Ensinar ou não gramática na 1ª fase do Ensino Fundamental (Eis a questão)

Leia o poema de Oswald de Andrade:

Pronominais

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro

O poema Pronominais de Oswald de Andrade, nos mostra um pouco da diversidade do uso da língua em função da situação comunicativa. O texto fala sobre a linguagem culta (dicionário) "gramática" e a linguagem coloquial (cotidiano). Ele faz uma referência, que existem dentro da língua portuguesa, maneiras distintas para expressar uma mesma idéia e não existe uma maneira certa ou errada para se expressar."

Este texto coloca em discussão o padrão culto da língua portuguesa normatizado pela gramática e o modo como a língua é usada no dia-a-dia pelos falantes do português brasileiro.  A partir dessa concepção , podemos afirmar que a língua aceita variações usada pelos falantes ou escritores conforme a situação de comunicação. Devemos lembrar que as línguas não são estáticas e nem inalteráveis. Muitas crianças e adolescentes chegam ao 2º segmento do ciclo no quarto ano (antiga 3ª série) com muitas dificuldades na leitura, escrita e interpretação de novas situações e, pouco conhecimento de Gramática dada nesses três anos anteriores. O conteúdo para alguns, torna-se “vazio”. Trabalhando o incentivo à leitura e à pesquisa , o aluno torna-se investigador e passa a ser mais receptivo à novas situações. É preciso verificar a real necessidade de ensinar gramática a quem ainda não domina a leitura e a escrita.

 A cada dia cresce o número de estudos que se preocupam com o ensino de Língua Portuguesa oferecido nas escolas atuais, principalmente no ensino da gramática.

“Uma das questões problemáticas é entender de que gramática se fala quando a perspectiva de exame é o tratamento escolar. Afinal, que “gramática” se tem trazido para dentro das salas de aula, e que “gramática” se há de oferecer ao aluno, se necessariamente a sistematização tem de passar pela reflexão, como acentuam modernamente os próprios documentos oficiais que orientar as atividades escolares?” (Neves,2008)

É uma proposta de mudança radical para o ensino de Língua Portuguesa, segundo, Sérgio Possenti,  “para o ensino de língua materna mudar de verdade, não basta remendar alguns aspectos, é necessário uma revolução” (1996), pois, em nada vale mudar os programas de ensino se não houver mudanças nas escolas e nos professores. A hipótese do autor é que ensinar “língua” e ensinar “gramática” são coisas diferentes, por isso aposta no ensino da língua (viva e atual) e não de regras gramaticais (inusitadas e ultrapassadas), sendo assim, acredita que “o domínio competente da língua não requer o ensino de seus termos técnicos” (1996, p.54).  Possenti sugere várias propostas para o ensino de Língua Portuguesa que são de extremo bom senso, pois se constituem de metodologias alternativas, que com a conscientização do professor, ele mesmo pode aplicá-las em sala de aula. Como exemplos podemos citar: 1º) a valorização, sobretudo, da leitura e da escrita, acredita que se aprende a escrever escrevendo e a ler lendo; 2º) propõe a mudança do padrão de língua a ser seguido, isto é, trocar a Literatura Antiga que é o modelo, pela linguagem jornalística ou dos textos científicos, tendo em vista que, esses apresentam uma linguagem muito mais próxima do que falamos atualmente; 3º) sugere uma nova visão acerca do que o educador deve considerar como erros de escrita, ressaltando que existem muito mais acertos do que erros. É preconceituoso pensar que aqueles que falam errado, falam tudo errado.

 No contexto educacional em que estamos inseridos, a cada dia nos deparamos com situações novas, que nos instigam a enfrentar desafios de usos da língua, para os quais nem sempre estamos preparados. Em situação de ensino-aprendizagem, nas aulas de Língua Portuguesa, perguntamo-nos se estamos e como estamos preparando nossos alunos para interagir nas diversas situações de uso da língua às quais estão expostos, dentro e fora da escola. O que devemos ensinar nas aulas de português? Ensinar gramática instrumentalizará os alunos de forma a prepará-los para vencerem os desafios impostos pelas diversas situações de uso da língua? Caso acreditemos nisso, como podemos abordar a gramática de modo que esta faça sentido para o aluno? Essas são algumas questões que nos deixam cada vez mais inquietos e nos levam a “o como ensinar”, em uma perspectiva que incorpore e que articule com as concepções que refletir acerca da necessidade ou não de se ensinar gramática e sobre a nossa prática em sala de aula, quando nos propomos a fazê-lo. Partindo desse contexto, nosso objetivo neste artigo é apresentar uma proposta de transposição didática, discutindo o ensino da gramática e sua importância nas aulas de Língua Portuguesa, visto que não podemos negar a contextualização dos conteúdos gramaticais quando trabalhamos a leitura, a escrita e a análise linguística.

Praticada com um alto grau de consciência crítica e aplicada a uma pauta de problemas de grande amplitude, a investigação lingüística que se praticou no Brasil nas últimas décadas já pode contabilizar resultados, e o avanço dos conhecimentos foi enorme, quer no que se refere aos vários aspectos da língua portuguesa, quer no que concerne à linguagem, como fenômeno mental, cultural e político.

Como era de se esperar, esse acréscimo de conhecimentos permitiu criar novas perspectivas e novos pontos de observação para quem quer refletir sobre as situações ou as práticas em que intervém a linguagem, e uma dessas situações é o ensino de língua materna praticado em nossas escolas, a começar pela escola pública.

A partir dos anos 80, vários lingüistas têm chamado a atenção de seus leitores – um público idealmente constituído de estudiosos da língua, professores de português e alunos de faculdades de letras – para a precariedade desse ensino: destacando seu caráter anticientífico, opressivo, contrário ao desenvolvimento da criatividade e avesso à natureza essencialmente pragmática e contextual da linguagem, esses autores mostraram, em última análise, o quanto esse ensino é preconceituoso e reacionário. As advertências dos lingüistas não bastaram para reverter a situação vigente, e foram assimiladas, às vezes, de modo equivocado, resultando em novas distorções. É inegável que elas criaram um ingrediente novo tanto em lingüística como em pedagogia, estimulando uma linha de reflexão na qual o lingüista e o professor de língua lingüisticamente informado se debruçam sobre o ensino munidos de informações mais articuladas e confiáveis sobre os "conteúdos" a serem ensinados. Daí a possibilidade de confrontar a persistência das práticas tradicionais com as expectativas de inovação (ou de volta à razão) estimuladas pela ciência da linguagem.

Há anos se fala de uma concepção diferente do ensino de gramática, mas pouca coisa mudou. O professor sabe que decorar regras e ler a gramática não funcionam. Isso porque somente o estudo teórico não leva ninguém a falar, ler e escrever melhor. Como muitos educadores ainda não descobriram outra forma de abordar o tema, simplesmente o deixam de lado. O resultado é que o conteúdo praticamente desapareceu da sala de aula.

Essa parte da língua foi relegada porque se acreditava que ela não dava competência para redigir bem. "Nos anos 1990, essa idéia começou a ser questionada", observa Kátia Lomba Brakling, uma das autoras dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa de 1ª a 4ª série e de 5ª a 8ª. "Tudo o que se vê nos programas de leitura mostrou que esse é mais um dos componentes a ser abordado quando se fala em reflexão sobre a língua." 

Partindo do pressuposto de que a língua não só é a “expressão do pensamento”, não é só um “instrumento de comunicação”, mas também um “meio de interação”, é que podemos realçar a importância de um trabalho pedagógico que valorize os saberes necessários para promover a educação linguística dos nossos alunos. É preciso considerar que o ensino como um todo é orientado por uma postura política dos professores, e é do governo que emanam as leis de diretrizes e bases da educação. Podemos propalar também que a responsabilidade não é só do professor, mas centrada nele – de refletir, questionar, buscar, traçar caminhos, orientar, caminhar junto, discernir, motivar e fazer.

 

Antunes (2003) registra que o ensino, a partir da dimensão interacional e discursiva da língua, é condição para a plena participação do indivíduo em seu meio social. E nesse âmbito, os PCNs estabelecem que os conteúdos de língua portuguesa devem se articular em torno de dois grandes eixos: o uso da língua oral e escrita e o da reflexão desses usos. Nenhuma atenção é concedida aos conteúdos gramaticais, na forma e sequência tradicional das classes de palavras, tal como aparecia nos programas de ensino de antes.

Possenti (1996) deixa claro que o papel da escola é ensinar o português padrão, ou, mais exatamente, o de criar condições para que ele seja aprendido, pois saber falar significa saber uma língua. Saber uma língua, por sua vez, significa saber uma gramática. Saber uma gramática não significa saber de cor algumas regras que se aprendem na escola, ou saber fazer algumas análises morfológicas e sintáticas. Mais profundo que esse conhecimento é o conhecimento (intuitivo ou inconsciente) necessário para se falar efetivamente a língua. Dessa forma, o autor confirma que saber uma gramática é saber dizer e saber entender frases, pois quem diz frases faz isso porque tem um domínio da estrutura da língua.

            O sujeito só realiza aprendizagem no processo de interação, por isso, se faz necessário que o professor de Língua Portuguesa principalmente, favoreça a relação entre sujeito-sujeito e sujeito- objeto de conhecimento. É por meio da linguagem que realizamos atividades discursivas, isto é, fazemos parte de uma situação em que informamos algo a alguém, em dada situação histórico-social e de determinada forma (interação). O sentido será, portanto, resultado desse contexto que envolve quem escreve/fala e quem lê/ouve.

            É preciso ter claro qual a concepção de língua que sustenta o trabalho desenvolvido por educadores (principalmente em Língua Portuguesa e anos iniciais), uma vez que a partir dele  entenderemos que agir socialmente não diz respeito a apenas conhecer o código escrito ou falado, mas sobretudo, a se pronunciar no mundo por meio do diálogo com o outro, que precisará reconstruir o texto mobilizando vários saberes além do conhecimento linguístico. Dessa forma, deve ficar claro que não acredito que a língua seja resumida à sua gramática; mais do que isso, ela deve ser utilizada na prática (na interação entre os sujeitos). Há de se ter claro que a língua, como produto histórico, não está pronta, dada como um sistema, mas o locutor apropria-se dela para agir segundo suas necessidades no momento da comunicação.

 

 

 

 

 

 

Bibliografia

ANTUNES, I. Aula de português - encontro & interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas, ALB. Mercado de Letras, 1996, 96 p., Coleção Leituras do Brasil.

 Mário Perini, Para uma nova gramática do português. São Paulo, Ática, 1985.

Pedro Celso Luft, Língua e liberdade:Para uma nova concepção da língua materna e seu ensino. Porto Alegre, LP&M, 1985.

 

Carlos Franchi, Criatividade e gramática. São Paulo, Secreta