A Postura do Educador numa Sociedade em Conflito


Clecia Pacheco e Reinaldo Pacheco


Discorrer sobre a postura do eduacador numa sociedade conflitante não é tarefa simples, visto que a tradição pedagógica brasileira tentou ignorar questões relevantes, históricas, que será aqui destacado.
Entendo, que para explicar sobre a postura do educador nesta sociedade conflitante, é preciso, antes de mais nada, buscar um pouco da historia da educação. Por isso, é preferivel partir da realidade local e, portanto, destacarei um breve historico da educação brasileira a partir da década de 20 até hoje, para então fazer c colocações sobre a postura do educador nesta sociedade eternamente conflitante, e por entender que a postura de alguns educadores atuais, ainda são resquícios de uma educação tradicional fechada sem uma visão panorâmica do mundo global.
Até os anos 20, a educação comportou-se como instrumento de mobilidade social, no sentido mais amplo do termo. As classes que manipulavam o poder politico e economico utilizavam-na como distintivo de classe, e as camadas médias urbanas procuravam-na como a principal via de ascenção, prestigio e integração no universo das classes dominantes. Foi nessa sociedade que se originou e cristalizou o padrão do ensino superior brasileiro. Nele, não havia uma função "educadora" para os niveis primário e médio, razão pela qual estes não merecem atenção do Estado, senão formalmente, e a escola média jamais conseguiu organizar-se, como tal, a não ser através de honrosas exceções partidas de iniciativa privada.
No periodo de transição da sociedade oligarquico-tradicional para a urbano-industrial, em que se redefinem as estruturas de poder e se orienta o modelo economico, no sentido da industrialização, o que, evidentemente, resulta em redefinição do processo de dependencia, a centralização do poder político, necessária a essa descentralização, acentuados com o federalismo, cria o sistema nacional de educação, até então praticamente inexistente, através da Reforma Francisco Campos, em principio, e depois, através das Leis Orgânicas do Estado Novo, que a ampliou e consolidou.
O antigo padrão de ensino superior é então organizado em conglomerados, o que se convencionou chamar de Universidade. Nesse modelo de universidade conglomerada, expressão usada por Florestan Fernandes, a autonomia da Universidade foi colocada e conquistada como reflexos dos anseios da burguesia empresarial e das camadas médias que haviam participado do levante de 1930, para eliminar toda e qualquer ingerencia do Estado oligárquico, no âmbito do ensino superior, que essas camadas desejavam se lhes mantivesse aberto.
O ponto negativo da perspectiva da reforma de Francisco Campos ao reforçar a autonomia da cátedra e da própria Universidade foi o de não ter levado em conta que o ensino superior ainda seria, por muito tempo, o ensino para poucos, monopólio das elites e, de certa maneira ? dado o quadro social e político da época ? das elites conservadoras, educadas segundo o velho padrão de ensino superior. Como este se manteve na universidade conglomerada, a autonomia, que então se acentuava pela via legal, foi utilizada, de forma às vezes sem pudor, para criar aquilo que já chamamos de "feudos" do saber.
A urbanização crescente, que a reorientação do modelo econõmico favoreceu, fez crescer a demanda social de educação, como procuramos demonstrar e, o ensino, que antes era apenas aristocrático, passou a seletivo, já que a estrutura interna do sistema educacional pouco mudou e os antigos padrões de escola mantiveram-se, agora transferido para os niveis primário e médio. No entanto, a expansão economica precisa criar, cada vez mais, uma demanda de recursos humanos que não foram oferecidos para a escola, que implica no desempenho desempenho do trabalho da maioria dos educadores. A defasagem que procuramos demosntrar e que se acentua entre educação e desenvolvimento era a que não só marginalizava boa parte da população, como também não correspondia, ou pelo menos não parecia corresponder, graças à manutenção de um modleo antigo de educação, as necessidades de uma expansão econômica.
Ocorre-nos, todavia, indagar se essa defasagem, que foi analisada apenas do ponto de vista formal, não teria tido uma certa funcionalidade, tanto para a ordem política, quanto para a ordem econômica.
Com relação à ordem política, parece-nos ter ficado claro que esta foi responsável pela manutenção do sistema rígido, seletivo e discriminante do sistema educacional. Obedecia, assim, a lógica da dominação interna.
Já com relação à ordem economica, se ela não encontrou ressonância no sistema educacional e pressionou o Governo para a criação do chamado sistema paralelo a ele diretamente vinculado, o que tentamos mostrar foi que, em principio, isso ajudou a manter um certo dualismo no sistema educacional, como forma de discriminar socialmente as populações escolares e manter um sistema oficial inabalável. Nesse sentido o sistema paralelo, não teve apenas funcionalidade economica, mas teve também funcionalidade politica.
Desta forma a seletividade do ensino, de modo geral, e a predominancia do ensino academico sobre o técnico, que aparentemente estava em contradição com a crescente industrialização revestiam-se igualmente de certa funcionalidade para a própria ordem econômica. A desintegração dos fatores atuantes na evolução do ensino foi, dessa forma, parcial e sofreu as adaptações de praxe, de forma a não atingir a estrutura de dominação interna.
A penetração maciça do capital internacional em nossa economia, ou em outros termos, a "internacionalização do mercado interno", como a chama Cardoso, acabou por destruir os já assinalados mecanismos tradicionais de ascenção da classe média e criar, paralelamente, novas funções nas hierarquias ocupacionais das empresas, que exigiam qualificação. A universidade conglomerada, vigente até então, janão tinha condições nem de atender às pressões de demanda, que cresciaem função da decadência das formas tradicionais de manutenção do status de classe média, nem de atender à demanda econômica de recursos humanos.
A crise do sistema educacional do final dos anos 50 e da década de 60 apareceu, assim, mais nitidamente, como crise da Universidade. O poder político, até o inicio dos anos 60, mostrou-se incapaz de "absorver" a crise e a Lei de Diretrizes e Bases atendeu mais a interesses econômicos. Nesse sentido, a própria defasagem deixava de ter funcionalidade, inclusive para a própria estrutura de dominação vigente.
Após 1964, a redefinição do processo politico e do modelo econômico criou, em princípio, condições para o agravamento da crise no setor educacional, então desfavorecido de ambos os lados (político/economico), mas já contando com certo grau de politização de estudantes e professores. Aqui, a desintegração de fatores atuantes no sistema educacional consubstanciou-se numa polarização de interesses, na qual os interesses sociais pressionavam o sistema, em direção as inovações e à expansão de oportunidades, a estrutura de poder atuava tentando frear as inovações iminentes e a política econômica adotada, em fase de "recuperação", não permitia, senão em limites estreitos, uma expansão de oferta de ensino.
Já foi demonstrado que a absorção da crise e da redefinição do modelo de educação foram feitas, menos em função da crise em si do que em função dos papéis que teriam de ser desempenhados pelos setor educação na fase de retomada da expansão. E foram essas pressões internas e externas que levaram o governo a optar pela modernaização do sistema educacional. A modernização atende, então, a interesses internos e externos e, nesse processo, o setor interno atua como intermediario do setor externo, mas nem sempre a determinação é feita de fora para dentro, mecanicamente.
A modernização na Universidade tem atendido a interesses de ambas as partes. Essa convergência de interesses, no entanto, retirou da Universidade o seu papel de mobilizadora das classes sócias. Na medida em que a retomada da expansão criou hierarquias ocupacionais mais complexas e, com isso, uma demanda de recursos humanos que, a partir de determinado momento passaram a ser oferecidos pela Universidade. A retomada da expansão, retirou das profissões técnicas de nível superior o seu antigo prestígio, porque esvaziou suas antigas funções de comando e teve repercussões nos níveis salariais do pessoal qualificado, etc..
O atual "posicionamento das classes", que ela possibilita, está se reduzindo a oportunidade de não perder o status, com uma maior exigencia para executar sua docência na Universidade.
Politicamente, a mdernização resultou na perda de autonomia da Universidade, como já ficou demonstrado. Mas tem servido à manutenção de uma estrutura de dominação que, de fora, pesa sobre ela e que reflete no seu próprio âmago, sendo que dessa forma, a modernização, se ajudou a mudar os autores da cena política, a redefinir, pelo esforço, a expansão econômica com vistas a uma melhor integração do Brasil no processo de desenvolvimento do capitalismo, tem contudo, colaborado para que, através do produto acabado que a universidade e o ensino de modo geral proporcionam, o país a se manter na periferia desse processo.
Partindo desses pressupostos, fica evidente que a sociedade brasileira diante de tantas crises educacionais, é uma sociedade em conflito, visto que, o conceito de "sociedade em conflito" é quando esta (a sociedade) já conquistou o direito de falar, de reclamar, de soltar o grito preso.
Assim, educar nessa sociedade é "tarefa de partido" o que significa que não é possível ser educador de forma neutra: ou se educa em favor dos dominates ou em favor dos dominados. Se o educador permanecer neutro, notadamente, ele permanece do lado dos dominantes.
No entanto, outra questão a ser discutida, é que mesmo sabendo que a sociedade brasileira é uma sociedade em conflito, sabe-se que o acesso à escola continua sendo privilegio, a universidade continua com a função particular de formar, advogados para defenderem o capital, de formar médicos para cuidarem da saúde da burguesia, entre tantos outros profissionais.
Assim sendo, o papel do educador, a sua postura na sociedade, tem passado a ser crucial, visto que tem ele a necessidade de recriar suas teorias e análises, rever e tranformar sua prática e assim por diante.
O educador tem várias tarefas a desempenhar e uma delas é combater à diferenciação escolar, isto é, lutar incessantemente, para a extinção de escolas para "ricos" e escolas para "pobres", ou seja, essa dissociação de classes sociais, que se resume a desigualdades sociais, pois já não cabem mais essas concepções numa sociedade que se diz pós-moderna.
Outra tarefa do novo educador, é criar uma contra-ideologia, voltada à prática de uma educação que valorize a participação de amplas massas de trabalhadores.
Assim, quando o novo educador cria a contra-ideologia, ele estabelece uma unidade entre as lutas pedagógicas e as lutas sócias, isto é, uma equilibrada atuação/interação entre escola e Sociedade e vice-versa.
Entretanto, observa-se que desde o inicio da historia, a educação brasileira sempre utilizada como instrumento de poder, tanto por "dominadores" (sistema/governo), como por "dominadores dominados" (educação a serviço dos dominadores), ou seja, alguns educadores tradicionais/alienados, que sempre se colocaram numa postura defensora de interesses das elites que oprimem grande massa de trabalhadores.
Portanto, exige-se do novo educador uma postura apta a refazer a educação, reinventa-la, criar condições para democratiza-la, criar alternativas pedagogicas que favoreçam a superação do individualismo criado desde o inicio da historia da educação no mundo, principalmente em nosso país. Daí, é preciso reeducar alguns educadores, e isso, é papel dos novos educadores dessa sociedade em conflito.

Doutoranda em Educação (UCSF/AR) e Especialista em Gestão Escolar (INTA/CE)


BIBLIOGRAFIA

CARDOSO, Fernando Henrique. O Modelo Politico e Outros Ensaios. São Paulo: Difusão européia do Livro. 1972, 211 p.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil. Petropolis, RJ: Vozes, 2003.