_ Conta uma história ?
O ponto de interrogação
Era uma mera formalidade de semântica.
Na verdade, a frase, ainda que doce,
Soava imperativa:
_ Conta uma história!

 

Há muito é sabido do prazer que é sentar em roda e ouvir uma gostosa história. O sabor remonta a passados longínquos e, apesar das inovações tecnológicas, é sempre com renovado anseio e deleite que nos dispomos a ouvir uma história... Todos nós, adultos e crianças.

Pesquisada e analisada em seu aspecto lúdico, a arte de contar histórias ganhou uma conotação maior, como valoroso instrumento no processo educativo. Contar histórias passou a ser compreendido como uma possibilidade bastante rica de estratégia alternativa para se obter subsídios no redimensionamento dos trabalhos com crianças, estabelecendo linhas muito mais positivas na ação educativa. Além de traduzir-se em um elemento facilitador do processo de interrelação, de sociabilização (a roda, ouvir a história, comentar a história, recontar a história etc.), por intermédio do qual se aprende (e apreende-se) o senso de coletividade, a ouvir o outro, a falar, a expressar-se...

É preciso, aliás, que o educador aceite como fundamental a necessidade de estabelecermos um conceito, um princípio, a representar a leitura que temos do nosso trabalho. De minha parte, gosto de acreditar em um axioma que retive de leituras antigas: “Educação é o processo de desenvolvimento do ser humano”. Nesse sentido, penso, então, caber ao educador, principalmente aquele que cuida das crianças pequenas, dedicar-se a ser um idealizador de estratégias que visem beneficiar esse processo.

Ora, antes de qualquer coisa, a utilização de referenciais lúdicos, como a arte de contar histórias, vai constituir-se no estabelecimento de um ambiente em que a relação aluno-professor alcance níveis mais elaborados de interação, pretendendo que as demandas pedagógicas (aquelas ações necessárias emergentes do espaço educativo) sejam encaminhadas de forma mais eficiente.

Pense, também, no estabelecimento da prática do conto como meta, ainda que subjetiva, mas relevante nos estudos que se fazem a respeito, de buscar despertar a fantasia e a imaginação nos ouvintes, ao que encontramos reforço de inestimável valor quando analisamos serem a imaginação e a fantasia bases essenciais para um pensamento criador.

Aqui, é interessante destacar que, ao lidar com essas variáveis subjetivas, chega a ser um privilégio pensar a arte de contar histórias como uma referência de criação de espaços de encantamento. Por mais simbólica que pareça a menção à criação de tais espaços, havemos de refletir quanto ao fato de que o desenvolvimento das pessoas, tangenciando os processos racionais e lógicos, passa também pelo crescimento emocional e do estabelecimento de regras de convivência. É o que se vai apurar de o quanto nos permitirmos a vivência nestes mundos de encantamento.

Vivência, aliás, tão importante, que vai exigir do educador uma série de cuidados a lhe permitirem uma maior positivação na ação educativa. O primeiro é o da sua reflexão acerca das formas de se comunicar com a criança.

A criança, principalmente as pequenas, necessita de um diálogo constituído por referências simbólicas; daí a preferência pelas brincadeiras, pelos personagens do faz-de-conta, pelas fantasias envolvendo seres invisíveis e fantásticos; daí a crença inabalável em personagens míticos (Papai Noel, coelhinho da páscoa etc). É preciso que, na comunicação com a criança, saibamos lidar com essas referências, sob pena de, na contramão, bloquearmos qualquer possibilidade de estreitar as relações.

Espero que fique claro – se bem que acredito nem precisar dizer isso – que é condição essencial, nessa discussão, o educador gostar de crianças e gostar de contos e histórias infantis, percebendo a importância desse instrumento. É notório que gostar de crianças é quase uma imposição da cultura profissional de quem trabalha com Educação Infantil, mas vale refletir sobre isso; no outro pólo, o que diz respeito aos contos e à sua importância, só a vivência prática e reflexiva, que deve o educador experimentar constantemente, será preponderante para a consolidação das idéias propostas e/ou outras que surgirem.

Do ponto de vista prático, acredito poder contribuir com alguns apontamentos, sem que sejam considerados fórmulas prontas ou receitas inquestionáveis.

A escolha da história é o item que considero de maior essência no trabalho de contador. É preciso buscar uma história na qual se encontre uma identificação; não se deve contar por contar, nem contar sem se sentir à vontade com a história. O bom contador deve, antes de tudo, transmitir uma certa intimidade com a história, como se a tivesse vivenciado. Isso torna o momento mais agradável e proporciona uma participação mais positiva.

O ambiente físico, onde se vai contar a história, também deve ser cuidadosamente pensado e preparado. Dependendo da história, em se tratando de espaço fechado, as luzes podem ser apagadas ou não; os móveis devem ser afastados ou não, e assim por diante, criando climas e sensações que podem ser incorporados ao desenvolvimento da história. No que diz respeito ao trabalho em local aberto, é preciso ter a consciência da capacidade de dispersão que este ambiente favorece, o que implica em ser inviável, por exemplo, contar uma história com fins calmantes, nesse espaço. Podem ser reservadas para esses lugares as histórias mais dinâmicas, que envolvam diretamente os participantes do grupo.

Deve-se cuidar para não principiar o momento do conto de forma abrupta; é preciso preparar espírito e sensibilidade para as rodas de histórias. O melhor caminho é instituir conversas antes de contar as histórias - além de criarem um necessário suspense para a atividade, estas conversas podem fornecer elementos-chave para um bom desenvolvimento da programação.

Se houver pretensão de utilizar material extra para apoiar a narração do conto (sucatas, brinquedos, músicas, dobraduras etc), valha-se da máxima de só fazer aquilo que sabe e domina muito bem. Parece óbvio, mas é comum observar alguns deslizes justamente pela inobservância dessa questão. Se não souber manusear objetos no momento da narração, ou se considerar que isso atrapalha, não se deve nem pensar em se valer desse expediente.

Para finalizar, leve em consideração que o espaço de encantamento, a ser concretizado com sua atividade, deve, antes, existirem você. E, assim, perceber que proporcionar às crianças momentos de ouvir histórias é, antes de tudo, permitir-lhes que vivam na infância com a fantasia de seu mundo do faz-de-conta. Não se deve interpretar como intenção de isolar a criança do mundo real, nem deixá-la à parte das transformações inevitáveis, mas sim entendê-la como criança que é (e não um mini-adulto) e fazer com que ela perceba seu mundo, suas dificuldades, seus sucessos, através de processos lúdicos, como, por exemplo, as rodas de contos. Momentos em que a imaginação e a fantasia correm soltas a visitarem (e/ou re-visitarem) reinos distantes, princesas, fadas, duendes, cavaleiros... E é tão necessário esse fazer de conta, essa fantasia, esse sonho, esse encantamento, para o desenvolvimento da criança! Estudos científicos não faltam para atestá-lo.