Eixo III - Documentação narrativa, escritas de si e formação

EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE: EXPERIÊNCIA DOCENTE COM O ENSINO FUNDAMENTAL I, NUMA ESCOLA SOTEROPOLITANA

[1]Roseli Chagas de Santana (Faculdade Dom Pedro II)

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[2]Monique Millet de Lima (Faculdade Dom Pedro II)

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Gerir uma sala de aula é tarefa voltada para os profissionais que realmente querem atribuir à educação o seu porto seguro de aprendizagem, prazer, satisfação e vontade de construir e buscar conhecimento novas informações. O presente texto objetiva compartilhar com o leitor reflexões sobre os trabalhos desenvolvidos no Ensino Fundamental I de uma Escola na cidade de Salvador- Bahia, intermediado por depoimentos de profissionais que atuam na área educacional por um período de no mínimo dez anos. Mais, especificamente, sobre a importância de se educar na (para) contemporaneidade.  A falta de experiência no início da docência, ou mesmo a migração da rede particular para a rede pública de ensino, são questões que serão relatadas. Por que os alunos “aprendem” na rede particular e no ensino público, alguns alunos não conseguem aprender a ler e escrever? Existe mais cobrança na rede particular do que na rede pública? Esses relatos são de alguns professores que atuam nas duas redes. Essa pesquisa coopera para que os futuros concursados, que não desejam entrar no sistema educacional, apenas, para ganhar estabilidade, mas sim, para fazer da educação uma via de mão dupla, garantindo um aprendizado mútuo, capaz de transformar sonhos em realidade. Não podemos considerar que a educação da contemporaneidade, seja a mesma educação dos nossos país, nós não somos os próprios , vivemos em constantes transformações e temos de acompanhar as modificações.

Palavras- chave: Contemporaneidade, Profissionalismo,  aprendizagem

INTRODUÇÃO

A contemporaneidade estudada por Giddens (2002) e Santos (2001) é caracterizada como um período de transição para a era da globalização, ou seja, para a troca de informação, conhecimento tecnológico e responsabilidade de cada pessoa, para entender a complexidade dos paradigmas que necessitam ser rescindidos a cada momento.

 Este artigo apresenta uma pesquisa (auto) biográfica, com relatos de experiências extraídos de entrevistas narrativas, que segundo Souza (2008) [...] é uma metodologia de trabalho que possibilita tanto ao formador, quanto aos sujeitos em processos de formação significar suas histórias de vida [...]. Consideramos todas as hipóteses que nos cabem, pois escrever sobre o processo educativo requer uma atenção especial.   É preciso voltar ao passado fazendo uma pesquisa de si e (re) descobrir informações que até então pareciam desconhecidas. As entrevistas que serão comentadas trará a tona memórias de aprendizagens que foram geradas ao longo dos anos, na vida dessas profissionais e suas experiências diárias. O diálogo de si, em consonância com o processo educativo, as noções de aprendizagem e a ressignificação da profissionalização.

A educação tem passado por transformações constantes ao longo do tempo, as experiências contidas por cada profissional ao longo dos anos, tem feito com que muitos (re) pensem sobre seu profissionalismo, como afirma Freire (2001) “a educação é uma forma de intervenção no mundo”. Na consideração de que a educação atual deva ser idêntica a de tempos passados, torna-se um erro atuar nesta profissão.  Histórias de superação e de conquistas são relatadas em conversas com professoras que têm se dedicado para fazer o melhor pela educação, e mesmo sem ter a certeza do reconhecimento, têm servido de exemplo para crianças e adolescentes em fase educacional.

O professor precisa se aperfeiçoar a cada dia, criando e recriando maneiras de aguçar seu conhecimento, que é um objeto fundamental para o seu trabalho. Não se trata de um conhecimento abstrato, ou, apenas de teoria, mas é preciso compreender e reconhecer o oficio de ser professor.  Temos de pensar que antes de ensinar algo, é necessário aprender, pois na contemporaneidade as informações são rapidamente modificadas e precisamos fazer o máximo de esforço possível para conquistar cada dia mais os nossos alunos.

A ITINERÂNCIA DE (RE) CONSTRUÇÃO DOCENTE EM TERRAS DESCONHECIDAS

A construção de uma carreira docente pode independer de uma formação prévia, por se constituir dos saberes da experiência[3] de vida, mas o que realmente importa neste momento é falar que a escolha docente deva ser algo que produza satisfação e motivação, uma vez que ser docente não é uma adivinhação, um faz de conta ou uma brincadeira.  Ser docente é assumir um papel de responsabilidade social, suscitar questionamentos e melhorias para atuação, observar e respeitar o outro e a si mesmo, compartilhar colheitas, trocar conhecimentos e alegrias intransponíveis e estar disposto a mudanças que favoreçam sua atuação profissional. “A formação de professores é, provavelmente, a área mais sensível das mudanças” (Nóvoa, 1995. p. 26), pois transcende o conhecimento da sala de aula e enuncia as experiências contidas desde a infância, refazendo os caminhos de formas diferentes e conquistando objetivos, que muitas vezes não condizem com o esperado pelos familiares dos docentes.

Uma escolha que pode gerar conflitos e desgastes, até mesmo com as pessoas que amamos, pois sabendo da doce e amarga vida de serem professor, muitos pais tentam (re) inventar os caminhos dos filhos, aconselhando-os a seguir um caminho diferente ao da docência, e isto gera conflitos internos. “Os professores encontram-se numa encruzilhada: os tempos são para refazer identidades”(NÓVOA, 1995, p.29), o que leva o docente a querer fazer o máximo possível para se realizar cotidianamente, demonstrando afeto alegria e prazer no que faz. Deste modo podemos apreciar as narrativas que seguem de uma professora que desde muito cedo, escolheu a docência, apesar de seus pais tentarem uma escolha diferente.

“Ser professora foi algo que tinha escolhido desde muito cedo, sempre gostei e admirei a profissão de professor. Morava em Aracaju, e minhas brincadeiras de infância estavam sempre associadas com a escola, minhas professoras me marcaram com muitas coisas boas. Aos 18 anos tinha terminado o magistério e fui trabalhar em uma pequena escola particular, foi um tempo bom, aprendi muita coisa de educação, as teorias e a prática que havia adquirido no meu curso de magistério, me ajudaram bastante. Passei 4 anos nessa escola, mas o meu desejo de crescer na profissão me incentivava a  aprender mais; então fui trabalhar em outra escola. O clima era diferente, as conversas, o compartilhamento das ideias e assim por diante, ouvia dos meus colegas que eu não podia mudar o mundo, mas na minha consciência sei que poderia melhorar o ambiente em que eu estava inserida, e pelo respeito ao meu trabalho sempre procurei fazer de melhor, aquilo que me fazia bem, afinal a escolha foi minha.

Em momento algum, desses 18 anos de sala de aula me arrependi das minhas escolhas. Na verdade eu passei a me interessar cada vez mais com os assuntos ligados a educação. Aos 26 anos me mudei para salvador, pois havia passado em um concurso, e estou nesta escola há algum tempo, fico observando os alunos, a maneira que eles aprendem e sei que aquela técnica que usava no início de minha profissão, precisou ser deixada na minha experiência e buscar algo novo que chame a atenção do aluno. Sei também que muitos colegas ainda não se acostumaram a pensar que o ensino e a aprendizagem devem começar pelo professor, mesmo porque ele precisa buscar o conhecimento para poder fazer. A profissão de professor é coisa seria e eu tenho consciência disso, meu desejo, meu sonho de criança foi realizado e hoje sei que preciso fazer valer o meu conhecimento, que deve ser e é uma busca constante, na construção de um saber renovador que a cada momento se constroi e reconstroi com as vivências e histórias constituídas ao longo da vida. ( C.S.2014)

 

A experiência dessa docente demostra que ela fez uma escolha de responsabilidade e preza pelo que faz, corroboramos com (NUNES, 2010. p. 80), que “ser professor é uma escolha de muita responsabilidade e exigem mudanças” essas mudanças podem ser pessoais e até mesmo locais, para realizar o que se quer, e o que se gosta é preciso abrir mão de algumas acomodações, e passar a desbravar o desconhecido retirando dessa experiência o sentido para continuar conquistando os saberes que até então eram desconhecidos.  

[...] A mudança, todos sabemos, é irreversível. Só conseguiremos restaurar - lhe a harmonia, se conseguirmos construir uma educação que aceite, a ilumine e a conduza num sentido humano. (NUNES, 2010. p. 79)

O ser humano faz diversas escolhas durante a vida e precisa fazer sua autoanalise para manter- se vivo. Parafraseando Passaggi (2011), “os professores e pesquisadores que se reconhecem ou pertencem ao grupo social envolvidos neste trabalho, precisam partilhar com o outro suas experiências”. Somos formadores de ideias e opiniões, mas as nossas experiências falam por si só ao nosso respeito, as histórias de vida que se relatam a vontade de (re) fazer e os caminhos da docência fortalece o educador que gosta do que ele escolheu para perpetrar.

REFLEXOS TRANSCENDENTES DA/NA ARTE DE EDUCAR

O processo educacional configura-se por um caminho de mão dupla, onde o prazer pela prática e a busca da teoria geram uma transformação significativa para o profissional que está inserido neste contexto. O trabalho do professor pesquisador consiste em apresentar e/ou deixar em evidencia histórias construídas ao longo do tempo. O profissionalismo nos garante um bem estar, que compartilhado pode transformar a vida de diversas pessoas que estão no campo didático pedagógico, ou mesmo aqueles que pretendem iniciar a sua carreira docente.

O desejo de anunciar as experiências adquiridas ao longo de uma carreira traduz a satisfação, em tornar-se um exemplo de força e superação, pois “nenhum saber é formador por si só.” (TARDIF, 2012. p.43) O saber separado do ser humano não causa efeito algum, mas compartilhado nas histórias de vida dos docentes podem ter um efeito de causa transformador. Este saber é visto como um saber pessoal. Deste modo Tardif (2012) se refere ao saber dos professores como:

[...] o saber deles, com a sua experiência de vida e com a sua história profissional, com as suas relações com os alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na escola, etc. Por isso, é necessário estuda-lo relacioná-lo com esses elementos constitutivos do trabalho docente. (TARDIF, 2012, p. 11).

A educação pode ser considerada um porto seguro para muitos profissionais, pois a demonstração de um sentimento de prazer com o que faz, transparece em forma de entusiasmo, é algo inexplicável, trabalhar com educação. É uma troca de informação constante e o (re) nascimento pessoal acontece a todo o momento.

Educar é o que eu sei fazer; eu gosto de trabalhar educação. Eu tenho até outro trabalho: técnico administrativo, mas o que eu gosto de fazer mesmo é a educação. É uma pena que a gente vê que a educação não é tão valorizada, nem pelos pais, nem pelos nossos governantes e aqui mesmo na escola temos que fazer um trabalho árduo de conscientização com os pais e com os alunos, para que eles percebam que com uma boa educação eles terão uma melhor qualidade de vida, principalmente para a gente que é da periferia. É isso que acho: a educação deveria ser para todos. (R.S 2014).

Concordamos com a profissional acima, no sentido de que a educação deveria cumprir o que diz na Constituição federal (CF) de 1988, “a educação é direito de todos”, mas uma educação de qualidade[4], pois, as escolas estão funcionando, entretanto o ensino nem sempre é de qualidade, uma educação de qualidade tem sido oferecida para poucos, porém é cobrada para a sociedade em geral, e muitas vezes esquecemos que todos os envolvidos no processo educacional e social fazem parte desta educação. Mesmo sabendo das mazelas deixadas no sistema educacional, a docente deseja deixar a sua profissão, existe um desejo de (re) inventar a educação de forma conscientizada para tentar superar os paradigmas deixados pelo tempo, permitindo que o sujeito construa sua realidade de aprendizagens e (re) conhecimentos.

 Quando penso em educação e faço algo voltado para a educação sinto-me bem, realizando uma coisa que busquei fazer a vida toda, desde bem jovem ainda. Eu andei fazendo outras coisas; trabalhei em instituições financeiras, mas eu sempre busquei trabalhar um pouquinho, estudar um pouquinho e essa parte de como estar ensinando, como estar desenvolvendo essa maneira de ensinar, de alguma forma de dizer, ou aquele pouquinho que eu sabia, eu gostava de transmitir para os outros quem chegava novo, alguma coisa que eu tinha aprendido, e as vezes eu tinha prazer  de ver algo que eu já fazia e aquela pessoa que estava chegando e foi treinado por mim fazendo bem melhor do que eu, eu ficava feliz e  sempre achei que poderia fazer isso dentro de uma sala de aula.

 Desenvolvendo e compartilhando o conhecimento com alguém, que eu poderia ver mais tarde fazendo-o bem, desenvolvendo bem. Então, trabalhando em banco, depois em escolas particulares e até que passei em um concurso da prefeitura. Eu me sinto realizada, eu acho que quando venho para a escola eu venho ver Deus. Eu me esforço todos os dias, eu peço muito a Ele que me oriente a fazer melhor meu trabalho, é uma coisa que me emociona. Fora da escola mesmo, todo mundo que me conhece sabe que é uma coisa que gosto de fazer. Quando eu venho, eu venho assim... radiante, no começo o pessoal achava sei lá... quem já está há algum tempo, acha bobagem, essa euforia, se é que posso dizer assim, mas em mim, até hoje ainda não acabou, claro que a gente acalma né, mas qualquer coisa que eu coloco pra vida do meu aluno, para que ele aprenda ,encontrar um jeito novo. O pouco que eu faço, eu tenho aluno que tem dificuldade, eu fico um pouco mais com ele, pois ele tem dificuldade que a mãe ainda não descobriu com o acompanhamento, e assim vão às vezes as atividades não são feitas em casa, ainda assim espero não perder essa vontade de estar buscando, eu faço curso, muitas vezes tenho que sair daqui do bairro para fazer o curso; depois voltar para casa, às vezes pode parecer incômodo pegar transporte, ir lá depois, voltar para casa, mas pra mim não é. Eu gosto de estar buscando, para ver se o aluno avança nas dificuldades que eles têm, e até as dificuldades, eu mesma tenho com algum conteúdo. Esses cursos ajudam a passar uma nova maneira de ele pegar mais rápido. Como ele pode aprender?(por exemplo, eu dei aula, utilizando um pote de sorvete falando sobre alimentação saudável, falando sobre o prazo de validade, que é algo tão importante para alimentação, para eles, motivou a aula; foram tantas coisas que eles falaram que a aula tornou-se tão agradável, então isso é uma coisa que me dá prazer). Às vezes amanheço com uma crise alérgica e minha família fala não vá não, vá para o médico, então eu falo: gente eu vou tomar meu remédio e vou, pois me dá alegria vir para a escola. Eu espero até o dia de me aposentar não perder esse desejo de vir. Se eu não puder fazer muita coisa, mas o mínimo que eu puder fazer por meus alunos, farei o melhor, o aprendizado deles é minha inspiração para continuar fazendo o que sempre amei fazer, aprender a construir com a educação uma história de vida pautada no adquirir e transmitir com alegria e esperança.(M.S, 2014).

 

LER E ESCREVER PARA ACREDITAR QUE A MELHOR PROFISSÃO É AQUELA QUE MOTIVA O SER HUMANO A (RE) INVENTAR-SE CONSTANTEMENTE

Acreditar na profissão e resgatar o desejo de continuar exercendo- a, motiva o educador a narrar suas trajetórias de forma cativante, no qual, a escrita de si mesmo, torna-se possível para prováveis modificações de algumas práticas. “Educar e ensinar é, sobretudo, permitir um contacto com a cultura, na acepção mais geral do termo. Trata-se de um processo em que a própria experiência do professor é importante”. (SACRISTÁN, 1995.p. 67). O autor, afirma que é necessário estabelecer uma experiência, mas, relatando-as, o professor coloca um referencial histórico a disposição da sociedade interessada em conquistar um papel importante na educação contemporânea, o leitor escritor necessita de um suporte experiencial para construir os pilares de uma profissão.

O trabalho com a educação armazena uma historicidade que só pode ser compreendida através do diálogo com os profissionais que têm uma percepção constante do que é educar, e compreendem que a educação faz parte do processo social, e a cada dia desenvolve um papel igualitário, que requer interesse, atenção e um difícil e prazeroso (re) invento de si mesmo. Nesta afirmativa, nos atentamos para o relato de uma professora que almeja o apoio da família para estratégia no ensino e aprendizagem, principalmente no processo de leitura e escrita.

 Dificuldades todas nós temos. Quando chega o aluno, você já descobre quando faz a avaliação diagnóstica, quem tem mais facilidade e quem não tem; quem vai ler no meio do ano ou no final do ano e quem não vai também, pois você começa a perceber o nível de dificuldade, então você já fica pensando: Que estratégia eu vou usar com ele pra avançar? Mas quando percebo que ele também não tem acompanhamento em casa, à gente começa a buscar junto a família para vencer essa dificuldade. Quando não temos o apoio, da família que acho importantíssimo, penso assim: que a gente tem que tentar dentro da sala de aula vencer essa dificuldade, claro que, uma coisa deve estar ligada a outra, em qualquer lugar do mundo a família é importantíssima em apoio ao aluno, mas a gente tenta as dificuldades maiores que eu vejo dentro da sala de aula é o próprio aluno, a atenção dele, o envolvimento dele e o meu, pois cada um tem que fazer sua parte, mas se me envolvo; empenho-me para que o aluno aprenda e ele não corresponde dentro da sala, é como eu digo: eu tenho que me virar, criar minhas estratégias para tentar prender este aluno envolvendo-o na aprendizagem, sei que na escola ele faz, mas quando vai um trabalho pra casa ele não faz, falta apoio lá, eu tenho que dar um suporte na concepção que a escola é responsável em oferecer ao aluno uma aprendizagem significativa. Sei que estou fazendo minha parte, a minha dificuldade, que vejo hoje, é essa com o apoio da família. Em toda escola que a gente passa, seja pública, seja privada, percebe-se que cada dia a distância entre o ideal e o real apoio da família, principalmente, nas classes de alfabetização. Na percepção de professora alfabetizadora procuro integrar uma qualidade na arte de educar para que haja um interesse mútuo em participar das aulas e adquirir conhecimento, muitas crianças, por exemplo, na minha turma da tarde não vem à escola porque está no período de alfabetização, então pode faltar hoje, amanhã também não vem, ele está aprendendo agora então não há aquele envolvimento, se não fez a tarefa, a mãe diz que depois faz, esse apoio e o envolvimento da família ficam bem claro pra gente que é o entrave no desenvolvimento educacional das crianças.

 

É cabível destacar a importância da família, a fala da docente configura-se num desejo para que haja mudança no sistema educacional.

No contexto complexo e diverso da contemporaneidade, falar da memoria parece ter se tornado uma forma especial de resistência ao descarte e ao elogio do presente como única forma de existir. Lembrar equivale neste contexto, a escutar a voz de um tempo, de um lugar, de um sujeito, de uma vida. (OLIVEIRA; REIS, 2013.p.72).

Se existe uma causa que afasta a família da escola, poderíamos destacar a participação da mulher em outras áreas, que antes era destinada aos homens, muitas têm deixado seus filhos aos cuidados de pessoas que não têm compromisso com a educação, ou, a credibilidade em que a educação tem adquirido para a sociedade não tem mais a importância que os educadores desejam. Muitas são as comparações entre os estudantes da rede privada e da rede pública, o processo de leitura e escrita é questionado a todo momento, mas quando o educador reconhece sua importância na construção da identidade docente, ele (re) pensa suas atitudes, e busca a inserção da família no contexto escolar para que o trabalho seja elevado em qualidade.

A maior dificuldade que eu tenho enfrentado é a família, pois você não vê a participação da família de maneira total, buscando uma educação igualitária. Por exemplo, você manda a atividade de casa e os familiares não se importam com as crianças, as mesmas não vêm para a escola, então a barreira está nesta questão da família está acompanhando essa criança no seu dia a dia, não somente a escola tem que estar cumprindo o seu papel, mas sim, a família tem que estar junto fazendo o seu trabalho. A instituição começa o trabalho e a sequência deve continuar em casa. Quando você vê uma criança que tem um acompanhamento familiar, você percebe o desempenho dela, e quando você pega outra criança sem acompanhamento nenhum da família é nitidamente visto que a criança fica estagnada. Quando a família é chamada e atende aos pedidos dos professores começa a perceber a diferença, o desenvolvimento passa a acontecer na sala de aula. Acho que a principal dificuldade se encontra nesta relação com a família e a escola. (M.D, 2014).

O desejo de obter uma relação de interesse mútuo entre a escola e a família se manifesta na narrativa da profissional. A interação entre esses atores precisam acontecer para que se obtenha um resultado positivo no ambiente que consiste o ato de educar.  Zabala (1998) afirma que: “educar quer dizer formar cidadãos, que não estão parcelados em compartimentos estanques, em capacidades isoladas”. Portanto, a educação deve ser compartilhada entre escola e família, para que o discente se sinta parte integrante da sociedade e atue como um cidadão da/na sociedade.

CONSTRUÇÃO DO PROFISSIONALISMO

A formação profissional é constituída ao longo da vida. A teoria é aprendida nas salas de aula e nos livros, para que isso aconteça basta o docente fazer essa busca, que carece ser constante, mas a prática é fruto da experiência vivida ao longo da vida. A construção profissional não pode ser definida como coincidências do destino, e sim como uma conquista que tem um viés voltado para a aprendizagem social e humana.

O professor novato sente-se desarmado ao constatar que a prática real do ensino não corresponde aos esquemas ideais em que obteve na formação; sobretudo, tendo em conta que os professores mais experientes, valendo-se da sua antiguidade, os irão obsequiar com os piores grupos, os piores horários, os piores alunos e as piores condições de trabalho. (ESTEVE, 1995.p. 109).

A insegurança que existe nos primeiros anos da carreira é um aspecto  significativo, o medo[5] que é constituído pelo novo caminho a seguir, faz com que o sujeito enfrente os obstáculos  e passe a  buscar mais informações , neste sentido, o conhecimento adquirido inicialmente se configura em uma busca constante entre o aperfeiçoamento profissional. A oportunidade constituída através do vínculo empregatício é um ponto de partida para a construção docente, o momento ideal para a práxis.

 Tive medo de assumir a sala de aula, até porque eu passei logo no concurso público e as informações que a gente tinha na faculdade era que a educação pública estava atribulada por causa da violência da, agressividade, mas a gente sabendo lidar com a clientela, o medo passa rapidinho quando agente gosta do que faz. (M.D, 2014).

 

A capacidade profissional está aquém das teorias, às experiências que se adquire com o saber do conhecimento, gera além da satisfação pessoal um desejo de superação e encontro com um, “eu” que antes era desconhecido. O profissional que se capacita em conhecimento, proporciona aos seus condescendentes um respeito pelo que faz e acredita que o medo inicial é transponível para a vontade de acertar, conquistar os objetivos almejados ao longo do seu processo de formação, pois a escolha pela profissão de professor não deve ser configurada em apenas ensinar, o processo docente é também um ato discente.

SALA DE AULA E APRENDIZADO

Um ambiente que é voltado para o aprendizado consiste em escolha e renúncias. O educador precisa estar em constante formação, ele muitas vezes atua em mais de um setor na área educacional, o desejo em fazer o trabalho, versa em dar significado melhor a sua escolha profissional. As aprendizagens alicerçadas são repassadas de forma mais segura e garante a este profissional o desejo de estar em uma busca constante.

Não é fácil a gestão da sala de aula, principalmente quando você procura educar o sujeito.  Educar de uma forma mais ampla e não apenas transmissão de conteúdos. Uma coisa é você educar e outra coisa é ensinar conteúdos, você se preocupa que esse sujeito opine, questione, tenha ideias, e, ao mesmo tempo, a gente precisa cumprir um cronograma exigido burocraticamente pela instituição de ensino que é os conteúdos. Enquanto que na sala de aula vão acontecendo inúmeros fatos que exige um autocontrole do educador. (R M.2014)

A mudança no processo pedagógico pode gerar conflitos internos para o educador, mas diante da globalização a exigência aumenta, e cada profissional precisa construir uma carreira sólida, esses conflitos “são meios para transformação da natureza humana” no conceito profissional.

Não é fácil, pois há vários fatores dentro de uma sala de aula. Temos crianças, e várias situações que você tem que saber como lidar, não é fácil, mas quando você faz o que gosta você corre atrás, você vai encontrar um meio de conseguir gerir a sala de aula. Se eu falar que é fácil estar em uma sala de aula eu estaria sendo omissa, pois existem várias barreiras, às vezes o professor até tem vontade, mas falta recurso, falta à disposição da família para trabalhar com o professor e faltam muitas outras coisas que facilitaria o nosso trabalho, pois as crianças têm o seu mundo; cada uma tem suas dificuldades e nós temos que trabalhar em cima daquilo. (M.D 2014).

A prática educativa coerente gera um movimento de superação e construção da informação constante. Facilidade é uma palavra que praticamente inexiste no processo de conhecimento de si e dos demais componentes. É Importante educar para a contemporaneidade onde, as informações são rapidamente transformadas. O homem moderno depende das tecnologias para interligar-se com o mundo. Na escola, não pode der diferente e os professores têm um papel importante, pois eles podem desnudar possibilidades no seu campo de atuação.

 

Resgatar oportunidade, porque a mídia, hoje em dia passa as informações de maneira tão rápida. Na velocidade das tecnologias, a escola não tem só que passar conteúdos, ela precisa adequar e oportunizar o desenvolvimento. (V.D, 2014).

 

Refletir sobre a caminhada diária que estabelecemos entre a formação inicial e a continua construção do saber, nos possibilita consultar nossas memorias e trilhar o caminho da docência de maneira positiva ou negativa, pois a nossa práxis é observada continuamente pelos nossos educandos, cabe ao educador fazer a escolha do papel que ele deseja desempenhar diante da sociedade. “A pratica educativa em que inexista a relação coerente entre o que a educadora diz e o que ela faz é enquanto prática educativa, um desastre” (FREIRE, 2012.p.148). Reafirmando as palavras do autor, é preciso investir no conhecimento para descortinar a sabedoria adquirida com a profissão envolvendo novos atores para (re) afirmar a importância de ser um educador.

Estudar mais, observar mais, avaliar e reavaliar as práticas docentes, e o mais importante: trazer o aluno para a escola como parte integrante do meio, e, aproveitar o desenvolvimento das tecnologias para fazer com que este aluno se aproxime mais da escola. O bom professor tem que estar sempre estudando e pesquisando para que a sua sala seja um laboratório de ideias. (V .D,2014).

Experiências marcam a vida profissional e intelectual das pessoas. Voltar ao tempo dialogando com experiências, permite que o protagonista da ação docente se (re) conheça como construtor de um saber e um propulsor das conquistas adquiridas para a melhoria do ser educador.

Duas situações diferentes que marcaram minha vida, pois são duas formas de agir e pensar que às vezes me deixa confusa: que é ser coordenadora e ao mesmo tempo formadora de coordenadora. Eu formo coordenadores em outra instituição de ensino é outro trabalho, e ao mesmo tempo eu estou coordenadora, e eu digo para eles que têm que caber a me também, eu não posso ter um discurso lá, e na minha prática como coordenadora ser completamente diferente do que eu digo, acho que são duas coisas que marcam também, pois as pessoas que estão lá querem ter uma formação continuada, sabem que precisam desse processo de todo mês parar e estudar, enquanto você é coordenador você vivencia e tem que convencer o outro que é preciso. São dois tipos de públicos que atendo; um que está lá por livre e espontânea vontade, porque acredita que precisa disso, e outro que faz o curso para se manter no cargo. Quando eu me coloco no mesmo lugar que eles, que é de coordenadora e tenho que convencer esse outro, termino tendo os mesmos conflitos que eles têm, com as queixas que eles me trazem, que é difícil, não é tão fácil fazer a formação com os professores, planejar, eu também vivencio, dois lugares, e as vezes é um conflito ser profissional lá, e ao mesmo tempo ser eu mesma aqui nesta instituição(.R.M 2014).

O que nos permite observar no depoimento de R.M é o desejo de continuar a trilhar o caminho da docência. As narrativas nos permite compreender a responsabilidade de cada cidadão que escolhe a docência como o seu porto seguro, fazendo deste porto um espaço para o ancoramento de sonhos não vividos, de desejos (re) construídos e de caminhos trilhados ao longo da vida. Ancorar não significa esquecer, mas repousar um momento energizar-se com ações que constituem o aprimoramento pessoal, e seguir em frente nas conquistas futuras.  

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conhecer a história da vida profissional de alguns docentes permite que o trabalho com narrativas se perpetue, pois este tem proporcionado experiências incríveis, educar na/para contemporaneidade, nos leva a contextualizar a historicidade presente nas diversas áreas do conhecimento que é desenvolvida pelos professores do ensino fundamental de uma instituição soteropolitana. Este contato proporcionou um conhecimento e uma relação de respeito por todos aqueles que exercem a profissão de professor. A construção do conhecimento se dá ao longo da vida e cabe a nós, pesquisadores narrar as mais variadas histórias que os nossos profissionais guardam em suas memórias, esperando que alguém se encoraje, pesquise e escreva os seus depoimentos e suas experiências guardadas ao longo do tempo. Essas construções merecem ser exploradas e relatadas trazendo um enriquecimento na construção dos diversos saberes docentes.

REFERÊNCIAS

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ESTEVE, José M. Mudanças Sociais e Função Docente: NÓVOA, António (Org.). Profissão professor. Porto: Porto Editora, 1995.

FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo, Olho D´Água, 1997.

_______ Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 19 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001.

GADOTTI, Moacir. Qualidade na educação: uma nova abordagem. Disponível em:< http://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf>. Acesso em: 28 mar.2014.

GIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. Trad. Raul Fiker. 6 ed. São Paulo: UNESP, 1991.

GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Trad. Plinio Dentzia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar 2002.

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PASSEGGI, Maria da Conceição. A experiência em formação. In: Revista Educação, Porto Alegre, v.34, n.2p. 147-156, maio/agosto, 2011.

PERRENOUD, Philippe. Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza. Porto Alegre, Artmed editora, 2001.

SACRISTÁN, G. Consciência e ação sobre a prática como libertação profissional dos professores, In: NÓVOA, António (Org.). Profissão professor. Porto: Porto Editora, 1995.

OLIVEIRA, Samara Santos de. REIS, Sara Menezes. Tempos de Narrar... Tempos de rememorar: histórias de vida, de formação e de leitura de professoras baianas²³, In: SOUZA, Elizeu Clementino de etial , (Org) Trajetórias de formação e profissionalização. Curitiba PR editora CVR, 2013

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 12. Ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

ZABALA, Antoni. A Prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: ArtMed, Ed. 1998.

 


[1] - Pedagoga. Professora das Séries Iniciais do Ensino Fundamental da rede particular de Salvador.

[2]- Pedagoga. Professora das Séries Iniciais do Ensino Fundamental, atualmente atua na Coordenação Pedagógica da rede particular de Salvador.

[3] Tardif chama de saberes experienciais o conjunto de saberes atualizados, adquiridos e necessário no âmbito da pratica da profissão docente e que não provem das instituições de formação nem dos currículos.

[4] Para Moacir Gadotti qualidade significa melhorar a vida das pessoas, de todas as pessoas. Na educação a qualidade está ligada diretamente ao bem viver de todas as nossas comunidades, a partir da comunidade escolar. A qualidade na educação não pode ser boa se a qualidade do professor, do aluno, da comunidade é ruim.

[5]  Segundo o dicionário Luft, sentimento de viva inquietação ante noção de perigo real ou imaginário.