Educação do Olhar: o olhar do visitante e a leitura da obra de arte. Relato de uma experiência no Museu Nacional de Belas Artes

Através dos milênios, sob diferentes contextos sociais, geográficos, históricos, culturais ou econômicos o ser humano buscou retratar o que via a sua volta, o que desejava ver, ou ainda o que desejava que a posterioridade conhecesse suas respectivas épocas. Quanto a essa última pontuação, devemos observar cuidadosamente que as representações culturais sob diversos suportes ganham então, um valor historiográfico que deve ser interpretado com zelo e sempre se guardando as ressalvas necessárias para uma melhor compreensão da arte pela história ou vice-versa. Como nos diz José Carlos Durand:

O exame das relações entre cultura e poder precisa forçosamente contornar ou rejeitar alguns lugares comuns bem enraizados. É o caso do qualificativo de “social” à arte elaborada na intenção de denunciara miséria material e/ou exaltar o trabalhador, como se o “social” estivesse no assunto tratado e não na própria atividade estética (DURAND: 1989, p.XVIII)

Desta forma, podemos perceber o quanto sensível demanda ser a interpretação de obras artísticas de quaisquer suportes, além de provir do âmago da sensibilidade humana no seu estado mais introspectivo, ela abrange direta ou indiretamente a paisagem, as relações humanas e o produto abstrato das mesmas, sendo o resultado de uma equação inexata envolvendo esses fatores.

O conceito de arte é incerto em quaisquer direções que desejemos tomar para elucida-lo, para Ernst Hans Josef Gombrich se quer esse conceito existe, como vemos no seu livro “A História da Arte” (GOMBRICH: 1979, p.4) “Uma coisa que realmente não existe é aquilo a que se dá o nome de Arte. Existem somente artistas. ”, contudo, se seguirmos esse conceito a finco veremos que o mesmo impossibilita separar a arte do que é comumente aceito como banal (não desconsiderando a contribuição social, psicológica de ambos para o ser humano), entretanto desta forma, corremos o sério risco de equiparar, por exemplo “As Quatro Estações” de Vivaldi (1678-1741) com um simples estalar de dedos.

Para Jorge Coli, é inexato qualquer parâmetro adotado para classificar a arte diferente do que é banal, como ele nos diz em seu livro “O que é arte”:

Dizer o que seja a arte é coisa difícil. Um sem-número de tratados de estética debruçou-se sobre o problema, procurando situá-lo, procurando definir o conceito. Mas, se buscamos uma resposta clara e definitiva, decepcionamo-nos: elas são divergentes, contraditórias, além de frequentemente se pretenderem exclusivas, propondo-se como solução única. (COLI: 1995, p.7)

É inegável a associação quase espontânea de arte com técnica (além dos outros aspectos elencados a cima) bem como um estado de apreciação universal, criando uma aura de caráter intuitivo no que se refere ao conceito de arte, que Coli assim segue dizendo:

[...], entretanto, se pedirmos a qualquer pessoa que possua um mínimo contato com a cultura para nos citar alguns exemplos de obras de arte ou de artistas, ficaremos certamente satisfeitos. Todos sabemos que a Mona Lisa, que a Nona Sinfonia de Beethoven, que a Divina Comédia, que Guernica de Picasso ou o Davi de Michelangelo são, indiscutivelmente, obras de arte. Assim, mesmo sem possuirmos uma definição clara e lógica do conceito, somos capazes de identificar algumas produções da cultura em que vivemos como sendo "arte". (COLI: 1995, p.7)

Como Coli nos cita, a arte residiria dentro da própria essência humana inconscientemente, natural em todos nós como bem dilucidaria a expressão latina “homo sum humani a me nihil alienum puto” (eu sou um ser humano então nada humano é estranho para mim), inefável, mas palpável ao mesmo tempo -paradoxalmente flutuando entre o tudo e o nada- entre sentimento e razão a arte pode ser compreendida como natural do ser humano.

Todavia, além de um olhar em primeira pessoa da obra de arte, isto é, por quem a produziu também é necessário levar compreender o olhar a partir da terceira pessoa, o observador, a forma como o mesmo lê, interpreta, decodifica e não menos importante, sente-se ao observar a obra de arte.

O contexto do observador da obra é em si artístico, envolve igualmente a equação inexata de conjecturas sociais, históricas, geográficas, entre outras, partindo deste princípio podemos perceber que o estado de apreciação universal pode parecer questionável, dependendo do caminho que comecemos a trilhar.

Não vale aqui entrar em uma discussão profunda acerca do conceito de “belo” ou “beleza” (que por ventura poderia seguir uma direção filosófica do tema, a qual não é o foco deste texto), mas podemos compreendê-lo por esta definição (KOOGAN; HOUAISS: 1994, p.115): “Que tem forma ou aparência agradável, perfeita, harmoniosa [...] O que faz despertar sentimentos de admiração, de prazer. ” e perceberemos que a beleza da obra é o que faz ela ser passível de admiração (e consequentemente origem de um prazer visual e/ou psicológico), entretanto este conceito como o próprio conceito de arte discutido até essa parte deste artigo é sempre inexato.

Então aqui podemos dar luz ao fato de que a observação da obra de arte não se centra tão somente no prazer estético, visual ou psicológico proporcionado pela mesma. O conjunto de fatores do artista (autor) para com sua obra, do observador com suas vivências e do próprio espaço no qual eles se encontram exercem a função de importantes instrumentos para a compreensão dos aspectos interdisciplinares entre elas, isto é, esta cadeia de elementos físicos e abstratos em torno da obra de arte é uma forma de justificar a si mesma e ao mundo.

A obra de arte adquire então um caráter de reprodução. Reprodução do seu contexto próprio, como Walter Benjamin nos diz:

Em sua essência, a obra de arte sempre foi reprodutível. O que os homens faziam sempre podia ser imitado por outros homens. Essa imitação era praticada por discípulos, em seus exercícios, pelos mestres, para a difusão das obras, e finalmente por terceiros, meramente interessados no lucro. Em contraste a reprodução técnica da obra de arte representa um processo novo, que vem se desenvolvendo na história intermitentemente, através de saltos separados por longos intervalos, mas com intensidade crescente. O princípio da obra de arte sempre foi suscetível de reprodução. (BENJAMIN: 1996, p.165)

Desta forma, o caráter reprodutível da obra de arte lhe confere igualmente um caráter de ensino, aprendizado, que por sua vez demanda uma abordagem específica, mas ao mesmo tempo estilisticamente livre para correlacionar contextos (literários, históricos, geográficos, filosóficos, sociológicos entre outros) e explorar a interdisciplinaridade das obras, afim de uma mais completa absolvição de tudo que os universos artísticos nos proporcionam.

O espaço que permite a interação de olhares diversos para as obras de arte se tornou o que conhecemos hoje como museu, palavra essa que provém do grego “mouseion” e significa “templo das musas” em uma referência às musas mitologia grega 3. O Museu do Louvre em Paris, foi um dos primeiros do mundo, sendo fundado em 1793 e no Brasil podemos destacar: Museu Real (fundado em 1818, atualmente Museu Nacional,), Museu do Exército (1864) e o Museu Nacional de Belas Artes (fundado anteriormente como Academia Imperial de Belas Artes em 18164 ganharia o título de museu em 1937 e espaço da experiência que será citada aqui).

O museu tornar-se-ia então um local de memória, que para Ecléa Bosi (1979, p.89) significa: “Hoje, a função da memória é o conhecimento do passado que se organiza. Ordena o tempo, localiza cronologicamente. Na aurora da civilização grega, ela era vidência e êxtase. ”, ou seja, a memória a qual o museu era fiel deveria ser instrumento de ordem cronológica e do conhecimento de uma forma geral.

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3 Seres mitológicos cuja crença era de que tinham poder inspirar os mortais, filhas de Zeus e Mnemósine. Eram elas: Calíope (da eloquência), Clio (história), Érato (poesia), Euterpe (verso erótico), Melpomene (tragédia), Polímnia (hinos sagrados), Terpsícore (dança), Tália (comédia) e Urania (astronomia).

4 A instituição foi fundada com a intenção de ser centro difusor do ensino acadêmico das artes plásticas junto com a Missão Francesa solicitada por D. João VI ao Conde de Marialva nesse mesmo ano, mas um decreto em 12 de outubro de 1820 a transformaria em Academia de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil, no entanto a instituição só viria a abrir de fato as portas em 5 de novembro de 1826 (Com o Brasil já independente de Portugal) e a funcionar de fato como Museu Nacional de Belas Artes sob o governo de Getúlio Vargas em 1937.

Acondicionando a arte e consequentemente a história, o museu torna-se naturalmente uma instituição de interesse público, cuja função é um reflexo exato da própria etimologia da palavra, inspirar, motivar, promover a busca pelos saberes e sua diversidade de aplicações práticas, não tomando para si o papel de principal disseminador do conhecimento, pois esse papel sempre será desempenhado pela escola de um modo geral (enquanto instituição social), mas como ferramenta complementar da mesma.

A dualidade não paralela, muito pelo contrário, parceira, integrada e homogênea de escola e museu é a chave para vincular conhecimentos outrora distantes, arte, história, literatura, filosofia, sociologia, geografia nascem juntos, mas por uma série de padronizações passadas do ensino foram mantidas separadas. Essa separação por sua vez prejudica a construção de um olhar panorâmico sob o passado (compreendido aqui como a memória das sociedades) que analise diferentes fontes de conhecimento para um entendimento amplo de conjecturas antigas que por sua vez são a base da construção de uma perspectiva fundamentada sobre a atual, que Jacques Le Goff na sua obra “História e memória” nos definiria como:

Hoje, a aplicação à história dos dados da filosofia, da ciência, da experiência individual e coletiva tende a introduzir, junto destes quadros mensuráveis do tempo histórico, a noção de duração, de tempo vivido, de tempos múltiplos e relativos, de tempos subjetivos ou simbólicos. O tempo histórico encontra, num nível muito sofisticado, o velho tempo da memória, que atravessa a história e a alimenta. (LE GOFF: 1990, p.9)

Tal perspectiva, para firmar-se e mostrar-se eficaz, deve reescrever os conceitos sobre si mesma, não os negando, mas mantendo distância do que fora para projetar aquilo que de fato pretende ser, como o olhar da história para o passado (memória) que Le Goff define como:

[...] Esta dependência da história do passado em relação ao presente deve levar [...] a tomar certas precauções. Ela é inevitável e legitima, na medida em que o passado não deixa de viver e de se tomar presente. Esta longa duração do passado não deve, no entanto, impedir [...] de se distanciar do passado, uma distância reverente, necessária para o respeitar e evitar o anacronismo. Penso que a história é bem a ciência do passado, com a condição de saber que este passado se torna objeto da história, por uma reconstrução incessantemente reposta em causa. (LE GOFF: 1990, p.20)

E então a partir do que nos fala Le Goff podemos perceber que a abordagem das obras de arte como objetos de memória de contextos diversos demanda um olhar diferenciado daquele dado a mesma outrora, entretanto, o mesmo necessita um olhar sobre tal olhar.

Baseado nesse estudo de memória e arte sob duas perspectivas, a primeira com uma abrangência mais ampla e descrita até aqui, a segunda a partir de um estudo de caráter interdisciplinar sobre cada obra que aqui será explanada e crendo também naquilo que Umberto Eco cita em seu livro “A definição de arte”:

Estuda a sua matéria com amor, perscruta-a até o fundo, observa o seu comportamento e as suas reações; interroga-a para poder dirigi-la, interpreta-a para poder vencer, aprofunda-a para que ela revele possibilidades novas e inéditas; segue-a para que os seus movimentos naturais possam coincidir com as exigências da obra a realizar. (ECO: 1972, p.201)

 

 Foi desenvolvida então, desde 2011 até o presente ano de 2015 uma iniciativa de caráter pessoal que buscou, acima de tudo contribuir para formação pedagógica do público atendido que variou (nesse período que o trabalho relata) de estudantes da rede municipal, estadual e federal de ensino nas visitas monitoras ao Museu Nacional de Belas Artes.

A ação de olhar é a direção que a mente acentua para uma intenção, um significado. Desta forma é compreendido que olhar é uma obrigatoriedade que só preenche a si mesma através da admiração que abrange do essencial ao abstrato. Então ao compasso que o olho se firma em um objeto, poderá ele revelar as suas diversas interpretações.

Quando é emprestada a ação de olhar a atenção isso acarreta uma entrega profunda que desencadeia o processo de percepção. A contemporaneidade fez de nós seres visuais, as informações cada vez mais provém de recursos visuais e é necessário então saber olhar para perceber o essencial.

Partindo desse pressuposto, objetivando exemplificar a metodologia adotada nesta iniciativa pessoal no MNBA, aqui cabe a análise de cinco obras icônicas constantes na coleção, que são: Vista de um mato virgem que está se reduzindo a carvão (1843), Primeira Missa no Brasil (1860), Alegoria do Império Brasileiro (1872), Batalha do Avahy (1872-77) e Redenção de Cã (1895).

Vista de um mato virgem que se está reduzindo a carvão é uma obra de 1843, executada por Felix Emile Taunay cujo pai era Nicolas Antoine Taunay (1755-1830), pintor francês que veio ao Brasil em 1816 quando D. João VI (1767-1826), que havia fugido para o Brasil por ter quebrado o Bloqueio Continental5 de Napoleão Bonaparte, (1769-1821) e busca transformar o Brasil e principalmente o Rio de Janeiro em lugares adequados para receber e comportar a corte portuguesa, nesse sentido além de feitos urbanísticos ele convocou a Missão Artística Francesa em 1816 na qual o pai de Felix Emile veio.

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5 Napoleão ao instituir o Bloqueio Continental em 21 de novembro de 1806 buscava isolar a Inglaterra economicamente do resto da Europa e assim consequentemente conseguir vencê-la e anexá-la ao Império Francês que desde 1804 contava com o general franco como imperador.

Felix Emile Taunay pinta a sua obra em uma época (caminhando para a segunda metade do século XIX) na qual o Brasil passava por mudanças políticas e econômicas importantes: recentemente o país havia coroado D. Pedro II (1825-1891) mesmo menor de idade como imperador para amenizar as revoltas que ocorriam por todo o império pelo descontentamento com as políticas adotadas pela Regência6; a economia de um modo geral desenvolvia-se gradualmente e crescia a pressão inglesa para que o império diminuísse o comércio de cativos já que a mesma havia abolido a escravidão em 1834.

A obra conta com dois planos, um do lado esquerdo exaurido, desmatado e com pilhas de toras de madeira sugerindo uma atividade intensa em busca do comércio de madeira, no qual ainda se vê uma chaminé indicando queimadas e homens trabalhando.  No segundo, consideravelmente menor e localizado no lado direito da tela podemos perceber uma natureza ainda intocada, sublime, onde as árvores são cheias de vida e há ainda uma fonte d’água límpida sendo observado por duas pessoas. As pinceladas buscam valorizar o ideal idílio do neoclassicismo, podendo ser considerada uma das últimas obras de expressão dessa tendência artística no Brasil, ela evoca a beleza da natureza em contraponto com o desenvolvimento econômico.

Desta forma, facilmente podemos associá-la aos dias de hoje, quando mesmo que com técnicas diferentes ainda vemos quase a onipresença do desmatamento irregular em muitas regiões do nosso país, principalmente no sul do Pará. Assim podemos comparar as visões que temos sobre certos dilemas, como por exemplo a preservação da natureza (para a própria sobrevivência humana) contra o desenvolvimento econômico (e a melhoria da qualidade de vida da população) e podemos comparar a visão do homem neoclássico com a do homem atual no Brasil sobre esse tema.

Contudo, na Primeira Missa no Brasil, um quadro pintado por Victor Meirelles, em 1860 em Paris, exibido no Brasil no ano seguinte vemos uma representação icônica do evento que ocorrera em abril de 1500 no qual o artista para executar a cena com exatidão (objetivando a utilização de sua obra como

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6 Período compreendido de 1831 até 1840 no qual o Brasil, sem D. Pedro I (1798-1834) que havia regressado à Europa em 1831 para disputar o trono português foi governado por regentes em três diferentes períodos Regência Trina Provisória, Regência Trina Permanente e Regência Una de Feijó.

documento histórico e simbólico do Brasil) consultou a carta de Pero Vaz de Caminha (1450-1500) enviou ao rei D. Manuel I (1469- 1521) registrando a chegada ao Brasil, o choque com os índios, a natureza do local e o evento da primeira missa em solo brasileiro.

A obra representa a realização da cerimônia religiosa em solo brasileiro com os nativos como meros espectadores do evento, aceitando a consagração da religião cristã (católica) naquela terra como uma simbiose. Tal aceitação se dá até mesmo pelo círculo que vemos no plano central da obra, no qual no seu núcleo está a cruz. Vemos ainda coqueiros indicando que a cena de fato se passa em solo americano e uma criança no canto inferior direito da obra que olha diretamente para o espectador, o que em História da Arte compreende-se como figura convite, ou seja, uma figura que convida o espectador a participar da cena.

Os traços e as cores são essencialmente pertencentes ao Romantismo, que a partir da coroação de D. Pedro II seria muitíssimo incentivando visando a construção de uma identidade nacional através da construção de uma memória coletiva e para isso muito se utilizaria da figura do índio sob uma perspectiva europeizada (baseada no mito do bom selvagem de Rousseau).

Trazendo uma perspectiva de comparação histórica, podemos através dessa obra de Victor Meirelles nos questionar sobre o que é identidade nacional; o que faz do Brasil uma nação (haja nota a proporção gigantesca do nosso país); o que é memória coletiva; qual visão do indígena temos hoje, o quão temos uma visão de sobrepujança religiosa entre outros questionamentos.

Em Alegoria do Império Brasileiro, uma escultura em terracota modelada de Francisco Manuel Chaves Pinheiro, encomendada pelo imperador D. Pedro II, executada em 1872, é necessário um entendimento sobre o título da mesma. “Alegoria” provém do grego “allos” (outra) e “agourien” (falar) sendo compreendida literalmente como outra forma de falar.

Para a literatura a alegoria é uma figura de linguagem que é produto da soma de metáforas, ainda se assemelhando muito com o mesmo, mas com esta ressalva.

Nas artes plásticas o conceito que se aceita para alegoria é a falta de necessidade da compressão de conceitos, mantendo a originalidade de cada unidade da imagem, porém a qual em um significado mais amplo, na verdade faz-se significar uma outra ou nova interpretação. 

Na escultura de Chaves Pinheiro vemos um índio com um porte de modelo grego empunhando três elementos marcantes da indumentária monárquica da época: o cetro dourado cujo topo ficava a serpe alada símbolo dos Bragança (uma das famílias reais a qual pertencia D. Pedro II, sendo a outra a dos Bourbon); o escudo com o brasão de armas do Brasil na época no qual via-se ramos de café e fumo (representando a principal atividade econômica da época) e a coroa sob a cruz cristã cujo significado era de que apenas Deus está acima do imperador e ainda uma representação menos suntuosa do manto imperial, junto com esses adereços o índio –em uma pose solene e sem movimento- traja um adorno de penas na cabeça e uma tanga de mesmo material, sendo estes os únicos elementos que o caracterizam como tal.

A intenção de D. Pedro II com essa encomenda a Chaves Pinheiro era clara, passar a imagem de um Brasil que possuía um autêntico representante (o índio, ainda que sob influências da estatuária clássica) e que o mesmo exibia força e vigor tal qual a monarquia, ainda sua pose solene significa a seriedade e pujança do império.

Dialogando com a obra de Francisco Manuel Chaves Pinheiro com a atualidade, podemos elencar alguns temas os quais a escultura pode suscitar em um debate: o uso de obras de arte para propaganda governamental; as funções da própria propaganda governamental; a visão do índio no século XIX e hoje, entre outros.

Em Batalha do Avahy, vemos uma obra de Pedro Américo e cuja  execução durou cinco anos (1872 – 1877),  no óleo sobre tela tem-se  a representação de um dos mais simbólicos e importantes conflitos ocorridos durante a Guerra do Paraguai (1864-1870), a 11 de dezembro de 1868, em território guarani, no qual Luís Alves de Lima e Silva, marquês e futuro duque de Caxias (1803-1880), conquistou uma importante vitória para o embate que o Brasil tinha naquele momento junto com Argentina e Uruguai, contra o avanço do ditador paraguaio Solano López (1827-1870). Nessa batalha, mais de 18 mil brasileiros lutariam contra 5 mil paraguaios, que seriam dizimados quase completamente naquele dia.

A obra conta com cores vivas nos uniformes dos soldados de ambos os lados e com um retrato do então marquês de Caxias no lado esquerdo da obra montando em um cavalo branco e comandando as suas tropas e também um autorretrato de Pedro Américo bem ao centro da obra cujo o artista olha o espectador, ou seja, é novamente uma figura convite, no horizonte há uma densa fumaça ocasionada pelo uso dos canhões brasileiros e guaranis.

Batalha do Avahy é a última das obras analisadas aqui que ainda pertence ao período do Romantismo brasileiro, mesmo não enaltecendo a figura indígena é uma outra forma do Império promover o Brasil como nação, acima de tudo forte e vitoriosa, é uma execução de alto caráter nacionalista que evoca o patriotismo.

Através do óleo sobre tela de Pedro Américo podemos dialogar com o contexto o qual ele pintou a sua obra com a atualidade através de questionamentos sobre: a importância histórica da guerra para o Estado Nação; a identidade nacional e ainda é um convite a um estudo mais profundo sobre o próprio contexto da Guerra do Paraguai e as consequências desse violento embate que o país derrotado carrega até hoje.

Já em Redenção de Cã , pintura do espanhol Modesto Brocos y Gómez (1852-1936) (um pintor espanhol que viveu grande parte da sua vida no Brasil), vemos neste óleo sobre tela o que possivelmente é uma varanda ou o quintal de um casebre no final do século XIX no Brasil (a indicação de que a cena se passa em solo americano se dá pela folhagem de coqueiro no canto esquerdo da tela) onde uma família passa o tempo.

Esta família é composta pelo pai, branco que olha a sua esposa cuidar do filho ao seu lado, eles têm os pés calçados (indicador na época de liberdade), o mesmo não se consegue perceber em sua sogra.

A senhora negra que provavelmente é avó da criança, que a mãe tem no colo, possivelmente agradece a Deus o fato do neto ter nascido branco e, por conseguinte isso lhe acarretar menos problemas com a sociedade da época. A mãe que é mestiça talvez aponte para a criança ensinando quem é a sua avó. A obra não mais pertence ao Romantismo e tem forte influência da escola Realista que começava a se expandir na época.

O título da obra se refere a história/estória bíblica (Genesis 9:21-25) de Cam, filho de Noé e pai de Canaã que foi amaldiçoado pelo pai por tê-lo visto nu enquanto estava bêbado, o que fora visto como uma ação pecaminosa. E então toda a geração de Cam (que constituiria o povo africano) carregou tal maldição. Redenção de Cã pode ser interpretado entre outras formas como: o nascer do bebê branco é a redenção da maldição de Cam ou ainda a redenção se dá pela constituição da família representada na obra.

A obra abre espaço para um extenso diálogo com a atualidade, considerando as observações feitas anteriormente podemos elencar  que os principais questionamentos são: a imigração europeia fomentada pelo governo no final do século XIX com o objetivo de deixar a população mais branca; o porquê da necessidade de uma população mais branca naquela época; a visão do negro no século XIX em relação a sua própria cor e a visão do mesmo hoje; o significado de estar calçado e a escravatura; o resultado da miscigenação do Brasil hoje e ainda a estrutura da família naquela época e a que temos nos dias atuais.

Enfim, este artigo buscou explanar sobre a base teórica e exemplificar uma metodologia adotada pessoalmente em visitas guiadas no Museu Nacional de Belas Artes, que, objetiva correlacionar conteúdos de diversas áreas do saber que podem ser explorados em inúmeras obras de arte, para que com isso o MNBA, enquanto instituição pública e lugar de memória nacional possa contribuir, em parceria com a escola ou universidade para o aprimoramento de uma visão dinâmica sobre as variadas áreas do conhecimento e suas confluências que originam uma educação do olhar cujo produto é a percepção de que o mundo contemporâneo exige mais do que nunca a interdisciplinaridade dos saberes para uma projeção do futuro.

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