LEITURA, ISTO SERVE TAMBÉM À DOMINAÇÃO

Ainda hoje, a despeito dos avanços tecnológicos, a escola tem na modalidade escrita não a exclusiva, mas a mais importante forma de veicular conhecimento. Ler é a exigência feita ao indivíduo que deseja ingressar nesse mundo, o mundo culto.

A escola é propalada como o caminho da independência, da ascensão social, da liberdade, enfim, da mudança. Mas, sendo a escola parte do organismo social, num dizer de Durkheim, seus objetivos são a reprodução desta mesma sociedade. Oferecer a escola, mas manter o status quo, impedindo a conscientização, é o objetivo. A leitura passa, então, a preocupar, pois, se bem feita, estimula a crítica, a contestação e a conseqüente transformação.

Sob a fantasia da neutralidade, cabe à escola a tarefa de desestimular a leitura. O que se deve, na verdade, é ensinar a não ler. “O ensino de leitura, como proposto pelas escolas, deve ser feito pelo processo de ensaio e erro. Deve, é claro, haver mais erros que acertos, de modo a confundir o leitor.” (Ezequiel Teodoro da Silva, 1982, p 18).

Então, põe-se em prática o jogo de convencimento da incompetência do leitor-aluno, que deve reconhecer que não sabe e que não pode. A leitura causa impacto negativo na maioria por desprezar a modalidade lingüística e os “conhecimentos que o educando tem de si e de sua realidade” (Lewis – JC, Manaus, 12.10.86). A essas razões, já suficientes para tornar o texto um objeto estranho aos alunos, some-se a interpretação transformada em jogo de adivinhações, em que se deve encontrar a “resposta certa” previamente elaborada e que, quase sempre, lhes é também estranha. Esta interpretação “certa” direciona a leitura, priva da liberdade, desestimula e induz a um sentimento de impotência frente ao mundo. A leitura feita por um universo tão rico como a sala de aula (microcosmo da sociedade), desaguando sempre na interpretação incontestável dada pelo professor, elimina os conflitos, as rebeldias. Em outras palavras, molda os indivíduos, provoca a acomodação.

Esta postura frente ao texto prepara os alunos para repeti-la frente à vida. “Treinados” a ver o texto como um obstáculo que, sem ajuda do professor, é intransponível, absorvem “naturalmente” a idéia de dependência. Frente aos fatos, não se sentirão desafiados a compreendê-los, a desvendá-los. Aceitarão, então, a explicação de quem se apresentar apto a fazê-lo.

Por isso, os alunos devem ser impedidos de penetrar no texto, perceber sua trama, questioná-lo, buscar comprovação nas experiências vivenciadas, pois, se assim o fizerem, assumirão igual postura diante da realidade. Conseqüentemente, não aceitarão explicações prontas, buscarão formular as suas próprias, a partir de sua análise livre, autônoma, cidadã. Estarão, de fato, lendo e interpretando a vida da maneira que estremece os alicerces da hierarquia de privilégios da sociedade de classes.

Portanto, a leitura, se bem feita, estará a serviço do desenvolvimento total do homem e proporcionando sua real participação. Do contrário, torna-se mais um eficiente instrumento de manutenção da “ordem vigente”, isto é, das relações de dominação.

Jocifran Ramos Martins

1989