O seguinte trabalho tem por objetivo expor a gravidez juvenil como fato presente na sociedade, que desencadeia nos sujeitos envolvidos uma série de acontecimentos, que provocam mudanças profundas em suas vidas, as quais os mesmos não estão preparados para enfrentar. Entre esses acontecimentos está a chegada de um filho em uma idade não adequada, a falta de estrutura familiar e econômica, a descontinuação dos estudos, a dificuldade de conseguir um emprego e o despreparo físico e emocional das jovens para serem mães. Fizemos uma breve caracterização do universo que envolve os/as jovens no exercício de suas sexualidades e, principalmente, contextualizando e analisando o problema da pesquisa, através de entrevistas com duas adolescentes primigestas, através da análise do conteúdo exposto por elas. Dessa forma, comprovamos que, assim como diversas jovens, as adolescentes entrevistadas possuem certo nível de conhecimento sobre a forma de exercer uma sexualidade segura e preventiva, porém, se não fizeram uso de seus conhecimentos e engravidaram, é uma questão particular de cada uma. Assim, como constatamos também, que os pais sentem receio em conversar com os/as filhos/filhas sobre sexo, e o despreparo da instituição escolar, em atender as necessidades de seus/suas alunas. Estes fatores pressupõem que se faça necessário a criação de políticas públicas eficientes para conscientizar estes/estas jovens a usufruírem suas sexualidades de forma segura e prazerosa, contando com o apoio e participação ativa e eficiente da família e da escola, pois estes são os dois principais meios de informação que os jovens possuem e os que geram maiores influências em suas vidas. Palavras-chaves: Gravidez – Adolescente – Sexualidade – Família – Escola.

2 Referencial teórico

2.1 Adolescência

A adolescência é período da vida humana caracterizada fundamentalmente por transformações física, psicológica e comportamental. De acordo com Aberastury (1993, p.15) essa é uma etapa decisiva de um processo de desprendimento da fase infantil para a adulta.

Adolescência é o período existencial em que o indivíduo deixa de ser visto como criança. No entanto ainda não é enxergado como adulto. Não tem responsabilidade e nem exerce um papel adulto na sociedade. Não tem espaço definido no mundo, não produz sua própria sobrevivência financeira. (LUCENA, 2004, p.113)

Seguramente esta é a fase mais difícil da vida, pois ocorrem mudanças que determinam a caracterização do adulto, sua personalidade, comportamento, valores e papéis sociais eminentes.

A palavra adolescência vem do latim ad, para + olescere, crescer: crescer para, ou quem sabe, uma melhor definição seria crescer para a maturidade. Este conceito, como hoje conhecemos, estabeleceu-se por volta do início do século XX[1] e o fato do jovem ser considerado um "problema" permanece há muito tempo e segue toda a evolução da sociedade.

Nesta fase costuma-se observar conflitos frequentes entre pais e filhos. Os jovens buscam a independência, a autonomia gerando discussões no seio familiar na divergência de valores. Eles querem ter o seu espaço, ser respeitados como são, sem perguntas, sem questionamentos, sem explicações. Seu mundo, sua vida.

Estabelecer a idade exata para o começo ou fim da adolescência é impossível, visto que isto pode variar de pessoa para pessoa. Contudo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), pode-se dizer que geralmente seu início ocorre nas meninas entre 10 e 12 anos e nos meninos, cerca de 2 anos mais tarde que nas meninas.

2.1.2 Tipos de adolescência

Não existe apenas um tipo característico de adolescência. Afirmar que ela é um fenômeno universal também é impreciso, pois a mesma pode variar de sociedade para sociedade. Existem culturas em que a passagem da infância para a vida adulta vai acontecendo paulatinamente, os jovens vão ganhando funções e direitos até tornarem-se adultos, fazendo desaparecer as "crises existenciais" comuns neste período. Outras culturas, a indígena, por exemplo, fazem uma espécie de "ritual de passagem", envolvendo, geralmente, sofrimento físico e psíquico no jovem, que ao superá-lo torna-se adulto.

No Brasil a adolescência possui diferentes configurações, pois depende da classe social em que o adolescente está inserido. Nas classes mais privilegiadas, é entendida como um período de experimentação sem grandes consequências emocionais, econômicas e sociais; o adolescente não assume responsabilidades, pois se dedica apenas aos estudos, sendo essa a sua via de acesso ao mundo adulto.

Enquanto nas classes mais baixas, que representa a maior parte de adolescentes com menos de 18 anos, os riscos do experimentar, tentar, viver novas experiências são maiores e não há a possibilidade de se dedicar exclusivamente aos estudos, tornando-se a adolescência simplesmente um período que antecederá a constituição da própria família.

2.1.3 Começam as mudanças...

Na adolescência as mudanças ocorridas no corpo recebem o nome de "Puberdade": período da vida em que se torna apto para procriação, isto é, quando se adquire a capacidade física de exercer a função sexual madura. A partir daí o jovem começa a desenvolver seus caracteres sexuais, sua conduta sexual aflora seus desejos e fantasias, assim como também a preparação do organismo para a concepção de um novo ser.

Acompanhando as alterações hormonais, o comportamento sexual do adolescente passa a ser um produto de fatores cultural presentes no ambiente, que cada vez mais erotiza as relações sociais. Segundo Rodrigues (1999) apud Schwengber (2009, p. 9)

[...] o que chamamos de puberdade e de adolescência é extremamente difícil de ser fixada cronologicamente e os seus sinais parecem variar com os diferentes costumes, hábitos alimentares, condições climáticas, profissões, hereditariedade – entre outros fatores – tanto para o sexo feminino, como para os membros do sexo masculino: aparência da barba, secreção de múcus, emissão de esperma, crescimento, aparecimento de regras, crescimento do seio e da bacia – não podem ser datados consensualmente.

A chegada feminina nesse período é marcada biologicamente pela menarca, sendo atribuídos a ela diversos significados culturais. Ao conversar com a filha sobre a menarca, os pais (a mãe para ser mais precisa, visto que o pai alega não saber falar sobre o assunto) transmitem normas, condutas e valores morais sobre comportamentos preventivos para evitar uma possível gravidez ou contaminação com DST.

Nessa etapa tão complicada da vida, devido as constantes mudanças de pensamentos e atitudes, o/a adolescente passa a sentir anseios sexuais maiores, suas fantasias são mais constantes e intensas, as ereções (nos meninos), principalmente involuntárias durante o sono, mais frequentes, a lubrificação vaginal, característica da excitação feminina, o auto conhecimento do corpo com a masturbação, são os principais indícios do início da maturidade sexual, que está se aproximando, com a vinda da menarca (primeira menstruação), nas meninas e a produção de espermatozóides nos meninos através da ejaculação.

Não podemos determinar precisamente os fatores que desencadeiam o começo das alterações da puberdade. Contudo, sabemos que este fenômeno provoca nos jovens um "bombardeio" de sentimentos: sonhos, rebeldia, namoro, "ficar", sexo, paixão, drogas, desejos, contradições, mudanças, independência, medo, frustração, fraqueza, conflito, paz... (LUCENA, 2005, p. 112)

Assim, tanto quanto almeja a emancipação[2], o/a adolescente busca fazer amizade com pessoas que se identificam com ele/ela, que tenha os mesmos gostos, a mesma forma de pensar ou de agir, que sejam de uma "tribo" que o agrade, para que a troca de ideias e informações sejam mais proveitosas.

Buscando essa identificação com outros/outras jovens, o/a adolescente fica confuso e inseguro, pois espera encontrar alguém igual a si. Principalmente nas relações afetivas (namorar, "ficar"), o outro deve ser o reflexo daquilo que se deseja, alguém que possa exibir sem vergonha e que irá favorecer sua vida social. Segundo Abramovay (2004, p. 120) para os adolescentes:

[...] sexualidade se entrelaça tanto com afetividade quanto com sociabilidade e relações sociais de distintas ordens. Tanto provoca risos, ênfase em discursos sobre prazer e amorosidade, quanto receios, preocupações e cuidados [...].

Essa busca para exercer papéis sociossexuais torna-se mais e mais constantes devido às transformações físicas sofridas na puberdade, incluindo alterações hormonais que provocam estados de excitação incontroláveis e, como para eles e elas, a sexualidade é assunto primordial, provoca intensos debates, polêmicas, interesses e atenção. Contudo as primeiras sensações de excitação sexual são muito estranhas e confusas para os/as adolescentes, sendo muito difícil e constrangedor lidar com elas, pois, além de sentir prazer em simplesmente olhar ou tocar alguém, os mesmos podem sentir medo, ansiedade ou até culpa.

2.2 Iniciação e conduta sexual dos/das jovens

A sexualidade faz parte da vida das pessoas e a forma como ela é exercida é particular de cada indivíduo e essencial para uma vida plena e satisfatória, sendo considerada determinante na formação do sujeito. Seu intuito principal é o prazer, por um lado, e a procriação, por outro. Ela inclui toda atividade que busca gozo ou satisfação de uma necessidade do organismo.

A sexualidade tem grande importância no desenvolvimento e na vida psíquica das pessoas, pois independentemente da potencialidade reprodutiva, relaciona-se com a busca do prazer, necessidade fundamental dos seres humanos. Nesse sentido, a sexualidade é entendida como algo inerente, que se manifesta desde o nascimento até a morte, de formas diferentes a cada etapa do desenvolvimento. Além disso, sendo a sexualidade construída ao longo da vida, encontra-se necessariamente marcada pela história, cultura ciência, assim como pelos afetos e sentimentos, expressando-se então com singularidade em cada sujeito. (PCN, 2001, p. 117).

Nos/as jovens a iniciação sexual está acontecendo cada vez mais precocemente. A evolução do/da jovem em direção ao estabelecimento de sua sexualidade madura e completa é um processo complexo, às vezes difícil, cheio de conflitos e crises, e também de momentos maravilhosos de paixão, descoberta e realização. Mesmo ainda existindo na sociedade uma cultura preconceituosa e dogmática, ela representa um ritual de passagem para a vida adulta.

Socialmente só os adultos fazem sexo e, quando isto acontece com adolescentes eles/elas passam a ser encarados como adultos. Geralmente os/as jovens são considerados incapazes de exercer ações adultas, mas quando o tema é sexo, a história muda. Isto gera diversos conflitos na mente dos/das adolescentes, pois se são adultos por praticarem sexo, por que não o são para ter autonomia econômica, familiar e sexual?

O início da sexualidade juvenil geralmente é marcado por preconceitos e estigmas culturais, que comumente, são mais rígidos e severos com as mulheres e estão diretamente associados a valores machistas. Assim como também é mais reprimida nas classes baixas, onde o preconceito é maior e maltrata ainda mais os/as jovens.

Ao iniciar a sua sexualidade o/a adolescente busca de alguma forma liberar seus impulsos e isso acontece, geralmente consigo mesmo, através da masturbação. Principalmente quando o/a jovem tem dificuldade em conseguir relacionar-se com outra pessoa.

A masturbação pode ocorrer de duas formas nesta etapa da vida: involuntariamente, geralmente durante o sono, quando ocorre a ejaculação de espermas, pelos meninos e uma maior lubrificação vaginal nas meninas; e, voluntariamente, através do toque e/ou fricção dos órgãos sexuais, com as mãos ou com objetos que despertem prazer, durante este contato.

A masturbação não deve ser vista como algo sujo ou impróprio, em nenhuma etapa da vida pelo contrário, deve ser até estimulada, pois além de aliviar a tensão sexual, ajuda a conhecer melhor o corpo, a intimidade, as zonas erógenas e a sentir prazer no contato sexual.

Em relação ao comportamento sexual do/da adolescente podemos afirmar que filmes, músicas, novelas ou programas que atuam como estímulo para que o/a mesmo/a inicie precocemente sua vida sexual, os/as ajuda a obter como reforço imediato o prazer de experimentar tal situação, resultando em um comportamento modelado pelas influências recebidas desses meios.

Sabemos que a mídia tem comandos positivos e negativos na educação dos/das jovens. Ela tanto pode motivar conversas mais abertas entre pais e filhos/filhas, assim com também pode evidenciar fortes preconceitos e estigmas. Isto depende da qualidade e seriedade do programa assistido.

Estes meios de informação podem ser vistos como incentivadores ao/à adolescente para que inicie sua vida sexual sem medidas contraceptivas eficientes, favorecendo em consequência disto, a gravidez na adolescência, principalmente quando os processos de modelação exibidos são considerados na instalação de novos comportamentos do/da jovem. Pois o/a adolescente sem discriminar as contingências subliminares implicadas, preocupa-se apenas com a obtenção do esforço imediato [o prazer das relações sexuais] sem pensar nas consequências que podem ocorrer em virtude do seu comportamento.

Contudo existem programas na TV aberta que podem ser consideradas boas fontes de informações sobre sexualidade, pois abordam o tema de forma direta, espontânea e criativa, tendo como base de apoio especialistas na área, para esclarecer as eventuais dúvidas que surjam, sem criar estereótipos, nem condutas morais, assim como o Programa Amor e Sexo da Rede Globo. [3]

Igualmente, chega-se a conclusão que o comportamento sexual do/da adolescente pode ser visto como sendo mais um produto de "normas ambientais" do que meramente um efeito derivado de mudanças hormonais, pois é no ambiente que o/a circunda que se podem encontrar as condições para a sua manifestação.

2.2.1 Jovens e suas sexualidades: "ficar" e namorar – padrões sociais diferentes para meninos e meninas

Geralmente o contato sexual dos jovens começa com o "ficar" ou namorar alguém. O "ficar" para eles é mais cômodo e excitante, pois é algo passageiro, um momento para curtir sem se preocupar com os sentimentos do outro, que logo será esquecido.

Podemos entender melhor esse processo de "ficar" fazendo uso da seguinte citação:

Ficar é uma experiência de estar com o outro, trocar carícias, intimidades, descobertas e sensações sobre o corpo e sobre si mesmo. Rolam beijos, abraços, e eventualmente, pode-se chegara uma transa. Os limites do ficar são determinados pelo próprio casal. Em geral inclui afetividade, porém não há um compromisso de continuidade ou exclusividade, mas o ficar poderá se transformar em namoro. (FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 2001, p.150).

Já namorar não. É algo sério, com sentimento que se deseja e tem por alguém. É compromisso, dedicação exclusiva e isso não atrai os jovens. Às vezes o "ficar" pode se transformar em namoro, mas quando não existe essa possibilidade, não permanece mágoa ou remorso nos jovens, pois não existem seriedade nem comprometimento na relação entre eles.

Por estas razões os jovens preferem "ficar" a namorar, que aparece como uma forma alternativa de exercer a sexualidade sem compromisso, sem preocupar-se com fidelidade ou sentimentos, como explica um jovem em pesquisa realizada por Abramovay (2004, p. 87): "Porque namorar atrapalha muito o seu dia-a-dia, tem muita responsabilidade você está aqui não pode ir ali, não pode fazer isso com a namorada, agora você ficando você fica solto feito um passarinho".

Para o menino o fato de "ficar" com diversas meninas é louvável, plausível, afirma a masculinidade e o potencial dele de conquista. É socialmente aceito.

Já à menina, não é concebível que "fique" com vários meninos, pois é imediatamente rotulado de "depravada, fácil, abre as pernas para qualquer um", entre outros pejorativos que negativizam o exercício intenso da sexualidade feminina, vendo-se condenada por ter vários parceiros sexuais. Ao contrário do homem, que no máximo, é criticado por se relacionar com uma mulher desse "tipo". É como se esse "tipo" de comportamento não existisse para os homens, só as mulheres merecem ser rotuladas, ou seja, os moldes sociais sexuais são diferentes para homens e mulheres.

Podemos comprovar isso no depoimento de uma professora em pesquisa realizada por Altmann (2007, p.337) que diz:

[...] ainda tem discriminação em relação à garota que fica com vários meninos. Eles podem, mas elas não podem. [...] O menino pode pegar várias garotas. Isso aí ainda é considerado como triunfo. Ela não. Se ela ficar com vários garotos ela é cachorra, ela é mal falada, ela é uma garota fácil.

A sociedade acredita que o homem tem maior necessidade sexual que a mulher, o que não condiz com a realidade. Desconhecem ou desconsideram o fato de, por ser por natureza sedutora, a mulher é mais sexuada que o homem. (CHAUÍ, 1991, p. 89).

Acreditam que a iniciação sexual masculina separa a aprendizagem sexual, as aspirações sentimentais e o desejo de formar um casal, do ato sexual, levando-os a "nomearem" as mulheres de acordo com o "usufruto" que fizerem delas, fazendo categorizações preconceituosas, "tais como 'mulheres fáceis' perdem a honra por não serem mais virgens e por estarem disponíveis a relações sexuais sem compromisso, enquanto as 'mulheres sérias' ou 'mulheres de família"' podem e devem namorar oficialmente e, eventualmente, casar. (ALTMANN, 2007, p. 337). Daí o casamento surge como tábua de salvação para que as mulheres se contentem com a vida sexual que seus maridos lhe proporcionem, sem direito a questionar ou reclamar.

Nessa ótica a mulher é vista como triunfo masculino: tanto as que são "fáceis", as que eles "ficam", como as que eles namoram e desejam casar. São troféus que exibem com o mesmo entusiasmo, os quais conseguiram alcançar e com isso fortalecer sua lista de aquisições e vitórias no território de suas conquistas.

Tudo isso se deve a padrões preestabelecidos pela sociedade como diz Gagnon (2006, p. 218):

Os padrões apropriados de conduta reprodutiva, sexual e de gênero são produtos, todos eles, de culturas específicas, e todos podem ser vistos como exemplos de condutas socialmente roteirizadas. As sociedades ocidentais têm hoje um sistema de aprendizagem sexual e de gênero em que roteiros diferenciados conforme o gênero são aprendidos antes dos roteiros sexuais, mas em que estes se originam, em parte, em tais roteiros de gêneros aprendidos.

Os padrões de comportamentos estabelecidos para homens e mulheres nunca foram iguais. Nessa vertente o conceito de gênero relaciona-se a um conjunto de representações sociais e culturais edificadas a partir da diferença biológica dos sexos. Este termo começou a difundir-se na década de 1980 pela teoria feminista, que tinha por propósito:

[...] desnaturalizar as diferenças de comportamento e o estatuto social dos homens e mulheres, bem como a divisão social (sexual) do trabalho. [...] É uma estrutura de dominação simbólica (ideologia), um princípio de organização das práticas sociais (divisão de trabalho) e uma estrutura psicossomática (habitus, identidade). (CARVALHO, ANDRADE, JUNQUEIRA, 2009, p. 17).

Ressaltando que sexo designa-se a um atributo físico e anatômico, enquanto gênero tem por base noções de masculino e feminino, gerando diferenças que se caracterizam uma estrutura social de dominação masculina. Essa diferença vem há muito tempo privilegiando o masculino que é utilizado com parâmetro universal, submetendo o feminino a viver sob esta dicotomia sem sentido. (op. cit).

Geralmente os pais não concordam com os jovens na prática do "ficar". Acham que os mesmos perdem, ou não adquirem a noção de compromisso, ficam permissivos demais e não se preocupam com o futuro.

Os professores, porém, tem outras posturas. Acreditam que pode até ser benéfico "ficar" para os jovens, visto que esta é uma das características atuais da sociedade e que diverge das que existiam no passado. Como nos revela Abramovay (2004, p. 97):

O tema 'ficar' no campo das relações sexuais e afetivas estaria mais demarcando gerações, provocando, inclusive, reações críticas dos mais velhos, que se sentem ameaçados, considerando que seus modelos e controles não estariam mais funcionando no sentido de evitar ou retardar a iniciação sexual.

Como podemos ver as mudanças sociais estão constantemente acontecendo. O que hoje é considerado normal, para nossos pais e avós é totalmente inaceitável e incumbido de imensa imprudência. Essa é uma forma de pensar que eles adquiriram na sociedade em que cresceram, portanto, não cabe a nós julgá-los ou simplesmente tentar fazê-los compreender e aceitar as diferenças comportamentais de hoje. Seria no mínimo uma "agressão" e falta de respeito aos valores e princípios que eles possuem. Pois na maioria das vezes, eles não estão dispostos a compreender, muito menos, aceitar essas novas condutas sexuais.

2.2.2 Virgindade

A virgindade ainda é um tabu para a maioria da população brasileira. Maioria esta, que se encontra nas classes sociais baixas e que ao se depararem com o fato da filha [questão de gênero] não ser mais virgem faz, geralmente, uma confusão imensa, tentando, inclusive, "reparar" o feito com um casamento forçado. Pode parecer absurdo, mas ainda acontece esse tipo de situação nos dias atuais.

Nas title="" href="http://www.webartigosos.com/admin/de/editor.php?name=wysiwyg&refresh=1869747077&alsection=front#_ftn4" name="_ftnref4">[4] não ser mais virgem.

Por questões como estas a virgindade ainda serve como um referencial de postura na educação recebida pelos pais. Vale ressaltar que no que diz respeito à menina, esta deve se manter "pura" e intocada. Já os meninos não, estes são estimulados, pelos próprios pais a serem "garanhões", "pegar" todas as meninas [desde que não seja a filha deles!], iniciarem sua vida sexual cada vez mais cedo, não importando como nem com quem.

Socialmente quando ao se refere ao primeiro ato sexual de uma menina usa-se os termos "perder" a virgindade ou "se perder", como explica Altmann (2007, p.342):

A utilização dessas expressões indica que a primeira relação é vista como um rito de passagem, que implica a perda de uma condição sexual para a aquisição de outra. Sendo a "perda da virgindade" um rito irreversível e não repetível, essa passagem é motivo de grande preocupação para as meninas. A expressão "perder-se" é ainda mais ampla, pois, nesse caso, não expressa apenas a perda de uma condição específica, mas a perda da garota como um todo.

Já para os meninos a única denominação atribuída ao iniciar a vida sexual é "tirar a virgindade", como se sua missão fosse exclusivamente essa: "tirar a virgindade" feminina e não "perder" a sua também.

Quando isso demora a acontecer, geralmente o rapaz vira motivo de chacota para os colegas, que lhe chamam de "mole", "bicha", entre outras atribuições que os jovens dirigem ao menino ainda virgem. Como se o fato de não iniciar a vida sexual o mais rápido possível, fosse ensejo de vergonha, humilhação e preconceito.

Becker (1995) revela em seus estudos que conceitos como virgindade e discursos machistas estão se esvaindo progressivamente. Segundo ela as discussões sobre o tema estão se tornando mais abertas e aprofundadas, voltadas para o bem estar e conhecimento adequado dos/das jovens em relação a sua sexualidade:

Cada vez mais o adolescente se liberta da velha prisão da equação que iguala corpo e sexo, e de papéis sexuais marcados e definidos por normas e limites rígidos. Cada vez mais adolescentes se encontram em relacionamentos amorosos livres e sadios, nos quais o sexo é parte inseparável, natural e positiva. (BECKER, 1995, p.36).

Mesmo assim, muito precisa ser feito. Ainda existem muitas barreiras a serem rompidas.

Altmann (2007, p.343) explica que existe também o temor de "perder" a virgindade, principalmente entre as meninas, pois acreditam que só de olhar para uma garota é possível saber se ela tem vida sexual ativa, porque, de acordo com crendices populares, o corpo sofre mudanças como o alargamento dos quadris, a desinibição mais evidentes, entre outras características. Assim como também quando há relações homossexuais entre meninos, ocorre um "surpreendente" aumento volume nas nádegas. Suposições culturais da sociedade que interferem no desenvolvimento sexual dos jovens. Contudo nada se diz em relação às mudanças no corpo do rapaz heterossexual ao iniciar sua sexualidade.

2.2.3 Um fato marcante

Um fato nos chamou atenção na instituição escolar onde foi realizada a pesquisa, sobre o preconceito com a sexualidade feminina, que vale a pena relatar aqui. Algumas alunas trancaram-se no banheiro e uma das meninas começou a desabotoar o short e uma outra menina, que estava com um celular, filmou ela fazendo isso. Depois voltaram para sala de aula e contaram para toda a turma o que fizeram. A história chegou imediatamente aos ouvidos da direção da escola que ao chamar todas as meninas envolvidas para conversar, constatou que o vídeo tinha sido apagado do celular.

Após serem orientadas pela direção para não fazer mais esse tipo de brincadeira, parecia que estava tudo resolvido. Parecia. Até a menina que abriu o short, ao chegar em casa, e contar para a mãe o que aconteceu. A mãe angustiada, com medo de colocarem o vídeo da filha na Internet e chateada com os comentários gerados sobre a jovem, comunicou o fato ao Conselho Tutelar do bairro, que imediatamente tomou as medidas cabíveis procurando a família de todas as meninas envolvidas na brincadeira, para averiguar os fatos. A família da menina que filmou ficou indignada com a atitude da filha e a espancou.

No dia seguinte chega a mãe da menina filmada na escola, dizendo para a direção da instituição que queria uma indenização da família da garota que filmou sua filha, pois a menina não devia ter passado por essa situação. A menina que filmou caiu em prantos e disse que sua família não tinha condições de pagar, e não queria ver sua mãe presa por um erro que ela cometeu. Já tinha pedido desculpas a menina, ao conselheiro, aos pais e não nunca mais iria fazer aquilo novamente.

Após o desfecho da confusão uma das meninas envolvidas na filmagem disse a seguinte frase, referindo-se a mãe da garota filmada, a qual fizemos questão de memorizar "ela devia se preocupar em arrumar um 'cabaço'[5] novo para a filha dela". Foi aí que nos damos conta do motivo principal de toda agitação: a maior preocupação daquela mãe era preservar a "integridade sexual" de sua filha, resguardá-la da "língua do povo", que já a havia difamado, dizendo não ser ela mais "virgem". Por isso se angustiou tanto e procurou solucionar o caso dessa forma.

É impressionante, mais ainda hoje podemos constatar o preconceito social com a perda da virgindade feminina. Com esse exemplo prático pudemos comprovar que não existe liberdade sexual igual para homens e mulheres, pois em momento algum foi citado o nome do namorado, "fica", "esquema" ou "parada" [6] dela. E após investigar um pouco descobrimos que foi ele, o "fica", que espalhou o boato, de ter "tirado" a virgindade da garota depois que a deixou. Ele não considerou se as consequências de seus atos poderiam ou não afetar socialmente a integridade da menina ou da família dela. Foi o que aconteceu. Toda uma agitação por causa de comentários que poderiam prejudicar ainda mais a imagem da jovem na comunidade onde vive.

Apesar de tudo, vale salientar o seguinte: não podemos esquecer que o gênero e a sexualidade são formas aprendidas de prática social, e, portanto, tentar encontrar preleção sobre as diferenças naturais, ou melhor, existentes entre homens e mulheres seria um erro.

Existe a crença ignorante de que o ímpeto sexual das mulheres é mais fácil de ser inibido, disfarçado, que o dos homens. Com isso espera-se que a mulher seja mais passiva, mais delicada, no ato sexual, e que se apresente satisfeita e receptiva no coito. Já os homens devem se comportar assertivamente, tomar a iniciativa e conduzir a relação como melhor lhe apraz, sem, na maioria das vezes, se preocupar com o que agrada ou satisfaz a mulher.

Por essas razões é impróprio afirmar que os direitos são iguais para os dois gêneros. Claro que há exceções, mas basicamente a sociedade não aceita os mesmos padrões sexuais para os meninos/ meninas, homens/ mulheres.

Por isso a maior preocupação dos/das pais/mães é saber que os/as filhos/filhas estão curiosos/as e ansiosos/as para iniciarem sua vida sexual. Comumente os/as pais/mães enxergam seus/suas filhos/filhas como eternas crianças ingênuas e inocentes. Quando são surpreendidos/as por perguntas ou situações relativas a sexo, sentem-se inseguros/as e respondem ou repreendem de forma evasiva ou repressiva, respectivamente. Isso quando não desconversam, mudam de assunto e não respondem absolutamente nada que auxilie os/as jovens a terem respostas para seus anseios.

Por razões como estas os primeiros contatos sexuais com coito completo dos/das jovens vem ocorrendo, sem preparo, sem prevenção ou precipitadamente, o que pode gerar uma gravidez não desejada, pois é comum vermos adolescentes engravidando no início de suas vidas férteis, sem a menor noção de seus atos.

Embora em alguns casos, a gravidez possa trazer consequências reforçadoras, como o casamento precoce entre adolescentes, muitas vezes traz sequelas punitivas a curto e longo prazo, como o convívio com condições econômicas precárias devido ao despreparo social e psicológico dos/das adolescentes para exercerem a paternidade/maternidade e o abandono aos estudos.

Isso leva os/as jovens a tentarem desastrosamente elaborar sua vida sexual numa situação de extrema ignorância pessoal, com informações equivocadas e isoladas da realidade social.

É comum encontrar-se adolescentes em plena atividade sexual, sem saber o quê e por que o estão fazendo, sem saber que sexo sem prevenção pode trazer consequências, como a gravidez indesejada ou a contração de uma DTS, por exemplo. Utilizando métodos contraceptivos de baixa ou nenhuma eficiência, na esperança (ou ignorância) de evitar a gestação, tais como: método da tabela, lavar a vagina com vinagre após o ato sexual, tomar Toddynho com Ki-suco para induzir a chegada da menstruação, tomar a pílula do dia seguinte com frequência, ou até mesmo, introduzi-la no orifício vaginal. Tudo isso por falta de informação. Ou será falta de interesse em se informar?

2.3 Sexualidade, família e escola

O tema sexualidade está cotidianamente presente dentro das escolas. Seja nas aulas de Ciências, dentro das salas de aulas ou, principalmente, nas conversas de jovens nos corredores, surdinamente durante as aulas ou em grupos que compartilham informações entre si. Sem falar nas outras fontes de informações que chegam até eles, como brincadeiras, músicas, revistas, livros, televisão, Internet, etc.

Com base nisso, chegou-se a conclusão que a escola é o principal veículo de informação e prevenção da gravidez e DST entre os jovens[7], inclusive é ela a mais aceitável forma de diálogo que eles conhecem. Por esta razão é comum a afirmação de quanto menor o nível de escolaridade do jovem, maior a probabilidade de uma gravidez precoce, visto que em diversas pesquisas realizadas as adolescentes que engravidaram precocemente cursou até, apenas, o 5º ano do ensino fundamental. [8]

A falta de instrução, o fato de muitas meninas não estarem na escola e mesmo a falta de perspectiva de uma vida melhor contribuem para esse aumento.

Tanto a família quanto a escola tem papéis cruciais na transmissão de conhecimentos sobre a sexualidade, assim como também de valores, desde que seja levado em conta a grande diversidade cultural existente. Mas surgem as seguintes questões: quem deve fazer efetivamente fazer essa orientação a família ou a escola? Será que só existem estas duas opções de formas de orientar os jovens? E eles querem receber a orientação destes dois instrumentos de informação?

Geralmente os pais preocupam-se mais em falar sobre métodos contraceptivos com as filhas, temendo uma possível gravidez. Por isso recomendam comumente o uso de anticoncepcionais sob forma de pílulas, como maneira mais eficiente de se prevenir, esquecendo-se dos riscos das meninas pegarem uma DST. Para os meninos é aconselhado sempre o uso da camisinha masculina.

Para os pais as meninas devem se guardar, esperar o momento certo; enquanto os meninos devem se apressar, pois pega mal um garoto ser virgem, chegando a ser motivo de chacotas e comentários depreciantes de sua masculinidade, ou melhor, comentários preconceituosos de gênero[9].

No início dos debates supunha-se que os pais apresentavam resistência à abordagem da sexualidade no âmbito escolar, porém, atualmente, o quadro mudou, pois as famílias estão constantemente reivindicando a Orientação Sexual na escola, reconhecendo sua relevância para a vida dos jovens, como também suas dificuldades de falar abertamente sobre a temática em casa, sem constranger ou despertar interesse nos filhos em exercê-la inconsequentemente.

Todavia sabemos que a escola traz em sua esfera evidências notórias de não está devidamente preparada para trabalhar a sexualidade em sala de aula. Ainda existem, atualmente, certos pudores ao falar de sexo com alunos, assim como também preconceitos arraigados quanto à Orientação Sexual.

Uma prova disso diz respeito ao conteúdo pobre e insipiente dos livros didáticos que abordam o tema, geralmente no 8º ano do Ensino Fundamental, que limita o professor ao que está proposto em suas páginas, que dizem: "o corpo humano é concebido como um organismo vale dizer, é descrito em sua hierarquia funcional, em que cada um dos órgãos é estudado tendo como foco principal a função reprodutiva" (Altmann, 2009, p. 192). A gravidez também é vista nesta ótica. Neste caso o sistema reprodutor humano tem a exclusiva função de procriar. E a sexualidade, onde fica?

A escola não deve se limitar apenas a esclarecer e informar os/as alunos/as sobre a prevenção de DST e gravidez precoce. Deve auxiliar os/as alunos/as a desmistificarem o sexo como algo impuro e sujo, portanto proibido e que deve ser praticado apenas com o fim de dar continuidade à espécie.

Assim, podemos enxergar também que os livros didáticos se referem ao uso de métodos contraceptivos apenas para os adultos que desejam fazer planejamento familiar, ou seja, que planejam a melhor hora de ter um filho. Para os/as jovens o uso só é utilizado como preservativo, devido à "promiscuidade juvenil", sendo indicado o uso da camisinha masculina, visto que a camisinha feminina é mais cara financeiramente e a maioria dos/das jovens não tem acesso e não sabem como utilizá-la.

A inclusão da Orientação Sexual no currículo escolar vem sido debatida maciçamente desde a década de 70, sendo considerada fundamental na formação social dos/das jovens. Sua inserção nos Temas Transversais propostos pelos PCN em 1997, demonstra a preocupação do Estado com esta situação.

Cabendo então à escola, e não exclusivamente a família, o papel de educar sexualmente seus alunos e alunas de forma correta e sem precipitações ou preconceitos, trazendo a tona uma ação reflexiva e educativa a respeito do assunto.

Mas por que trabalhar a sexualidade dentro da esfera escolar? Qual o interesse do Poder Público em fazer isso, visto que a sexualidade é algo íntimo e inerente a cada ser humano, com suas particularidades e/ou peculiaridades? Para responder estas questões faço uso das palavras que Altmann (2001) utilizou em um de seus artigos:

A sexualidade é um 'negócio de Estado', tema de interesse público, pois a conduta sexual da população diz respeito à saúde pública, a natalidade, a vitalidade das descendências e da espécie, o que, por sua vez, está relacionado à produção de riquezas, a capacidade de trabalho, ao povoamento e a força de uma sociedade. (ALTMANN, 2001, p.576)

Dessa forma ao propor nos PCN "Temas Transversais" com esta temática, o Sistema cria ocultamente uma forma de controlar a sexualidade das pessoas e até mesmo tentar mostrar formas e padrões para exercê-la. Vale ressaltar que isto dentro de uma fantasiosa "política de democracia" onde o professor está "à vontade" para trabalhar os assuntos da maneira que quiser com seus alunos.

Lembrando, porém, que os educadores não podem, nem devem, jamais esquecer seu papel de formar indivíduos autônomos em todos os sentidos, inclusive em suas sexualidades, como dizia Foucault (1997, p. 100):

[...] não se deve conceber [a sexualidade] como uma espécie de dado da natureza que o poder é tentado a por em xeque, ou como um domínio obscuro que o saber tentaria, pouco a pouco, desvelar. A sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não a uma realidade subterrânea que se apreende com dificuldade, mas à grande rede da superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação do conhecimento, o reforço dos controles e das resistências, encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e de poder.

O sexo não pode transformar-se em objeto de manipulação do Estado e não pode curvar-se às imposições por ele feitas para se adequar às normas sociais.

Essa suposta preocupação do Sistema levou a aumentar o número de trabalhos na área da sexualidade nas escolas, começando nas décadas de 20 e 30, quando foram observados diversos tipos de "desvios sexuais[10]" nas pessoas, aumentando a apreensão sobre a difusão do tema entre os jovens. Porém só durante as décadas de 60 e 70 o assunto foi paulatinamente sendo introduzido no ambiente escolar, devido à preocupação dos educadores com o crescente aumento nos casos de gravidez indesejada entre adolescentes.

No Brasil esta preocupação ficou ainda mais evidenciada com o surgimento e implantação [frustrada] dos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) que abordam a temática, porém não explicavam adequadamente como o/a professor/a deveria trabalhar fazendo imposições desconexas com a realidade.

2.4 PCN e Orientação Sexual Escolar

Nesse contexto de mudanças, descobertas e estudos diversos sobre a temática surgem no Brasil Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) no ano de 1997, com nova edição publicada em 2001, contemplando todas as disciplinas obrigatórias para a Educação Básica, como também Temas Transversais, onde se inclui a Orientação Sexual.

A orientação sexual proposta pelos PCN tem por meta principal trabalhar, em sala de aula, o desenvolvimento da sexualidade dos/das jovens com prazer e responsabilidade, agregando esta temática ao exercício pleno da cidadania, praticando o respeito por si e pelo outro, considerando a diversidade de valores, crenças e comportamentos existentes, garantindo a dignidade humana. Entretanto não tem por intuito substituir ou concorrer com a obrigação da família em orientar seus/suas filhos/filhas, mas sim, complementar essa orientação.

Na perspectiva de auxiliar os/as jovens:

Os conteúdos tratados na escola devem destacar a importância da saúde sexual e reprodutiva e os cuidados necessários para promovê-la. A escola deve, integrada com os serviços públicos de saúde, conscientizar para a importância de ações não só curativas, mas também preventivas, atitudes denominadas como de "auto-cuidado". Identifica-se aí a intenção de educar alunos e alunas para o autodisciplinamento de suas sexualidades. (ALTMANN, 2001, p. 582)

Sabemos que manifestações sexuais acontecem em qualquer idade. Ignorar, ocultar ou reprimir são as posturas mais comuns encontradas nos profissionais das escolas. Isto se deve ao embasamento de que este tema deve ser unicamente debatido pela família, onde cada uma tem uma forma "melhor" de orientar os/as filhos/filhas dentro de seus costumes e tradições. Sejam elas culturais ou religiosas.

É verdade que cada família tem um jeito próprio para trabalhar a temática, mas isso não dá direito à escola de eximir-se da obrigação de orientar adequadamente seu corpo discente.

Baseado nesses pressupostos a proposta de Orientação Sexual das escolas, sugerida pelo documento aborda:

[...] repercussões de todas as mensagens transmitidas pela mídia, pela família e pela sociedade, com as crianças e os jovens. Trata de preencher lacunas nas informações que a criança já possui e, principalmente criar possibilidade de formar opinião a respeito do que lhe é apresentado. A escola, ao propiciar informações atualizadas do ponto de vista científico e explicitar os diversos valores associados à sexualidade e aos comportamentos sexuais existentes na sociedade, possibilita ao aluno desenvolver atitudes coerentes com valores que ele próprio elegeu como seus. (PCN, 2001, p. 122)

Contudo, vale destacar mais uma vez que, a escola, não pode fazer imposições de gêneros, estereótipos, nem padrões sexuais. Os conteúdos propostos devem auxiliar os/as alunos/as a compreenderem que o ato sexual, assim como as carícias genitais, praticados entre jovens, não devem ser reprimidas. Nem podem estigmatizar a sexualidade, reprová-la, discriminá-la ou inibi-la. Através desta gama de informações ocorridas dentro da escola, convém lembrar que o saber impregnado sobre os indivíduos, os ajuda a exercerem sua sexualidade, aumentando o controle e a possibilidade de intervenção, caso ocorra algo indesejado.

Independentemente de tudo o que foi exposto até o momento, não se pode esquecer que cabe ao educador perceber que, ao abordar a sexualidade, sem ingenuidade, significa:

[...] falar do sexo como de uma coisa que não se deve simplesmente condenar ou tolerar, mas gerir, inserir em sistemas de utilidade, regular para o bem de todos, fazer funcionar segundo um padrão ótimo. O sexo não se julga apenas, administra-se. (FOUCAULT, 1997, P.27)

Dessa forma a orientação sexual nas escolas permite não a punição ou proibição, mas a sua administração, no interior da estratégia pedagógica e da oportunidade de adquirir conhecimentos suficientes para desfrutar harmonicamente, com disciplina e responsabilidade sua sexualidade; sem constrangimentos ou decepções, enfatizando a importância da saúde sexual e reprodutiva e os cuidados necessários para promovê-la.

Segundo Raposo (1998, p. 80) "a escola funcionaria como um espaço para se obter este tipo de informação útil para vida, inclusive no que tange ao enfretamento das questões que advêm com a puberdade e a adolescência, tais como as relações sexuais e as prevenções".

No entanto não podemos esquecer que os ampliadores da sexualidade perpassam o universo escolar, constituem regras e criam mutações contínuas na maneira como as pessoas dão valor e conduzem seus prazeres e afinidades sexuais. É aí que começam as preocupações e anseios...

Não é tarefa fácil orientar. Como nos revela Raposo (op. cit.) "Orientar é considerado bastante difícil. Orientando ou não, o como agir e o que falar sobre esse assunto é muito complicado, é a maior preocupação dos professores em suas práticas".

Por isso, é fundamental que tanto a família quanto a escola assumam a responsabilidade de formar e informar os/as jovens para que consolidem uma visão positiva da própria sexualidade e tornem-se capazes para tomadas de decisões maduras e responsáveis.

A educação só poderá promover esta transformação nos/nas jovens, quando for aplicada como uma prática de autonomia compreendida como desenvolvimento de atitudes e valores próprios e com a consciência de que cada indivíduo pode e deve fazer suas escolhas e responder por elas.

A orientação sexual só terá sentido se tiver como foco principal auxiliar o/a jovem a desenvolver sua vida sexual, e não apenas promover a eles/elas o acesso a informações de ações contraceptivas.

O/A professor/a deve ter a consciência de que os/as jovens apresentam naturalmente a necessidade de buscar o prazer e a curiosidade acerca da sexualidade, encarando este comportamento de forma natural, visto que é reconhecidamente original e permitido. Por isso é fundamental que haja uma relação de confiança entre o/a aluno/a e professor/a, e isto pode acontecer quando o/a docente mostra-se aberto/a a dialogar com seus/suas alunos/as sem constrangê-los/las, respondendo suas perguntas de forma direta e objetiva, acatando a opinião de cada aluno/a e garantindo o respeito entre todos/as.

Em suma a orientação sexual proposta pelo PCN tem como ponto principal contextualizar situações em que os/as alunos/as possam problematizar, questionar e adquirir conhecimentos sobre o tema, para que eles/as mesmos/as possam escolher a forma como querem exercer suas sexualidades. Porém, trabalhando as temáticas de acordo com o nível pedagógico que o/a educando/a possui, para que não invadam a intimidade, interfiram ou modifiquem autoritariamente o comportamento dos/das alunos/as.

Contudo, atualmente, parece que os/as educadores/as esqueceram que existe este documento com estas diretrizes que são até viáveis, desde que haja empenho e dedicação do/as mesmos/as em adaptá-las para a realidade de suas salas de aulas, baseado no pressuposto de que nossos/as alunos/as aprendem mais e melhor quando se identificam com o tema abordado.

2.5 Gravidez na adolescência

Os estudos sobre os/as adolescentes começaram a ter de fato destaque, desde o ano de 1985. Ano este intitulado de "Ano Internacional da Juventude" de acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas).

Apesar de várias tentativas de promoção dos estudos muito pouco foi difundido pela mídia e pelo Poder Público antes desta data. Só depois é que ficou claro para o mundo que os/as adolescentes são os futuros adultos, ou seja, "o futuro da nação".

A gravidez durante a adolescência (entre 10 e 19 anos) não é um fato atual. Pelo contrário. Historicamente é comprovado que as adolescentes tinham filhos cada vez mais cedo, no passado. Como diz Costa (1998) apud Schwengber (2009, p. 2)

Sabemos que no limiar da modernidade, cuja expectativa de vida girava em torno dos 30 anos, registravam-se contratos de casamentos entre casais, em que a conjugue [sic] feminina encontrava-se ainda na faixa etária entre 13 e 14 anos. Nessa época em que a expectativa de vida era curta, a reprodução da espécie acontecia, portanto, nesse curto espaço de vida. Nas sociedades dessa época, as mulheres iniciavam sua vida sexual, muitas vezes, até mesmo antes da menarca, e os homens tão logo que despertassem os "instintos" sexuais e a capacidade de fecundar.

As mudanças ocorridas na sociedade fizeram surgir novos estereótipos femininos, o que levou as mulheres a desejarem engravidar cada vez mais tarde. No Brasil é fato, que a taxa de fecundidade regrediu bastante, porém não na faixa etária considerada "imprópria" para ser primigesta.

De acordo com Charlotte Le Van (1998) apud Altmann (2009, p. 179), "a gravidez em idades jovens não é um fenômeno inédito em si mesmo, as recentes evoluções sociais e culturais contribuíram para fazê-la emergir como um problema social novo". Isso se deve ao fato de as mulheres terem cada dia mais informações, níveis avançados de ensino, autonomia profissional e maior desempenho social, o que as fazem querer constituir família ou gerar filhos tardiamente, de acordo com os padrões sociais atuais. Fazendo com que, ao nos depararmos com uma adolescente grávida, fiquemos achando que é muito cedo, muito precoce para ela ter esse filho. Visto que os pais devem, socialmente falando, planejar detalhadamente o momento ideal para procriar, de forma a não atrapalhar a vida pessoal, social e financeira dos mesmos.

Sem falar no fato de que uma gestação tão cedo pode desmantelar o progresso feminista, em relação à subordinação da mulher ao exclusivo trabalho doméstico e criação dos filhos, como diz Altmann (2007, p. 179) ao citar Heilborn (2007): "A gravidez na adolescência desponta como um desperdício de oportunidades, como uma subordinação – precoce – a um papel do qual, durante tantos anos as mulheres, tentaram se desvencilhar".

Dessa forma ficam a cargo da mulher duas importantes questões determinantes para sua vida: a primeira quantos filhos pretende ter e a segunda o momento ideal para ter esses filhos. Infelizmente, nem todas as mulheres tem discernimento para analisar, contextualizar e solucionar estas duas questões, que podem ajudá-las a ter o controle social de suas vidas. Se isso for possível, claro.

2.5.1 Tipos de gravidezes

Existem termos ou expressões que merecem destaque e precisam ser conhecidos quando nos referimos a gravidez juvenil. As diferenças de significados entre eles são pequenas, mas devemos considerá-las para definir de forma sucinta cada um. São os seguintes: gravidez precoce, gravidez indesejada e gravidez não-planejada.

Gravidez precoce é aquela que ocorre quando a mulher é muito jovem, geralmente durante a adolescência, entre 10 e 19 anos, na qual a adolescente não está física ou emocionalmente preparada para ser mãe.

A gravidez indesejada ocorre quando a jovem/mulher é vítima de uma violência sexual ou não deseja ter um filho naquele momento, o que passa a ser um momento muito difícil para ela psicologicamente, o que a faz pensar na possibilidade de aborto[11].

E por fim a gravidez não-planejada relacionada ao fato da jovem/mulher engravidar sem planejar ter um filho, sem um futuro projetado ou simplesmente, quando acontece, como dizem algumas "foi Deus que quis assim", "é da vontade Deus". Contudo não delas.

A vivência da maternidade durante a adolescência, fase em que se está vivenciando a puberdade torna-se mais complicada, pois as reivindicações que aparecem na busca da identidade da adolescente, acrescentam-se à grande exigência do "tornar-se mãe".

Este quadro pode ser ainda mais grave quando ocorrido em um ambiente menos favorável economicamente. No Brasil, onde a adolescência possui diferentes configurações, como exemplo, uma jovem de classe baixa que engravida, encontra maiores dificuldades devido às suas condições socioeconômicas precárias e à falta de apoio, muitas vezes, da própria família e do parceiro.

Atualmente[12], no Brasil, a cada quatro milhões de mulheres que engravidam anualmente, um quarto delas são gestantes adolescentes. Um outro inconveniente da gravidez durante a adolescência, diz respeito às funções fisiológicas, ou seja, as adolescentes representam um grupo de alto risco obstétrico, pois apresentam um elevado nível de complicações quando comparadas às demais. Além de favorecer o nascimento de bebês prematuros, quando a mãe possui idade inferior a 13 anos.

Segundo pesquisa realizada pelo IBGE no ano de 2007, os brasileiros tiveram em média 2,8 filhos, enquanto nas classes mais baixas economicamente, esse número subiu para 3,1 filhos, sendo as mulheres com faixa etária entre 15 e 19 anos as que mais tiveram filhos. Esta mesma pesquisa revelou que em apenas 10 anos, de 1995 a 2005, praticamente dobrou o número de jovens que engravidam entre 12 e 20 anos, cerca de dois terços das grávidas brasileiras teriam menos de 20 anos, o equivalente a 70% do total de gestantes do país[13].

De acordo com pesquisa realizada por Schwengber (2009) de 1996 a 2006, a média de meninas grávidas entre 15 e 17 anos, subiu de 6,9% para 7,6% no Brasil. Uma em cada cinco adolescentes de 10 a 20 anos já era mãe ou estaria grávida do primeiro filho no país. Aproximadamente 1,1 milhões de adolescentes brasileiras engravidam por ano, e esse número continua crescendo cada vez mais, principalmente nas classes baixas, levando o país a enxergar o fenômeno como uma "epidemia" de gravidez entre as jovens.

Considerando esses dados, um fato chocou o país recentemente e foi notícia em nossos telejornais. Uma jovem de apenas 14 anos deu à luz a trigêmeos, na cidade de Foz de Iguaçu, no Paraná. O pai dos bebês, que nasceram prematuros, também é um adolescente, de apenas 16 anos. Em entrevista exibida no programa "Domingo Espetacular", da Rede Record, a jovem disse que havia parado de usar anticoncepcional, porque não se sentia bem quando tomava a pílula, sentia náuseas e que engravidou porque a camisinha estourou, não sabia como isso aconteceu.

Fico então me questionando: como será a vida desses dois jovens com três filhos para criar, educar e suster? Será que estão preparados emocional e psicologicamente para esta missão? Que futuro terá estas crianças? E estes jovens, como serão suas vidas?

Mas o problema não existe apenas no Brasil. Outro caso estampou as manchetes da imprensa escrita e falada mundial: o caso de uma menina búlgara, de comunidade cigana, com 11 anos de idade, que chegou ao hospital vestida de noiva para dar a luz a sua primeira filha, fruto do relacionamento com o noivo, ou melhor, agora marido de 19 anos. A jovem disse em entrevista ao jornal britânico "News of The World", que nunca havia recebido orientação sexual, nunca tinha namorado e nem desconfiava que estivesse grávida, pensou que estava apenas engordando, porque tinha comido muito hambúrguer[14].

Na cultura dessa jovem são comuns as meninas casarem e terem filhos muito cedo [quem sou eu para questionar a cultura dos povos], mas o que me chamou atenção verdadeiramente foi o fato dela dizer a seguinte frase, a qual faço questão em registrar aqui: "eu não quero mais brincar com meus brinquedos, agora tenho um novo brinquedo". É desta forma absurda que esta adolescente está lidando com a maternidade precoce.

Que noção esta menina tem do que é ser mãe, numa idade onde seu principal divertimento eram suas bonecas? Será que enxerga sua filhinha como mais um brinquedo?

Um brinquedo que precisa de cuidados constantes, de atenção, de carinho, de condições oportunas de desenvolvimento. Será que uma menina de 11 anos está preparada para lidar com esta nova e imutável situação em sua vida?

As perspectivas da sociedade diante da juventude/adolescência se modificam social e historicamente: em um dado momento, a gravidez aos 14 e 15 anos é tida por aceitável e "natural", como entre os ciganos búlgaros, ao passo que, em outro é considerada problemática ou até mesmo inaceitável, diante das expectativas e desafios que são calculados pelas mulheres e adolescentes hoje, por exemplo.

A sociedade mudou, assim como as pretensões femininas, porém isso não impediu o aumento abusivo de casos de adolescentes primigestas, principalmente, nas camadas pobres, em idades onde deveriam está envolvidas com outras preocupações.

Pesquisas realizadas mostram que não é a falta de informação que leva as adolescentes a engravidarem, visto que elas possuem informações nos mais diferentes meios possíveis, porém essas informações são geralmente apelativas e sexualizadas.

Também é fato que conhecem pelo menos um método contraceptivo. Agora o porquê de não terem utilizado é peculiar a cada uma.

Contudo, vale enfatizar, que existem casos onde jovens exprimem a vontade de engravidar, se sentem felizes e realizadas.

O que levamos em consideração aqui é o fato deste não ser o momento ideal para ter um filho, principalmente porque os/as jovens estão começando a formar suas personalidades, a conhecer o mundo e a fazer novas e diferentes descobertas.

2.5.2 Gravidez juvenil como problema social

Enfatizar a gravidez na adolescência como um problema social se deve ao fato de fisiologicamente a adolescente ser incapaz de gerar de forma adequada um filho e psicologicamente inabilitada para criá-lo.

Nessa etapa da vida feminina a gestação é encarada necessariamente como inadequada, porque pode trazer consequências biológicas, psicológicas e sociais negativas.

Também é notório que o aumento de adolescentes primigestas merece atenção, não apenas pelo aumento precoce da fecundidade, mas ainda pela falta de métodos contraceptivos eficientes e disponíveis para os/as jovens, assim como a falta de atendimento adequado nos serviços de saúde e desamparo das famílias.

Acredita-se, atualmente, que os riscos da gravidez durante a adolescência sejam mais determinados por fatores psicossociais relacionados ao ciclo da pobreza e educação existente, e fundamentalmente, a falta de perspectivas na vida dessas jovens sem escola, saúde, cultura, lazer e emprego; para elas, a gravidez pode representar a única maneira de modificarem seu status na vida.

Um dos principais problemas sociais que envolvem esta temática é de ordem demográfica, pois a taxa de nascimentos caiu drasticamente nas últimas décadas, entre as mulheres adultas, no Brasil e aumentou significativamente entre as adolescentes.

Quando o Estado passa a querer ter o controle sobre a sexualidade das pessoas para obter o controle do crescimento da taxa de natalidade, principalmente entre as jovens, e dessa forma controlar o crescimento econômico e social do país, pode trazer à tona o pensamento de que:

[...] uma sociedade afirma que seu futuro e sua fortuna estão ligados à maneira como cada um vive seu sexo. A administração do sexo torna-se um importante 'princípio regulador' da população, dando margem a medidas massivas, a estimativas estatísticas, a intervenções que visam a todo o corpo social ou grupos tomados globalmente. (ALTMANN, 2009, p. 181)

Por esta razão, entre outras, a gravidez na adolescência causa preocupações à sociedade e ao Sistema, pois os/as jovens muitas vezes encontram-se despreparados/as para enfrentar o mercado de trabalho ou se quer conseguem entrar nele, o que pode torná-los/las marginalizados/as agravando o quadro de pobreza do país.

Uma das preocupações do Estado, também, é controlar a gestação precoce porque os homens geralmente querem se eximir da participação, do amparo, do companheirismo e deixa a jovem com toda a carga, sendo intituladas de ignorantes ou inconsequentes, como se o fato de estarem grávidas fosse apenas responsabilidade delas. Tendo elas o encargo de buscarem o amparo dos filhos, seja trabalhando ou se refugiando na casa dos pais, aumentando consideravelmente as despesas e gastos financeiros da família que, geralmente, é pobre, o que agrava ainda mais os índices de pobreza do país.

Entretanto sabemos que a gravidez precoce acontece em todas as classes sociais, com significados e relevâncias diferentes entre cada contexto social dos jovens e vivida diferentemente por cada um.

Contudo convém enfatizar a gravidez, o desenvolvimento de uma criança no ventre feminino, geralmente, não é um problema em si. Sua manifestação durante a adolescência, o que acarreta, os transtornos, físicos, emocionais e financeiros que provoca é que se torna um problema.

2.5.3 Fatores que favorecem a gravidez em adolescentes: uso ou não uso de contraceptivos

Algumas variáveis individuais podem favorecer a gravidez na adolescência. O fato de a jovem confiar na própria sorte, ou seja, é muito comum a adolescente desenvolver o pensamento "mágico" de que a gravidez não acontecerá com ela, esquivando-se de tal possibilidade; a utilização incorreta de anticoncepcionais; o uso de álcool ou drogas; o desejo de agredir a família, contestar a autoridade dos pais; estar perdidamente apaixonada pelo rapaz; não pensar no risco de engravidar; usar um método contraceptivo de baixa eficiência; desejo de antecipar o casamento e não possuir vida sexual ativa que justifique o uso continuado do contraceptivo são algumas delas.

Entretanto os paradigmas que contribuem para a gravidez na adolescência parecem variar de indivíduo para indivíduo e/ou de situação para situação. O motivo que levou uma jovem aengravidar não é, necessariamente, o mesmo que de uma outra adolescente, como também a motivação para a gravidez.

Geralmente as adolescentes têm sua primeira gestação com aqueles com quem iniciaram suas vidas sexuais e a maioria afirma fazer uso de anticoncepcionais antes de se tornarem primigestas. Engravidam, na maioria dos casos, do namorado, não de um simples "ficante".

Só depois que engravidam os/as adolescentes aumentam o cuidado no uso dos métodos contraceptivos e mostram-se mais conscientes quanto a praticarem sexo sem riscos.

No que se refere aos estudos, a vida escolar do pai-jovem não muda muito. Eles, em geral, continuam estudando, tendo a preocupação apenas de conseguir um trabalho para sustentar o filho. Isso quando se sentem responsáveis pela criança.

Porém a mãe-jovem passa por uma reviravolta em sua vida: o afastamento da escola porque precisa tirar licença para ter o bebê, precisar cuidar do filho, dos afazeres domésticos, do companheiro e ainda tentar voltar a estudar, quando o filho estiver mais velho para ver se consegue um trabalho.

Em sua maioria os jovens conhecem, ou simplesmente, sabem o nome de alguns métodos contraceptivos, contudo não possuem conhecimento detalhado e profundo sobre o funcionamento dos mesmos.

Uma contracepção eficiente não pode limitar-se apenas ao aprendizado teórico do uso de contraceptivos, pois este não é o fator decisivo para a prevenção de uma gravidez precoce.

Deve-se falar com os/as jovens sobre formas de contracepção, buscando identificar o que realmente eles/elas querem e precisam aprender. Não falar por falar, de forma banal, aleatória, superficial, inconsistente, deve-se buscar no fundo o que os/as jovens precisam apreender em suas experiências, como nos revela Bozon (2004, p. 127):

À norma contraceptiva acrescentou-se a norma do uso da camisinha desde a primeira relação, iniciada com as campanhas de prevenção da AIDS e que se impôs em apenas alguns anos. Isso traduz algo mais além do medo da contaminação: a adoção da camisinha no repertório sexual juvenil cria um ritual reconhecido que, diante da incerteza da fase de experiência no início de um relacionamento, organiza e estabelece uma atitude socialmente "responsável" na relação sexual.

Não podemos passar para os jovens a ideia de que a camisinha masculina é a única forma de contracepção que eles devem utilizar e que dessa forma estão fazendo sexo seguro. Apesar de comumente isso ser pregado para nossos/as adolescentes, não podemos limitá-los/as a este ponto. Temos que detectar o que eles/elas querem e precisam saber e expor isso sem constrangimentos ou traumas.

Dois depoimentos me chamaram atenção nos meus estudos sobre o tema, ao examinar um artigo produzido por Schwengber em 2009[15]: duas adolescentes, irmãs, grávidas com 16 e 14 anos, respectivamente que diziam o seguinte:

Engravidar, para mim, pelo menos foi bom (...), foi uma forma de ir morar com o meu companheiro e sair daquela casa, pois lá eu precisava dividir tudo. (...) Eu já "tava" grande demais. Engravidei porque pensava que tinha chegado o momento de construir a minha família. (Fabiana, 16 anos).

A outra jovem fez o seguinte relato:

Eu engravidei e sai da escola (...) eu era a maior da turma, meu corpo "tava" grande demais, eu tinha vergonha de continuar lá, (...) também porque sabia menos que as crianças pequenas (...) quando eu engravidei não tinha e não via nenhuma possibilidade de emprego para mim. (Raquel, 14 anos)

Estas duas jovens encontram-se entre a linha da pobreza e da miséria do país. São vítimas da falta de condições de vida adequadas, da falta de informação (por mais absurdo que pareça), do descaso do Estado com os desprivilegiados economicamente e que sobrevivem em condições subumanas, em locais inadequados e com escolas sem estrutura nem capacidade para educar seus alunos para a sociedade.

Mal sabiam ler e escrever, apesar de frequentarem a escola. Não tinham conhecimento suficiente sobre sexualidade, assim como seus pais. Para elas a escola não tinha significado algum, pelo contrário, para elas não fazia diferença alguma estar ou não nela.

Contudo para elas a gravidez não é vista como indesejada ou precoce, pelo contrário, enxergam a gravidez como uma forma de auto afirmar-se como mulher, como mãe. Manifestam a ideia de que dessa forma estão mais seguras, mais amparadas socialmente.

Isso fica bastante nítido ao considerarmos Meyer (2007) apud Schwengber (2009, p.11)

A condição de mãe talvez signifique para essas adolescentes a necessidade de se reinventarem, uma vez que não encontraram lugar para si, com [a gravidez] as meninas abrem para possibilidade de criar – uma obra um filho. Inventam-se muito cedo como mulher = mãe, a partir do rígido e limitado lugar de menina "pobre".

Parece-nos que ser mãe faz parte da existência feminina e que só dessa forma a mulher consegue se concretizar e realizar. De acordo com Swain (2007) não obstante as mudanças ocorridas com alguns preceitos sociais, o casamento e a maternidade "povoam os sonhos e o imaginário das mulheres que se consideram completas apenas se forem mães e esposas" (SWAIN, 2007, p. 219).




[1] O conceito de adolescência tem uma origem bastante recente na história social do Ocidente, e seu sentido atual

só foi, definitivamente consolidado no final do século XIX situado enquanto um processo relativo a um período particular na vida dos indivíduos, entre a infância e a idade adulta, como destaca Ariès (1985). Assim, a adolescência é um conceito construído historicamente na Modernidade, que adquire vários desdobramentos até o momento atual. (Cf. SCHWENGBER, 2009, p. 10).

[2] Vale ressaltar que essa emancipação se dá com maior intensidade nas classes sociais baixas, onde o/a adolescente desenvolve a vontade de adquirir autonomia e independência. Ao contrario do que acontece nas classes altas, em que os/as jovens, na maioria das vezes, sentem-se acomodados e acostumados a viverem à sombra dos pais.

[3] Programa semanal, exibido as sextas-feiras, à noite, tendo como âncora a apresentadora, modelo e atriz Fernanda Lima.

[4] Refiro-me exclusivamente à filha, porque os/as pais/ mães, geralmente são mais permissivos com os filhos.

[5] Regionalmente o termo "cabaço" refere-se à virgindade feminina. "Perder o cabaço" significa "perder a virgindade" ou, foi "desvirginada" por alguém.

[6] Palavras utilizadas pelos jovens ao se referirem aos parceiros os quais estão se envolvendo sexual, afetiva ou emocionalmente.

[7] Levando em consideração os instrumentos citados, excluindo-se a "família", que é o principal meio de informação e cultura dos indivíduos na sociedade.

[8] Cf. HEILBORN, 2002.

[9] Cf. ABRAMOVAY, 2004

[10] São considerados "desvios sexuais" a masturbação, o homossexualismo, o bissexualismo, entre outras práticas sexuais existentes. Para mais aprofundamento, consultar John H. Gagnon, em "Uma interpretação do desejo: ensaios sobre o estudo da sexualidade"(2006).

[11] Para saber mais sobre aborto entre adolescentes consultar Mirian Abramovay em "Juventudes e Sexualidades", 2004.

[12] Os índices têm aumentado tão progressivamente que dia 26 de setembro foi denominado de "Dia Mundial de Prevenção à Gravidez na Adolescência", como forma de chamar a atenção para o crescimento alarmante de casos entre as adolescentes em todo o mundo.

[13] Cf. IBGE, 2008.

[14] Os dois casos de gravidezes juvenis aqui mencionados, da brasileira e da búlgara, foram noticiados no programa Domingo Espetacular exibido no dia 01 de novembro de 2009 de onde foram extraídos e aqui explicitados.

[15] Cf. SCHWENGBER, 2009.

Referências[1]

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ABRAMOVAY, M.; CASTRO, M. G.; SILVA, L. B.; Juventude e sexualidade. Brasília: UNESCO Brasil, 2004. p.412.

ALTMANN, Helena. Orientação sexual nos parâmetros curriculares nacionais. Revista Estudos Feministas, p. 575-585. 2001.

______. Educação sexual em uma escola: da reprodução à prevenção. Cadernos de Pesquisa, v.39, n. 136, p. 175-200, jan./abr. p. 175-200. 2009.

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AQUINO, E. M. L. et al. Adolescência e reprodução no Brasil: a heterogeneidade dos perfis sociais. Caderno Saúde Pública, Rio de Janeiro, p. 377-388. 2003.

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[1] Baseadas na norma NBR 6023, de 2002, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).