática, p. 371, v. II.

[103] Cf. SCHNEIDER, Theodor. Manual de dogmática, p. 371, v. II.

[104] METZ, Johann Baptist. Teologia do mundo, p.9-10.

[105] Cf. METZ, Johann Baptist. Teologia do mundo, p. 29-30.

[106] Cf. GUTIERREZ, Gustavo. Teologia da libertação, p. 137.

[107] Ibidem, p. 145-146.

[108] Cf. RATZINGER, Joseph. Escatologia: morte e vita eterna, p. 28.