Fight the Power
Combata o poder

1989 o número, outro verão
O som funkeado do baterista
Música acertado o seu coração
Porque sei que você vendeu
(Irmãos e imãs)
Ouçam se vocês tiverem saudades
Balancem enquanto eu canto
Dando o que tem
Sabendo o que eu sei
Enquanto as bandeiras negras agitam
E o ritmo das rimas rola
Tem que dar o que queremos
Tem que dar o que precisamos
Nossa liberdade de expressão
É liberdade ou morte
Temos que combater os poderes estabelecidos
Deixe-me ouvir você dizer

Combata o poder

Como um ritmo desenvolvido para a devolução
O que conta é que estas rimas
Desenvolvi para ocupar sua mente
Agora que você percebeu que o orgulho chegou
Temos que explodir a matéria para endurecer o coração
É o começo de uma obra de arte
Para revolução fazer diferença, nada é estranho
Povo, povo nós somos os mesmos
Não, não somos os mesmos
Porque não conhecemos o jogo
O que precisamos é de consciência
Não podemos nos descuidar

Diga o que é isso?

Vamos aos negócios meu amado
Ginástica mental de auto defesa
Bagunce o show
Você tem que ir pra o que você sabe
Faça todos verem Afim de combater os poderes estabelecidos
Me deixa ouvir você dizer...
Combata o poder
Combata o poder

Elvis era um herói para a maioria
Mas nunca significou nada pra mim
Perceba o racista que aquele otário era
Simples e claro
Ele e John Wayne são filhos da puta
Pois sou negro e me orgulho
Estou pronto, atualizado e empolgado
A maioria dos meus heróis não aparecem
em selos. Experimente olhar pra trás e verá
Nada além de caipiras por 400 anos
"Não se preocupe, seja feliz "
Era uma encenação um atolamento
Dane-se se eu disser que pode me bater
Vamos iniciar esta festa agora
Neste momento, vamos
O que temos que dizer é
Poder para o povo sem demora
Pra que todos vejam
Afim de combater os poderes estabelecidos

Combata o poder


ANÁLISE DO DISCURSO

A letra pertencente ao grupo de RAP norte americano Public Enemy foi composta para a trilha sonora do filme Do The Right Thing (Faça a coisa certa) do diretor Spike Lee e inicialmente podemos observar que toda a composição foi montada utilizando-se de uma contestação lírica, isto é, o objetivo do texto é protestar contra um poder vigente e neste caso, o conceito de poder é amplo e agrega todo um sistema de conceitos sociais, políticos, moda, mídia e música. Esse conceito de poder servirá como ponto de partida para o posicionamento do sujeito enunciador.

O sujeito insere-se como negro que é consciente e orgulhoso de sua cor, como defensor da causa negra que critica o movimento negro estadudinense da época por ter se rendido a esse poder e acusa: "Porque sei que você vendeu (Irmãos e imãs)", visto que todo o seu discurso se constrói em oposição a este determinado poder vigente, faz um apelo de resistência e mudança sem pregar uma superioridade da raça negra, esse sujeito pede igualdade de tratamento e reconhecimento. Isso pode ser denotado nas frases "Combata os poderes estabelecidos" e "A maioria dos meus heróis não aparecem em selos, Experimente dar uma olhada pra trás e verá nada além de caipiras por 400 anos. O caipira referido é o branco norte americano que domina esse poder estabelecido e tem o seu reconhecimento social e cultural. O sujeito discursivo se situa em determinado lugar sócio-histórico que é o verão norte americano de 1989, e se caracteriza por defender a causa negra e, em virtude disso, contestar uma suposta superioridade branca.

Nesse sujeito discursivo observa-se na maioria da linguagem empregada a presença da polifonia, pois vemos expressões características de um discurso político como: "Nossa liberdade de expressão, "É liberdade ou morte" "e "Povo, povo nós somos os mesmos. Não, não somos os mesmos. Porque não conhecemos o jogo. O que precisamos é de consciência", ao mesmo tempo em que essas vozes se misturam às vozes características do ritmo RAP (do inglês, rhythm and poetry ou ritmo e poesia) em expressões como: "O som funkeado do baterista" e "E o ritmo das rimas rolam". São assim, vozes constituintes do sujeito enunciador, que diz ter conhecimento das desigualdades sociais e ser dono do seu dizer, é a composição de diversas vozes em sua formação. É a voz do negro que se vê excluído dos bens materiais e culturais, não reconhecido por seu valor social, menosprezado, revoltado e a voz do sujeito erudito, consciente de sua importância e de sua exploração que utiliza a música como uma forma de "devolução" daquilo que recebe e lutar por mudanças. Portanto, temos aqui um sujeito heterogêneo e não-individual.

Podemos notar no texto uma intertextualidade onde o enunciador cita a frase "Don?t worry be happy" ("Não se preocupe, seja feliz") conhecida canção do cantor negro Bobby Mcferrin, que para o enunciador, não passa de uma "encenação" e "um atolamento", essa encenação disfarçaria os problemas sociais sofridos pelo povo e causaria um atolamento, um atraso por pregar uma passividade e não alertar quanto às injustiças sociais.

A formação discursiva do sujeito enunciador em questão é caracterizada pelo caráter contestatório, crítico e denunciativo, pois parte do seu discurso é organizado em torno da contestação da falta de conscientização negra ("Porque não conhecemos o jogo" e "O que precisamos é de consciência") Levando em conta elementos históricos, sociais e ideológicos podemos dizer que a formação em questão trará aspectos como:

1) Todo o processo histórico de escravidão a que os negros foram submetidos durante séculos da nossa história, sequestrados de seus países de origem e traficados, vivendo em condições subumanas, tratados como animais, subtraídos de sua cultura e religião e subjugados para servirem ao branco rico até o limite da resistência.

2) A deprimente condição social de submissão da maioria negra que ainda persiste mesmo após a abolição faz com que o negro saia da escravidão para o esquecimento social por não ter o seu devido valor reconhecido e a urgência para que as mudanças sociais aconteçam, faz com que o enunciador exija: "Poder para o povo sem demora". É possível confirmar isso atentando para as diversas pesquisas que apontam os negros como detentores dos empregos com piores remunerações, principalmente trabalhos braçais, exclusão educacional e especialmente do Ensino Superior.

3) A ideologia de uma igualdade entre negros e brancos e até de repúdio a ídolos da cultura norte americana como Elvis Presley e John Wayne ("Elvis era um herói para a maioria. Mas nunca significou nada pra mim. Perceba o racista que aquele otário era. Ele e John Wayne são filhos da puta"), ídolos brancos diretamente ligados à música e ao cinema estadudinense, pois a mídia não estimularia a adoração de ídolos afrodescendentes por mais que estes se destaquem na música, esporte e vários campos da sociedade.

Em síntese, podemos dizer que temos um sujeito enunciador heterogêneo com uma formação discursiva contestatória que pode ser aplicada à realidade de etnias tão discriminadas quantos os negros e que para o poder estabelecido, não passam de uma minoria excluída: latinos, orientais, mestiços, e outras etnias, tornando o tema universal transformando a sua formação ideológica de defensor não somente da causa dos negros, mas de qualquer povo oprimido.