Cleyde anne de Almeida Souza[1]

Resumo

Este artigo é fruto da leitura reflexiva do livro O Mestre Ignorante: Cinco lições sobre a emancipação intelectual, uma obra de cunho filosófico e autoria de Jacques Rancière, que conta a história de Joseph Jacotot, um professor francês que foi convidado a ministrar aulas em uma turma que falava apenas holandês(língua que o mestre ignorava). Ao utilizar-se de um método diferente do tradicional, no qual propôs aos alunos usarem a própria inteligência, sem que houvesse explicação pelo mestre, obteve bons resultados e concluiu que “todos os homens tem igual inteligência”. O autor nos remete, então, a alguns questionamentos: Por que e para que educar? Como propiciar uma emancipação intelectual? Assim, partindo de uma breve analise acerca do que seria emancipação na educação, desenvolve-se aqui, reflexões sobre o mestre ignorante em paralelo com a contemporaneidade, estabelecendo associações a outros autores, dentre eles Paulo Freire, objetivando identificar limites e possibilidades de uma emancipação intelectual a partir da prática educativa.

Palavras chave: emancipação intelectual; pratica educativa; contemporaneidade

Resumen

 

Este artículo es el resultado de la lectura reflexiva del libro El Maestro Ignorante: Cinco lecciones sobre la emancipación intelectual, una obra de naturesa filosófica y escrito Jacques Rancière, que cuenta la historia de Joseph Jacotot, un profesor de francés que fue invitado a dar clases en una clase que sólo hablaba holandés (el lenguaje  ignorado por el maestro). Cuando se utiliza un método distinto de los tradicionales, en el que propuso a los estudiantes a usar su propia inteligencia, sin ninguna explicación por el maestro, ha logrado buenos resultados y concluyó que "todos los hombres tienen igual inteligencia." El autor recuerda, pues, algunas preguntas: ¿Por qué y para que la escuela? ¿Cómo proporcionar una emancipación intelectual? Por lo tanto, a partir de un breve análisis de lo que la emancipación en la educación, se desarrolla aquí, reflexiones sobre el maestro ignorante en paralelo con el contemporáneo, estableciendo asociaciones con otros autores, entre ellos Paulo Freire con el fin de identificar los límites y posibilidades de emancipación intelectual de la práctica educativa.

Palabras clave: emancipación intelectual; la práctica educativa; contemporaneidade

Introdução

A Constituição Federativa Brasileira de 1988, especifica que somos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, mas cabe-nos algumas indagações: O que é ser igual? Seria tão somente possuir os mesmos direitos? Ser possuidores dos mesmos direitos seria sinônimo de igualdade? E dizer que “todos os homens tem igual inteligência” seria meramente utopia?

Rancière (2013, p.24), aponta que o mito pedagógico divide o mundo em dois, ou melhor, divide em duas inteligências – inferior e superior, isso significa dizer que uma refere-se ao que se aprende empiricamente e a outra procede por método, quando, por exemplo, o mestre transmite conhecimentos aos alunos: o método embrutecedor. Afirma ainda, que “o que embrutece o povo não é a falta de instrução, mas a crença na inferioridade de sua inteligência” (RANCIÈRE, 2013, p.65).

Durante muitos anos perdurou a ideia de que o papel da escola seria transmitir ideias e valores comuns, de acordo a uma visão de mundo, proporcionando assim, uma homogeneização de massas, efetivando reprodutivismo cultural e social, conduzindo os sujeitos à “igualdade” de pensamento e de concepções. Hoje, nota-se quão insuficiente é este pressuposto diante das demandas da sociedade contemporânea. A escola, bem como a concepção pedagógica, não pode permanecer imutável, diante das mudanças no cenário sociocultural, histórico e econômico, pois o púbico também muda.

O ideal de uma sociedade emancipada tem reflexos desde o Iluminismo, a partir da filosofia Kantiana, a qual considera a autonomia dos  como princípio fundamental para o bom uso da sua racionalidade. No pensamento contemporâneo, o filósofo Adorno, retoma a proposta Kantiana, ao reafirmar que “a  construção de sujeito racinal e livre é condição de possibilidade de uma sociedade democrática” (AMBROSINI, 2012).

Paulo Freire, em sua obra Pedagogia do Oprimido, para além de uma proposta filosófica, aborda a emancipação enquanto uma tarefa educativa, que está intimamente ligada à práxis pedagógica e atribui o significado de humanização. Numa perspectiva social e também humana, Freire (1987) aborda que a opressão e a dominação estão enraizadas nas estruturas da sociedade, em suas leis e instituições e, por isso, critica assim a educação tradicional,  propondo um novo olhar sobre conhecimento, aprendizagem e escola.

Neste ponto, Rancière e Freire, comungam de um mesmo ideal, o de que aprender precede o ato de ensinar, logo aprende-se socialmente e o sujeito do processo de conhecimento é o aluno e, como pontua Freire(1996, p. 22), “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção”. Para um, ensinar no método tradicional propicia o embrutecimento, e para o outro, propicia o assujeitamento do bancarismo que impede a construção da autonomia do sujeito. Entende-se por educação bancária, conforme a proposição freireana, aquela em que o conhecimento é depositado nos educandos, recebendo-os passivamente sob a ideia de que quanto mais se deposita mais se sabe. Educar para a emancipação, conforme a teoria freireana, seria então, reconhecer a autonomia do sujeito racional que tem liberdade e que pode contribuir para uma sociedade emancipada.

A relação emancipadora exige que a igualdade seja tomada como ponto de partida, exige que se parta não do que  o ignorante desconhece, mas do que ele já sabe, daí identificamos novamente uma relação a Freire(1996, p.23 e 24), quando este considera que “ foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens, descobriram que era possível ensinar.” Assim, por que não respeitar os saberes que os educandos constroem socialmente? Por que manter a concepção de que são os professores que detém os saberes necessários par a formação dos indivíduos? Não seria esta concepção, fruto de uma educação tradicional que tende a insistir na perpetuação de que a tarefa do mestre é transmitir conhecimentos? E por que desconsiderar que todos os sujeitos são inteligentes?

Prática Educativa, emancipação intelectual e contemporaneidade

Conforme Alvares Vieira Pinto (1987, p.29), “a educação é o processo pelo qual a sociedade forma seus membros à sua imagem e em função de seus interesses”, partindo desta premissa, torna-se possível compreender porque o método “embrutecedor” tem tido mais espaço no âmbito pedagógico e, consequentemente, a escola não tem conseguido atender às expectativas que lhe são atribuídas.

Julia (2001, p.10) considera a cultura escolar “como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, um conjunto de práticas que permitem s transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos.” Em meio à contemporaneidade, uma transição de paradigmas reflete a necessidade de ressignificação da cultura escolar, na qual insere-se a prática educativa, de redefinição do papel do professor e identificação da real função da escola, que deixa de ser responsável pela mera transmissão de conhecimentos. Diante das influencias da “era do conhecimento”, por exemplo, surge um novo desafio: Como transformar informações em conhecimento?

O professor, hoje, precisa descer do pódio de detentor do saber e desafiar seus alunos a usarem a inteligência, a construirem conhecimentos, tornando-os sujeitos ativos no processo de ensino e aprendizagem, estimulando-os , inclusive, a serem capazes de interpretar a realidade em que estão inseridos e sentirem-se sujeitos participativos no seu contexto social, político e cultural. Assim, haveria com esta prática educativa uma contribuição para a emancipação intelectual dos sujeitos.

Entretanto, para emancipar a outrem é preciso emancipar a si próprio: “É preciso conhecer-se a si mesmo como viajante de espírito, semelhante a todos os outros viajantes, como sujeito intelectual que participa da potencia comum dos seres intelectuais” (RANCIÈRE, 22013, p.57). Em outras palavras, é preciso perceber-se tanto como um ser que constrói conhecimento quanto como um ser inacabado, pois o “educador já não é  o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa” (FREIRE, 1987, p. 39).

O fato de Joseph Jacotot perceber que os sujeitos são capazes de aprender e discutir sobre um assunto, sem que que nenhuma explicação tenha sido fornecida pelo mestre, aprendendo o conteúdo de forma significativa, nos remete à reflexão de que as práticas educativas que desafiam os alunos, podem ser motivadoras, ao passo que são mais eficazes para efetivar a vontade e o desejo de aprender. Não se quer com isso, desprezar a figura do professor, mas estimular à percepção da necessidade de ressignifcar a atuação docente, pois “a pratica bancária, subordina o educador, sufocando o gosto pela rebeldia, reprimindo a curiosidade, desestimulando a capacidade de desafiar-se, de arriscar-se, tornando-o um sujeito passivo. (LEVY, (org.) 1983)

Ressignificar a prática educativa, pressupõe então, adequar estratégias metodológicas que em contraposição à prática bancária, possibilitem o despertar pela pesquisa, aguçando a curiosidade, estimulando para desafios, tornando os alunos sujeitos ativos. Para tanto, deve-se partir da vivencia dos alunos, problematizando, para que a partir de hipóteses possam criar soluções que solucionem ou amenizem os problemas levantados. Como diz Freire (1996, p.29), “pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo” e, neste ponto, dialoga com as considerações do Ensino Universal de Joseph Jacotot, o qual considera que a virtude da nossa inteligência está mais em fazer do que em saber, sendo este fazer um ato de comunicação que se prolifera através da palavra. Em síntese: “todo saber fazer é um querer dizer” (RANCIÈRE, 2013, p.98).

Por muito tempo a escola preocupou-se demasiadamente com a propagação do abstrato, sem estabelecer qualquer relação com a vida dos alunos causando um distanciamento dos indivíduos, principalmente, os pertencentes a grupos sociais  e culturais desfavorecidos, um  paradigma em crise, diante do cenário emergente. Não havendo a superação dessa crise, o sistema educativo continuará perpetuando desigualdades.

Considerações finais

A partir da leitura do “Mestre Ignorante”, muitas reflexões surgiram acerca do professor e sua pratica educativa, mas como se trata de uma obra de cunho filosófico , há uma  abrangência para além do que aqui fora registrado, pois limitou-se aqui à reflexão sobre os limites e as possibilidades de uma prática educativa capaz de proporcionar uma emancipação intelectual, ao passo que além de emancipar-se o professor passasse a assumir a postura de provocador de inteligências, afinal como considera Rancière (2013) , é a vontade de aprender que leva o homem a aprender, precisando assim, que os alunos sejam estimulados.

Para Gadotti (1998,p.71) o profissional da educação precisa ser desrespeitoso, consigo mesmo, ou seja , deve questionar a realidade que a ele se apresenta para então promover mudanças sociais, precisam repensar suas crenças sobre a educação, pois como considera este autor e  também Freire(2010), a educação não é uma pratica neutra. A escola pode educar para a submissão ou para a emancipação, não deixando calar as angustias e fazendo uma leitura crítica da própria realidade.

Problematizar a educação, buscar vias que propiciem uma emancipação intelectual, sugere o repensar sobre o porquê e para quê do ato educativo. Os professores têm um papel social e não cabe aos mesmos, na contemporaneidade, agir com o intuito de inculcação de ideologias, de suas crenças, mas agir como alguém que tem opinião formada sobre os assuntos mais emergentes e que está disposto ao diálogo, ao conflito, à problematização do seu saber. Conforme o Rancière (2013, p.146 e 147), os emancipados não são sujeitos desrespeitosos da ordem social, são sujeitos que compreendem e respeitam a ordem social, porém não aceita que esta lhe imponha pensamentos, opiniões e crenças.

Na escola dos embrutecetores, como denomina Rancière, que privilegiam tão somente a explicação, a transmissão de saberes, também se aprende, porém não consegue-se atribuir significado à aprendizagem e perpetua-se a suposição de que há sujeitos incapazes, inferiores e que externar a inteligência é uma ação negada. Desconsiderando assim, o fato de que se o saber é construído socialmente, os ignorantes também tem conhecimentos. Em sua obra Educação e Mudança, Freire (1979, p.15) ressalta que “não podemos nos colocar na posição do ser superior que ensina um grupo ignorante, mas sim na posição humilde daquele que comunica um saber relativo a outros eu possuem outro saber relativo”.

A sociedade contemporânea requer dos professores para além de requisitos técnicos, requisitos pessoais, e a própria sociedade da tecnologia desfigura do professor a imagem de sujeito superior e que detém as informações de que os alunos precisam, uma vez que nunca fora tão fácil obter respostas prontas, fáceis e acessíveis. Portanto, romper com o paradigma clássico de ensinar, requer fazer da pesquisa um princípio educativo, aliando criatividade e criticidade, sob vias de atingir a emancipação intelectual. Estabelecer a pesquisa como princípio educativo possibilita uma participação ativa dos alunos que passam a atuar na construção e reconstrução de conhecimentos , significativamente, aguçando a capacidade de questionamento, possibilitando o uso de diferentes fontes de informação, além do manuseio e seleção das mesmas. Mas, para isso o professor passaria a assumir-se enquanto professor pesquisador e com postura reflexiva, e nesta perspectiva, perceberia que é possível ensinar o que se ignora. Deste modo, se efetivaria uma prática educativa, sob o viés da contemporaneidade, sendo capaz de privilegiar a emancipação intelectual do sujeitos.

Referencias

AMBROSINI, Felipe Tiago (2012). Educação e emancipação humana:uma fundamentação filosófica. In  Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.47, p.378-391. Disponível em: <http://sites.unifra.br/Portals/1/Ambrosini_04.pdf>. Acesso em 24 fev. 2015.

FREIRE, Paulo. (1979). Educação e Mudança (12ª. ed.). Rio de Janeiro: Paz e Terra

FREIRE, Paulo. (1987). Pedagogia do Oprimido (17ª. ed.) Rio de Janeiro: Paz e Terra

.FREIRE, Paulo. (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa (33ª. ed.) São Paulo: Paz e Terra

Gadotti, Moacir (1998): Pedagogia da práxis, 2.ª ed., São Paulo, Cortez.

JULIA, Dominique. (2001) A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, SP, n. 1, jan./jul.

LEVY, Robert.(1983) Dicionário de Educação pedagógica.(org). Belo Horizonte: Autêntica Editora.

PINTO, Álvaro Vieira. Sete lições sobre educação de adultos. São Paulo: Cortez,1987.

RANCIÈRE, Jacques (2013). O mestre ignorante. Cinco lições sobre a emancipação intelectual (3ª. ed.). Belo Horizonte: Autêntica



[1] Licenciada em Pedagogia – Habilitação em Docência e Gestão de Processos Educativos pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB/2009); especialista em Orientação Educacional pela Faculdade de Ciências Educacionais (FACE/2010) e em Metodologia e Didática do Ensino Superior pela Faculdade de Santa Cruz (FSC/2010); mestranda em Ciências  da Educação  - Universidad del Salvador (USAL).

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