INTERDISCIPLINARIDADE: O PASSADO E O PRESENTE NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

 

1SILVA, Francisca Vanessa M. da; 2DINIZ, Ana Lúcia Pascoal

1[email protected] -  Estudante do Curso de Especialização em Língua Portuguesa e Matemática numa Perspectiva Transdisciplinar – campus EaD/IFRN

[email protected] - IFRN

 

RESUMO


 

Este artigo apresenta um estudo teórico que tem por objetivo investigar o percurso histórico e atual da interdisciplinaridade, sua importância e suas contribuições, especialmente para o contexto da educação brasileira. Para esse desígnio, a pesquisa bibliográfica valeu-se da contribuição de estudiosos que tratam da Interdisciplinaridade no âmbito da Educação, ampliando, assim, para as mudanças que essa alternativa metodológica traz para a prática dos educadores, para a escola e para a sociedade, sem perder a especificidade do tema abordado. Por meio de revisão de literatura embasada em levantamento bibliográfico, os achados teóricos que debatem sobre interdisciplinaridade mostram ser válido lembrar que se constrói o presente voltando o olhar para o passado e almejando um futuro melhor, é com esse foco que a pesquisa se constitui baseada na busca do novo.

 

 

PALAVRAS-CHAVE: Interdisciplinaridade, Educação, Educadores, Mudança.

 

INTERDISCIPLINARITY: THE PAST AND THIS IN BRAZILIAN EDUCATION

 

ABSTRACT

 

This paper presents a theoretical study that aims to investigate the historical and current path of interdisciplinarity, its importance and its contributions, especially to the context of Brazilian education. For this purpose, the literature drew on the contribution of scholars dealing with interdisciplinarity within the Education, expanding, so for the changes that this alternative methodology brings to the practice of teachers, to school and to society without losing the specificity of the subject. Through grounded literature review literature, the theoretical findings show that discuss about interdisciplinarity be worth remembering that builds this turning his gaze to the past and longing for a better future, it is with this focus that the research is based on the new search.

 

 

 

KEY-WORDS: Interdisciplinary, Education, Educators, Change.

 

 

 

 

INTERDISCIPLINARIDADE: O PASSADO E O PRESENTE NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA[1]

 

INTRODUÇÃO

Este artigo busca mostrar os caminhos percorridos pela interdisciplinaridade no Brasil, com o objetivo duplo de evidenciar o passado e o presente em que essa proposta metodológica vem se consolidando e de refletir, do ponto de vista teórico, sobre suas contribuições e seus avanços para a educação brasileira. Inscreve-se na Linha de Pesquisa “Reflexão sobre as bases Conceituais da Disciplinaridade, da Interdisciplinaridade, da Multidisciplinaridade e da Transdisciplinaridade”, dentre o conjunto de linhas de pesquisas definidas para estudos de natureza acadêmico-científica elaborados com essa mesma finalidade.

Por meio dessa pesquisa é possível identificar que a interdisciplinaridade, como caminho metodológico para a prática pedagógica, perpassa, dentre outros, pelos métodos e pelo currículo da escola, tendo em vista a completude das disciplinas curriculares. Identificamos, também, que ao longo da história ideias errôneas trouxeram grandes prejuízos para educação e a fizeram ficar estagnada, ou seja, “silenciada”, como afirma Fazenda 1994.

Compreendemos que a interdisciplinaridade busca a formação ‘educacional’ para a vida: o hoje, o agora, os ideais, a cultura, a forma de viver. A sociedade mudou e da mesma forma a escola, o ensino e a forma de aprender também precisam mudar. É nesse ritmo que a escola deve seguir, visando sempre o melhor para a formação das pessoas envolvidas e, por consequência, para a sociedade.

Diante disso, investigar sobre o surgimento da interdisciplinaridade (o passado) e o presente na realidade educacional brasileira se justifica dada a relevância dessa investigação para nortear o currículo escolar e a prática pedagógica.

Toma-se três questões como ponto de partida: 1) qual a abordagem histórica da interdisciplinaridade no Brasil?; 2) quais as contribuições da interdisciplinaridade para educação brasileira?; e 3) qual o enfoque teórico da interdisciplinaridade que norteia  a educação do Brasil? Essas questões delimitam o foco investigativo da pesquisa, levando à identificação tanto do percurso histórico em que vem se constituindo como do foco teórico que se desenha em relação à interdisciplinaridade no processo educacional brasileiro.

Assim, para atender a natureza teórico-cientifica exigida na pesquisa, o estudo será embasado em autores, como Fazenda (1981, 1994, 1998), Yared (2008), Santos (2007), os quais pesquisam e trazem esclarecimentos importantes acerca do entendimento da interdisciplinaridade.

De modo a explicitar o percurso metodológico da pesquisa, convém ressaltar que o tema e os objetivos abordados nesse estudo foram definidos mediante a curiosidade de investigar a interdisciplinaridade de maneira mais aprofundada. O interesse foi despertado durante as aulas da disciplina Metodologia do Ensino da Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade, em que surgiu a oportunidade de discutir sobrea interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade na educação.

A pesquisa tem caráter exploratório, compreendendo que “essas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições” (GIL, pág. 25,1991). Desse modo, buscamos embasamento teórico para responder aos questionamentos de pesquisa e contribuir com reflexões sobre a temática em pauta.

O foco desse trabalho, caracterizado como pesquisa bibliográfica, são os estudos da interdisciplinaridade. Metodologicamente, realizamos análise documental e revisão de literatura. A análise documental foi feita com base em dois documentos oficiais elaborados pelo MEC referentes às diretrizes curriculares para a educação básica nacional. A revisão de literatura foi elaborada com base em levantamento bibliográfico de livros e artigos científicos publicados, os quais compilam conceitos, definições e a trajetória de inserção da interdisciplinaridade no contexto da educação do Brasil. Os dados foram coletados através de leituras, fichamentos e resumos de obras, procedimentos essenciais para constituir a revisão de literatura, buscando estabelecer o diálogo entre teóricos e teorias abordadas. Segundo Gil (1991, p. 27), essa revisão “É desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”.

Assim, embasando-se, especialmente, nos estudos já realizados e em diversas obras publicadas pelos estudiosos, Fazenda (1981, 1994, 1998), Yared (apud FAZENDA, 2008), Santos (2007) sobre interdisciplinaridade, construímos o referencial teórico, enfocando a interdisciplinaridade no Brasil, tecendo considerações, sobre o passado, a respeito de sua trajetória histórica de inserção na educação brasileira e, sobre o presente, de modo a situá-la, conceptualmente e de como vem se consolidando enquanto caminho metodológico para a prática pedagógica, na defesa de que essa metodologia traz grandes contribuições para a melhoria da prática pedagógica na educação do país.

Para fins da organização, este texto está estruturado em 3 partes. A introdução que delimita o tema, apresenta os objetivos da pesquisa, a relevância da temática e a metodologia de pesquisa. O item 1 apresenta o referencial teórico, dividido em três subseções: a primeira traz uma retrospectiva histórica da interdisciplinaridade no Brasil; a segunda situa a interdisciplinaridade no contexto atual da educação brasileira; e a terceira seção traz um diálogo entre autores sobre concepções e definições, bem como evidenciamos a concepção de interdisciplinaridade apoiada pelos autores pesquisados. No item 2 emitimos as considerações finais, fundamentadas nas análises do debate empreendido neste artigo.

1 REFERENCIAL TEÓRICO

1.1 Retrospectiva histórica da interdisciplinaridade no Brasil: um recorte das décadas de 1970 a 1990

Buscaremos, neste tópico, enfocar a trajetória histórica da interdisciplinaridade no contexto da educação no Brasil, compreendendo o período entre 1970 a 1990.

Ao discutir sobre o marco introdutório desse debate nos meandros da educação brasileira, Fazenda (1994, p. 22) afirma que o eco dessas discussões, no final da década de 1960, “[...] chega com séries distorções, próprias daqueles que se aventuram ao novo sem reflexão, ao modismo sem medir as consequências do mesmo”. A esse respeito, merece destacar dois aspetos fundamentais que caracterizam a fase inicial da interdisciplinaridade no Brasil segundo essa mesma autora.

Primeiro é o modismo que o vocábulo desencadeou. Passou a ser palavra de ordem a ser empreendida na educação, aprioristicamente, sem atentar-se para os princípios, muito menos para as dificuldades de sua realização. Impensadamente tornou-se a semente e o produto das reformas educacionais empreendidas entre 1968 e 1971 (nos três graus de ensino). O segundo aspecto é o avanço que a reflexão sobre interdisciplinaridade passou a ter a partir dos estudos desenvolvidos na década de 1970 por brasileiros (referimo-nos ao de Hilton Japiassú que em 1976 publicou o livro interdisciplinaridade e patologia do saber, aos trabalhos que procurei desenvolver a partir da dissertação de mestrado, iniciada em 1976 e concluída em 1978 e ao de outros estudiosos brasileiros que a esses estudos vêm se dedicando) (FAZENDA, 1994, p.24).

Esse primeiro momento revela um dos grandes escritores da teoria interdisciplinar no Brasil Hilton Japiassú. Para Fazenda (1994, p. 26), ele foi pioneiro no desenvolvimento de estudos sobre essa teoria. Em seguida a autora se coloca como participante desse percurso histórico da interdisciplinaridade, quando realizou sua pesquisa de mestrado abordando a temática, na década de 1970.

A autora faz um breve resumo de como foram os estudos e as interpretações da interdisciplinaridade na década de 1970:

A análise apontou para um caos generalizado, a partir do caos conceitual que se instaurou. A alienação e o descompasso no trato das questões mais iniciais e primordiais da interdisciplinaridade provocaram não apenas o desinteresse, por parte dos educadores da época, em compreender a grandiosidade de uma proposta interdisciplinar, como contribuiu para o empobrecimento do conhecimento escolar, O barateamento das questões do conhecimento no projeto educacional brasileiro da década de 1970 conduziu a um esfacelamento da escola e das disciplinas. À pobreza teórica e conceitual agregaram-se outras tantas que somadas condenaram a educação a 20 anos de estagnação (FAZENDA, 1994, p. 26).

Das afirmações feitas, constatamos que a década de 1970 foi determinante para se conceber a educação interdisciplinar que temos hoje, uma vez que, desde o seu início, não foi interpretada corretamente. Essa carga histórica afetou diretamente a compreensão dessa abordagem na educação do país.

A concepção de interdisciplinaridade e a sua materialização nos processos educacionais foi avançando, gradativamente.  O decênio seguinte foi marcado por contribuições importantes, com destaque ao movimento da história da ciência ocorrido na década de 1980 ‘que caminhou na busca de epistemologias que explicitassem o teórico, o abstrato, a partir do prático, do real. Muitas foram as contribuições nesse sentido’ (FAZENDA 1994, pág. 27).

A autora evidencia como um importante evento daquela década a criação de um significativo documento, intitulado ‘interdisciplinaridade e ciências humanas’ publicadas no ano de 1983, elaborado pelo seguinte coletivo de autores: Gusdorf, Apostel, Bottomore, Dufrenne, Mommsen, Morim, Palmarini, Smirnov e Ui.

Podemos destacar como contribuições mais relevantes desse momento histórico à interdisciplinaridade: a atitude interdisciplinar não seria apenas resultado de uma simples síntese, mas de sínteses imaginativas e audazes; interdisciplinaridade não é categoria de conhecimento, mas de ação; a interdisciplinaridade nos conduz a um exercício de conhecimento: o perguntar e o duvidar; entre as disciplinas e a interdisciplinaridade existe uma diferença de categoria; Interdisciplinaridade é a arte do tecido que nunca deixa ocorrer o divórcio entre seus elementos, entretanto, de um tecido bem trançado e flexível; e a interdisciplinaridade se desenvolve a partir do desenvolvimento das próprias disciplinas (FAZENDA, 1994).

A história nos evidencia que a década de 80 é o auge da interdisciplinaridade no Brasil, uma vez que as contribuições destacadas pelos estudos da interdisciplinaridade e ciências humanas trazem repercussões para os estudos da interdisciplinaridade no Brasil. Isto se confirma nas ideias de Fazenda (1994, p. 29) quando ela diz “A década de 1980 foi marcada pela necessidade da explicitação dos equívocos surgidos a partir das dicotomias enunciadas nos anos 70”. Esses equívocos trouxeram danos para educação como um todo, conforme esclarece, também, essa mesma autora.

Em nome da interdisciplinaridade, todo o projeto de uma educação para cidadania foi alterado, os direitos do aluno/cidadão foram cassados, através da cassação aos ideais educacionais mais nobremente construídos. Em nome de uma integração esvaziaram-se os cérebros das universidades, as bibliotecas, as pesquisas, enfim, toda educação. Foi tempo de silencio, iniciado no final dos anos 50, que percorreu toda a década de 1960 e ade 1970. Somente a partir de 1980 as vozes dos educadores voltaram a ser pronunciadas. A interdisciplinaridade encontrou na ideologia manipuladora do estado seu promotor maior (FAZENDA, 1994, p. 30).

Assim a história da interdisciplinaridade brasileira caminhou até a década 90. Nesse limiar, Fazenda (1994, p. 34) afirma se tratar de uma década marcada pela contradição.

A partir da constatação de que a condição da ciência não está no acerto, mas no erro, passou-se a exercer e a viver a interdisciplinaridade das mais inusitadas formas. O número de projetos educacionais que se intitulam interdisciplinares vem aumentando no Brasil, numa progressão geométrica, seja em instituições públicas ou privadas, em nível de escola ou de sistema de ensino. Surgem da intuição ou da moda, sem regras, sem intenções explícitas, apoiando-se numa literatura provisoriamente difundida. Em nome da interdisciplinaridade abandonam-se e condenam-se rotinas consagradas, criam-se slogans, apelidos hipóteses de trabalho, muitas vezes improvisados e impensados.

Fatos como esses, que colaboraram para interpretações errôneas dos educadores acerca da compreensão da concepção e adoção da interdisciplinaridade como caminho metodológico para a prática pedagógica, fizeram com que as pesquisas nesse âmbito crescessem. Uma ação foi a criação do grupo/núcleo de estudos e pesquisa, composto por pesquisadores da PUC/São Paulo e coordenado por Ivani Fazenda, a partir do ano de 1987, de modo que se intensificaram estudos que,  segundo Fazenda (1994, p. 34) “[...] Em todas elas há a marca de uma prática interdisciplinarmente vivenciada, com temas que o grupo de estudos desenvolve, vem discutindo e socializando de norte a sul do Brasil”.

A abordagem histórica sinteticamente apresentada nesse tópico esclareceu que o percurso histórico, compreendendo o período entre as décadas de 1970 até 1990 foram importantes para a interdisciplinaridade ir se constituindo no Brasil. Os estudos realizados por Fazenda (1994) demarcam esse período em três momentos distintos, assim caracterizados: 1970 - década em que se buscou por uma definição de interdisciplinaridade; 1980 - período em que se tentou explicitar um método para a interdisciplinaridade; e 1990 - partiu-se para a construção de uma teoria da interdisciplinaridade.

1.2 A interdisciplinaridade no contexto atual da educação brasileira

Buscaremos, neste tópico, enfocar quais foram as mudanças e as contribuições da interdisciplinaridade e como a mesma se encontra hoje.

Para abordar a educação interdisciplinar de hoje no Brasil, devemos recorrer aos fundamentos da organização curricular. Para tanto, dois documentos curriculares oficiais foram analisados, ambos elaborados pelo Ministério da Educação – MEC. São eles: as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Básica (BRASIL, 2013) e os Parâmetros Curriculares Nacionais-PCN (BRASIL, 1997), para o ensino fundamental, tratando mais especificamente do Volume intitulado Temas Transversais.

A análise desses dois Documentos oficiais se fez necessária pelo fato de se constituírem, em seu conjunto, as diretrizes curriculares nacionais para todos os anos e séries da educação básica do país, uma vez que estabelecem a base nacional comum e por orientarem a organização, a articulação, o desenvolvimento e a avaliação das propostas pedagógicas de todas as redes de ensino brasileiras. Assim, adotamos esses dois documentos para balizar o contexto situacional da interdisciplinaridade na educação escolar brasileira atual.

Os PCN (BRASIL, 1997) propõem a interdisciplinaridade como caminho metodológico faz uso dos temas transversais para sugerir a interdisciplinaridade no processo ensino e aprendizagem da educação brasileira. Esse fator pode ser considerado o marco nas mudanças curriculares nacionais em se tratando dessa abordagem. A perspectiva apontada no Documento indica para

[...] o compromisso com a construção da cidadania pede necessariamente uma prática educacional voltada para a compreensão da realidade social e dos direitos e responsabilidades em relação à vida pessoal, coletiva e ambiental. Nessa perspectiva é que foram incorporadas como Temas Transversais as questões da Ética, da Pluralidade Cultural, do Meio Ambiente, da Saúde e da Orientação Sexual. Isso não significa que tenham sido criadas novas áreas ou disciplinas. Como você poderá perceber pela leitura deste documento, os objetivos e conteúdos dos Temas Transversais devem ser incorporados nas áreas já existentes e no trabalho educativo da escola. É essa forma de organizar o trabalho didático que recebeu o nome de transversalidade (BRASIL, 1997, p.15).

Depreendemos ser perceptível que o referido Documento faz uso da abordagem interdisciplinar, ao orientar e que as disciplinas dialoguem com os temas sugeridos. Por isso, acreditamos que esse tenha sido o primeiro passo, em se tratando da declaração oficial, que sugere, em uma abordagem sucinta, inovações para o currículo do ensino fundamental. Ao mesmo tempo, esse referencial traz preocupações e polêmicas, posto que diretores, coordenadores e professores se questionaram: como seriam essas mudanças? Vale à pena trabalhar esses temas? Como faremos para incorporar esses temas nas disciplinas? Tais questionamentos foram sendo esclarecidos, do ponto de vista teórico-metodológico, ao longo da composição do Documento. Porém, na prática, o que ficou se evidencia, a partir de pesquisas e estudos científicos que abordam essa temática, que muitos educadores não ficaram satisfeitos com a elaboração do Documento e tampouco com as novas mudanças propostas para o currículo escolar nos PCN.

A proposição de interdisciplinar proposta pelos PCN-Temas Transversais adotam os seguintes critérios:

Urgência social - Esse critério indica a preocupação de eleger como Temas Transversais questões graves, que se apresentam como obstáculos para a concretização da plenitude da cidadania, afrontando a dignidade das pessoas e deteriorando sua qualidade de vida.

Abrangência nacional - Por ser um parâmetro nacional, a eleição dos temas buscou contemplar questões que, em maior ou menor medida e mesmo de formas diversas, fossem pertinentes a todo o País. Isso não exclui a possibilidade e a necessidade de que as redes estaduais e municipais, e mesmo as escolas, acrescentem outros temas relevantes à sua realidade.

Possibilidade de ensino e aprendizagem no ensino fundamental - Esse critério norteou a escolha de temas ao alcance da aprendizagem nessa etapa da escolaridade. A experiência pedagógica brasileira, ainda que de modo não uniforme, indica essa possibilidade, em especial no que se refere à Educação para a Saúde, Educação Ambiental e Orientação Sexual, já desenvolvida em muitas escolas.

Favorecer a compreensão da realidade e a participação social - A finalidade última dos Temas Transversais se expressa neste critério: que os alunos possam desenvolver a capacidade de posicionar-se diante das questões que interferem na vida coletiva, superar a indiferença, intervir de forma responsável. Assim, os temas eleitos, em seu conjunto, devem possibilitar uma visão ampla e consistente da realidade brasileira e sua inserção no mundo, além de desenvolver um trabalho educativo que possibilite uma participação social dos alunos. (BRASIL, 1997, p. 25-26).

Nessa perspectiva, a transversalidade busca a completude interdisciplinar. É essa a percepção que temos quando analisamos o discurso declarado no Documento. E isso fica ainda mais evidente nos quatros pontos da proposta de interdisciplinar definida nos PCN.

os temas não constituem novas áreas, pressupondo um tratamento integrado nas diferentes áreas;

a proposta de transversalidade traz a necessidade de a escola refletir e atuar conscientemente na educação de valores e atitudes em todas as áreas, garantindo que a perspectiva político-social se expresse no direcionamento do trabalho pedagógico; influencia a definição de objetivos educacionais e orienta eticamente as questões epistemológicas mais gerais das áreas, seus conteúdos e, mesmo, as orientações didáticas;

a perspectiva transversal aponta uma transformação da prática pedagógica, pois rompe a limitação da atuação dos professores às atividades formais e amplia a sua responsabilidade com a sua formação dos alunos. Os Temas Transversais permeiam necessariamente toda a prática educativa que abarca relações entre os alunos, entre professores e alunos e entre diferentes membros da comunidade escolar;

a inclusão dos temas implica a necessidade de um trabalho sistemático e contínuo no decorrer de toda a escolaridade, o que possibilitará um tratamento cada vez mais aprofundado das questões eleitas. Por exemplo, se é desejável que os alunos desenvolvam uma postura de respeito às diferenças, é fundamental que isso seja tratado desde o início da escolaridade e continue sendo tratado cada vez com maiores possibilidades de reflexão, compreensão e autonomia. Muitas vezes essas questões são vistas como sendo da “natureza” dos alunos (eles são ou não são respeitosos), ou atribuídas ao fato de terem tido ou não essa educação em casa. Outras vezes são vistas como aprendizados possíveis somente quando jovens (maiores) ou quando adultos. Sabe-se, entretanto, que é um processo de aprendizagem que precisa de atenção durante toda a escolaridade e a contribuição da educação escolar é de natureza complementar à familiar: não se excluem nem se dispensam mutuamente. (BRASIL, 1997, p. 30 - 31).

E assim, através da transversalidade, inserida nesse Documento oficial instituído no ano de 1997, a interdisciplinaridade vai adentrando os meandros da educação brasileira, com as mesmas ideias e formas de mediar o ensino aprendizagem.

Após analisarmos os PCN, abordaremos agora as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Básica (BRASIL, 2013), outro importante referencial curricular que chega com a finalidade de fixar, em tese, a interdisciplinaridade como caminho metodológico tanto para a organização do currículo como para a prática pedagógica no âmbito da educação básica brasileira.

Encontramos no referido documento organizado pelo MEC considerações bastante positivas e propositivas no que concerne à efetivação da interdisciplinaridade no currículo da educação brasileira, conforme o demonstrado na declaração a seguir.

Na organização e gestão do currículo, as abordagens disciplinar, pluridisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar requerem a atenção criteriosa da instituição escolar, porque revelam a visão de mundo que orienta as práticas pedagógicas dos educadores e organizam o trabalho do estudante. Perpassam todos os aspectos da organização escolar, desde o planejamento do trabalho pedagógico, a gestão administrativo-acadêmica, até a organização do tempo e do espaço físico e a seleção, disposição e utilização dos equipamentos e mobiliário da instituição, ou seja, todo o conjunto das atividades que se realizam no espaço escolar, em seus diferentes âmbitos (BRASIL, 2013, p. 27).

A análise deste trecho nos leva a entender que as ações educacionais fundamentadas na perspectiva da interdisciplinaridade são crescentes no Brasil. Esse fato pode ser atribuído aos vários estudos e às pesquisas desenvolvidas ao longo das três últimas décadas, fazendo ampliar o debate, de modo a efetivar a interdisciplinaridade como caminho metodológico, trazendo, também, uma nova tendência que é a transdisciplinaridade. Isso é realçado no próprio Documento, ao assumir que       

[...] A interdisciplinaridade pressupõe a transferência de métodos de uma disciplina para outra. Ultrapassa-as, mas sua finalidade inscreve-se no estudo disciplinar. Pela abordagem interdisciplinar ocorre a transversalidade do conhecimento constitutivo de diferentes disciplinas, por meio da ação didático-pedagógica mediada pela pedagogia dos projetos temáticos. Estes facilitam a organização coletiva e cooperativa do trabalho pedagógico, embora sejam ainda recursos que vêm sendo utilizados de modo restrito e, às vezes, equivocados. A interdisciplinaridade é, portanto, entendida aqui como abordagem teórico-metodológica em que a ênfase incide sobre o trabalho de integração das diferentes áreas do conhecimento, um real trabalho de cooperação e troca, aberto ao diálogo e ao planejamento (Nogueira, 2001, p. 27). Essa orientação deve ser enriquecida, por meio de proposta temática trabalhada transversalmente ou em redes de conhecimento e de aprendizagem, e se expressa por meio de uma atitude que pressupõe planejamento sistemático e integrado e disposição para o diálogo (BRASIL, 2013, p. 28).

A visão explicitada no Documento mostra que a interdisciplinaridade acontece na completude da troca, do diálogo e do coletivo, na defesa de ser, que a transversalidade é o foco para abordar conteúdos que perpassem pelas disciplinas. Esse deve ser o pressuposto para os direcionamentos, na prática, do processo ensino e aprendizagem, segundo o discurso oficial predominante nas diretrizes em pauta. Isto se reafirma quando o Documento explicita que

A prática interdisciplinar é, portanto, uma abordagem que facilita o exercício da transversalidade, constituindo-se em caminhos facilitadores da integração do processo formativo dos estudantes, pois ainda permite a sua participação na escolha dos temas prioritários. Desse ponto de vista, a interdisciplinaridade e o exercício da transversalidade ou do trabalho pedagógico centrado em eixos temáticos, organizados em redes de conhecimento, contribuem para que a escola dê conta de tornar os seus sujeitos conscientes de seus direitos e deveres e da possibilidade de se tornarem aptos a aprender a criar novos direitos, coletivamente. (BRASIL, 2013, p. 29).

Ao assumir, oficialmente, a interdisciplinaridade como fio condutor da organização do currículo da educação básica e para a prática pedagógica, essas diretrizes apontam para possibilidades de mudanças na condução dos processos educativos brasileiros.

Com base nos dois documentos analisados que revelam parte do trajeto de inserção da temática interdisciplinaridade no contexto legal da educação básica brasileira, percebemos que tanto os PCN quanto as diretrizes nacionais sugerem mudanças, de natureza teórico-metodológica, guiadas por vieses interdisciplinares. O percurso histórico situado nos leva a percebera relevância dos estudos e das discussões realizadas pelos pesquisadores, os quais contribuíram para aprofundar o debate e para difundir essa tendência na educação. Contudo, esse é apenas o primeiro passo para tantas mudanças que ainda podem vir, no alcance de práticas pedagógicas e de currículos escolares interdisciplinares. A educação brasileira busca, hoje, novas bases e concepções que favoreçam maior diálogo entre áreas e práticas integradoras de conhecimentos para que assim possamos avançar cada vez mais na perspectiva da formação integral dos sujeitos.

1.3 Interdisciplinaridade: dialogando com os autores sobre concepções e definições

Muitos estudiosos que dialogam sobre interdisciplinaridade mostram suas concepções e definições. Dentre os teóricos existentes, selecionamos, para sintetizar as principais ideias nesse tópico, autores como Yared (2008), Fazenda (1981,1998) e Santos (2007) que trazem contribuições muito valiosas para o debate acerca dessa temática.

Destacamos, inicialmente, a concepção defendida por Yared (2008).

Interdisciplinaridade é o movimento (inter) entre as disciplinas, sem a qual a disciplinaridade se torna vazia; é um ato de reciprocidade e troca, integração e voo; movimento que acontece entre o espaço e a matéria, a realidade e o sonho, o real e o ideal, a conquista e o fracasso, a verdade e o erro, na busca da totalidade que transcende a pessoa humana. Creio que a interdisciplinaridade leva o aluno a ser protagonista da própria história, personalizando-o e humanizando-o, numa relação de interdependência com a sociedade, dando-lhe, sobretudo, a capacidade crítica no confronto da cultura dominante e por que não dizer opressora, por meio de escolhas precisas e responsáveis para a sua libertação e para a transformação da realidade. (YARED, 2008, P. 165).

 

A definição dada de interdisciplinaridade é, sem dúvida, valiosa e completa.  Ao romper com paradigmas tradicionais traz inovações para o currículo, para atuação de professores, gestores e para toda a escola, pois ressignifica aquilo que já não faz mais sentido e que é tão repetitivo quando se trata das barreiras que separam e fragmentam o conhecimento em disciplinas. Essa definição traz à tona o diálogo e a coletividade, tudo que se almeja para a prática educativa atual, aquela que tem o objetivo de formar o educando para vida, um ser crítico e pensante capaz de lidar com os desafios, uma vez que aprendeu, na prática, que é possível mudar.

Nessa mesma linha de raciocínio Ivani Fazenda define o pensar interdisciplinar.

[...] parte do princípio de que nenhuma forma de conhecimento é em si mesma racional. Tenta, pois, o diálogo com outras formas de conhecimentos, deixando-se interpenetra por elas. Assim por exemplo, aceitar o conhecimento do senso comum como válido, pois é através do cotidiano que damos sentido às nossas vidas. Ampliando através do diálogo com o conhecimento científico, tende a uma dimensão utópica e libertadora, pois permite enriquecer nossas relações com o outro e com o mundo (FAZENDA, 1981, p 17).

Este pensar interdisciplinar que buscamos evidenciar ao logo desse debate se refere a um pensar capaz de proporcionar o novo, visto que o fazer pedagógico de hoje deve ter um diferencial, posto que estamos educando uma geração da revolução tecnológica que o diferente é o seu forte, é assim que a educação deve agir pensando interdisciplinar, embora seja algo difícil, mas possível.

Em busca de materializar, na prática, esse pensar interdisciplinar, essa mesma autora aponta que:

O primeiro passo para a aquisição conceitual interdisciplinar é o abandono das posições acadêmicas prepotentes, unidirecionais e não rigorosas que fatalmente são restritivas, primitivas e “tacanhas”, impeditivas de aberturas novas, camisas-de-força que acabam por restringir alguns olhares, taxando-os de menores. Necessitamos, para isso, exercitar nossa vontade para um olhar mais comprometido e atento às práticas pedagógicas rotineiras menos pretenciosas e arrogantes em que a educação se exerce com competência. (FAZENDA, 1998, P. 13).

 É evidente que a prática interdisciplinar depende muito do educador, pois é ele quem media e dialoga com os principais membros envolvidos no processo aprendizagem, os ‘educandos’. Dessa forma, é fundamental que a mudança inicie pelos professores, uma vez que os mesmos precisam quebrar barreiras para que, de fato, passe a guiar a sua prática pedagógica pelo caminho metodológico da interdisciplinaridade. Isto requer uma busca constante de pesquisa e estudo para assim aprimorar o seu fazer pedagógico. Questiona-se: e porque não mudar? Mudar é possível, sim. E é isso que nos mostra Santos (2007).

É exatamente nesse sentido - de sonhos como ‘ainda não’- que se insere a utopia pedagógica da interdisciplinaridade. Um mundo ainda não existente; uma sociedade ainda não existente; um homem ainda não existente e, obviamente, uma proposta pedagógica ainda não existente. O que não significa dizer que não seja possível. Para isso, evidentemente, há que se postular um outro modelo de educação escolar __ uma educação que se estenda para além dos limites dos muros da escola e, ao mesmo tempo, contemple em sua proposta curricular os ideais e valores resultantes do multiculturalismo no qual se banha a organização escola. (SANTOS, 2007, P. 57).

Assim, conceituamos e definimos a interdisciplinaridade tendo como eixo central a palavra ‘mudança’. Defendemos, portanto, que esse deve ser o norte de uma proposta pedagógica inovadora e desafiante, conduzia pelo viés metodológico da interdisciplinaridade. Muito embora saibamos que não se constitui em tarefa fácil, é preciso compreender que os desafios postos existem para serem superados e resolvidos. Assim concluímos, a partir dessa síntese, que a interdisciplinaridade pode sim ser uma opção possível para guiar o currículo e a prática pedagógica de docentes no contexto da educação brasileira.  

2 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa originou-se da curiosidade de investigar sobre as contribuições da interdisciplinaridade para educação brasileira desde seu início até o presente momento.

A construção desse estudo contou com uma pesquisa bibliográfica que ajudou na reflexão ampliada do entendimento do passado e o presente da interdisciplinaridade no Brasil e seu valor para muitas práticas docentes. Para esse desígnio foi imprescindível o estudo do passado da interdisciplinaridade no Brasil e a análise do presente, como meios de conduzir o debate.

A ideia de interdisciplinar permanece em processo inserção, exigindo mudanças de posturas, de prática, de concepções e de abordagens para educação como um todo. Os estudos nessa área apenas reafirmam que muitas práticas educativas brasileiras estão mudando e o currículo está sendo repensado, pelo fato da mesma trazer exigências para a educação.

Respaldando-se nos vieses teóricos desse estudo, vemos que a valorização da interdisciplinaridade ampara-se na necessidade de posicionar a educação nos desafios, nas dúvidas, nas indignações, nas rupturas, nas interrogações em prol da unidade do conhecimento. Uma vez que a interdisciplinaridade é vista como algo possível de ser praticado, que precisa apenas ser estudada e para que assim seja colocada em prática e venha a ser inseria na pratica diária dos docentes e passe a fazer parte não só dá pratica dos educadores, mas também do currículo e métodos permanentes da escola.

Enfrentar uma transformação na educação, como a interdisciplinaridade, sugere uma atitude constante de crítica e reflexão, de compromisso e responsabilidade com a missão de educar. Não se devem esperar propostas, saídas salvadoras, nem tirar conclusões precipitadas das falhas. A atitude que os docentes devem tomar diante de mudanças na educação deve ser: pensar, refletir, criticar e valorizar o que esta acontecendo nos âmbitos escolares nos tempos de hoje e naqueles que virão. Nesse sentido, uma proposta como a interdisciplinaridade, a partir de reflexão, análise, avaliação de suas práticas vai buscar encontrar respostas cada vez mais apropriadas às necessidades de aprendizagem dos educandos.

Contudo podemos afirmar que a formação continuada de docentes para buscar se aperfeiçoar e alcançar esse nível de compreensão é o primeiro passo, posto que procurará a melhoria da sua prática e, por consequência, da educação que realiza.

A expectativa é que esse artigo possa colaborar com a formação de educadores que ainda não conhece a interdisciplinaridade, de modo a entender as suas bases e seus elementos constitutivos, fazendo com que amplie-se o interesse em pesquisar e desenvolver a prática interdisciplinar em sua sala de aula, e assim, ir repassando para seus colegas e transformando sua escola, seus discentes e por fim a comunidade escolar a sociedade o mundo.

REFERÊNCIAS

  1. ABNT. Associação Brasileira de Normas Técnicas, 2002.  NBR 6023.
  1. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: apresentação dos temas transversais, ética / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997. 146p.
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  1. FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. (Org.). Práticas Interdisciplinares na Escola. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2001 (1981). 147 p.
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  1. GIL, Antônio Carlos, 1946- Como elaborar projetos de pesquisa/ Antônio Carlos Gil. — 3. ed. São Paulo: Atlas, 1991. 101 p.
  1. SANTOS, Vivaldo, Interdisciplinaridade na sala de aula, São Paula, Brasil: Edições Loyola, 2007, P. 123.
  1. YARED, Ivone.  O que é interdisciplinaridade? In: FAZENDA, Ivani (Org.). O que é interdisciplinaridade? São Paulo: Cortez, 2008. 199 p.


[1]Este artigo constitui o Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Língua Portuguesa e Matemática numa Perspectiva Transdisciplinar, ofertado pelo IFRN/campus EaD no ano de 2014, exigido como requisito para a titulação de especialista.