MULHER NO CÁRCERE,  DIVERSIDADE, DISCRIMINAÇÃO SOCIAL: caso especifico da Penitenciária Feminina de São Luis-Ma.

*Ana Silvia Rodrigues de Sousa

1. Introdução

O presente ensaio tem por objetivo analisar o perfil da mulher criminosa no Brasil, como também examinar o encarceramento feminino em nosso Estado. Nesse sentido, ao lançarmos um olhar superficial à criminalidade, por si só, já é fator de discriminação, mas, quando se trata do universo feminino, isso é agravado, tendo em vista a  diversidade,  a expectativa social e a ausência de políticas públicas para o encarceramento de gênero. A realidade da mulher presa tem viés diferente da realidade do homem preso, em questões diversas, que merecem destaque no cenário das políticas públicas e direitos humanos.

 A relação entre mulheres e prisão origina-se no período colonial, atrelados ao rompimento com a moral religiosa vigente, cujo foco centrava-se na conduta dos indivíduos. Os castigos destinados às mulheres que cometiam crimes, também ocorriam através de suplícios, revestindo-se de uma punição moral. As primeiras mulheres a receberem penas, ocorriam em consequência de crimes considerados religiosos: “Barregãs (amantes) de clérigos ou de qualquer outra pessoa religiosa; as alcoviteiras; as que se fingissem de prenhas ou que atribuíssem parto alheio como seu” À imagem da mulher vinculava-se heresia e sentidos valorativos, os quais caracterizava o feminino à uma dimensão maléfica do social. (SOARES, ILGENFRITZ, 2002).

 Posteriormente à proclamação da independência brasileira foi sancionado no ano de 1832 o denominado código criminal do império, instituindo a pena de prisão como forma de punição, prevendo a existência de agravantes em seu cumprimento, de acordo com a infração cometida. A relação entre igreja e Estado fundamentava a teoria da pena, haja vista, a consolidação do imaginário em relação aos que cometiam crimes, ainda representados por ofensas morais e religiosas, bem como a pena de morte para os crimes considerados mais graves. Em 1942 foi criada através do decreto lei 3.971 a primeira penitenciária   feminina do antigo     Distrito Federal, sendo administrada oficialmente pelas religiosas da  Congregação do Bom Pastor d’Angers, as quais se subordinavam ao Estado, mas possuíam autonomia na regulação interna do estabelecimento (SOARES; ILGENFRITZ, 2002).O modelo de tratamento advindo da concepção norteadora desta Congregação era o de internato religioso, onde além de cuidarem da moral e dos bons costumes dentro da instituição, as freiras incumbiam-se de exercer um trabalho de “domesticação das internas” e um “cuidado permanente quanto à sua sexualidade”.

As primeiras indicações sobre mulheres cumprindo pena de prisão encontram-se no Relatório do Conselho Penitenciário do Distrito Federal, de 1870. Simultaneamente  às prisões de escravos que funcionavam junto à Casa de Correção da Corte. (SOARES, ILGENFRITZ, 2002). Já no início do século XIX, outro relatório menciona melhorias nas condições de alojamentos às presas e indicando adaptação de cinco células do  antigo

manicômio à prisão de mulheres. O relatório seguinte, publicado no ano de 1929, mencionava que embora as mulheres estivessem em locais separados, ainda sim, viviam em promiscuidade pela convivência com as processadas, “vagabundas e ébrias” enviadas pela polícia.

          A Constituição Federal (CF) de 1988 prevê: “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado” (art. 5º, XLVII); que às mulheres  “serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação” (art. 5º, L). A Lei nº 11.942, atentando às especificidades resultantes da maternidade, assegurou, dentre outros,  “berçário para os filhos, no mínimo, até 6 meses de idade; local para a gestante e a parturiente; creche para filhos de presas entre 6 meses e 7 anos que estejam desamparados (quando não houver a quem se passar a guarda)”.

Na Cartilha da Mulher Presa, publicada em 2011 pelo Conselho Nacional de Justiça, foram destacados os direitos a atendimento, “psiquiátrico,  psicológico e ginecológico, como também a realização do “exame papanicolau e da mamografia; “o direito ao trabalho, respeitadas as peculiaridades femininas e não limitado à identificação com tarefas domésticas”, também foi confirmado.  Há ainda as Regras de Bangkok – Regras das Nações Unidas, editadas em 2010, com diversas passagens ratificando a necessidade de “tratamento diferenciado às mulheres”.

 2.Perfil criminológico da mulher encarcerada no Brasil

                 Segundo dados do Ministério da Justiça(Ministério da Justiça,2007;INFOPEN,2007), divulgados em janeiro de 2008, 6% da população prisional brasileira é composta por mulheres, são cerca de 26 mil mulheres. Das 1094 unidades prisionais, somente 40 delas são destinadas especificamente a mulheres. Em mais de 400 unidades, as mulheres ocupam alas de unidades masculinas.

               A superlotação também é uma realidade no mundo das mulheres encarceradas. O déficit de vagas é estimado em 12 mil vagas. A maioria das mulheres tem entre 18 e 24 anos (17,6%), seguidas pelas que têm entre 25 e 29 anos (16,1%), 35 e 45 anos (13,4%) e 30 e 34 anos (12,5%). As brancas representam 27,9%, seguidas pelas de cor parda (25,8%) e pelas de cor preta (10,1%).

              Entre os crimes cometidos, estão:  a participação no tráfico internacional de drogas (30,2%), seguido de roubo qualificado (4,8%), roubo simples (4,6%) e furto simples (3,9%). Apesar de representarem uma minoria no total da população encarcerada, 25% estão presas no sistema de polícia, enquanto 13% dos homens.

               Desde 2002, a taxa de crescimento das mulheres nas prisões brasileiras é de cerca de 2,5 vezes a dos homens. Analistas apontam que isso se deve, em grande parte, a um maior envolvimento das mulheres no tráfico de drogas, principalmente na função de “mulas”, sendo que a maioria delas são chefes de família. Na maior parte dos casos, sua prisão leva à desestruturação familiar.

3. Presídio Feminino de São Luis

    Em São Luis vamos encontrar a Penitenciária Feminina, na Br 135,km 14, bairro de Pedrinhas,  inaugurada em 10 de agosto de 2010. O presídio está situado em um terreno de 60 mil metros quadrados, constituído em sua estrutura de: 11 blocos divididos em áreas de saúde(uma), alas de lazer-banho de sol(três), reservatório de água, torre de observação, celas individuais(cada uma com área de 16m²), celas coletivas, espaço para funcionários e outros compartimentos. São 34 celas divididas em dois blocos:  um bloco(17 celas) para presas provisórias e outro(17 celas)  para presas sentenciadas. Cada cela coletiva abrigarão 06(seis) mulheres, na qual possuem beliches, prateleiras, mesa, lavatório, além de vaso sanitário feito de concreto e cuba inox. Conta ainda, com uma cela para triagem, seis cela de isolamento, duas celas de encontro intimo, além de uma creche, berçário,  área de amamentação destinadas às internas que possuem filhos; consultório médico, lavanderias e cozinha industrializada.

Em julho de 2012, essa unidade estava com um efetivo de 152 mulheres, sendo 55 sentenciadas, 85 provisórias e 12 em regime semi-aberto.  Sua  população carcerária hoje é de 198 presas, sendo 97 no regime provisório, 62 no regime fechado e 39 no regime semi-aberto. Este presídio foi projetado para custodiar 210 presas, e se destaca como uma verdadeira fortaleza, com câmeras de segurança por todos os lados, além de guaritas com vigilância terceirizada, enfim aquilo que o autor Erving Gofman  denominou de “instituição total”.  Esse modelo de Instituição reporta também ao modelo “panóptico” de prisão que está voltado tão somente “a vigilância e observação” do sec XIX.

 

O panóptico tornou-se, por volta dos anos 1830-1840, o programa arquitetural  da maior parte dos projetos de prisão. Era a maneira mais direita de traduzir na pedra a inteligência da disciplina; de tornar a arquitetura transparente à gestão do poder; de permitir que a força ou as coações violentas fossem substituídas pela eficácia suave de uma vigilância sem falha; de ordenar o espaço segundo a recente humanização dos códigos e a nova teoria penitenciária.(FOUCAULT,1997, P.209)

        Podemos observar que, passados mais de 25 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, não houve qualquer empreendimento concreto por parte das autoridades para a construção de uma penitenciária feminina para separação dos regimes. Nesta  Penitenciária Feminina de São Luis  convivem  presas de Regime Fechado com presas Provisórias e o que é pior,  presas confinadas no Regime Semi-Aberto que teriam  direito ao trabalho no período diurno e descanso no período noturno. Com relação ao regime Aberto as internas desse presídio ao serem beneficiadas com esta progressão de regime, são agraciadas  com a Prisão Domiciliar determinada pela justiça, tendo em vista não haver Casa de Albergado Feminino. Já o Berçário dessa unidade prisional tem uma lotação de 15  mulheres entre  grávidas, outras já com filhos e ainda outras presas em situação de “seguro” ou “problema de saúde”  uma convivência irreprovável  que se houvesse uma fiscalização não aconteceria. Nesse presídio ainda temos uma Enfermaria que funciona precariamente; Sala de Odontologia toda equipada, porém nunca profissional da área.

3.1 Mapeamento social, jurídico, psicológico das mulheres apenadas

Conforme mapeamento realizado nessa Penitenciaria Feminina em quatro especialidades: jurídica, social, psicológica e de enfermagem permitiu identificar quantas internas estão em condição aparente de constrangimento ilegal. O relatório é explicitamente bem detalhado por uma equipe multidisciplinar constituída de advogados, assistentes jurídicos, assistentes sociais, enfermeiras e psicólogas. O dados desse relatório foram coletados em entrevista com o público alvo feminino, constituída de 136 internas.

3.1.1 mapeamento social

O que diz respeito a área social, foram responsáveis assistentes sociais Clara Núbia Carvalhal Mendes e Lia Raquel Sousa Teles, expõe os aspectos econômicos e de renda da família da apenada o que favorece o entendimento das causas em geral que deram origem ao delito cometido. O mapeamento social indica que 72% das entrevistadas residem em casas alugadas, 11% têm casa própria e apenas 3%  não possui  renda fixa. O gráfico sobre renda familiar demonstra que em 86% das residências apenas uma pessoa é responsável pelos rendimentos da família, geralmente numerosa. E mais: 78% das famílias das internas sobrevivem com um salário mínimo, ou menos que isso. Apenas 1% das internas possui renda superior a quatro salários mínimos .

3.1.2 mapeamento jurídico

                Fábio Teófilo, a advogada Nívia Miranda Sodré, o bacharel em Direito Vadislau Gomes Marques Jr., a assistente jurídica Andreia Glauce Pereira Costa e a assistente administrativa Liane Diale foram os responsáveis pelo mapeamento jurídico que permitiu identificar quantas internas   ainda aguardam mandado de prisão, os casos de progressão de regime da pena, as que já deviam gozar de liberdade condicional e também as que aguardam por uma guia de execução penal definitiva.
O ambicioso levantamento identifica as reais necessidades jurídicas de uma por uma das custodiadas no presídio feminino. O diagnóstico permitiu, inclusive, apontar a falta de documentos necessários para regularizar a situação prisional de cada uma das internas, tais como ordem judicial de prisão, guia de execução penal e emissão de atestado de pena.

3.1.3 mapeamento psicológico

                Neste caso, o mapeamento ficou a cargo da psicóloga Tassia Layane Severo Camilo. Definindo-se a psicologia como ciência que busca a compreensão do comportamento humano, restringimo-nos a divulgar os dados que provavelmente sinalizam para uma radiografia das prisões brasileiras: 64% das presidiárias têm ensino fundamental incompleto e 11% são analfabetas; 39% têm parentes envolvidos com a Justiça; 7% foram encaminhadas para tratamento psiquiátrico em consequência da pesquisa; 44% precisam de auxílio profissional para abstinência das drogas, no que reflete o caos, pois não existe nenhuma política publica para o assunto.

3.1.4 mapeamento de enfermagem

              O relatório da equipe de enfermagem - Genaile Chaves Paiva, Roberta Albuquerque Martins Silva, Lilia Pereira Gomes - aponta sugestões imediatas. Os dados mais cruciais são estes: 35% são tabagistas e 7%  faziam uso demasiado de bebidas alcoólicas; 2% são hipertensas e 1% diabética; 27% faziam uso de merla, 22% de maconha, 17% de crack e 4% de cocaína; 35% necessitam de atendimento odontológico e 31 % de atendimento médico; 2 % apresentam dermatoses e 2% estão gestantes.

        Como inspetora do sistema penitenciário maranhense, participo desse contexto único, contudo, nem mesmo uma trajetória de mais de duas décadas, esgotou os horizontes de  interesses, surpresas e envolvimentos. Nesses anos, sempre busquei oportunidades, busquei enxergar por diferentes olhares esse mundo, para melhor percebê-lo, apreendê-lo, aprendê-lo no que, de alguma forma, dissesse respeito aos problemas vivenciados pelos presos(as), funcionários(as), gestores(as) e as relações entre a sociedade e as prisões.


       Com as mulheres reclusas, são perceptíveis particularidades: reações, formas de verbalização, medos, desejos e esperanças são expressos de forma peculiar, frequentemente, opostos ao modus operandi do ambiente de segregação masculina. Assim, a prisão feminina se sobressai como ambiente de sombras, de tocaias e emboscadas em suas minudências.

4. Conclusão

Por fim, as presidiárias são “mulheres” que na qualidade de sujeitos de direito, são excluídas do exercício de cidadania, ficam invariavelmente a mercê de ações contingentes dos gestores institucionais, que quase nunca respondem as demandas específicas por elas postuladas. E mais ainda, para a própria diversidade de que é composto o termo, não se pode pensar em mulheres sem uma definição mais precisa segundo condições sociais, econômicas, raciais, religiosas, políticas, culturais. Em suma, ser mulher não corresponde a uma categoria universal e a-histórica, é, também, socialmente construída e transformada.

Não é a-toa que para se fazerem ouvidas, essas mulheres se manifestam nas mais diversas formas: falam exaustivamente, proferem palavrões, batem, a um só tempo, em panelas, pratos e garrafas, chutam as grades e, por vezes, quando a situação chega ao limite estremo de tolerância, queimam colchões e quebram utensílios, todavia, essas reações são vistas como insubordinação e suas vozes não ultrapassam as galerias onde ficam as celas.

Quase sempre essas “ações” são compreendidas como mal comportamento, por isso mesmo, reprimidas, culminando com advertências ou castigos. E dessa forma, a política voltada para o reconhecimento das diferenças exige que as instituições públicas  não passem por cima das particularidades mesmo que essas pessoas sejam mulheres presidiárias. Até porque  observamos ao longo do tempo que  o fenômeno do encarceramento feminino é crescente, sobretudo, em virtude das relações sociais que se estabelecem em uma sociedade capitalista. Porém as configurações do tratamento penal dirigido às mulheres na atualidade, ainda apresentam aspectos valorativos em sua aplicabilidade, mesmo com previsões e aportes legais para que as mulheres não sejam discriminadas, ainda sim, reveste-se a prisão de mecanismos morais, os quais se expressam através de um discurso de resocialização.

 5. Referências

 CARTILHA DA MULHER PRESA. Conselho Nacional de Justiça. 2011

 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1998.

 ESPINOZA, Olga. A mulher encarcerada em face do poder punitivo. São Paulo: IBCCrim, 2004.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 33ºed. Petrópolis: Vozes, 2007.

 GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos. Tradução de Dante Moreira Leite. 7ª edição. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.

 LEMGRUBER, Julita. Cemitério dos vivos: análise sociológica de uma prisão de mulheres. 2.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA – Departamento Penitenciário Nacional. Sistema Integrado de Informações Penitenciárias-InfoPen. Disponível em: http://www.mj.gov.br.

 MINISTÉRIO PUBLICO DO DISTRITO FEDERAL. Disponível em: www.mpdft.gov.br.

MAPEAMENTO DO PRESIDIO FEMININO DE SÃO LUIS-SEJAP. Disponível em: http://www.oimparcial.com.br/app/noticia/urbano/2012/06/24/.Acesso em : 07 jul. 2013 às 14:11.

 PASINATO, Wânia. Questões Atuais sobre gênero, mulheres e violência no Brasil. In: Praia Vermelha 14&15, Políticas Sociais e Segurança Pública. Rio de Janeiro: UFRJ; Faculdade de Serviço Social, 2006.

RELATÓRIO AZUL: Rio Grande do Sul. Assembleia legislativa, Comissão de Cidadania e Direitos Humanos: Garantias e violações dos Direitos Humanos. Porto Alegre: CORAG, 2006.

SOARES, Bárbara Musumeci; ILGENFRITZ, Iara. Rio de Janeiro: Garamond, 2002.Prisioneiras: vida e violência atrás das grades.

STREY, Marlene Neves. Violência e gênero: um casamento que tem tudo pra dar certo. In: Violência e Gênero, coisas que a gente não gostaria de saber. Organizadoras: Patrícia K. Grossi e Graziela C. Werba. Porto Alegre: EDIPUC, RS, 2001.