NOVOS DESAFIOS E NOVAS DEMANDAS: UMA ABORDAGEM SOBRE AS PERSPECTICAS DO MERCADO DE TRABALHO DOS ALUNOS CONCLUDENTES DO CURSO PROEJA EM ENFERMAGEM DO CENTRO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE – CEEPS¹

Edilene Bezerra da Silva²

O presente artigo se propõe a analisar, através de uma pesquisa qualitativa, as perspectivas do mercado de trabalho dos alunos do curso de Enfermagem na modalidade PROEJA do CEEPS, por meio de uma abordagem que integra a Educação Profissional Técnica, cujo princípio educativo fundamenta-se no trabalho, e a modalidade Educação de Jovens e Adultos – EJA, que consiste em um processo formativo escolar para jovens e adultos com trajetórias escolares descontínuas. Para tanto, a pesquisa recorre ao Decreto nº 5.840 regulamentador da integração entre estas modalidades de ensino, que surge como uma promessa de relações ainda mais próximas ente o trabalho, a ciência e a cultura; bem como a concepção de alguns teóricos sobre esta problemática. Neste sentido, a proposta de estudo apresentada procurou analisar o ponto de vista dos alunos/trabalhadores, com o intuito de delinear as suas pretensões para o mercado de trabalho atual, cujas exigências remetem-se cada vez mais a um trabalhador versátil, capaz de absorver conhecimentos e de múltiplas competências. E nesse aspecto é impertinente que o aluno possua uma formação humana que priorize seu projeto de vida, que vise elevar a escolarização e qualificá-lo para integração social, seja pelo ingresso no mercado de trabalho formal ou em ocupações informais no exercício de sua autonomia profissional.

Palavra - chaves: PROEJA, Educação, Ensino, Mercado de trabalho.

1 INTRODUÇÃO

Um dos principais desafios da escola atualmente é preparar o indivíduo para viver em sociedade, e esta preocupação remete a uma compreensão da realidade na qual está inserido. Neste contexto, o setor educacional tem o papel de possibilitar e oferecer alternativas para que as pessoas que estejam excluídas do sistema possam ter oportunidade de se reintegrar através da participação, bem como de lutar pela universalidade dos direitos sociais e pelo resgate da cidadania. Afinal, um dos maiores entraves apresentados à escola atual é trabalhar com a reelaboração crítica e reflexiva do educando, a fim de prepará-lo para a luta e o enfrentamento das desigualdades sociais presentes na sociedade capitalista.

Nesta ótica, a escola deve transcender o sentido de ascensão material, que é dado à educação, transformando-a não somente em um meio de retorno financeiro, mas também em um instrumento de crescimento pessoal, onde o trabalho precisa ser encarado como elemento indispensável à relação escola/realidade, e a atividade escolar precisa ter como direcionamento o estudo do trabalho humano, que conscientize seus alunos sobre a participação, o objetivo e tempo certo para que cada indivíduo se insira no mercado de trabalho. E este desafio educativo também provoca discussões na Educação de Jovens e Adultos - EJA, a fim de criar alternativas que garantam aos jovens e adultos – dos muitos que se perderam no caminho – o direito à educação e acesso ao trabalho, e ainda garantir àqueles que estejam inseridos na escola, a permanecia, não simplesmente para cumprirem os anos de escolarização que lhes faltam, mas para usufruir e compartilhar dos conhecimentos e bens culturais produzidos socialmente, processo que ao longo dos anos vem reescrevendo o enredo desta modalidade de ensino.

Tendo em vista que somente há poucas décadas, mais precisamente em 1994, os jovens e adultos começaram a ser inseridos formalmente na pauta de preocupações e discussões das políticas educacionais, tendo em vista o reconhecimento realizado pela mobilização dos setores oficiais e da sociedade civil que atuam em EJA, e consequente oficialização do documento Diretrizes para uma Política Nacional de Educação de Jovens e Adultos:  

(...) O documento de diretrizes da Política de Jovens e Adultos, que o Ministério da Educação e do Desporto tem a grata satisfação de editar e divulgar, organizado com a participação da Comissão Nacional de Jovens e Adultos, deverá ser entendido como a manifestação da vontade política do Governo de cumprir o que determina o Artigo 208, caput, inciso I, parágrafo 1º e 2º, isto é, o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo;

§ “2º - O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade de autoridade competente’.” (HINGEL b, 1994:07).

O reconhecimento e a legalização da EJA trouxe a necessidade de se preencher lacunas teóricas e práticas, do pensar e do fazer a educação, em uma modalidade que se volta para um público diferente de todos os outros, diferente não apenas por estar fora do padrão de correspondência entre a idade e a série, mas por um conjunto de características, dentre as quais, a de que seus estudantes são trabalhadores (ARROYO, 2005).

Posteriormente com a elaboração da LDB nº 9394/96, tem-se a promulgação da primeira referência sobre a EJA no título III, artigos 4º e 5º, estabelecendo significativos ganhos à educação de adulto, atribuindo-lhe caráter institucional, embora com ações ainda bastante restritas a cursos e exames supletivos, inclusive com a redução da idade para a realização dos exames, o que reforça a ideia de incentivo aos jovens abandonarem às classes regulares de ensino.

Mais é somente através do Decreto Presidencial nº 5.478, de 24 de junho de 2005, que converteu a determinação em Programa, e um pouco mais de um ano depois com o Decreto Presidencial nº 5.840, de 13 de julho de 2006, que revogou o anterior, o PROEJA passou a ser designado como Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, priorizando a ampliação da abrangência do Programa no que diz respeito à oferta de cursos também pelas instituições estaduais e municipais, e ainda a possibilidade de articulação de cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores com ensino fundamental na modalidade EJA, e também do Ensino Médio.

Em meio a ranços e avanços, o PROEJA incorpora novos princípios e tenta superar problemas inerentes à política de educação brasileira, que traz consigo marcas características: como a insuficiência de recursos de infraestrutura de qualidade das escolas e dos docentes; a terminalidade em níveis elementares da escolarização; a configuração de currículos e modelos educacionais, de formação ou de mero treinamento profissional aligeirados e limitados ao mínimo exigido pelo processo de trabalho simples e à funcionalidade requerida pelo movimento de acumulação do capital, etc., refletindo assim os traços da categoria articuladora e explicativa da sociedade brasileira e, em particular, de seus sistemas educacionais: a dualidade estrutural.

De fato, essa construção é marcada por uma historicidade e dialeticidade, na qual ocorrem movimentos diversificados de resistência e de luta, de adesão e negociação. A análise desses movimentos, marcados por avanços, recuos e reiterações de exclusão, já é bastante conhecida entre sujeitos que configuram esta realidade, e tratada por muitos autores, tais como (FRIGOTTO, 2005).

Assim o PROEJA, anunciado por decisão governamental surge para atender à demanda de jovens e adultos através da oferta de Educação Profissional técnica de nível médio, que contemple a elevação da escolaridade com a profissionalização para um grande contingente de cidadãos cerceados do direito de concluir a educação básica e de ter acesso a uma formação profissional, cujo objetivo é contribuir para a integração social das pessoas, aquelas que não concluíram a Educação Básica em tempo “hábil” possam ter acesso à formação profissional de qualidade (BRASIL, 2007).

Essa proposta de ensino integrado sugere, parafraseando RAMOS (2010), uma concepção de formação humana que preconiza a integração de todas as dimensões da vida – o trabalho, a ciência, a cultura – no processo formativo, com o propósito fundamental de proporcionar a compreensão das relações sociais de produção e do processo histórico e contraditório de desenvolvimento das forças produtivas.

Diante dessas circunstâncias, definiu-se no campo empírico deste estudo, como amostra intencional, a turma de Enfermagem do PROEJA – CEEPS/ 2010, que após dois anos e meio de curso encontra-se com 26 alunos frequentes (18 alunos participaram da pesquisa), além destes a pesquisa contou com a contribuição dos educandos ingressos no ano de 2012, que somam 40 alunos (dos quais 20 responderam ao questionário, ou seja, 50%). A escolha da temática “Educação Profissional e Mercado de trabalho” para a efetivação do estudo se deve, dentre outras razões, ao fato dos desafios e demandas estabelecidos pelos profissionais nos diversos campos de atuação e o papel da formação integral destes sujeitos para a superação dos desafios inerentes à profissionalização.

Neste contexto a pesquisa cita como referência os alunos/trabalhador da área de “Enfermagem” que na atualidade exige profissionais atentos as suas responsabilidades técnicas, científicas, políticas e sociais, e que precisam tomar cuidado para não resvalar pelo caminho do corporativismo e de disputas por hegemonia no setor da saúde, além de explicitar uma das preocupações elecandas na Especialização “Educação profissional integrada à Educação Básica na Modalidade de Jovens e Adultos”, na qual este trabalho será apresentado como requisito para obtenção de título, Capacitação esta que é integrante do conjunto de ações governamentais que objetiva qualificar docentes para a implantação do PROEJA.

Considerando todas as singularidades do público desse Programa, uma questão se apresenta: Que perspectiva o aluno do Curso de Enfermagem – PROEJA possui frente ao mercado de trabalho atual? Partindo desse questionamento, indaga-se ainda: Que condição “inovadora” o jovem e adulto adquire ao retornar à sala de aula no PROEJA; Quais as principais dificuldades enfrentadas por estes alunos ao retomarem os estudos? E que importância atribuem ao Curso para dar continuidade ao processo educativo?

Para buscar as possíveis respostas a essas questões e consolidar o presente estudo, optou-se pela pesquisa qualitativa, na qual foi possível alinhar conceitos e relações extraídas da pesquisa documental em fontes citadas em especial pela LDB nº 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação, no Decreto que aborda o Documento Base e o Relatório de Planejamento Estratégico do PROEJA/2007, bem como da produção teórica de estudiosos dedicados ao tema, dentre os quais citam-se: Richardson (1999), Demo (2006), Freire (2005), Arroyo (2005), (2007), Frigoto (1983, 2007), Ramos (2002), além da análise/respostas de dados concretos obtidos por meio da pesquisa in loco, resultados considerado de suma importância para a elaboração deste trabalho.

Tendo cumprido a etapa in loco da pesquisa, a sua análise se apresenta da seguinte forma: o primeiro tópico, sob o título “Percurso Metodológico e análise da pesquisa” traça o caminho percorrido para a elaboração do trabalho; o segundo tópico intitulado “O aluno PROEJA: acesso, permanência e inclusão”, analisa alguns conceitos relacionados ao trabalho como princípio educativo, com ênfase nos conflitos resultantes dessa relação dialética e na necessária conjunção entre educação e trabalho sob a perspectiva da inclusão social dos Jovens e Adultos no mercado atual de trabalho. Além disso, trata da emergência de um olhar diferente sobre a EJA; o terceiro e último tópico “um olhar sobre a perspectiva do mercado atual” apresenta as noções básicas que os sujeitos da pesquisa possuem quanto ao entendimento curso e os resultados que este lhes proporcionará após a formação; o quarto e último tópico traça uma breve reflexão acerca da temática abordada.

  1. 2.      PERCURSOS METODOLÓGICOS E ANÁLISE DA PESQUISA

2.1 Trilhando o caminho da pesquisa

O presente trabalho desenvolveu-se por meio da pesquisa qualitativa, considerando que esta abordagem proporciona resultados significativos na área educacional, no sentido de oportunizar ao pesquisador uma visão mais ampla do cotidiano escolar, além de produzir conhecimentos e contribuir para a transformação da realidade estudada. Enfatizando com isso a necessidade incessante de sempre está em contato com o objeto de estudo, a fim de obter uma melhor desenvoltura na pesquisa. Assim, Richardson (1999, p.102), ressalta que:

O objetivo fundamental da pesquisa qualitativa não reside na produção de opiniões representativas e objetivamente mensurável de um grupo; está no aprofundamento da compreensão de um fenômeno social por meio de entrevistas em profundidade e análises qualitativas da consciência articulada dos atores envolvidos no fenômeno.

A pesquisa foi desenvolvida no Centro Estadual de Educação Profissional em Saúde “Monsenhor José Luís Barbosa Cortês” – CEEPS, (PREMEN-SUL), localizada Rua Climério Bento Gonçalves no Bairro Monte Castelo, zona sul de Teresina. No decorrer do estudo realizado na escola (campo) foi possível construir uma análise objetiva sobre a visão dos alunos quanto aos desafios do mercado atual de trabalho e ainda, a compreensão que estes possuem da relação trabalho/escola construída dentro da concepção de integração entre a Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade Educação de Jovens e Adultos – PROEJA.

O passo inicial foi dado a partir de técnica de observação dos sujeitos envolvidos no estudo, tendo em vista que esta ocupa um lugar privilegiado na pesquisa educacional, permitindo assim descobrir através do contato direto do observador com o objeto estudado suas particularidades, pois este confronto imediato com a vivência das práticas pedagógicas possibilita tomar conhecimento da verdadeira realidade do quadro educacional. Isto, porque a investigação é a maneira em que o pesquisador procura integrar-se ao grupo estudado, vivendo junto e participando de suas atividades, assim ele pode descobrir os aspectos relevantes dos problemas detectados. Segundo Ludke & André (1986, p.30):

Com esses propósitos em mente, o observador inicia a coleta de dados buscando sempre manter uma perspectiva de totalidade, sem se desviar demasiado de seus focos de interesse. Para isso, é particularmente útil que ele oriente a sua observação em torno de alguns aspectos, de modo que ele nem termine com um amontoado de informações irrelevantes nem deixe de obter certos dados que vão possibilitar uma análise mais completa do problema. (LUDKE & ANDRÉ1986)

Posteriormente foi utilizado como recurso da pesquisa a aplicação de questionários, onde cada aluno envolvido teve a oportunidade de opinar sobre o assunto indagado, o questionamento possui vários aspectos favoráveis à construção de conhecimentos na pesquisa educacional, é através do posicionamento apresentado por eles durante as respostas dadas, que se torna possível desenvolver considerações importantes  para o entendimento apropriado na vida de cada sujeito, surgindo com isso possibilidades de efetivação do conhecimento esperado pelo pesquisador. O que propicia um elo de integração entre ser e o entender.

 Mediante a utilização da entrevista escrita cria-se um instrumento de coleta de informações objetivas, onde alunos cumprem a tarefa de colocar em evidência suas experiências intelectuais, que serão usadas apenas para fins específicos da pesquisa. De acordo com Richardson (1999, p.197): “todo questionário constitui uma hipótese, isto é, a inclusão de todos e cada um dos pontos deve ser possível de defender que está trabalhando”.  Apresentando para isso perguntas fácies de serem coletadas, bem como simples de serem analisadas. Desse modo os critérios e as descrições contidas na entrevista devem propiciar um entendimento claro e objetivo tanto para o entrevistado, quando para o entrevistador. 

Foram utilizados como instrumento de coleta de dados, dois tipos de questionário aberto (Anexos A e B), neste universo contabilizaram-se 38 alunos, sendo 20 dos 40 alunos do I módulo e 18 do VI Módulo, que conta atualmente com 26 alunos, destes 70% responderam ao questionário, com o intuito de conhecer as condições de vida, trabalho e referência de estudo desses sujeitos. Em seguida os dados foram tabulados e utilizados em análise aqui descrita.

2.2  Caracterizando o aluno do PROEJA: acesso, permanência e inclusão.

Os Curso Técnico de nível médio pesquisado neste trabalho iniciou no primeiro semestre de 2010 com matrícula efetivada de 40 alunos, todos ingressos através de inscrição realizada conforme a quantidade de vaga ofertada. Ressalta-se, porém, que para efeito de análise o trabalho levou em consideração a turma ingressa neste ano de 2012, haja vista que a perspectiva destes ingressantes puderam comparar dados e ampliar os horizontes da pesquisa.

            Durante o período de diálogo e coleta naquela instituição, observou-se que a maioria dos alunos que frequentam o técnico médio de Enfermagem é do sexo feminino, num percentual de 90%, com idades entre 19 a 48 anos, mães e solteiras, sem vínculo empregatício formal, destas apenas 25% afirmaram trabalhar como autônomas, no que se refere ao universo os homens aparecem com uma minoria de 10%, caracterizando um perfil altamente feminino no curso. 

            Um outro dado relevante constatado na pesquisa e que deve servir como supostos temas para discussões futuras, diz respeito à escolaridade dos alunos, tanto os ingressos quanto os concludentes. Dentre os alunos concludentes e àqueles que estão ingressando no curso, 82% já iniciaram o ensino médio anteriormente e apenas 18% concluíram a 8ª série do ensino fundamental (no regime de 8 anos), ou seja, a grande parcela já havia de alguma forma tentado estudar o ensino médio, e em seguida abandonaram a sala de aula por motivos diversos.

            Esses dados, observados de modo bastante explícito nas declarações dos alunos, permitem constatar que muitos deles ingressaram no curso com o objetivo de obter “a curto prazo” mais conhecimentos, ter uma educação profissional e concorrerem para seleções em vagas de emprego, fato este interrompido por um problema bastante elencado no DOCUMENTO BASE DO PROEJA que diz respeito ao alto índice de evasão. “Já tentei estudar várias vezes, mas sempre desisto, pois as coisas ficam difíceis...” (aluna 5); “fiz o primeiro ano três vezes, e por problemas em casa tive que sair” (aluna 2).

De fato, esta problemática tem exigido reflexões no âmbito educacional, especialmente o PROEJA no que se refere ao seu ponto de vista histórico e pedagógico, pois a evasão escolar dos alunos oriundos em sua maioria da EJA remete a uma nova postura educativa que afirme a necessidade de repensar as formas de integração entre formação geral e profissional, reinventando práticas pedagógicas como: adequação de horários, adaptação de conteúdos, valorização de experiências e promoção da autoestima dos alunos. Tais estratégias são bastante pertinentes e relevantes, mas precisam ser realmente efetivadas para viabilizar a concretização do Programa, tanto na rede federal quanto nas redes estadual e municipal de educação, pois, dificilmente haverá resultado positivo, que garanta a permanência e continuidade dos estudos destes sujeitos, sem a adoção de mecanismos que assegurem aos jovens e adultos, além do acesso, a permanência no curso e, conforme Arroyo (2005),

Criar alguns espaços para a continuidade de estudos dos jovens e adultos populares, nada ou pouco fazendo por mudar as estruturas que os excluem do trabalho, da vida, da moradia, de sua memória, cultura e identidade coletiva não configurará a EJA no campo dos direitos. (ARROYO, 2005, p.44).

            Quanto à garantia de emprego após a conclusão de um curso de Educação Profissional, os participantes daquele Centro possuem uma visão bastante utilitarista – desejam receber o certificado, e que este lhe coloque no mercado de trabalho, ou seja, lhes garanta emprego, que seja “digno”. Todos acreditam que se concluírem o curso de Enfermagem poderão garantir emprego, reforçando a afirmativa de que somente através dos estudos seria possível ter oportunidade de trabalho. Percebe-se neste ponto, que não há nenhuma preocupação em ter necessariamente uma profissão e entender suas relações com a sociedade estabelecida no âmbito escolar. “Este é um curso muito bom, abre as portas para o emprego” (aluna 1) “O que pode me motivar a voltar a estudar é o trabalho, o emprego garantido. (aluna 3).”.

            O posicionamento da maioria dos alunos sobre a relação trabalho/escola explicita uma reprodução dos modelos taylorista/fordista de produção que foi se consolidando neste conceito de qualificação e nesta perspectiva foram definidos os padrões de formação, emprego e remuneração (RAMOS, 2002). Diante deste contexto a escola aparece como um espaço que manifesta as contradições presentes na sociedade de base econômica capitalista, pois à medida que procura moldar o trabalhador qualificado ao mercado de trabalho, ela também permite a manifestação, embora de maneira sucinta, de elementos que o capital não pode e não deseja deixar transparecer.

O alargamento desta concepção, que os estudantes jovens e adultos trabalhadores possuem sobre o trabalho, significa também o alargamento da visão que o profissional envolvido no PROEJA precisa ter para reconhecê-los enquanto sujeitos sociais protagonistas de diversos direitos negados, além do direito à educação; nessa trajetória de exclusão social, carências e necessidades básicas, para que haja uma promoção de políticas públicas que contemplem de fato as necessidades desse público, que cumpram efetivamente uma função inclusiva e garantam o direito à educação de qualidade.

 

2.3  Um olhar sobre as perspectivas do mercado atual de trabalho

            Quando indagados sobre a importância do curso de Enfermagem para sua vida profissional, os alunos demonstraram uma preocupação inerente ao salário, fator este que lhes dará um futuro melhor. “Vou garantir meu futuro(aluna 07); “tem bastante vagas de trabalho e paga bem” (aluna 10); “Pra se ter um bom salário” (aluna 12). “é importante ter um diploma hoje em dia” (aluna 20);” É dinheiro na mão” (aluna 37.)

Essas respostas demonstram que, longe de se buscar o conhecimento frente aos desafios incorporados ao processo seletivo que é o mercado de trabalho, ou ainda, os mecanismos atribuídos à qualificação profissional, com aspectos que podem alterar profundamente a realidade social, estes alunos “limitam” seus olhares e reproduzem na prática as políticas educacionais têm tido um caráter superficial, adotadas apenas medidas paliativas (ARROYO, 2005). Reforça-se que, diante de sujeitos frágeis socialmente, imersos em precárias condições de vida e excluídos do usufruto de vários direitos, não será uma simples “atualização” ou “regularização” da sua escolaridade que os incluirá na sociedade. Dessa forma, torna-se essencial deslocar o eixo das finalidades, para atender ao homem e à sua formação como cidadão, que faz do “trabalho categoria fundante da sociedade, ou o trabalho como sentido da vida” (DEMO, 2006). E que nem sempre se associa a “bons salários” como estes sugerem.

Na verdade fazer uma reflexão sobre o conceito de trabalho e sua importância para o ser humano implica levantar questões à sociedade sobre a sua organização, sobre o funcionamento da economia, das relações laborais e do mercado. Implica discutir questões que versem sobre os modelos dominantes, sobre nível das relações sociais de gênero e o questionamento sobre os princípios e fundamentos da igualdade entre mulheres e homens. Afinal, a conciliação entre vida pessoal, familiar e profissional é, então, outra das vertentes que não pode deixar de integrar o questionamento sobre uma nova atitude, um novo olhar sobre o trabalho humano. Isto, porém é implícito aos princípios que a própria escola reproduz.

E ao serem levantadas questões sobre as expectativas do curso para o enfrentamento dos desafios no mercado atual, os alunos demonstraram pouco conhecimento sobre este assunto, revelando uma certa imaturidade na compreensão entre a relação escola/trabalho/profissão. “Posso passar por vários desafios, mas não desistirei de meu emprego”; (aluna 11);É difícil, mas quero uma vaga num hospital ou numa clínica; (aluna 02)nunca é tarde para estudar, apesar de tudo que passarei vou conseguir meu emprego na área”“. (aluna 07); “Apesar de tudo que passei, este é meu sonho e quero conquistar meu futuro” (aluno 15). “Quero mudar de vida e ter conforto” (aluna 29).

Neste aspecto, prevaleceu como unanimidade acreditar que um curso técnico é a “porta” para o mundo do trabalho, de uma vida mais digna, com melhor remuneração. Destaca-se ainda que todos os alunos sentem-se muitos otimistas quanto à possibilidade de emprego na área do curso em que estão matriculados, após a conclusão do PROEJA. Demonstram exemplos do esforço pessoal para permanecerem no curso, culpa por ainda não concluírem o ensino básico e não possuírem um emprego que lhes garanta “um salário para viver”, portanto o curso aparece como uma grande promessa para superar os entraves colocados no cotidiano daqueles alunos/trabalhadores.

É nesse contexto que esses cidadãos procuram retornar à escola, com a certeza de que a falta de escolarização não lhes permite um emprego ou condições melhores de vida. Aqui, ressalta-se a concepção de Frigotto (2005) quanto à “culpabilização da vítima”, ou seja, atribui-se unicamente a cada indivíduo a responsabilidade pela ausência de formação, pela falta de oportunidade, tanto pessoal quanto profissional, relacionada à baixa escolarização, ausência de capacitação profissional e, consequentemente, de emprego, sem considerar os aspectos determinantes a este contexto, por isso acreditam que a escola suprirá todas as suas necessidades.

Diante do exposto percebe-se que de um lado se posiciona o capitalismo, representado pelo setor produtivo, que objetiva o lucro e, é configurado na concepção dos alunos de maneira ideológica, e do outro, o trabalho humano, que almeja qualidade de vida pela educação emancipatória, embora não se conscientize ou se materialize no curso em que estão inseridos. Desse processo agrava-se a crise estrutural do emprego, em que não se pode subsumir a cidadania como mera inclusão no mercado de trabalho, mas assumir a formação do cidadão que produz, pelo trabalho, a si e para o mundo (BRASIL, 2007). E nesse contexto o aluno é convidado a refletir sobre noções básica de educação e principalmente sobre os entraves que o mercado de trabalho coloca para absorver uma mão de obra recém-saída da formação.

Guiado por este aspecto a pesquisa procurou saber que pretensões o aluno tinha após concluir o curso, este colocaram diversos posicionamentos, entretanto todos encaminhavam para um único objetivo a tão sonhada vaga no mercado formal. “assim que concluir o curso vou levar meu currículo para clinicas e hospitais(aluna19); “vou tentar a vida em outra cidade, acho que fora a vantagem de conseguir emprego é maior” (aluna 08); vou ser um bom empregado, afinal ser enfermeiro é meu sonho (aluno 14); vou colocar em prática tudo que aprendi durante o curso, trabalhar e sustentar minha família (aluna 26).

Para que todas essas vontades sejam atendidas faz-se necessário a compreensão e esforço do aluno para preencher os pré-requisitos estipulados pela competitividade do mercado, além claro da eficiência exigida dos profissionais a serem contratados, mas para que o alunos PROEJA em Enfermagem/CEEPS consigam de fato garantir uma educação que lhes dê essa autonomia profissional é necessário que se crie aparatos legais que possam dar sustentabilidade ao PROEJA, para tanto se faz necessário uma política complementar, que possa manter os mesmos investimentos e recursos destinados quando de sua implantação. Urge vincular a outros projetos educacionais e sociais, com o intuito de somar de esforços e sinergia, pois o PROEJA só se consolidará se for um desejo coletivo, visto assim, é preciso criar mecanismos efetivos, interministeriais que conduzam o trabalhador à escola e lhe forneçam condições de nela permanecer com êxito, assim como buscar autonomia profissional, a que tanto este aspira.

 

  1. 3.      ANÁLISES CONCLUSIVAS

Considerando as questões levantadas e o diálogo permitido com esta experiência, conclui-se, portanto, que os alunos/trabalhadores do curso pesquisado, entendem a profissionalização como resultado de uma formação aligeirada, como uma pequena parte de um processo, sem vínculo com os conhecimentos de base científica, que visa atender rapidamente às demandas do mercado de trabalho como garantia de “um futuro digno”, argumentam ainda, que somente ter uma certificação é suficiente para mantê-los competitivos no mercado de trabalho, desconsiderando deste modo, a necessidade de orientação profissional e pessoal.

O PROEJA somente brotará frutos se o projeto perdurar por longo prazo, com ofertas contínuas. E a preparação para o mundo do trabalho depende muito mais de um posicionamento político do que educacional, a fim de que estes programas não se apresentem apenas com o cunho compensatórios, paliativos e de curta duração. Cabe, portanto, destacar aqui o trabalho das instituições de ensino que se debruçaram para decifrar os desafios colocados pelo programa, além de gestores, docentes e discentes que buscam a concretização e consolidação dessa proposta, que precisa amadurecer e ganhar voos além do preestabelecido pela a legislação.

E para que esta proposta ganhe força, caminhos precisam ser apontados afim de que os trabalhadores jovens e adultos possam obter um futuro melhor, mais digno e humano, através de ações e políticas públicas que precisam ir além da superação de carências escolares, educacionais e abranger também e necessariamente as carências relativas ao trabalho, à saúde, ao transporte, lazer, segurança etc. sentido, este também disposto no Documento Base do PROEJA em seus princípios e concepções:

É necessário construir um projeto de desenvolvimento nacional auto-sustentável e inclusivo que articule as políticas públicas de trabalho, emprego e renda, de educação, de ciência e tecnologia, de cultura, de meio ambiente e de agricultura sustentável, identificadas e comprometidas com a maioria, para realizar a travessia possível em direção a um outro mundo [...]. Um projeto como esse, requerido para o desenvolvimento nacional, precisa, em nível estratégico e tático, de uma política pública de educação profissional e tecnológica articulada com as demais políticas. (BRASIL, p. 26, 2005).

Entende-se que todas essas propostas são inerentes ao desafio de implementação que a escola precisa ajustar, entretanto é necessário apontar para outras questões, discutir sobre a qualidade do ensino, demandas e desafios que o curso impõe na vida do educando. É preciso ainda, um esforço em longo prazo que ultrapassa os projetos de governos isolados. Construir uma educação para a cidadania e o desenvolvimento de todos os brasileiros, tratando-se assim de uma tarefa afável, cuidadosa, traçada no dia a dia, demanda bem mais do que enunciar prioridades e reformas sem ressonância real no contexto social, afinal a educação proposta pelo PROEJA visa oportunizar aos alunos uma formação humana com ênfase em seu projeto de vida, socialmente determinado, que culmine em uma formação ampla e integral, processo longo a ser construído.

Diante disto, sugere-se que sejam apontadas soluções imediatas que colaborem para efetivação desses direitos dos alunos, que se realizem estudos com egressos e ingressos do PROEJA, através de observação e análise de acompanhamento dos alunos formados. Ressalta-se ainda, a importância de qualificação profissional aos docentes e servidores de modo geral que contribuem com a execução do PROEJA naquela instituição, a fim de verificar em que intensidade os princípios e concepções discutidos nestes cursos são aplicados no cotidiano das aulas, bem como o que se pode ser feito para melhorar a qualidade da oferta.

Faz-se imprescindível também valer-se dos mecanismos de capacitação e avaliação, nos moldes, conforme o previsto no Documento Base do PREOEJA, mas ainda não implementado em sua totalidade, afinal este parece estar a um passo de ser reconhecido como nova modalidade educacional, que possa efetivamente formar o trabalhador; atender as especificidades de jovens e adultos; e ofertar práticas pedagógicas emancipatórias que busquem não só a formação para o mercado de trabalho, mas a formação do homem em seu desenvolvimento crítico e participativo, que valore o seu potencial e garanta sua cidadania.

 

 

REFERENCIAS:

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HINGEL, Murilo de Avellar. Discurso de Abertura. In.: MEC-INEP-SEF/UNESCO, Encontro Latino-Americano sobre Educação de Jovens e Adultos Trabalhadores, (ANAIS) , Brasília, 1994a. ________. Apresentação. In.: MEC/FNUAP, Brasília, 1994b.

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NOVOS DESAFIOS E NOVAS DEMANDAS: UMA ABORDAGEM SOBRE AS PERSPECTICAS DO MERCADO DE TRABALHO DOS ALUNOS CONCLUDENTES DO CURSO PROEJA EM ENFERMAGEM DO CENTRO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE – CEEPS¹

Edilene Bezerra da Silva²

O presente artigo se propõe a analisar, através de uma pesquisa qualitativa, as perspectivas do mercado de trabalho dos alunos do curso de Enfermagem na modalidade PROEJA do CEEPS, por meio de uma abordagem que integra a Educação Profissional Técnica, cujo princípio educativo fundamenta-se no trabalho, e a modalidade Educação de Jovens e Adultos – EJA, que consiste em um processo formativo escolar para jovens e adultos com trajetórias escolares descontínuas. Para tanto, a pesquisa recorre ao Decreto nº 5.840 regulamentador da integração entre estas modalidades de ensino, que surge como uma promessa de relações ainda mais próximas ente o trabalho, a ciência e a cultura; bem como a concepção de alguns teóricos sobre esta problemática. Neste sentido, a proposta de estudo apresentada procurou analisar o ponto de vista dos alunos/trabalhadores, com o intuito de delinear as suas pretensões para o mercado de trabalho atual, cujas exigências remetem-se cada vez mais a um trabalhador versátil, capaz de absorver conhecimentos e de múltiplas competências. E nesse aspecto é impertinente que o aluno possua uma formação humana que priorize seu projeto de vida, que vise elevar a escolarização e qualificá-lo para integração social, seja pelo ingresso no mercado de trabalho formal ou em ocupações informais no exercício de sua autonomia profissional.

Palavra - chaves: PROEJA, Educação, Ensino, Mercado de trabalho.

1 INTRODUÇÃO

Um dos principais desafios da escola atualmente é preparar o indivíduo para viver em sociedade, e esta preocupação remete a uma compreensão da realidade na qual está inserido. Neste contexto, o setor educacional tem o papel de possibilitar e oferecer alternativas para que as pessoas que estejam excluídas do sistema possam ter oportunidade de se reintegrar através da participação, bem como de lutar pela universalidade dos direitos sociais e pelo resgate da cidadania. Afinal, um dos maiores entraves apresentados à escola atual é trabalhar com a reelaboração crítica e reflexiva do educando, a fim de prepará-lo para a luta e o enfrentamento das desigualdades sociais presentes na sociedade capitalista.

Nesta ótica, a escola deve transcender o sentido de ascensão material, que é dado à educação, transformando-a não somente em um meio de retorno financeiro, mas também em um instrumento de crescimento pessoal, onde o trabalho precisa ser encarado como elemento indispensável à relação escola/realidade, e a atividade escolar precisa ter como direcionamento o estudo do trabalho humano, que conscientize seus alunos sobre a participação, o objetivo e tempo certo para que cada indivíduo se insira no mercado de trabalho. E este desafio educativo também provoca discussões na Educação de Jovens e Adultos - EJA, a fim de criar alternativas que garantam aos jovens e adultos – dos muitos que se perderam no caminho – o direito à educação e acesso ao trabalho, e ainda garantir àqueles que estejam inseridos na escola, a permanecia, não simplesmente para cumprirem os anos de escolarização que lhes faltam, mas para usufruir e compartilhar dos conhecimentos e bens culturais produzidos socialmente, processo que ao longo dos anos vem reescrevendo o enredo desta modalidade de ensino.

Tendo em vista que somente há poucas décadas, mais precisamente em 1994, os jovens e adultos começaram a ser inseridos formalmente na pauta de preocupações e discussões das políticas educacionais, tendo em vista o reconhecimento realizado pela mobilização dos setores oficiais e da sociedade civil que atuam em EJA, e consequente oficialização do documento Diretrizes para uma Política Nacional de Educação de Jovens e Adultos:  

(...) O documento de diretrizes da Política de Jovens e Adultos, que o Ministério da Educação e do Desporto tem a grata satisfação de editar e divulgar, organizado com a participação da Comissão Nacional de Jovens e Adultos, deverá ser entendido como a manifestação da vontade política do Governo de cumprir o que determina o Artigo 208, caput, inciso I, parágrafo 1º e 2º, isto é, o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo;

§ “2º - O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade de autoridade competente’.” (HINGEL b, 1994:07).

O reconhecimento e a legalização da EJA trouxe a necessidade de se preencher lacunas teóricas e práticas, do pensar e do fazer a educação, em uma modalidade que se volta para um público diferente de todos os outros, diferente não apenas por estar fora do padrão de correspondência entre a idade e a série, mas por um conjunto de características, dentre as quais, a de que seus estudantes são trabalhadores (ARROYO, 2005).

Posteriormente com a elaboração da LDB nº 9394/96, tem-se a promulgação da primeira referência sobre a EJA no título III, artigos 4º e 5º, estabelecendo significativos ganhos à educação de adulto, atribuindo-lhe caráter institucional, embora com ações ainda bastante restritas a cursos e exames supletivos, inclusive com a redução da idade para a realização dos exames, o que reforça a ideia de incentivo aos jovens abandonarem às classes regulares de ensino.

Mais é somente através do Decreto Presidencial nº 5.478, de 24 de junho de 2005, que converteu a determinação em Programa, e um pouco mais de um ano depois com o Decreto Presidencial nº 5.840, de 13 de julho de 2006, que revogou o anterior, o PROEJA passou a ser designado como Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, priorizando a ampliação da abrangência do Programa no que diz respeito à oferta de cursos também pelas instituições estaduais e municipais, e ainda a possibilidade de articulação de cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores com ensino fundamental na modalidade EJA, e também do Ensino Médio.

Em meio a ranços e avanços, o PROEJA incorpora novos princípios e tenta superar problemas inerentes à política de educação brasileira, que traz consigo marcas características: como a insuficiência de recursos de infraestrutura de qualidade das escolas e dos docentes; a terminalidade em níveis elementares da escolarização; a configuração de currículos e modelos educacionais, de formação ou de mero treinamento profissional aligeirados e limitados ao mínimo exigido pelo processo de trabalho simples e à funcionalidade requerida pelo movimento de acumulação do capital, etc., refletindo assim os traços da categoria articuladora e explicativa da sociedade brasileira e, em particular, de seus sistemas educacionais: a dualidade estrutural.

De fato, essa construção é marcada por uma historicidade e dialeticidade, na qual ocorrem movimentos diversificados de resistência e de luta, de adesão e negociação. A análise desses movimentos, marcados por avanços, recuos e reiterações de exclusão, já é bastante conhecida entre sujeitos que configuram esta realidade, e tratada por muitos autores, tais como (FRIGOTTO, 2005).

Assim o PROEJA, anunciado por decisão governamental surge para atender à demanda de jovens e adultos através da oferta de Educação Profissional técnica de nível médio, que contemple a elevação da escolaridade com a profissionalização para um grande contingente de cidadãos cerceados do direito de concluir a educação básica e de ter acesso a uma formação profissional, cujo objetivo é contribuir para a integração social das pessoas, aquelas que não concluíram a Educação Básica em tempo “hábil” possam ter acesso à formação profissional de qualidade (BRASIL, 2007).

Essa proposta de ensino integrado sugere, parafraseando RAMOS (2010), uma concepção de formação humana que preconiza a integração de todas as dimensões da vida – o trabalho, a ciência, a cultura – no processo formativo, com o propósito fundamental de proporcionar a compreensão das relações sociais de produção e do processo histórico e contraditório de desenvolvimento das forças produtivas.

Diante dessas circunstâncias, definiu-se no campo empírico deste estudo, como amostra intencional, a turma de Enfermagem do PROEJA – CEEPS/ 2010, que após dois anos e meio de curso encontra-se com 26 alunos frequentes (18 alunos participaram da pesquisa), além destes a pesquisa contou com a contribuição dos educandos ingressos no ano de 2012, que somam 40 alunos (dos quais 20 responderam ao questionário, ou seja, 50%). A escolha da temática “Educação Profissional e Mercado de trabalho” para a efetivação do estudo se deve, dentre outras razões, ao fato dos desafios e demandas estabelecidos pelos profissionais nos diversos campos de atuação e o papel da formação integral destes sujeitos para a superação dos desafios inerentes à profissionalização.

Neste contexto a pesquisa cita como referência os alunos/trabalhador da área de “Enfermagem” que na atualidade exige profissionais atentos as suas responsabilidades técnicas, científicas, políticas e sociais, e que precisam tomar cuidado para não resvalar pelo caminho do corporativismo e de disputas por hegemonia no setor da saúde, além de explicitar uma das preocupações elecandas na Especialização “Educação profissional integrada à Educação Básica na Modalidade de Jovens e Adultos”, na qual este trabalho será apresentado como requisito para obtenção de título, Capacitação esta que é integrante do conjunto de ações governamentais que objetiva qualificar docentes para a implantação do PROEJA.

Considerando todas as singularidades do público desse Programa, uma questão se apresenta: Que perspectiva o aluno do Curso de Enfermagem – PROEJA possui frente ao mercado de trabalho atual? Partindo desse questionamento, indaga-se ainda: Que condição “inovadora” o jovem e adulto adquire ao retornar à sala de aula no PROEJA; Quais as principais dificuldades enfrentadas por estes alunos ao retomarem os estudos? E que importância atribuem ao Curso para dar continuidade ao processo educativo?

Para buscar as possíveis respostas a essas questões e consolidar o presente estudo, optou-se pela pesquisa qualitativa, na qual foi possível alinhar conceitos e relações extraídas da pesquisa documental em fontes citadas em especial pela LDB nº 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação, no Decreto que aborda o Documento Base e o Relatório de Planejamento Estratégico do PROEJA/2007, bem como da produção teórica de estudiosos dedicados ao tema, dentre os quais citam-se: Richardson (1999), Demo (2006), Freire (2005), Arroyo (2005), (2007), Frigoto (1983, 2007), Ramos (2002), além da análise/respostas de dados concretos obtidos por meio da pesquisa in loco, resultados considerado de suma importância para a elaboração deste trabalho.

Tendo cumprido a etapa in loco da pesquisa, a sua análise se apresenta da seguinte forma: o primeiro tópico, sob o título “Percurso Metodológico e análise da pesquisa” traça o caminho percorrido para a elaboração do trabalho; o segundo tópico intitulado “O aluno PROEJA: acesso, permanência e inclusão”, analisa alguns conceitos relacionados ao trabalho como princípio educativo, com ênfase nos conflitos resultantes dessa relação dialética e na necessária conjunção entre educação e trabalho sob a perspectiva da inclusão social dos Jovens e Adultos no mercado atual de trabalho. Além disso, trata da emergência de um olhar diferente sobre a EJA; o terceiro e último tópico “um olhar sobre a perspectiva do mercado atual” apresenta as noções básicas que os sujeitos da pesquisa possuem quanto ao entendimento curso e os resultados que este lhes proporcionará após a formação; o quarto e último tópico traça uma breve reflexão acerca da temática abordada.

  1. 2.      PERCURSOS METODOLÓGICOS E ANÁLISE DA PESQUISA

2.1 Trilhando o caminho da pesquisa

O presente trabalho desenvolveu-se por meio da pesquisa qualitativa, considerando que esta abordagem proporciona resultados significativos na área educacional, no sentido de oportunizar ao pesquisador uma visão mais ampla do cotidiano escolar, além de produzir conhecimentos e contribuir para a transformação da realidade estudada. Enfatizando com isso a necessidade incessante de sempre está em contato com o objeto de estudo, a fim de obter uma melhor desenvoltura na pesquisa. Assim, Richardson (1999, p.102), ressalta que:

O objetivo fundamental da pesquisa qualitativa não reside na produção de opiniões representativas e objetivamente mensurável de um grupo; está no aprofundamento da compreensão de um fenômeno social por meio de entrevistas em profundidade e análises qualitativas da consciência articulada dos atores envolvidos no fenômeno.

A pesquisa foi desenvolvida no Centro Estadual de Educação Profissional em Saúde “Monsenhor José Luís Barbosa Cortês” – CEEPS, (PREMEN-SUL), localizada Rua Climério Bento Gonçalves no Bairro Monte Castelo, zona sul de Teresina. No decorrer do estudo realizado na escola (campo) foi possível construir uma análise objetiva sobre a visão dos alunos quanto aos desafios do mercado atual de trabalho e ainda, a compreensão que estes possuem da relação trabalho/escola construída dentro da concepção de integração entre a Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade Educação de Jovens e Adultos – PROEJA.

O passo inicial foi dado a partir de técnica de observação dos sujeitos envolvidos no estudo, tendo em vista que esta ocupa um lugar privilegiado na pesquisa educacional, permitindo assim descobrir através do contato direto do observador com o objeto estudado suas particularidades, pois este confronto imediato com a vivência das práticas pedagógicas possibilita tomar conhecimento da verdadeira realidade do quadro educacional. Isto, porque a investigação é a maneira em que o pesquisador procura integrar-se ao grupo estudado, vivendo junto e participando de suas atividades, assim ele pode descobrir os aspectos relevantes dos problemas detectados. Segundo Ludke & André (1986, p.30):

Com esses propósitos em mente, o observador inicia a coleta de dados buscando sempre manter uma perspectiva de totalidade, sem se desviar demasiado de seus focos de interesse. Para isso, é particularmente útil que ele oriente a sua observação em torno de alguns aspectos, de modo que ele nem termine com um amontoado de informações irrelevantes nem deixe de obter certos dados que vão possibilitar uma análise mais completa do problema. (LUDKE & ANDRÉ1986)

Posteriormente foi utilizado como recurso da pesquisa a aplicação de questionários, onde cada aluno envolvido teve a oportunidade de opinar sobre o assunto indagado, o questionamento possui vários aspectos favoráveis à construção de conhecimentos na pesquisa educacional, é através do posicionamento apresentado por eles durante as respostas dadas, que se torna possível desenvolver considerações importantes  para o entendimento apropriado na vida de cada sujeito, surgindo com isso possibilidades de efetivação do conhecimento esperado pelo pesquisador. O que propicia um elo de integração entre ser e o entender.

 Mediante a utilização da entrevista escrita cria-se um instrumento de coleta de informações objetivas, onde alunos cumprem a tarefa de colocar em evidência suas experiências intelectuais, que serão usadas apenas para fins específicos da pesquisa. De acordo com Richardson (1999, p.197): “todo questionário constitui uma hipótese, isto é, a inclusão de todos e cada um dos pontos deve ser possível de defender que está trabalhando”.  Apresentando para isso perguntas fácies de serem coletadas, bem como simples de serem analisadas. Desse modo os critérios e as descrições contidas na entrevista devem propiciar um entendimento claro e objetivo tanto para o entrevistado, quando para o entrevistador. 

Foram utilizados como instrumento de coleta de dados, dois tipos de questionário aberto (Anexos A e B), neste universo contabilizaram-se 38 alunos, sendo 20 dos 40 alunos do I módulo e 18 do VI Módulo, que conta atualmente com 26 alunos, destes 70% responderam ao questionário, com o intuito de conhecer as condições de vida, trabalho e referência de estudo desses sujeitos. Em seguida os dados foram tabulados e utilizados em análise aqui descrita.

2.2  Caracterizando o aluno do PROEJA: acesso, permanência e inclusão.

Os Curso Técnico de nível médio pesquisado neste trabalho iniciou no primeiro semestre de 2010 com matrícula efetivada de 40 alunos, todos ingressos através de inscrição realizada conforme a quantidade de vaga ofertada. Ressalta-se, porém, que para efeito de análise o trabalho levou em consideração a turma ingressa neste ano de 2012, haja vista que a perspectiva destes ingressantes puderam comparar dados e ampliar os horizontes da pesquisa.

            Durante o período de diálogo e coleta naquela instituição, observou-se que a maioria dos alunos que frequentam o técnico médio de Enfermagem é do sexo feminino, num percentual de 90%, com idades entre 19 a 48 anos, mães e solteiras, sem vínculo empregatício formal, destas apenas 25% afirmaram trabalhar como autônomas, no que se refere ao universo os homens aparecem com uma minoria de 10%, caracterizando um perfil altamente feminino no curso. 

            Um outro dado relevante constatado na pesquisa e que deve servir como supostos temas para discussões futuras, diz respeito à escolaridade dos alunos, tanto os ingressos quanto os concludentes. Dentre os alunos concludentes e àqueles que estão ingressando no curso, 82% já iniciaram o ensino médio anteriormente e apenas 18% concluíram a 8ª série do ensino fundamental (no regime de 8 anos), ou seja, a grande parcela já havia de alguma forma tentado estudar o ensino médio, e em seguida abandonaram a sala de aula por motivos diversos.

            Esses dados, observados de modo bastante explícito nas declarações dos alunos, permitem constatar que muitos deles ingressaram no curso com o objetivo de obter “a curto prazo” mais conhecimentos, ter uma educação profissional e concorrerem para seleções em vagas de emprego, fato este interrompido por um problema bastante elencado no DOCUMENTO BASE DO PROEJA que diz respeito ao alto índice de evasão. “Já tentei estudar várias vezes, mas sempre desisto, pois as coisas ficam difíceis...” (aluna 5); “fiz o primeiro ano três vezes, e por problemas em casa tive que sair” (aluna 2).

De fato, esta problemática tem exigido reflexões no âmbito educacional, especialmente o PROEJA no que se refere ao seu ponto de vista histórico e pedagógico, pois a evasão escolar dos alunos oriundos em sua maioria da EJA remete a uma nova postura educativa que afirme a necessidade de repensar as formas de integração entre formação geral e profissional, reinventando práticas pedagógicas como: adequação de horários, adaptação de conteúdos, valorização de experiências e promoção da autoestima dos alunos. Tais estratégias são bastante pertinentes e relevantes, mas precisam ser realmente efetivadas para viabilizar a concretização do Programa, tanto na rede federal quanto nas redes estadual e municipal de educação, pois, dificilmente haverá resultado positivo, que garanta a permanência e continuidade dos estudos destes sujeitos, sem a adoção de mecanismos que assegurem aos jovens e adultos, além do acesso, a permanência no curso e, conforme Arroyo (2005),

Criar alguns espaços para a continuidade de estudos dos jovens e adultos populares, nada ou pouco fazendo por mudar as estruturas que os excluem do trabalho, da vida, da moradia, de sua memória, cultura e identidade coletiva não configurará a EJA no campo dos direitos. (ARROYO, 2005, p.44).

            Quanto à garantia de emprego após a conclusão de um curso de Educação Profissional, os participantes daquele Centro possuem uma visão bastante utilitarista – desejam receber o certificado, e que este lhe coloque no mercado de trabalho, ou seja, lhes garanta emprego, que seja “digno”. Todos acreditam que se concluírem o curso de Enfermagem poderão garantir emprego, reforçando a afirmativa de que somente através dos estudos seria possível ter oportunidade de trabalho. Percebe-se neste ponto, que não há nenhuma preocupação em ter necessariamente uma profissão e entender suas relações com a sociedade estabelecida no âmbito escolar. “Este é um curso muito bom, abre as portas para o emprego” (aluna 1) “O que pode me motivar a voltar a estudar é o trabalho, o emprego garantido. (aluna 3).”.

            O posicionamento da maioria dos alunos sobre a relação trabalho/escola explicita uma reprodução dos modelos taylorista/fordista de produção que foi se consolidando neste conceito de qualificação e nesta perspectiva foram definidos os padrões de formação, emprego e remuneração (RAMOS, 2002). Diante deste contexto a escola aparece como um espaço que manifesta as contradições presentes na sociedade de base econômica capitalista, pois à medida que procura moldar o trabalhador qualificado ao mercado de trabalho, ela também permite a manifestação, embora de maneira sucinta, de elementos que o capital não pode e não deseja deixar transparecer.

O alargamento desta concepção, que os estudantes jovens e adultos trabalhadores possuem sobre o trabalho, significa também o alargamento da visão que o profissional envolvido no PROEJA precisa ter para reconhecê-los enquanto sujeitos sociais protagonistas de diversos direitos negados, além do direito à educação; nessa trajetória de exclusão social, carências e necessidades básicas, para que haja uma promoção de políticas públicas que contemplem de fato as necessidades desse público, que cumpram efetivamente uma função inclusiva e garantam o direito à educação de qualidade.

 

2.3  Um olhar sobre as perspectivas do mercado atual de trabalho

            Quando indagados sobre a importância do curso de Enfermagem para sua vida profissional, os alunos demonstraram uma preocupação inerente ao salário, fator este que lhes dará um futuro melhor. “Vou garantir meu futuro(aluna 07); “tem bastante vagas de trabalho e paga bem” (aluna 10); “Pra se ter um bom salário” (aluna 12). “é importante ter um diploma hoje em dia” (aluna 20);” É dinheiro na mão” (aluna 37.)

Essas respostas demonstram que, longe de se buscar o conhecimento frente aos desafios incorporados ao processo seletivo que é o mercado de trabalho, ou ainda, os mecanismos atribuídos à qualificação profissional, com aspectos que podem alterar profundamente a realidade social, estes alunos “limitam” seus olhares e reproduzem na prática as políticas educacionais têm tido um caráter superficial, adotadas apenas medidas paliativas (ARROYO, 2005). Reforça-se que, diante de sujeitos frágeis socialmente, imersos em precárias condições de vida e excluídos do usufruto de vários direitos, não será uma simples “atualização” ou “regularização” da sua escolaridade que os incluirá na sociedade. Dessa forma, torna-se essencial deslocar o eixo das finalidades, para atender ao homem e à sua formação como cidadão, que faz do “trabalho categoria fundante da sociedade, ou o trabalho como sentido da vida” (DEMO, 2006). E que nem sempre se associa a “bons salários” como estes sugerem.

Na verdade fazer uma reflexão sobre o conceito de trabalho e sua importância para o ser humano implica levantar questões à sociedade sobre a sua organização, sobre o funcionamento da economia, das relações laborais e do mercado. Implica discutir questões que versem sobre os modelos dominantes, sobre nível das relações sociais de gênero e o questionamento sobre os princípios e fundamentos da igualdade entre mulheres e homens. Afinal, a conciliação entre vida pessoal, familiar e profissional é, então, outra das vertentes que não pode deixar de integrar o questionamento sobre uma nova atitude, um novo olhar sobre o trabalho humano. Isto, porém é implícito aos princípios que a própria escola reproduz.

E ao serem levantadas questões sobre as expectativas do curso para o enfrentamento dos desafios no mercado atual, os alunos demonstraram pouco conhecimento sobre este assunto, revelando uma certa imaturidade na compreensão entre a relação escola/trabalho/profissão. “Posso passar por vários desafios, mas não desistirei de meu emprego”; (aluna 11);É difícil, mas quero uma vaga num hospital ou numa clínica; (aluna 02)nunca é tarde para estudar, apesar de tudo que passarei vou conseguir meu emprego na área”“. (aluna 07); “Apesar de tudo que passei, este é meu sonho e quero conquistar meu futuro” (aluno 15). “Quero mudar de vida e ter conforto” (aluna 29).

Neste aspecto, prevaleceu como unanimidade acreditar que um curso técnico é a “porta” para o mundo do trabalho, de uma vida mais digna, com melhor remuneração. Destaca-se ainda que todos os alunos sentem-se muitos otimistas quanto à possibilidade de emprego na área do curso em que estão matriculados, após a conclusão do PROEJA. Demonstram exemplos do esforço pessoal para permanecerem no curso, culpa por ainda não concluírem o ensino básico e não possuírem um emprego que lhes garanta “um salário para viver”, portanto o curso aparece como uma grande promessa para superar os entraves colocados no cotidiano daqueles alunos/trabalhadores.

É nesse contexto que esses cidadãos procuram retornar à escola, com a certeza de que a falta de escolarização não lhes permite um emprego ou condições melhores de vida. Aqui, ressalta-se a concepção de Frigotto (2005) quanto à “culpabilização da vítima”, ou seja, atribui-se unicamente a cada indivíduo a responsabilidade pela ausência de formação, pela falta de oportunidade, tanto pessoal quanto profissional, relacionada à baixa escolarização, ausência de capacitação profissional e, consequentemente, de emprego, sem considerar os aspectos determinantes a este contexto, por isso acreditam que a escola suprirá todas as suas necessidades.

Diante do exposto percebe-se que de um lado se posiciona o capitalismo, representado pelo setor produtivo, que objetiva o lucro e, é configurado na concepção dos alunos de maneira ideológica, e do outro, o trabalho humano, que almeja qualidade de vida pela educação emancipatória, embora não se conscientize ou se materialize no curso em que estão inseridos. Desse processo agrava-se a crise estrutural do emprego, em que não se pode subsumir a cidadania como mera inclusão no mercado de trabalho, mas assumir a formação do cidadão que produz, pelo trabalho, a si e para o mundo (BRASIL, 2007). E nesse contexto o aluno é convidado a refletir sobre noções básica de educação e principalmente sobre os entraves que o mercado de trabalho coloca para absorver uma mão de obra recém-saída da formação.

Guiado por este aspecto a pesquisa procurou saber que pretensões o aluno tinha após concluir o curso, este colocaram diversos posicionamentos, entretanto todos encaminhavam para um único objetivo a tão sonhada vaga no mercado formal. “assim que concluir o curso vou levar meu currículo para clinicas e hospitais(aluna19); “vou tentar a vida em outra cidade, acho que fora a vantagem de conseguir emprego é maior” (aluna 08); vou ser um bom empregado, afinal ser enfermeiro é meu sonho (aluno 14); vou colocar em prática tudo que aprendi durante o curso, trabalhar e sustentar minha família (aluna 26).

Para que todas essas vontades sejam atendidas faz-se necessário a compreensão e esforço do aluno para preencher os pré-requisitos estipulados pela competitividade do mercado, além claro da eficiência exigida dos profissionais a serem contratados, mas para que o alunos PROEJA em Enfermagem/CEEPS consigam de fato garantir uma educação que lhes dê essa autonomia profissional é necessário que se crie aparatos legais que possam dar sustentabilidade ao PROEJA, para tanto se faz necessário uma política complementar, que possa manter os mesmos investimentos e recursos destinados quando de sua implantação. Urge vincular a outros projetos educacionais e sociais, com o intuito de somar de esforços e sinergia, pois o PROEJA só se consolidará se for um desejo coletivo, visto assim, é preciso criar mecanismos efetivos, interministeriais que conduzam o trabalhador à escola e lhe forneçam condições de nela permanecer com êxito, assim como buscar autonomia profissional, a que tanto este aspira.

 

  1. 3.      ANÁLISES CONCLUSIVAS

Considerando as questões levantadas e o diálogo permitido com esta experiência, conclui-se, portanto, que os alunos/trabalhadores do curso pesquisado, entendem a profissionalização como resultado de uma formação aligeirada, como uma pequena parte de um processo, sem vínculo com os conhecimentos de base científica, que visa atender rapidamente às demandas do mercado de trabalho como garantia de “um futuro digno”, argumentam ainda, que somente ter uma certificação é suficiente para mantê-los competitivos no mercado de trabalho, desconsiderando deste modo, a necessidade de orientação profissional e pessoal.

O PROEJA somente brotará frutos se o projeto perdurar por longo prazo, com ofertas contínuas. E a preparação para o mundo do trabalho depende muito mais de um posicionamento político do que educacional, a fim de que estes programas não se apresentem apenas com o cunho compensatórios, paliativos e de curta duração. Cabe, portanto, destacar aqui o trabalho das instituições de ensino que se debruçaram para decifrar os desafios colocados pelo programa, além de gestores, docentes e discentes que buscam a concretização e consolidação dessa proposta, que precisa amadurecer e ganhar voos além do preestabelecido pela a legislação.

E para que esta proposta ganhe força, caminhos precisam ser apontados afim de que os trabalhadores jovens e adultos possam obter um futuro melhor, mais digno e humano, através de ações e políticas públicas que precisam ir além da superação de carências escolares, educacionais e abranger também e necessariamente as carências relativas ao trabalho, à saúde, ao transporte, lazer, segurança etc. sentido, este também disposto no Documento Base do PROEJA em seus princípios e concepções:

É necessário construir um projeto de desenvolvimento nacional auto-sustentável e inclusivo que articule as políticas públicas de trabalho, emprego e renda, de educação, de ciência e tecnologia, de cultura, de meio ambiente e de agricultura sustentável, identificadas e comprometidas com a maioria, para realizar a travessia possível em direção a um outro mundo [...]. Um projeto como esse, requerido para o desenvolvimento nacional, precisa, em nível estratégico e tático, de uma política pública de educação profissional e tecnológica articulada com as demais políticas. (BRASIL, p. 26, 2005).

Entende-se que todas essas propostas são inerentes ao desafio de implementação que a escola precisa ajustar, entretanto é necessário apontar para outras questões, discutir sobre a qualidade do ensino, demandas e desafios que o curso impõe na vida do educando. É preciso ainda, um esforço em longo prazo que ultrapassa os projetos de governos isolados. Construir uma educação para a cidadania e o desenvolvimento de todos os brasileiros, tratando-se assim de uma tarefa afável, cuidadosa, traçada no dia a dia, demanda bem mais do que enunciar prioridades e reformas sem ressonância real no contexto social, afinal a educação proposta pelo PROEJA visa oportunizar aos alunos uma formação humana com ênfase em seu projeto de vida, socialmente determinado, que culmine em uma formação ampla e integral, processo longo a ser construído.

Diante disto, sugere-se que sejam apontadas soluções imediatas que colaborem para efetivação desses direitos dos alunos, que se realizem estudos com egressos e ingressos do PROEJA, através de observação e análise de acompanhamento dos alunos formados. Ressalta-se ainda, a importância de qualificação profissional aos docentes e servidores de modo geral que contribuem com a execução do PROEJA naquela instituição, a fim de verificar em que intensidade os princípios e concepções discutidos nestes cursos são aplicados no cotidiano das aulas, bem como o que se pode ser feito para melhorar a qualidade da oferta.

Faz-se imprescindível também valer-se dos mecanismos de capacitação e avaliação, nos moldes, conforme o previsto no Documento Base do PREOEJA, mas ainda não implementado em sua totalidade, afinal este parece estar a um passo de ser reconhecido como nova modalidade educacional, que possa efetivamente formar o trabalhador; atender as especificidades de jovens e adultos; e ofertar práticas pedagógicas emancipatórias que busquem não só a formação para o mercado de trabalho, mas a formação do homem em seu desenvolvimento crítico e participativo, que valore o seu potencial e garanta sua cidadania.

 

 

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