Esse trabalho objetiva analisar as propostas de interpretação de textos, contidas nos livros didáticos adotados por uma escola da rede pública estadual de ensino, localizada no Município de Estância/SE. A temática do trabalho surgiu a partir da leitura do livro Produção textual, análise de gêneros e compreensão de Luiz Antonio Marcuschi, que trata a compreensão como um dos aspectos fundamentais no domínio do uso da nossa língua. A proposta se apóia nas idéias de Mikhail Bakhtin, Antonio Batista e Magda Soares acerca dos gêneros textuais e teorias do discurso, presentes na organização do livro didático. Apesar dos avanços na área da educação, que tem se preocupado em estabelecer critérios para a adoção do livro didático na escola, temos observado a dificuldade do professor de Língua Portuguesa em utilizar o livro em sala de aula. Um de seus maiores desafios é desenvolver um trabalho de leitura e interpretação de textos produtivo e coerente, e para tanto precisa dispor de recursos que o auxiliem no processo de desenvolvimento da compreensão e senso crítico de seu alunado. A pesquisa trata dos objetivos do Ensino da LP, do desenvolvimento de habilidades de leitura e compreensão, lista os gêneros que devem ser trabalhados no 1º ciclo das séries iniciais, expõe os dados obtidos a partir da análise da tipologia e faz as considerações pertinentes. Palavras-chave: análise- gênero- compreensão textual- livro didático.

1.Introdução

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) estabelecem que o domínio da língua, oral e escrita, é essencial para que o indivíduo participe efetivamente do seu meio social, pois é por ela que o homem se comunica, acessa as informações e dados que lhe interessem, produzindo conhecimento. Assim é preciso que a escola garanta tal acesso, oferecendo oportunidades iguais a todos, o que se constitui um direito do cidadão.Marcushi (2008: p.207) defende o trabalho com a diferenciação de gêneros textuais, sejam orais ou escritos, pois oralidade e escrita coexistem num processo interativo, são complementares e inseparáveis.

É de suma importância que esse trabalho com textos seja uma prática constante em sala de aula, porque é de natureza humana se comunicar, se relacionar com seus semelhantes, e esse processo precisa ocorrer de forma satisfatória, afinal, vivemos numa era em que o indivíduo que não convive bem com o grupo é excluído socialmente. Sendo assim, alguns objetivos são definidos para o ensino da Língua Portuguesa nas escolas, dentro dessa ótica de interação social atual. Os PCNs (1997) destacam a necessidade da compreensão de diferentes textos orais e escritos, interpretando-os adequadamente e fazendo as devidas inferências, a valorização da leitura fluente como via de acesso ao campo literário e da produção escrita, a utilização da linguagem no processo de letramento, utilizando-se de procedimentos para acessar, compreender e utilizar informações contidas nos textos, o que proporciona a melhoria da qualidade das relações pessoais, através da expressão e comunicação de idéias, sentimentos, e opiniões.

Sendo assim, o indivíduo se apropriará dos conhecimentos adquiridos por meio da prática de reflexão sobre a língua, para expandir as possibilidades de uso da linguagem e a capacidade de sua análise crítica.

2.Desenvolvimento

2.1Trabalhando as competências de leitura e compreensão

Para Bakhtin (2000), as atividades rotineiras se concretizam em forma de enunciados orais e escritos, concretos e únicos, que provêm das várias esferas da atividade humana. Os gêneros do discurso são internalizados, uma vez que os aprendemos à medida que aprendemos nossa língua, antes mesmo que cheguemos à escola.

Segundo Souza (1995), teoricamente, o domínio da leitura e escrita deveria ser o grande objetivo da escola, desde as séries iniciais até o ciclo básico. Na prática, porém, é preciso questionar se tal objetivo tem alcançado resultados definitivos dentro da diversidade sócio-econômica da escola. Resultados das avaliações nacionais são uma prova de que algo está muito errado no que concerne à compreensão da leitura de nossos alunos. Se nosso aluno sabe ler, o que falta para compreender?

Estar alfabetizado é condição para se tornar leitor?

Tais questionamentos são respondidos por Soares (1998), quando afirma que nem sempre estar alfabetizado significa saber ler. Alfabetização pressupõe ler e escrever,enquanto letramento é a capacidade do individuo de relacionar-se com as diversas dimensões sociais da escrita, portanto, a leitura precisa fazer sentido para o indivíduo perceba o que lê ao seu redor.

Nem sempre essa compreensão é bem-sucedida. Compreender não é uma açãoapenas lingüística ou cognitiva. É muito mais uma forma de inserção no mundo

e um modo de agir sobre o mundo na relação com o outro dentro de uma

cultura e uma sociedade. Para se ter uma idéia da dificuldade de compreender

bem, basta considerar que em menos da metade dos casos as pessoas saem a contento nos testes realizados em aula ou em concursos o- que se

repete em muitas situações da vida diária. (MARCUSCHI, 2008,p. 230)

O objetivo de valorização da leitura e da redação vai além da simples decodificação, é necessário trabalhar as competências de forma clara , pois nem sempre se atinge tais objetivos, seja pela desigualdade das práticas pedagógicas , seja pela deficiência do material didático escolhido.

2.2Aprendizado inicial da leitura para o 1º Ciclo do Ensino Fundamental, segundo os PCNs (1997)

Nesse sentido, cabe à escola priorizar a leitura de qualidade, pois essa pode ser a única oportunidade de entrar em contato com o universo literário que muitos alunos virão a receber, especialmente os menos favorecidos. A escola precisa, então, oferecer os mais variados textos com os quais se possa entrar em contato, evitando que os gêneros predominantes sejam as fábulas e narrativas, mas tudo o que cerca o ambiente social, toda a diversidade de textos do mundo. Vejamos o que nos sugere os PCNs:

Gêneros adequados para o trabalho com a linguagem oral: contos (de fadas, de assombração, etc.), mitos e lendas populares; poemas, canções, quadrinhas, parlendas, adivinhas, trava-línguas, piadas; saudações, instruções, relatos; entrevistas, notícias, anúncios (via rádio e televisão); seminários, palestras.

Gêneros adequados para o trabalho com a linguagem escrita: receitas, instruções de uso, listas; textos impressos em embalagens, rótulos, calendários; cartas, bilhetes, postais, cartões (de aniversário, de Natal, etc.), convites, diários (pessoais, da classe, de viagem, etc.); quadrinhos, textos de jornais, revistas e suplementos infantis: títulos,lides, notícias, classificados, etc.; anúncios, slogans, cartazes, folhetos; parlendas, canções, poemas, quadrinhas, adivinhas, trava-línguas, piadas; contos (de fadas, de assombração, etc.), mitos e lendas populares, folhetos de cordel, fábulas; textos teatrais; relatos históricos, textos de enciclopédia, verbetes de dicionário, textos expositivos de diferentes fontes (fascículos, revistas, livros de consulta, didáticos, etc.).

A lista é extensa, mas sem dúvida contempla os mais variados gêneros com os quais o indivíduo entrará em contato continuamente em sua vida.

2.3A escolha do livro didático

Desde os anos 80 que o ensino da Língua Portuguesa tem sido o foco da discussão sobre a melhoria na educação do Brasil. É consenso entre os educadores que ler, compreender e escrever são habilidades essenciais para que o indivíduo exerça sua cidadania plenamente. A partir de 1995, o MEC passou a desenvolver o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), cujo objetivo seria o de avaliar o material didático que chegava às escolas, uma vez que se evidenciou o baixo nível das cartilhas, baseadas em falsos textos, que eram na verdade um amontoado de frases descontextualizadas e que dificultavam a aprendizagem do aluno provenientes de ambiente familiar menos favorecido. (BRASIL: Proletramento- fasc.6, p.8)

Os livros didáticos adotados atualmente nas escolas públicas passam por uma equipe de especialistas que atuam nas áreas de conhecimento básico e são os encarregados de avaliar sistemática e continuamente os livros, considerando aprovados aqueles que se adequarem às normas do PNLD. São privilegiados aqueles que apresentarem variedade de gêneros, atividades diferenciadas que explorem a oralidade, a escrita e o trabalho em grupo, (favorecendo a socialização) e que despertem o interesse dos alunos pela leitura e produção de textos. As obras aprovadas são publicadas em um Guia de Livros Didáticos, que constitui-se em um manual que orienta a escolha pelo professor. Ocorre que ainda assim, muitos livros chegam às escolas contendo questões de compreensão equivocadas:

Não obstante o fato de hoje haver uma maior consciência de que a compreensão não é um simples ato de extração de informações de textos mediante a leitura superficial, ainda continua muito presente nos LDs atuais a atividade de leitura superficial. Algumas análises recentes sobre o tema têm revelado que as mudanças nesse particular têm sido mínimas. Tudo indica que a questão acha-se ligada em especial à ausência de reflexão crítica em sala de aula. Pois o trabalho com a compreensão dentro de um paradigma que se ocupa com a interpretação e análise mais aprofundada exige que se reflita e discuta o tema e isto não é uma prática comum em sala de aula. As próprias análises dos LDs, na avaliação do MEC, revelam esse descuido. ( MARCUSCHI, 2008.P,270)

Para alguns professores, as atividades e textos contidos nos livros didáticos não atendem às necessidades da turma, são complexos ou distantes de sua realidade, é comum o professor evitar atividades de compreensão de texto por considerá-las muito complexas, utilizando, como material complementar, cartilhas e livros de Língua Portuguesa com ampla parte gramatical e muitas atividades de fixação, considerados ultrapassados por conter interpretações de textos copistas, objetivas, formais e repetitivas (Marcuschi, p.266 ).

2.4Relatório das atividades analisadas

Foram analisados os textos apresentados em dois livros didáticos adotados, do 3º e do 5º ano do Ensino Fundamental e suas respectivas atividades de interpretação. Os livros selecionados para análise estão em seu terceiro e último ano de uso na escola e foram escolhidos os relativos às séries que são submetidas à Prova Brasil, a fim de verificar se estes compreendem o ensino das competências necessárias ao aprendizado, estabelecidas pelos PCNs. Todos os textos e atividades do livro foram analisados, a fim de se verificar a diversidade de gêneros encontrados.

Tabela 1: Diversidade de gêneros encontrados nos livros didáticos

Gênero textual

Incidência %

A- 2ª série/ 3º Ano.

B- 4ª série/ 5º Ano

Imagem

01%

08%

Crônica

-

05%

História em quadrinhos

05%

19%

Poesia

22%

19%

Reportagem

20%

20%

Conto

16%

19%

Folheto

01%

02%

Depoimento

05%

02%

Diário

01%

-

Carta

01%

-

Fábula

14%

-

Classificados

01%

-

 

 

 

 

Livro A: Projeto Pitanguá- Língua Portuguesa. 2ª série/ 3º Ano. Obra coletiva. Moderna, São Paulo, 2005.

Livro B: MIRANDA, Cláudia; BARBOSA, Leila; TIMPONI, Marisa. Coleção Pensar e Viver-Língua Portuguesa- 4ª série/ 5º Ano. Ática. São Paulo, 2007.

Na tabela 1, percebemos que há uma predominância dos gêneros poesia, conto, reportagem e fábula no livro A, em detrimento de gêneros importantes como a leitura de imagens, os anúncios e histórias em quadrinhos. No livro B, há a predominância da reportagem, conto, poesia e história em quadrinho. É visível a falta de gêneros importantes como o diário, a carta e os anúncios. Em ambos notamos a ausência das contas, de receitas, bulas, canções, adivinhas, entre outros.

Para a realização das atividades a seguir, seguimos a tabela tipológica de Marcuschi, que define as atividades de compreensão de textos emnove categorias:

Tabela 2: Explicitação dos tipos de perguntas das atividades de compreensão/interpretação de textos, elaborada por Marcuschi

TIPO DE PERGUNTA

EXPLICITAÇÃO DO TIPOS

1. A cor do cavalo branco de Napoleão

São perguntas não muito freqüentes, que já se auto-respondem em sua própria formulação.

2. Cópias

Atividades mecânicas de transcrição de frases ou palavras. São iniciadas por verbos como: copie, retire, transcreva,etc.

3. Objetivas

Indagam sobre conteúdos explícitos no texto, puramente decodificadas.

 

4. Inferenciais

São mais complexas, exigem conhecimentos textuais, contextuais, enciclopédicos e de análise crítica.

5. Globais

Levam em conta o texto como um todo, envolvendo processos inferenciais complexos.

6. Subjetivas

Analisa o texto de forma superficial, a resposta fica a critério do aluno, e não há como testá-la.

7. Vale-tudo

Admitem qualquer resposta, a ligação com o texto é apenas um pretexto.

8. Impossíveis

Não possuem quaisquer relações com o texto.

 

9. Metalingüísticas

Exigem conhecimentos externos ao texto e só podem ser respondidas com base em conhecimentos enciclopédicos.

Foram selecionados alguns textos aleatoriamente, e analisadas todas as questões contidas na seção de Compreensão e Interpretação, perfazendo nesta tabela um total de 30 questões. Vejamos a análise do Livro A: 2ª série/ 3º Ano:

Tabela 3- Tipologia das atividades de compreensão de textos no Livro A

Tipos de perguntas

Exemplos

Ocorrências %

1. Cor do cavalo branco

-

0%

2. Cópias

Transcreva do texto a frase que mostra que cada um pode ter o que quiser no seu quarto:

15%

3. Objetivas

Qual o nome dos palhaços do circo?

26%

4. Inferenciais

Por que Kat sentiria mais medo de atravessar uma rua movimentada que enfrentar tempestades e mares bravos?

16%

5. Globais

Se tivesse que entrevistar Kat, que perguntas você faria?

8%

6. Subjetivas

Por que Chico fica feliz por também ser um filhote?

12%

7. Vale-Tudo

Escreva o que Chico Bento pode ter pensado ao perceber o olhar do bode.

23%

8. Impossíveis

-

0%

9. Metalinguísticas

-

0%

Não foram identificadas atividades do tipo 1, 8 e 9, consideradas pobres, sob o ponto de vista lingüístico, porém há uma porcentagem relativamente alta de questões do tipo 7 e 3, que permitem qualquer resposta e de decodificação, respectivamente.

Vejamos a análise de 42 questões de compreensão de textos do Livro B:

Tabela 4- Tipologia das atividades de compreensão de textos no Livro B

Tipos de perguntas

Exemplos

Ocorrências %

1. Cor do cavalo branco

-

0%

2. Cópias

Nas duas reportagens, há falas dos entrevistados. Copie uma delas.

11%

3. Objetivas

O que frustrou Jason em sua profissão?

23%

4. Inferenciais

O que acontece quando o menino ou a menina foge desse padrão de comportamento?

11%

5. Globais

Qual terá sido a intenção do autor ao escrever várias dessas frases que ouvimos com tanta frequênia?

9%

6. Subjetivas

Explique: Com que intenção foram escritas as palavras entre parênteses?

4%

7. Vale-Tudo

Que efeito esse desfecho provoca no leitor?

4%

8. Impossíveis

-

0%

9. Metalinguísticas

Quantos parágrafos tem esse trecho?

33%

Nesse caso, prevaleceram atividades opostas, do tipo 3, de decodificação e do tipo 9, que exigem conhecimentos externos, enciclopédicos.É positivo o fato de que os tipos 1 e 8 não foram encontrados, uma vez que pouco acrescentam à percepção do aluno.

3. Considerações finais

A pesquisa nos mostra que os livros adotados apresentam variação de gêneros textuais, mas ainda se faz necessário incluir aqueles que fazem parte do cotidiano do aluno:as receitas, bulas, trava-línguas, adivinhas, diários, cordel, etc. Nesse caso, o professor deve complementar o trabalho do livro didático, buscando outras fontes e sempre que possível, utilizando textos que os próprios alunos trazem de casa, o que tornará a atividade ainda mais rica e atrativa.

As atividades propostas compreendem a variação tipológica, porém é preciso cuidado com o alto índice de questões do tipo copistas, formais e objetivas, apesar destas serem as mais apreciadas pelo professor no trabalho com a compreensão textual, visto que o próprio professor sente dificuldade em interpretar questões inferenciais e subjetivas, buscando trabalhar com as quais se sentem seguros.

O primeiro passo para umtrabalho eficaz é o aprofundamento da atividade de pesquisa nesse campo, o profissional da área de Letras precisa atentar para os questionamentos pertinentes, pois é clara a deficiência acerca da temática de compreensão na escola pública, haja vista os resultados da Prova Brasil.

Trata-se de uma necessidade prática de análise do material que se nos oferece como professores, pois a compreensão deve ser treinada diariamente, e é importante frisar que essa nãoé, necessariamente,uma obrigação do professor da área de Letras, pois texto existe em qualquer disciplina, daí a necessidade do domínio básico por parte de todo aquele que trabalha com a educação.

Sejamos, pois, radicais como Marcuschi (2008, p.), tornando o trabalho com a compreensão de textos "incontornável" dentro do nosso cotidiano.

Referências Bibliográficas

BATISTA, Antonio Augusto Gomes.Um objeto variável e instável: textos, impressos e livros didáticos. In: ABREU, Márcia (org.). Leitura, história e história da leitura. Campinas: mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil; São Paulo: Fapesp, 2000.

BAKHTIN, Mikhail.Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. 3 ed. São Paulo: Ms Fontes, 2000,p. 277-326.

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1997.

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Proletramento: alfabetização e linguagem. Fascículo 6: Secretaria de Educação Fundamental, 1997.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.

Projeto Pitanguá- Língua Portuguesa. 2ª série/ 3º Ano. Obra coletiva. Moderna, São Paulo, 2005.

MIRANDA, Cláudia; BARBOSA, Leila; TIMPONI, Marisa. Coleção Pensar e Viver-Língua Portuguesa- 4ª série/ 5º Ano. Ática. São Paulo, 2007.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.

SOUZA, Luiz Marques de. Compreensão e produção de textos.Petrópolis:Vozes, 1995.