MUDANÇA DE PARADIGMA E DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO

Vera Silvia Pessoa Porto

Partindo do princípio que o Seminário em “Tecnologia em Pedagogia e Construtivismo” aborda assuntos referentes às constantes mudanças e transformações permanentes na sociedade e na escola ao longo dos tempos e fazendo uma retrospectiva aos fatos passados onde o aluno era conduzido à acomodação, à subserviência e à insegurança, sendo o professor visto como detentor de conhecimento e sabedoria, é fácil constatar que muita coisa mudou até os dias atuais embora muito ainda precise ser feito. São muitos os avanços tecnológicos e com ele os desafios para uma sociedade onde o homem construa e reconstrua sua aprendizagem baseado na experiência e nas relações com o meio, consigo mesmo e com os outros, o que favorecerá um sujeito responsável e consciente no exercício concreto da cidadania. Ao longo do século XVIII, muitos foram os fatos que contribuíram para as mudanças sociais. Com a revolução industrial, nasceu a necessidade de “um novo tipo de homem” treinado para atender às demandas do modelo servil das indústrias de faturamento e a escola tradicional era vista como preparadora para os futuros operários.

A única questão a que faltava responder era a que se realacionava com o tipo de escola capáz de dar respostas às necessidades do modelo industrial, de pacificação social e de formação de um novo tipo de homem adaptado às exigências do novo modelo de produção, e que fosse simultaneamente tão barato que desarmasse a idéia de educação para todos” (Fino, 2000).

Na França os iluministas almejavam por um sistema de governo onde todos fossem iguais perante a lei. Assim surgiu a sociedade moderna, fruto das transformações que culminaram na Revolução Francesa. Do auge do iluminismo, a educação tornou-se um dos instrumentos necessários e indispensáveis para a transformação da sociedade em todos os níveis. Em nome do progresso, a escola pública surgiu desde esse período, como um componente essencial para a evolução de qualquer sociedade humana estabelecida. Assim, entre outros fatos a Revolução Françesa teve um papel importante na difusão da idéia de progresso, embora saibamos que com ela tornou-se mais forte a predominência da alienação. Pois o caráter alienado da escola é claramente atestado quando da repetição enfadonha de conceitos e fórmulas, do poder da imposição de idéias, das classes de alunos enfileirados em permanente obediência ao professor que por sua vez é mero executor de projetos e atividades que são depositados nos alunos.

Ainda no século XVIII é difundido o método monitorial ou lancasteriano, criado por Joseph Lancaster e prevaleceu até o século XIX quando foi substituído pelo Taylorismo. O método monitorial era baseado no aproveitamento dos alunos mais adiantados como auxiliares do professor, onde eram estabelecidas normas rígidas, rigorosa disciplina e a distribuição hierarquizada dos alunos sentados em bancos dispostos num único espaço. O professor mantinha-se numa espécie de “pedestal” e tinha a função de supervisão de toda a sala e em especial dos monitores. A educação escolar foi fator de dominação colaborando na construção de um homem obediente e submisso. Apesar das transformações sociais e da escola, sabemos que muito ainda temos a conquistar. De certa forma o ensino tradicional ainda prevalece na maioria das escolas, busca-se uma educação para a vida democrática onde o homem seja capaz de criar e transformar o seu mundo em prol da humanidade. Com o avanço no desenvolvimento das tecnologias, dá-se o surgimento de novas necessidades educativas. A escola é equipada de novas ferramentas tecnológicas, o que provoca um novo desafio para os profissionais da educação e desencadeia as mais variadas reações em toda a comunidade escolar. Alguns se apresentam ansiosos, preocupados, com medo do novo; outros são mais positivistas, acreditam na perspectiva de inovação e pesquisam métodos para garantir uma aprendizagem significativa através de softwares inteligentes que propõem atividades que exercitem a habilidade de pensar, refletir e se fazer criativo. Segundo Fino, “Para haver inovação é necessário que a incorporação da tecnologia vise para além da mera rapidez ou eficiência do papel tradicional do professor, enquanto transmissor, e do aluno, enquanto receptor”. No entanto, na grande maioria das escolas existe uma complexidade de fatores que impedem o avanço do desenvolvimento pelo uso da tecnologia, a começar pela necessidade da formação dos profissionais da educação para a orientação na utilização dos computadores como ferramenta que podem apontar para uma aprendizagem construtiva dos alunos, seleção de software adequado às necessidades dos mesmos, realização de atividades atrativas que estimule o aluno à reflexão e os encoraje na tomada de decisões para sozinhos resolver determinadas situações de aprendizagem, planejamento de atividades que gere novas formas de interação com o conhecimento e com o outro e criação de procedimentos que venham a potencializar o conhecimento. “A tecnologia cataliza alterações não só naquilo que fazemos, mas também na forma como pensamos. Modifica a percepção que as pessoas tem de si mesmas, umas das outras e de sua relação com o mundo” (Turkle, 1989: 14-15) A escola tradicional é mera transmissora de conteúdos, não oferece aos alunos a oportunidade de pensar, construir ou realizar pesquisas que promova o desenvolvimento crítico e reflexivo da vida em sociedade.As relações sociais na sala de aula levam a formas alienadas de viver, onde o professor exerce uma prática disciplinadora que desencoraja o aluno a pensar e agir autonomamente. É necessário torná-los aptos para atender às necessidades da sociedade capitalista. Pois, segundo Alvin Toffler, a escola tradicional exerce o papel de preparar as crianças para “o trabalho repetitivo, portas adentro, a um mundo de fumo, barulho, máquinas, vida em ambientes superpovoados e disciplina coletiva.” Em seu livro O Choque do Futuro escrito em 1970, Toffler fala sobre o aparecimento de novas tecnologias e negócios, nas profundas mudanças e transições e como o homem se relaciona nesse novo mundo tão complexo. A acelerada revolução tecnológica indica transformações radicais em todo o sistema econômico mundial como às mudanças na organização do trabalho que estão a exigir um trabalhador com habilidades gerais de abstração, comunicação e integração. Não basta ao homem receber informações, aprender tecnologias, se nele não forem despertadas motivações para vencer os obstáculos do mundo em vertiginosa mudança e que lhe dêem sentido à vida em todas as dimensões. É necessário esclarecer que as tecnologias devem contribuir para conceber aprendizagens que são constituídas pela interação dos processos de conhecimento, em conseqüência das relações expressas através das múltiplas formas de linguagens utilizadas no computador. A adequação do sistema de informática na escola coloca o aluno em posição privilegiada que tem o computador como fonte de poder para aquisição de conhecimento através da experimentação. “Uma das maiores contribuições do computador é a oportunidade para as crianças experimentarem a excitação de se empenharem em perseguir os conhecimentos que realmente desejam obter” Papert, 1997. p. 43). Preocupado com os aspectos relacionais e com os ambientes de aprendizagem, Papert enfatiza que a maioria dos programas criados para a transmissão de conhecimentos são jogos que levam a criança a um exercício de ação reação. O computador apresenta uma situação excitante no jogo, onde faz a pergunta e a criança responde. Dessa forma estabelece-se uma interação entre a criança e o computador, colocando os dois lados, numa relação de equivalência. No meu ponto de vista, a criança atua de forma ativa, pois ela precisa pensar para responder corretamente, criando assim um desenvolvimento de sua autonomia intelectual. Em seu livro A Máquina das Crianças, Papert mostra como se dá crescimento de forma intelectual e autônoma das crianças quando relata uma situação em que dois alunos de 5ª série, com interesses diferentes um em ciências, outro em dança e música, conseguem interagir e criar uma "coreografia de tela" programando um computador montado no fundo da sala de aula. Encorajados pela professora, puderam usar o tempo de trabalho regular de classe para o seu projeto. O fato confirma o conceito de construcionismo que amplia o conceito de construtivismo quando enfatiza as construções particulares do aluno. “O pensamento construcionista acrescenta algo ao ponto de vista construtivista. Onde o construtivismo indica o sujeito como construtor ativo e argumenta contra modelos passivos de aprendizagem e de desenvolvimento, o construcionismo dá particular ênfase a construções particulares do indivíduo, que são externas e partilhadas” (Fino, 1998).O construtivismo traz enfoques de fundamental importância para o aluno. Propõe que este participe ativamente do próprio aprendizado mediante a experimentação, o estímulo à dúvida, à pesquisa em grupo, o desenvolvimento do raciocínio, hipóteses, entre outros procedimentos. A teoria piagetiana embasa as idéias construtivistas que muito tem influenciado as propostas de educação em nossas escolas, propiciando a construção do conhecimento, respeitando as etapas do crescimento biopsicomoral, proporcionando o que é fundamental: a valorização plena do ser humano, ou seja, a realização do sujeito histórico, criador de si próprio e de seu universo socio-cultural. Uma situação de aprendizagem, entendida em seu sentido global, é a de procurar a superação da relação professor-aluno, aluno-aluno e entender que o processo de ensino não pode ser tratado como atividade restrita ao espaço da sala de aula “o conhecimento não é uma coisa que se aprende por transmissão, mas algo que se constrói em interação com o mundo e com os outros” (Fino, 1998). A importância dada à interação social no processo de construção do conhecimento não pode deixar de ser considerada na escola. Isso porque o desenvolvimento humano se dá em um ambiente determinado e em relação com o outro. Essa é uma cena característica do processo ensino-aprendizagem, de fundamental importância da relação da teoria do Desenvolvimento Humano de Vygotsky. Vygotsky apresenta o conceito da Zona de Desenvolvimento Proximal que é definido como a distância entre o nível de desenvolvimento potencial e o nível de desenvolvimento real. O autor diferencia o desenvolvimento real da Zona de Desenvolvimento Proximal. O primeiro é caracterizado por etapas já alcançadas, ou seja, é o resultado de processos de desenvolvimento já completados e o último é a capacidade de desempenhar tarefas com a ajuda do outro que já tem grau de desenvolvimento mais evoluido. “A zona de desenvolvimento proximal definem aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de ‘brotos’ ou ‘flores’ do desenvolvimento, ao invés de frutos do desenvolvimento”. (Vygotsky, p. 97, 2). O pressuposto básico da obra de Vygotsky é que, o que diferencia o homem dos outros animais são as formas superiores de comportamento consciente, que podem ser vistas nas relações sociais do homem. A vivência em sociedade é essencial para a transformação do homem de ser biológico em ser humano. É pela aprendizagem nas relações com os outros que construímos os conhecimentos para o nosso desenvolvimento intelectual. Na aprendizagem colaborativa a construção do conhecimento se dá em formas particulares de interação entre os alunos, ou seja, numa sala de aula todos estão envolvidos no processo de aprendizagem. Um aluno sozinho não é sujeito de aprendizagem, mas todos interagem entre si de forma a colaborar para o desenvolvimento da aprendizagem. O que reforça o uso do computador como ferramenta de aprendizagem por meio da interação e colaboração em pares ou mesmo grupos maiores.

A tecnologia tem potencial para suportar formas diversificadas de interação social, de comunicação e de interação social, de comunicação e colaboração nas tarefas de construção de conhecimento em que estão comprometidos os membros da comunidade de aprendizagem” Fino, (2000). Na perspectiva colaborativa, o desenvolvimento da criança está calçado nas interações e, acontece a partir das relações com o outro que são constitutivas no processo de aprendizagem, pois quanto mais ele interage com o outro, mais se desenvolve mentalmente. Nesse sentido, o adulto assume o papel de mediador privilegiado na formação do conhecimento. Dessa forma, a compreensão de aprendizagem implica necessariamente na compreensão da relação do homem com a natureza e com seus semelhantes. E é através dessa relação que o homem transforma a si mesmo e a própria natureza com o seu trabalho, produzindo conhecimento, construindo a sociedade e fazendo a sua própria história. Então, podemos dizer que estamos permanentemente aprendendo, seja na rua, em casa, na escola, com os nossos alunos, enfim em todas as situações da vida. Neste sentido, é necessário na educação escolar, aproveitar as tendências naturais do aluno e dar livre curso para que ele se torne um aprendiz autônomo. Essa educação talvez não seja ainda o ideal, mas pelo menos não cairemos no engano de pensarmos que o mais importante esforço humano, a educação, se restrinja apenas à transmissão de conhecimento. É preciso criar condições para que o aluno se relacione sistematicamente com o meio a fim de desenvolver-se com autonomia, criticidade e sendo sujeito de sua própria aprendizagem.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

FINO, C. N. “Novas tecnologias, cognição cultura: um estudo no primeiro ciclo do ensino básico” (tese de Doutoramento ). Lisboa, 2000

FINO, C. N. “Um software educativo que suporte uma construção de conhecimento em interação (com pares e professor). In Actas do 3º Simpósio de Investigação e Desenvolvimento de Software educativo.Évora: Universidade de Évora, 1998

PAPERT, S. A família em rede. Lisboa, Relógio d’Água, Editores, 1997

PAPERT, S. A máquina das crianças: repensando a escola na era da informática. Saymour Papert; tradução Sandra Costa. Porto Alegre, Editora Artmed, 2008 (ed. Renovada)

TOFFLER, A. (s/d). Choque do Futuro. Lisboa, Livros do Brasil, 1970

TURKLE, S. O Segundo Eu – Os computadores e o espírito humano. Lisboa, Editorial Presença, 1989

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo, Martins Fontes, 1989 (2ª edição).