Educação de qualidade: um desafio para Moçambique

 

Fernando Osias Queco

Docente na Universidade Pedagógica – Delegação de Quelimane

Licenciado em Ensino de Educação Fisica e Desporto 

Mestrando em Desenho de Sistemas de Educação – Universidade Pedagógica

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1. Introdução

Educação e qualidade, uma questão que a prior pressupõe dois conceitos fundamentais (educação e qualidade) separados porém, acasalados com vista a construção e desenvolvimento de um processo tão importante e imprescindível para toda e qualquer sociedade (a educação). A educação escolar é um processo que se pode entender partir do momento em que o indivíduo ingressa à escola até o culminar de sua formação e quiçá servir onde sua formação seja necessária. Por isso, em Moçambique,

A educação é um processo pelo qual a sociedade prepara os seus membros para garantir a sua continuidade e o seu desenvolvimento. Trata-se de um processo dinâmico que busca, continuamente, as melhores estratégias para responder aos novos desafios que a

continuidade, transformação e desenvolvimento da sociedade impõem (PCEB 2003:7).

No entanto, para distinguir se uma educação é ou não de qualidade, precisamos de indicadores que nos permitam mensurar os resultados advindos do processo educativo e assim pode-lo comparar entre tantos outros sistemas podendo deste modo operar reformas, mudanças, mantê-lo, melhorá-lo, etc. Mas afinal de contas em termos conceituais o que é qualidade em educação?, provavelmente muitos venham a ser os conceitos mas apego-me ao de Davok (2007), para quem de maneira geral, deve abarcar as estruturas, os processos e os resultados educacionais. O autor argumenta,

A expressão “qualidade em educação”, no marco dos sistemas educacionais, admite uma variedade de interpretações dependendo da concepção que se tenha sobre o que esses sistemas devem proporcionar à sociedade. Uma educação de qualidade pode significar tanto aquela que possibilita o domínio eficaz dos conteúdos previstos nos planos curriculares; como aquela que possibilita a aquisição de uma cultura científica ou literária; ou aquela que desenvolve a máxima capacidade técnica para servir ao sistema produtivo; ou, ainda, aquela que promove o espírito crítico e fortalece o compromisso para transformar a realidade social, por exemplo.

Para o caso particular de Moçambique admite-se segundo Castiano (2005:79-80) que a qualidade da educação é mensurada cruzando indicadores e factores,

Aparentemente, o debate sobre a qualidade da educação procura evidenciar argumentos para se oferecer aquilo que se considera como sendo uma boa qualidade de educação cujos indicadores de relevo seriam ter cada vez uma maior quantidade de alunos a transitarem de classe e professores qualificados em todos os níveis. Como factores para a melhoria da qualidade são geralmente indicados a média do número de alunos por turma e por professor, a disponibilidade do material escolar, particularmente do livro escolar para cada aluno, etc.

O presente excerto, pretende reflectir sobre a qualidade da educação em Moçambique, concretamente, quais os desafios para Moçambique na busca de uma educação de qualidade. Para tal procurar-se-á trazer conceitos de educação e de qualidade a nível local e de outros quadrantes que procurem responder o que é educação?, o que é qualidade?, o que é educação de qualidade?, quais os indicadores para se considerar que um processo educativo é ou não de qualidade?, qual a situação da qualidade de educação em Moçambique .

2. Educação em Moçambique

Moçambique, como tantos outros países foi atravessado por várias épocas, nas quais o conceito de qualidade, concretamente da educação foi tomando contornos de acordo com a realidade em vigor. Registam-se no país momentos durante a colonização; pôs colonização (pôs independência); durante a guerra de desistabilização e por fim o momento actual, o pôs guerra de desistabilização.

Durante o período colonial, a educação em Moçambique era separatista e até de certo modo racial, de acordo com Castiano et all (2005:14),

É neste período que a educação começa a ter um cunho rácico e marginalizante: os chamados povos primitivos deviam ser civilizados sim, mas lentamente e a sua educação devia, sobretudo, estar virada para a formação em trabalhos manuais. Além disso, esta educação devia estar em harmonia com os usos e costumes, assim como com o grau de desenvolvimento intelectual e moral do povo indígena…tendo em conta que as condições climáticas (calor, clima inóspito) impedem que os europeus possam entregar-se ao trabalho físico, os indígenas, mais habituados ao clima, podem ser educados só na medida e na exigência do trabalho muscular. O liberalismo e a igualidade só se aplicam como princípios para os colonos brancos. Os negros, esses podiam continuar oprimidos.

No periodo pôs colonial, logo apôs a proclamação da independência, o país foi assolado por uma guerra interna (1976-1992). Segundo Castiano et al (2005:51), neste período a educação visava a formação de uma personalidade socialista onde a escola tinha uma posição central no projecto de edificação da sociedade socialista. O lema nesta óptica, era a formação do homem novo, que fosse capaz de construir uma sociedade socialista.

Concretamente estabelecem-se objectivos para a educação que são a eliminação do analfabetismo, a introdução de uma escolarização universal e obrigatória, e a intensificação de uma formação técnica de quadros para o aparelho do estado e para as fábricas e os grandes projectos económicos ( idem, 73).

Os mesmos autores (86) revelam que, entre os anos 1987-1992, houve no sector da educação uma crise geral do sistema da educação, durante o qual notou-se incapacidade do estado em assegurar o acesso de todas as crianças à educação básica e um mínimo de qualidade às crianças que estivessem já na escola. O período, foi também caracterizado por um crescimento do número de crianças sem possibilidade de ir à escola e também pelo aumento de desistências e reprovações tornando-se assim, péssima a qualidade de educação no país. Entretanto, apos os acordos gerais de paz outros objectivos/desafios em consonancia com vários programas em outros sectores sociais, foram traçados. O principal e que até os dias actuais continua tema de acesos debates, resume-se no alargamento do acesso da população ao sistema de ensino formal fundamentalmente no ensino básico claro, equilibrando sempre com os outros níveis de ensino. Para atingir tal objectivo, o Governo moçambicano especificamente tem procurado expandir as oportunidades em especial para a população das zonas rurais e à rapariga, com a participação do sector privado. Também, destaca-se a necessidade de reactivação do ensino técnico profissional procurando sempre adequa-lo as necessidades e transformações que o mercado vai sofrendo e propôs-se a melhorar a qualidade de ensino, partindo por um investimento mais forte na formação e competência dos professores, oferta de mais material didáctico, aumento do tempo de permanência dos alunos na escola.

3. Educação de qualidade versus sociedade de qualidade

A qualidade da educação em moçambique é um debate que já vem ganhando terreno a longos anos dentro e fora do sistema educacional nacional. Falar de qualidade da educação, pressupõe na minha óptica, aflorar questões como quantos alunos ingressam num determinado ciclo de aprendizagem/quantos terminam o determinado ciclo com sucesso?; em que condições (materiais, psicológicos, emocionais, etc) decorre a sua aprendizagem?; qual o seu comportamento perante a sociedade circundante?; quais as condições de formação de seus professores?; quais as condições profissionais de que dispõem tais professores?; etc. e se tendermos para o ensino técnico profissional/universitário mais questões acompanham as anteriores, etc.

Em Moçambique, há bastante tempo pretende-se melhorar a qualidade da educação e a tal acopla-se inclusive a melhoria do próprio programa,

…não basta oferecer qualquer tipo de educação. Melhorar a qualidade é, pois, um objectivo que é acoplado ao programa. Esta melhoria deveria ser alcançada atravês de instrumentos escolhidos tais como investindo mais na formação e na competência dos professores, na oferta de mais material didáctico, no aumento do tempo de permanência dos alunos na escola (extensão do calendário), na reforma curricular…no investimento para melhor gestão das escolas (Castiano et al, 2005:114).

Ora, qualidade no nosso seio é vista por um lado internamente, ou seja, qualidade no sentido de olhar para os diferentes acontecimentos durante o processo de escolaridade do indivíduo, é evidente que o termo qualidade aquí é usado na sua acepção de eficácia "interna", ou seja, em relação aos objectivos próprios do sistema de educação que se resumem em reduzir o número de reprovações e das desistências por ano, isto é, na redução do chamado desperdício escolar e por outro lado, externamente também faz-se alusão à qualidade da educação, tendo em conta que da educação virão indivíduos para servir a sociedade nas suas diversas vertentes, …aquela que relaciona a qualidade dos graduados em relação ao sistema económico (são os graduados imediata e directamente empregáveis, tem a capacidade de começar um empreendimento próprio? são capacitados para tomar decisões económicas sustentáveis?), ao sistema político (são capacitados para participar no sistema democrático? desenvolveram atitudes favoráveis para a democracia? Estão em condições de explicar os processos políticos, identificam-se com a moçambicanidade?), ao sistema moral-cultural (equacionam a sua particularidade cultural na unidade nacional?), assim como ao seu sistema psíquico (contribuiu a educação para a formação de uma personalidade sólida?) Castiano et al (2005:114).

 

A Unesco, no seu relatório sobre educação para o Séc. XXI, considera que a educação não deve apenas promover competências básicas tradicionais, mas também proporcionar os elementos necessários para exercer plenamente a cidadania, contribuir para uma cultura de paz e a transformação da sociedade, para o que se propõem quatro pilares para a aprendizagem: aprender a conhecer, a fazer, a ser e a viver juntos Unesco (1996) cit. Unesco (2008:43).

A organização define os quatro pilares como sendo: a) aprender a conhecer para adquirir uma cultura geral e conhecimentos específicos que estimulem a curiosidade para continuar aprendendo e desenvolver-se na sociedade do conhecimento; b) aprender a fazer desenvolvendo competências que capacitem as pessoas para enfrentar um grande número de situações, trabalhar em equipa e desenvolver-se em diferentes contextos sociais e de trabalho; c) aprender a ser para conhecer e valorizar-se a si mesmo e construir a própria identidade para actuar com crescente capacidade de autonomia, de juízo e de responsabilidade pessoal nas diferentes situações da vida; e d) aprender a viver juntos desenvolvendo a compreensão e valorização do outro, a percepção das formas de interdependência, respeitando os valores do pluralismo, a compreensão mútua e a paz.

4. Moçambique, rumo a uma educação de qualidade

O desenvolvimento de uma nação, a luta contra a pobreza, a luta por uma educação de qualidade, a luta contra o analfabetismo, acredito resumirem-se na possibilidade de provisão de condições para que todas as crianças em idade escolar tenham acesso à escola e à educação primária universal e de qualidade, sob forma a que tenham acesso aos níveis mais avançados de escolaridade e emergirem para uma formação profissional que lhes conduza ao mercado de trabalho com a qualidade desejada.

…“a razão de ser da escola, é criar condições para que os alunos desenvolvam as capacidades e aprendam conteúdos relevantes que lhes permitam compreender a realidade natural e social e, assim, poder participar conscientemente nas relações sociais, políticas e culturais como condição fundamental para o exercício da cidadania na construção de uma sociedade democrática e inclusiva”.

 

Ora, uma educação de qualidade em Moçambique é um desejo creio de todos os moçambicanos, se almejarmos uma sociedade também de qualidade. Porém, para tal muito trabalho julgo ser urgente fazer, na medida em que a nossa educação, da base ao topo espelha vários males que distorcem o desejo, objectivo de uma educação de qualidade.

A educação no país subdivide-se em vários subsistemas (ensino básico, ensino secundário geral, ensino técnico profissional, educação de adultos/alfabetização, ensino superior). Todos os subsistemas estão sob égide do Ministério da Educação.

Relativamente ao ensino básico, falar de uma educação de qualidade entendo significar em primeiro lugar, criar condições de acesso para todas as crianças em idade de iniciar a escolaridade. Porém, tal não acontece devido a exiguidade de infra-estruturas escolares na pátria amada, as crianças que conseguem o ingresso são entulhadas em turmas numerosíssimas condicionando assim a possibilidade de o professor vir a atender as dificuldades de cada uma das crianças na sala de aulas.

Em segundo lugar, enriquecer os insumos escolares (carteiras para todas as crianças na sala de aulas, salas com um mínimo de condições, etc.). As crianças no país, estudam em condições deploráveis, mesmo dentro dos maiores centros urbanos há escolas que usam árvores como salas de aula; as crianças que pelo menos conseguem estar numa sala de aulas geralmente sentam-se no chão frio, sujo, etc. (sob todos os riscos estético posturais); as condições sanitárias das escolas mesmo dentro dos maiores centros urbanos são também deploráveis (não aconselháveis ao uso humano); quando saímos um pouco e mais além dos maiores centros urbanos, encontramos situações ainda piores, os distritos e localidades esses, estão entregues a chamada inovação, construções com material local nas quais durante o tempo chuvoso, são decretadas (férias) pois, as suas salas são feitas de caniço, palha, capim, etc. passíveis de ser derrubadas por um simples sopro da mãe natureza.

Em terceiro lugar, formar professores, vezes sem conta somos atacados pelos média com notícias de que o país não tem professores suficientes para reduzirmos o ratio professor-aluno que actualmente encontra-se demasiado assustador. Entretanto, pelas ruas há tanto professor que não conseguiu enquadramento.

No que diz respeito aos restantes subsistemas de ensino, os problemas não estão muito distantes dos existentes no ensino básico (turmas numerosas, acesso limitado, professores não devidamente qualificados, infra-estruturas insuficientes, etc.). No ensino técnico profissional e superior por exemplo, adicionam-se a falta de professores (nacionais) devidamente qualificados para as áreas; nas escolas técnicas do ramo industrial há falta de quase todo material para aulas práticas. 

5. Considerações finais

Olhando para o espectro educacional moçambicano, falar de um ensino de qualidade creio ser possível porém, muitas reformas há ainda que fazer para que se atinge tal objectivo. Ora, para este objectivo ser concretizável, creio também ser de capital importância o envolvimento de todas as camadas da sociedade que estejam em frente do processo de escolaridade principalmente da criança.

A reflexão acima, trouxe em epígrafe os agentes envolvidos na condução da educação em Moçambique, o que faz perceber que somos reféns de regras que os outros fazem a seu favor e que nós somos apenas veículos para que tais atinjam seus objectivos. Não que seja mau/errado fazer parte e conduzir-se em consonância com organismos internacionais mas há contudo, a necessidade de elaborar reformas internas, tendo em conta os desafios locais, as realidades locais (cultura e subculturas, línguas, etc.), sob forma a que a sociedade perceba da necessidade de uma escolaridade integral, da sua importância em suas próprias vidas e quiçá para a nação em geral.

A pretensão de uma sociedade de qualidade, defendem muitos autores, tem a sua base numa educação também de qualidade. Então, se pretendemos atingir níveis altos de cidadania, temos que trabalhar muito a base da pirâmide onde a população é mais numerosa o que exige de antemão muita atenção e consideração aos considerados menos favorecidos e nos dignarmos trazer respostas com trabalho prático a perguntas como: como atingir altas taxas de permanência na escolaridade obrigatória nas zonas rurais?, sabermos o que na realidade queremos se é atingir os objectivos do milénio ou termos pessoas no futuro que se orgulhem de ter passado por uma escolaridade/formação de qualidade (muito importante ainda, encontrarmos o nosso conceito de qualidade).

Referências bibliográficas

 

BUENDIA Miguel, “Os Desafios da Leitura”. In IESE (2010), “Desafios para Moçambique”, Maputo, 2010.

 

DAVOK, Delsi F., Qualidade em Educação; avaliação Campinas, Sorocaba SP, 2007

CASTIANO, José P., As Transformações no Sistema de Educação em Moçambique. Educar para Quê, INDE, 2005

CASTIANO José P., NGOENHA Severino E. e BERTHOUD Gerald., A Longa Marcha duma "Educação para Todos" em Moçambique, Impressa Universitária, Maputo, 2005

PLANO CURRICULAR DO ENSINO BÁSICO, INDE/ MINED, Maputo, 2008.

UNESCO, EDUCAÇÃO DE QUALIDADE PARA TODOS: um assunto de direitos humanos, Br