1. INTRODUÇÃO

A língua portuguesa sempre foi estudada, assim como as outras línguas e as ciências em geral, de uma maneira bastante segmentada e "departamentalizada". Assim, surgiram debates acalorados entre especialistas da morfologia e da sintaxe, da sintaxe e da semântica, da semântica e da estilística.
Porém, cada vez mais se fortalece a ideia de uma maior integração entre essas áreas, pois todas elas têm como ponto de partida e objeto de estudo a própria língua. Então, os limites e as diferenças entre elas passam a ser vistos de forma complementar, inclusiva, e não exclusiva.
O foco deste trabalho será uma categoria gramatical vista, durante um bom tempo, como estritamente morfológica, mero (apesar de importante nesse sentido) tópico dos estudos de formação de palavras: o grau. Pensava-se que o grau fazia parte das palavras colaborando de uma única maneira, atribuindo um sentido único e só. Mas, com o desenvolvimento de outros ramos da linguística e o advento dessa concepção mais "transdiciplinar" (se é que se pode dizer assim, já que se trata do mesmo objeto) de língua, fomentou-se o estudo do grau também sob outras perspectivas, como a lexical (inclusive na criação de vocábulos novos), a semântica (com a percepção de que o grau poderia veicular não um só significado, mas múltiplos), a sociolingüística (o grau como elemento marcante nas variações linguísticas) a estilística (o uso do grau como acréscimo qualitativo e/ou artístico à elaboração da mensagem verbal) e a discursivo-pragmática (o grau, as diversas situações de comunicação e as relações entre os interlocutores).
Este trabalho procura seguir essa visão integradora e, analisando os usos do grau na língua portuguesa (sobretudo a falada no Brasil), explicitar como se encaixam, de maneira simultânea, esses usos nas diferentes visões sobre a língua.








2. O GRAU NA LÍNGUA PORTUGUESA: FLEXÃO OU DERIVAÇÃO?

De acordo com Cunha & Cintra (2008, p. 194), existem na língua portuguesa três tipos de flexão para os substantivos: o gênero, o número e o grau. Porém, os mesmos autores, ao falarem sobre a derivação, colocam os sufixos aumentativos e diminutivos na categoria de instrumentos desse processo, recurso utilizado na criação de palavras da língua portuguesa.

Pela derivação sufixal formaram-se, e ainda se formam, novos substantivos, adjetivos, verbos e, até, advérbios (os advérbios em ?mente). [...] Entre os SUFIXOS NOMINAIS, mencionaremos em primeiro lugar os SUFIXOS AUMENTATIVOS E DIMINUTIVOS, cujo valor é mais afetivo do que lógico. (CUNHA & CINTRA, 2008, p. 102)

Sabendo-se que o grau dos substantivos constrói-se principalmente através dos sufixos citados, chega-se a uma questão controversa: a noção de grau faz parte do fenômeno da flexão ou da derivação? É comum ouvirmos no Brasil a seguinte expressão popular: "concordo em gênero, número e grau".Mas talvez essa expressão, já cristalizada no português brasileiro, não resista a um exame teórico mais profundo.
Parece ser consenso entre os gramáticos e estudiosos da língua a ideia de que o gênero e o número constituem casos de flexão, mas o grau situa-se numa "zona de conflito", visto que há certa discordância entre eles.
Camara Jr. (2002, p. 40) defende uma visão que parece bastante coerente com os objetivos deste trabalho: ao abordar os morfemas constituintes do vocábulo, ele afirma que o gramático latino Varrão cunhou os conceitos de derivatio naturalis e derivatio voluntaria. Na primeira, adaptamos a palavra às condições específicas do contexto; a segunda nos dá a possibilidade de criar palavras. Uma corresponde à flexão; a outra, à derivação.

(...) na <<flexão>> há obrigatoriedade e sistematização coerente. Ela é imposta pela própria natureza da frase e é naturalis no termo de Varrão. É a natureza da frase que nos faz adotar um substantivo no plural ou um verbo na primeira pessoa do pretérito imperfeito. Os morfemas flexionais estão concatenados em paradigmas coesos e com pequena margem de variação. Numa língua como a portuguesa, há ainda outro traço característico para eles. É a <<concordância>>, decorrente da sua repetição nos vocábulos encadeados na frase. Há concordância de número singular e plural e de gênero masculino e feminino entre um substantivo e seu adjetivo, como há concordância de pessoa gramatical entre o sujeito e o verbo, e depende do tipo de frase a escolha da forma temporal e modal do verbo. (CAMARA JR., 2002, p. 49)

Como se pode perceber, não há grande "liberdade" no uso da flexão dos substantivos, pois ela se resume às categorias gramaticais de gênero e número. As regras de concordância são restritas e não permitem grandes "saltos" além do que é "permitido" (apesar dos usos coloquiais ? ex.: os menino / as menina). A flexão é algo já enraizado na língua e internalizado pelos falantes. Assim sendo, torna-se quase "automática", natural porque todos a conhecem (em suas formas padrão ou não-padrão, formal ou informal). Não se pode perceber com tanta nitidez a voz, a subjetividade do enunciador, o seu "estilo".
Em relação à derivação, Camara Jr. (2002, p. 48-9) diz:

As palavras <<derivadas>> não obedecem a uma pauta sistemática e obrigatória para toda uma classe homogênea do léxico. Uma derivação pode aparecer para um dado vocábulo e faltar para um vocábulo congênere. De cantar, por exemplo, deriva-se cantarolar; mas não há derivações análogas para falar e gritar. Compare-se, ao contrário, a série sistemática cantávamos, falávamos, gritávamos etc. toda vez que a atividade expressa no verbo é atribuída ao falante e mais alguém em condições especiais de tempo passado. Os morfemas de derivação não constituem um quadro regular, coerente e preciso. Acresce a possibilidade de opção, para usar ou não usar o vocábulo derivado, que sugeriu a Varrão o adjetivo voluntária. [..] Nem todos os substantivos portugueses têm um diminutivo correspondente, e os que existem podem ser utilizados ou não, numa frase dada, de acordo com a vontade do falante.


As palavras possibilidade, opção e vontade indicam com clareza que a derivação não é um fenômeno imposto por qualquer postulado gramatical, mas um recurso à disposição do falante, algo que pode enriquecer e dar mais eficácia ao ato de se expressar, de se comunicar. Nesse sentido (e lembrando o "poder" de formar palavras novas), a derivação permite ao enunciador revelar um pouco mais de si, da sua visão de mundo, dos seus afetos e emoções. Rosa (1983) ressalta essa ideia, apontando como característica da derivação o fato de ela não ser obrigatória no âmbito do sintagma nominal.
Basilio (2008, p. 67) resume bem a discordância abordada:

Na Nomenclatura Gramatical Brasileira, o grau é considerado como flexão, sobretudo por influência da gramática clássica. De acordo com o critério clássico, o grau seria uma categoria gramatical, na medida em que expressaria um significado acidental. Entretanto, a maior parte dos gramáticos hoje em dia tende a considerar o grau como derivação, dado que a expressão do grau não se correlaciona a mecanismos gramaticais. Dentro dessa perspectiva, o grau se coloca no âmbito da formação de palavras.

Basilio (2003, p. 15-19) faz uma observação pertinente em relação à formação de palavras: a palavra formação pode ganhar um caráter mais passivo ou ativo, de acordo com o posicionamento que se tem em relação à gramática. Segundo a referida autora, as gramáticas normativas interpretam formação como a forma com que as palavras estão construídas, algo já dado, sem a possibilidade do advento do novo. Caberia aos falantes apenas escolher as palavras a usar e esquecer seu potencial criativo, pois a língua já está prescrita, não há necessidade de mudança. A língua, por si só, seria a protagonista, e não o falante. Nesse ponto, a posição normativa, de certa forma, confunde-se com a estruturalista, que vê a língua como um sistema em si mesmo. Talvez seja também por esse motivo que alguns gramáticos de orientação prescritiva ainda vejam a categoria de grau como flexão.
A abordagem gerativista, por outro lado, privilegia a competência do falante, ou seja, a capacidade que ele tem de criar palavras e de atribuir, de acordo com as demandas do discurso, novos significados a formas já solidificadas. A própria referência ao discurso já sugere algo mais dinâmico, já que não corresponde a uma concepção abstrata de língua, e sim à língua em uso. Mas, é bom que se diga, é só uma sugestão, que a colaboração da gramática gerativa na seara da formação de palavras restringe-se à noção de competência.
O discurso e todos os conceitos relativos a ele são objeto de outros domínios, não-estruturalistas, do estudo da linguagem. Neste trabalho, inclusive, importa mais discutir as feições estilística e discursiva do grau na língua portuguesa do que pura e simplesmente a morfológica.

3. O GRAU: TAMANHO É DOCUMENTO?

Basilio (2008, p. 67) afirma que podemos expressar através da língua o grau de intensidade de uma qualidade ou da dimensão de um objeto. Esse processo recebe o nome de gradação.
Através do que foi dito, chega-se a ideia mais corrente e "corriqueira" sobre o grau: ele expressa a dimensão, o tamanho de algo concreto (como um objeto) ou abstrato (como uma qualidade). Luft (1979, apud GONÇALVES et al., 2010, p. 143) diz que grau é "possibilidade de indicar o tamanho do ser que nomeia".
Dessa maneira, temos os dois representantes maiores da categoria do grau: o aumentativo e o diminutivo. Quando não há nas palavras referência a dimensão ou intensidade, pode-se dizer que elas se encontram no grau normal. Assim, os termos grande, caldeira, pequeno e café (no grau normal) podem-se transformar em "grandão" e "caldeirão", "pequenininho" e "cafezinho" (no aumentativo ou no diminutivo).
Existem também, para os adjetivos, os graus comparativo e superlativo, mas ambos não fazem parte do recorte teórico deste trabalho.
O aumentativo e o diminutivo, como se pode perceber nos próprios termos, manifestam o aumento ou a diminuição, um tamanho maior ou menor do que o considerado "normal". Isso se dá de forma perifrástica pela adição de um adjetivo ao nome (como grande, pequeno) ou, de forma sintética, pelo acréscimo de sufixos (e, de modo menos frequente, prefixos), como se verifica nos exemplos citados por Gonçalves et al. (2010, p. 147):

(a) Ele tem uma barbona grandona como a do papai noel.
(b) É um tipo feio e mal encarado com um bigodão enorme que mais
parece a bunda dum preá, pele queimada do sol e um mãozão tipo marreta.
(c) todas com aquele barrigão de cerveja, o cabelo desgrenhado.

Os sufixos aumentativos e diminutivos podem se juntar a bases substantivas (o que é mais comum), adjetivas, verbais e, inclusive, adverbiais. Ex.: pobretão (do adjetivo pobre); mandão (do verbo mandar); pertinho (do advérbio perto). Pode-se dizer, então, citando o adágio popular, que "tamanho é documento" e, para transmitir nossa impressão sobre o tamanho das coisas, usamos o aumentativo e o diminutivo.
Soares da Silva (2007, apud GONÇALVES et al., 2010) defende a existência de um sufixo aumentativo tautológico, chamado aumentativo explicativo, que se apõe a bases cujo significado já remete a algo de grandes proporções com o intuito de ressaltar ou acentuar essa grandeza. É o que acontece em "naviozão" e "marzão". Soares da Silva (2006, p. 221) afirma, ainda, que também existe um diminutivo explicativo: "é o caso de passarinho ou migalhinha: um passarinho não tem que ser mais pequeno do que um pássaro; e uma migalhinha não diminui o tamanho de uma migalha, que de si já é um pequeno fragmento de pão ou de outro alimento farináceo."
Para Cunha & Cintra (2008, p. 102), o sufixo ?ão "é, por excelência, o formador dos aumentativos em português". Santos (2010) confirma essa condição do referido sufixo. São apontadas diversas outras opções, menos produtivas, de sufixos dessa natureza, tais como: -alhão (grandalhão), -(z)arrão (homenzarrão), -eirão (moleirão), -aça (barcaça), -aço (ricaço), -ázio (copázio), -uça (dentuça), -anzil (corpanzil), -aréu (fogaréu), -arra (bocarra), -orra (cabeçorra), -astro (medicastro), -az (assaz), -alhaz (facalhaz), -arraz (pratarraz).
Observa-se que a forma ?ão pode cumprir sozinha sua tarefa no vocábulo (como em pobretão) ou articular-se a
- consoantes de ligação ? como é o caso de chapelão (chapéu + l + ão);
- outros sufixos - como é o caso de ?alhão, -(z)arrão, -eirão, -ilão (comilão).
Os autores dizem (2008, p. 105) que o sufixo ?inho é "de enorme vitalidade na língua, desde tempos antigos", e são seguidos de perto por Soares da Silva (2006, p. 219): "...é grande a variedade de sufixos diminutivos, mas é, sem dúvida, -inh- o mais utilizado e produtivo..." Para este autor, esse é o sufixo diminutivo "canônico".
Outros sufixos diminutivos citados na literatura são: -zinho, -a (cãozinho, ruazinha); -ino, -a (pequenino); -im (espadim); -elho, -a (rapazelho); -ejo (lugarejo); -ilho, -a (pecadilho); -acho, -a (riacho); -icho, -a (barbicha); -ucho, -a (papelucho); -ebre (casebre); -eco, -a (livreco, soneca); -ico, -a (burrico, maricas); -ela (viela); -ete (foguete); -eto, -a (saleta); -ito, -a (rapazito, casita); -zito, -a (florzita); -ote, -a (velhote, velhota); -isco, -a (chuvisco, talisca); -usco, -a (chamusco); -ola (rapazola, marola).
Uma observação interessante a respeito do uso de ?inho ou ?zinho é colocada por Cunha & Cintra (2008, p. 106): a escolha entre esses dois sufixos dificilmente pode ser baseada em critérios claros e incontestáveis. Com exceção das palavras terminadas em ?s ou ?z (que pedem a primeira forma), em outros casos haver uma distinção de ordem da variação linguística, do registro empregado. A variedade culta e mais prestigiada tende para as formações com ?zinho, pois, assim, seria possível manter intacta a palavra primitiva; já na variedade coloquial, popular, vê-se certa preferência por ?inho. Daí proviria a existência das formas paralelas (ou concorrentes) baldezinho / baldinho, xicarazinha / xicrinha. Pode-se acrescentar a isso a influência dos chamados regionalismos (variações diatópicas), como ocorre em mãezinha / paizinho (no Sudeste) e mãinha / painho (no Nordeste). A questão cultural se impõe de maneira a deixar marcas, também, no campo do diminutivo.
Outra reflexão se constrói no que toca à questão do gênero. Como se dá a distinção masculino/feminino nos sufixos de grau analisados?
Quanto ao morfema ?ão, erguem-se dois postulados diferentes, um mais geral (talvez um pouco simplista) e outro mais específico. Cunha & Cintra (2008, p. 103) esclarecem que

(...) nos aumentativos em ?ão, o gênero normal é o masculino, mesmo quando a palavra derivante é feminina.
Assim:
a parede ? o paredão uma mulher ? um mulherão
Só os adjetivos fazem diferença entre o masculino e o feminino, diferença que, naturalmente, conservam quando substantivados:
solteirão ? solteirona chorão ? chorona

Entre os vocábulos que servem de base para os afixos de grau, somente os substantivos e adjetivos possuem o traço morfológico da flexão de gênero. O verbo e o advérbio não admitem, em geral, esse tipo de flexão, mesmo quando substantivados.
É feita uma distinção entre substantivos e adjetivos. Segundo os autores da Nova gramática do português contemporâneo, os substantivos sempre formam o aumentativo com o sufixo ?ão, não importando se o termo primitivo é masculino ou feminino. A variante feminina ?ona só poderia aparecer, desse modo, nos adjetivos.
Esse mecanismo é visto nas campanhas publicitárias de uma famosa marca de cerveja, conhecida como "um cervejão". Entre essas campanhas, uma das mais marcantes explora a rima de várias palavras terminadas com sonoridade homófona à do sufixo:
"Eu tô aqui com um amigão, jogando um poquerzão, bebendo um cervejão e não vou agora não."
Pode-se interpretar, também, que o uso do -ão nessas campanhas associa-se a certa concepção enraizada na sociedade de que "cerveja á bebida de homem!" ou, então, que "mulher não bebe" etc. Essa interpretação será retomada mais à frente, em outra seção deste texto.
Há uma significação do aumentativo que se junta à de tamanho grande: a formada por meio da metonímia continente/conteúdo, como ocorre em "Bati um pratão de comida e, pra acompanhar, um copão de suco". O prato e o copo não são necessariamente maiores do que o comum, mas estão cheios daquilo que contêm (comida e suco).

4. O CARÁTER POLISSÊMICO DO GRAU

Basilio (2008, p. 68-9), a partir de dois exemplos, sustenta ideias que complementam as analisadas anteriormente.
A expressão do grau pode ter uma função expressiva ou denotativs.
(...)
(9)a. A casa da minha avó tinha um varandão imenso.
b. Estou procurando um apartamento de três quartos com varandão.

Em (9)a, varandão pode ter função expressiva em relação ao tamanho grande de uma determinada varanda, ou designar um tipo específico de varanda grande; em b, trata-se apenas de um tipo específico de varanda grande, em edifícios.
Observe-se que, apesar da ambigüidade, existe uma característica morfológica a separar os dois casos, a saber: o aumentativo denotativo é feito pelo sufixo ?ão e é masculino e invariável. Já o aumentativo expressivo apresenta duas possibilidades no caso de palavras do gênero feminino: manter o gênero feminino, formando o aumentativo com a forma feminina ?ona; ou usar ?ao, caso em que a forma no aumentativo passa a ter gênero masculino. Nos exemplos de (9), em a. podemos substituir varandão imenso por varandona imensa, o que não é possível em b.

A função do grau como indicador da dimensão, do "tamanho" físico e concreto de algo, é chamada função denotativa. Essa é a função primeira da derivação de grau. A função expressiva, em geral, veicula impressões subjetivas, opiniões, avaliações positivas, afetivas, depreciativas.
Essas funções ligam-se diretamente aos conceitos semântico-estilísticos da denotação e da conotação, assim definidas, numa perspectiva funcionalista, por Proença Filho (2005, p. 30):

Por denotação compreende-se a parte da significação linguística ligada à função representativa ou referencial da linguagem.
A conotação, à luz do processo linguístico da comunicação e das funções da linguagem, é, como registra Mattoso Câmara, "a arte do sentido de uma palavra que corresponde à sua capacidade de funcionar para uma manifestação psíquica ou um apelo."



Assim sendo, a função denotativa coaduna-se (como próprio termo sugere) com o processo da denotação, e a função expressiva, com a conotação (visto que a toda manifestação subjetiva corresponde, em última instância, uma manifestação psíquica).
Pode-se sustentar, dessa maneira, que existe uma polissemia, um "mundo de sentidos" para os sufixos aumentativos e diminutivos, pois eles não se prestam a um único significado referencial. Gonçalves et al. (2010, p. 141) e Soares da Silva (2006, p. 219) mencionam que o aumentativo e o diminutivo, respectivamente, podem ser encaixados numa "rede de extensões polissêmicas", algo significativo para mostrar o quanto é variável o significado expresso pelo grau na língua portuguesa. Essa rede é chamada de "estrutura radial", uma estrutura "que se estende ou se move de um ponto central para fora" (cf. HOUAISS, 2001). Pode-se inferir que esse ponto central é a noção de dimensão. A partir dele, constroem-se todas as conotações, saem "raios" que apontam para diversas direções e contextos. Gonçalves et al. (2010, p. 150) desvendam bem essa estrutura radial, dizendo que "se parte de um domínio mais espacial (...) para usos cada vez mais avaliativos".Isso se dá a partir de metáforas, metonímias e outros recursos estilísticos.
Rio-Torto (1998, p. 172-3), sobre o sufixo aumentativo por excelência, escreve: "a análise dos derivados em ?ão permite constatar que, ao contrário do que faz crer a tradição gramatical, o sistema derivacional do português contemporâneo não possui um só sufixo ?ão, mas vários sufixos homônimos com a mesma estrutura formal". Essa autora difere vários sufixos ?ão, com aparências idênticas, mas essências e funções diversas, enquanto os outros autores mencionados no parágrafo antecedente veem igualdade de forma e conteúdo; diversidade, apenas funcional.
Agora, parte-se para uma análise detalhada de todas as possibilidades semânticas dos sufixos ?inho e ?ão.

4.1 USOS AFETIVOS, AVALIATIVOS E DISCURSIVO-PRAGMÁTICOS DO GRAU

Segundo Gonçalves et al. (2010, p. 146),
(...) até mesmo a expressão do aumento de tamanho pode ser considerada subjetiva, já que é relativa e, por isso, pode variar de indivíduo a indivíduo: o que é considerado grande para um, pode não o ser para outro,apesar de existirem padrões culturalmente instituídos acerca do tamanho de seres e coisas. Visto dessa maneira, o sufixo -ão é avaliativo por natureza; talvez esteja aí a justificativa da ampla diversidade de usos e acepções desse formativo.

[...]

[...] o grau é uma categoria semântica que se presta à indicação de atitudes subjetivas do falante em relação ao enunciado ou uma de suas partes.
Por isso mesmo, está diretamente relacionada à perspectiva do emissor que, ao intensificar ou dimensionar, orienta seu interlocutor para juízos de valor a respeito da pessoa ou coisa referida no enunciado, o que confere ao item morfologicamente complexo relevância tamanha que o torna marcado.


A partir das citações acima, e no esteio das noções de função denotativa e expressiva, pode-se dizer que os significados do aumentativo como tamanho grande e intensidade expressam um afeto ou uma avaliação (positiva ou negativa) da parte do enunciador.
Soares da Silva (2006, p. 223) afirma teoria semelhante quanto ao diminutivo: "o diminutivo pode ser a expressão de diferentes aspectos avaliativos mais ou menos emotivos e tanto positivos quanto negativos". A avaliação negativa, particularmente, é conhecida por depreciação ou pejoratividade.
Os aumentativos de cunho avaliativo, em geral, referem-se a objetos, animais, elementos da natureza, alimentos, qualidades ou estados de pessoas ou coisas ou partes do corpo de uma pessoa.
As bases denominadoras de partes do corpo são geralmente neutras em relação a usos avaliativos, mas, quando articuladas ao sufixo ?ão, indicam apreciação ou desprezo, de acordo com os padrões definidos pela sociedade, por aquilo que é julgado tamanho normal ou anormal. As frases que balizaram os estudos dos autores mencionados foram retiradas da Internet.
(d) Ola, o site tá legalzão, mas precisava de mais alguns downloads, como
carros, motos, skins e etc...
(e) Cansadão, mas feliz demais com o carinho e as boas energias que
a familia e os amigos de Minas me deram.
(f) pow o video fikou maneirao!!!!mais vc me esqueceu pow!!!!!!! Pô
Marcelo vi o programa, maneirão e vc comentou sobre o blog e disse q
vc mesmo q atualiza e tal (GONÇALVES et al., p. 149)

Nos exemplos acima, vê-se que cansadão configura a intensidade de um estado e, ao mesmo tempo, uma avaliação do enunciador sobre si mesmo. Quando se está cansado demais, espera-se certo desânimo, certa apatia. Porém, não é isso que acontece (como o conectivo mas pressupõe): o rapaz que pronunciou essa frase estava cansado e feliz. Já os termos maneirão e legalzão faz com que se construa a seguinte observação: o sufixo ?ão vai reforçar o caráter positivo ou negativo da base. Maneirão e maneiro trazem a mesma avaliação positiva, assim como chatão e chato, a negativa.

(a) Comi aquele bifão mal passado que eu adoro com arroz e batatas fritas
e uma cerveja geladona.
(b) Peguei um solzão maravilhoso neste fim de semana.
(c) Ontem, vi um filmão. Adorei!
(d) O apartamento do Rodolfo dá vistão pro mar!
(e) Sua vizinha é gostosona: bundão, peitão, coxão. (cf. GONÇALVES et al. , 2010, p. 152)

Alimentos e objetos estão muito ligados, como afirmam Gonçalves et al. (2010, p. 152), ao prazer físico, psíquico que provocam, tendo um toque sinestésico. Assim sendo, bifão pode ser um bife, até mesmo, de proporções reduzidas, mas que aguça o paladar, dá "água na boca" e proporciona uma sensação ótima a quem o consome, assim como a cerveja geladona. O adjetivo geladona, que marca o "estado térmico" da cerveja, é uma condição necessária para que a bebida esteja boa, pois ninguém gosta de cerveja quente, mas estupidamente gelada. Quanto mais gelada, melhor. Se geladona fosse trocado por quentona, a opinião veiculada pelo enunciador passaria da aprovação à desaprovação. Solzão e vistão manifestam o grande apreço dos falantes pelo meio ambiente, o gosto por uma vida mais próxima da natureza e das suas belezas. Há, inclusive, várias histórias jocosas em torno dos nativos de Minas Gerais, que, chegando a qualquer praia (mesmo em lagoas, etc.), exclamam: "Mas que marzão!! Trem bonito demais, sô!" Se fosse uma pessoa que não se expõe ao sol por diversos motivos (problemas de saúde, etc.) ou que tem medo de altura, a usar esses aumentativos, as tonalidades avaliativas flutuariam bastante. Os objetos podem ser algo de que gostamos muito (um presente especial, etc.) ou que esquecemos, não usamos ou não gostamos de usar. A mesma coisa se dá com o diminutivo. Soares da Silva (2006, p. 225) chama esse tipo de diminutivo hedônico e lista alguns casos:

a.peixinho, franguinho, bifinho, canjinha, bolinho, chocolatinho, frutinha, cafezinho, vinhinho, cervejinha, (água) fresquinha, cigarrinho
b.solinho, ventinho, banhinho, quentinho, fofinho
c.musiquinha
d.carinha, olhinhos, corpinho, rabinho
e.brinquinho, joiinha


Peitão, bundão e coxão assumem a carga de avaliação (extremamente) positiva, ainda mais quando se trata da cultura brasileira. Criou-se por aqui um estereótipo de mulher baseado nas mulatas das escolas de samba e nas garotas de Ipanema: mulheres belas, que fogem ao biótipo mignon das modelos de passarelas internacionais e cujo rebolado ao sambar ou caminhar expõe partes anatômicas avantajadas (sobretudo o famoso "bumbum"). As dançarinas de funk aperfeiçoam hoje esse estereótipo com o ideal de mulher musculosa, sarada, bombada. Os diminutivos peitinho, coxinha e bundinha podem sinalizar avaliações negativas ou positivas (essa última principalmente por intimidade do falante). Termos como narigão, barrigão e pezão expressam avaliações negativas, não por conta da base, mas (como já foi dito), pelo tamanho que não corresponde ao considerado "normal" pela sociedade. Alguns termos de baixo calão (ou palavrões) designam, por meio do aumentativo ou do diminutivo, partes do corpo e/ou se conjugam com um ponto de vista mais sexual: cuzão, cuzinho, bocetão, caralhinho, putinha. Soares da Silva (2006, p. 224) reforça essa possibilidade, dizendo que o diminutivo pode se vincular a "[...] palavras grosseiras do domínio sexual e outros tabus e até insultos."
Outro caso de avaliação, sobretudo negativa e pejorativa, está nos nomes deverbais chamados por Rio-Torto (1998, p. 169) de nomina agentis e por Gonçalves et al. (2010, p. 151) de agentes frequentativos. Esses nomes designam o responsável (+- humano) por alguma ação que acontece com muita frequencia, e é justamente essa frequencia (leia-se exagero) que faz o enunciador manifestar-se de maneira crítica em relação a esse responsável.
(07) (a) Abelardo é muito resmungão, reclamão e, ainda por cima, bocão...
Come à beça.
(b) O Rogerinho é pidão demais... Mó filão... Vive me pedindo cigarro!
(c) Toda hora Inácio vai ao banheiro: ele é simplesmente um mijão.
(d) Não gosto desse tipo muito entrão.
(e) O chorão do Nicanor ficou amarradão na Magnólia.
(cf. GONÇALVES et al., 2010, p. 151, grifo nosso)


O diminutivo assume uma função de carinho, grande afeto para com pessoas e animais, como já foi dito. Além disso, pode amenizar, atenuar condições miseráveis e exprimir (ao contrário do que se imagina) grande intensidade, plenitude (principalmente em adjetivos e advérbios). Basílio (2003, p. 74-5) chama essa primeira função de atitude subjetiva, e dá exemplos do sufixo ?inho com forte conteúdo pejorativo: "Maria era uma secretariazinha de segunda classe; O vestido era de um algodãozinho ordinário".Soares da Silva (2006, p. 224) confirma essas funções, dando os exemplos mãezinha, filhinho, avozinho, freirinha, amorzinho, caminha, cachorrinho, garotinho, quartinho (para o caso de afetividade e intimidade); pobrezinho, coitadinho, ceguinho, doentinho (para o caso atenuante); cedinho, pertinho, nunquinha, novinho, igualzinho, novinho, limpinho, baratinho (para o caso de intensidade ou plenitude). Destacam-se, ainda, para o autor, os diminutiva puerilia, próprios da linguagem infantil ou dirigida às crianças e presentes nos títulos de histórias como O Chapeuzinho Vermelho, O Patinho Feio, etc.
Além disso, o enunciador, ao lançar mão do grau, atende à expectativa daquele a quem se dirige ou quebra essa expectativa, garantindo a adesão ou provocando o rompimento da(s) outra(s) pessoa(s). Esse uso é chamado de discursivo-pragmático, pois o objetivo está mais centrado na subjetividade do interlocutor do que propriamente do enunciador. Falando sobre o diminutivo, Alonso (1954, apud SOARES DA SILVA, 2006, p. 231) distingue o uso dele com esses objetivos, chamando-o função ativa. Soares da Silva (2006, p. 232) fornece vários exemplos discursivo-pragmáticos do diminutivo, em ambientes profissionais, como forma de chamar a atenção para a situação de alguém, cortesia ou delicadeza com o interlocutor, modéstia, simpatia e/ou empatia:


Dai uma esmolinha ao ceguinho / pobrezinho!
Olha a sardinha fresquinha / vivinha!
[...]
Vou pedir-te um favorzinho.
É só uma ajudinha! / Só um jeitinho (para eu poder passar)!
A continha, se faz favor!
Depressinha!
Trago-lhe aqui um presentinho.
Então, está boazinha?
Adeusinho!

Uma situação atual e bastante interessante de uso discursivo-pragmático do aumentativo e do diminutivo pode ser vista na televisão. O cantor e apresentador Ronnie Von, em seu programa Todo seu (exibido pela TV Gazeta), conversa com os telespectadores chamando-os, respectiva e individualmente, de bonitão e bonitinha. Após o intervalo comercial, ele costuma dizer "Obrigado a você bonitinha, a você, bonitão, por não ter trocado o canal." Usando desse artifício, ele consegue passar às pessoas a sensação de serem únicas, especiais e conquista, através do reforço de uma qualidade supervalorizada socialmente (a beleza), um público "unissex" (contrariando o formato de um programa de televisão voltado às mulheres e fugindo ao machismo de certos apresentadores do sexo masculino). Ele ganha em prestígio, e a emissora ganha pontos na audiência televisiva, pois passa a contar com a adesão (é importante repetir essa palavra) cada vez maior dos cidadãos brasileiros.

4.2 O GRAU COMO DESIGNAÇÃO (DENOTATIVA OU FIGURADA)
Basilio (2003, p. 23) diz que o sufixo ?ão pode ser utilizado para designar objetos através do tamanho ou mesmo da intensidade de alguma qualidade. Assim, a função qualificadora do aumentativo cede o seu papel de destaque para a designadora (principalmente em relação a apelidos).
A autora dá diversos exemplos, tais como: Mineirão, frescão, orelhão, Minhocão,etc. A maioria desses nomes possui em si um componente figurado, pois se afasta do sentido denotativo da palavra base para dar margem a outras significações. Orelhão, nesse contexto, não significa uma orelha grande, mas um telefone público com cabine em formato de orelha; frescão é o ônibus equipado com um ar-condicionado, mais "fresco" e ventilado do que os outros; Mineirão é um grande estádio de futebol localizado em Belo Horizonte (MG). Um outro caso, bastante veiculado pela mídia devido aos graves problemas da violência no Brasil, é o caveirão, um veículo blindado do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), a tropa de elite da polícia militar carioca. Como o símbolo do BOPE é uma caveira, cunhou-se esse "simpático" nome para o blindado.
A palavra orelhão, de acordo com Gonçalves (2005, apud GONÇALVES et al., 2010, p. 142) sofre o fenômeno da lexicalização, "pelo qual determinados vocábulos sofrem modificação semântica (...) Essa mudança leva a opacificação do sentido original e se manifesta, entre outros, também nos afixos de grau."
Segundo Alves (1990, p. 62), "muitos neologismos são criados na língua portuguesa sem que se opere nenhuma mudança formal em bases léxicas já existentes". Caveirão é uma palavra criada através desse mecanismo, chamado "neologismo semântico ou conceptual" e explicado por Valente (2002, p. 165) como "novas significações para significantes já existentes", ao passo que o neologismo formal ou vocabular, mais conhecido pelos falantes em geral, é um novo significante criado na língua.
E o diminutivo, operaria também como um designador?
Alves (1990) sustenta que sim. E, para corroborar sua tese, dá o exemplo do termo baixinhos, usado (inclusive como estratégia de marketing pessoal) pela apresentadora de TV Xuxa como uma forma de se referir às crianças, seu público-alvo. Essa palavra tem marcado a carreira da apresentadora de forma tão significativa que ela é conhecida como a "rainha dos baixinhos"; vários dvd?s musicais da série Xuxa Só para Baixinhos já foram lançados, alcançando grande sucesso nas vendas. Mais uma vez percebe-se a formação de um neologismo semântico, através da metonímia "ser humano > filho de um ser humano, pequeno > novo". Metonímia semelhante é abordada por Soares da Silva (2006, p. 222) como essência dos termos leãozinho e rolinha. O autor menciona, também, diversos exemplares de palavras designadas por diminutivo: pombinhos (noivos), casadinhos (biscoitos unidos por algum recheio especial, como o de goiabada), salgadinhos (biscoitos; alimentos à base de uma massa especial, fritos ou assados), bandeirinha (o auxiliar do árbitro), camisinha (anticoncepcional), sombrinha (guarda-chuva pequeno), picuinha (fofoca), alminhas (nicho com a imagem de algum santo católico), santinho (imagem de candidato a algum cargo público).
Casos de grau designador ocorrem com os chamados nomina actionis, substantivos oriundos de verbos e denominadores de ações, processos ou eventos, sem cargas semânticas de intensidade ou avaliação. Os nomes deverbais que trazem essas cargas semânticas, como os agentes freqüentativos, já foram abordados. Rio-Torto (1998, p. 166) ilustra com diversos exemplos esse caso:
(...) abrasão ("desgaste por atrito de abrasar"); empurrão ("acto de empurrar; encontrão); encontrão ("embate de pessoas ou coisas"); escorregão ("escorregadela"); orelhão ("puxão de orelhas"); puxão ("acto ou efeito de puxar"); rasgão ("efeito de rasgar; rasgadela"); raspão ("ferimento feito raspando; arranhadura"); e vesgastão ("vesgastada")



A mesma autora cita, por último, nomes deverbais que têm o objetivo de nomear um instrumento, ou seja, "[...] objeto considerado em relação à sua função, ao uso que dele se faz; utensílio" (cf. HOUAISS, 2001). No Brasil, ouve-se muito, nos meios rural e da construção civil, a palavra enxadão. Vejam-se alguns desses nomes:

[...]escovilhão ("escova cilíndrica para limpar o interior de peças de secção circular, como tubos de ensaio [...]"); esfregão ("rodilha ou pano de esfregar"); formão ("utensílio de carpintaria e de outros ofícios, geralmente constituído por uma lâmina retangular, com gume num dos topos e cabo no outro"); picão ("martelo pontiagudo de ambos os lados utilizado na primeira fase do aparelhamento da pedra; picareta; sacho para o milho"); pilão ("instrumento para pilar"); podão ("instrumento recurvo, próprio para cortar madeira, podar árvores; podadeira") e regrão ("regrador; régua") (RIO-TORTO, 1998, p. 171-72)


4.3 O GRAU E A VARIAÇÃO GÊNERO-SEXO

Os estudos da sociolinguística têm demonstrado que a interação verbal não é feita da mesma maneira pelo homem e pela mulher. A complexidade dos traços físicos, psíquicos e sociais que distinguem os dois sexos revela-se, de forma clara, quando se analisam as falas masculina e feminina. Essas diferenças concretizam-se em vários níveis linguísticos: sintático, semântico, morfológico e, inclusive, lexical.
Emilio (2003, p. 44), após organizar um corpus de dados obtidos através de entrevistas informais, faz uma interessante observação acerca das relações homem / mulher, aumentativo / diminutivo:
Outro fator que cabe comentar é o sexo. Há o mito de que a mulher
é dotada de maior afetividade. Além disso, nossa intuição fazia crer
que a mulher usava mais -inho, tendo em vista que, de algum modo, o
diminutivo -inho está ligado à afetividade. Os resultados apresentaram
um uso quase equivalente. Mesmo considerando a equivalência, se nos
apoiarmos na idéia de que o grau normal é uma escolha para caracterizar
mais objetividade no ato de expressar, vamos perceber que este uso
foi realizado mais pelas mulheres (56%). Contudo, mudanças nos valores
sociais exercem, sem dúvida, influência na fala. Surge, pois, uma
questão: Estariam os homens, hoje, mais voltados aos aspectos subjetivos
da língua na forma de expressar que as mulheres? (Sinal dos tempos?).


A sociedade moldou, desde os tempos mais remotos, estereótipos em relação ao homem e à mulher, e, de acordo com esses estereótipos, são cobradas das pessoas atitudes e valores que estejam de acordo com a sua natureza sexual (ou com as construções feitas em torno dessa natureza). A autora fala, apropriadamente, em mito, pois está muito enraizada a ideia de que a mulher precisa ser terna, subjetiva e mais afeita aos sentimentos(em suma: feminina) e o homem, rude, objetivo e, de certa forma, insensível. Piadas e expressões surgiram em torno dessas crenças e ajudaram a cristalizá-las em autênticos preconceitos. Atualmente, os homens tratam-se por termos curiosos, tais como molecão, campeão, filhão, termos de matiz semântico indefinido, que parecem circular entre as esferas intensiva, afetiva e discursiva-pragmática do aumentativo. Se alguém chamar um amigo, pela primeira vez, pelo diminutivo do seu nome, surge logo a pergunta, desconfiada, do outro: "Tá duvidando da minha masculinidade?"
Assim sendo, o aumentativo estaria mais de acordo com o homem por ressaltar os caracteres de grandeza, força e um suposto poder, um instinto dominador. O diminutivo, mais adaptado à mulher, pois ela seria fraca, submissa. Vale discutir dois textos literários (um do século XX e outro do XIX) que auxiliam no entendimento desses preconceitos.
Veríssimo (1996, apud VALENTE, 2002), numa crônica esclarecedora a esse respeito, mostra a cena de um casal na cama. O marido gostava de ser chamado pela esposa pelos aumentativos ursão e ursanzão, numa referência à sua força, ao seu poderio sexual e, provavelmente, à profusão de pelos pelo seu corpo. A mulher, através do diminutivo, era a ursinha, talvez um mero brinquedinho de pelúcia, à disposição do seu homem. Porém, uma palavra colocada, com toda a boa intenção, por ela, quebra a atmosfera criada em torno da união conjugal: garanhão. Essa palavra não foge à conotação de força, e ainda a reforça, pois exalta a qualidade de conquistador, que afeta o ego e os "brios" masculinos. O conflito se dá pelo fato de ela nunca ter se referido a ele antes daquela forma. Talvez, então, ela a usasse com outro, um amante. Usando um aumentativo que já se tornou clichê: o ricardão. Esse conflito demonstra a insegurança do marido diante do que a esposa sentia por ele. A segurança alimentada por tantos aumentativos egocêntricos acabava de ruir.
Na obra O crime do padre Amaro, publicada em 1875, Eça de Queirós mostra, através do personagem Libaninho, que esse preconceito sustenta-se com o passar dos séculos:
Quando iam sentar-se à mesa chegou o Libaninho todo azafamado, gingando muito, com a calva suada, exclamando logo em tons agudos:
-Ai, filhos! Desculpem-me; demorei-me mais um bocadinho. Passei pela Igreja de Nossa Senhora da Ermida, estava o padre Nunes a dizer uma missa de intenção. Ai, filhos! Papei-a logo, venho mesmo consoladinho!
A Gertrudes, a velha e possante ama do abade, entrou então com a vasta terrina do caldo de galinha; e o Libaninho, saltitando em roda dela, começou os seus gracejos:
-Ai, Gertrudinha! Quem tu fazias feliz bem eu sei! (QUEIRÓS, 1994, p. 79)

Pode-se ler nas entrelinhas do romance que a masculinidade de Libaninho é posta em questão o tempo todo. Afinal de contas, segundo a visão de mundo sustentada no âmago da narrativa, como pode um homem de verdade falar em tons agudos, saltitar, fazer gracejos e, além de tudo, usar tantos diminutivos? Isso não honraria a seriedade e a gravidade masculinas, seria coisa de homossexuais, de mariquinhas, vistos pela sociedade, desde aquela época até hoje, de forma pejorativa e desrespeitosa.
Porém, a pesquisa de Emilio (2003) sinaliza que essas concepções correspondem cada vez menos à realidade observável. Os papéis sociais de homens e mulheres têm se alterado e se mesclado cada vez mais: as mulheres assumem o papel de "provedoras do lar" enquanto os homens cuidam da casa e dos filhos; estatísticas apontam que muitos homens e mulheres pensam sobre adultério e relações casuais de forma parecida (não cabe a este trabalho discutir as implicações morais disso); surge a figura do metrossexual, pois os homens têm dado mais valor à questão da aparência física, solicitando cabeleireiros, manicures e outros profissionais antes praticamente restritos ao universo feminino. Cerveja, casa de amigos e pôquer não são, necessariamente, privilégios ou preferência masculinos, nem a liquidação, o cartão de crédito e o consumismo, fixações da mulher, como as propagandas tentam inculcar. Aliás, talvez elas façam, na verdade, uma grande brincadeira para questionar essas ideias pré-concebidas.
Com todas essas mudanças, é natural que barreiras linguísticas também caiam, tanto que o uso do diminutivo ficou praticamente dividido na pesquisa empreendida pela referida autora (56% para as mulheres; 44% para os homens). Logo, considerar-se alguém mais ou menos homem pelo uso de certas estruturas da língua torna-se raro, e se pode usar o diminutivo "à vontade", de forma democrática.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegando-se ao termo deste trabalho, pode-se perceber um pouco da riqueza expressiva que os graus aumentativo e diminutivo (representados, sinteticamente, pelos sufixos ?ão e ?inho) disponibilizam aos falantes da língua portuguesa. O grau pode indicar sentidos básicos (tamanho, intensidade, quantidade), nos quais não entra obrigatoriamente a subjetividade dos interlocutores, ou se basear prioritariamente nessa subjetividade (como é o caso dos usos discursivo-pragmáticos), apesar da dificuldade de se distinguir, em qualquer coisa que se fala, a ausência de qualquer tipo de avaliação, emoção, sentimento e do desejo de influenciar, de alguma maneira, o outro (ainda que esse "outro" seja o nosso próprio ego ou um ser sobrenatural, como ocorre quando se fala sozinho ou com Deus).
Se o falante deseja nomear algo novo, ou dar um apelido, pode também se valer dos sufixos aumentativo e diminutivo, manifestando nessas nomeações, inclusive, sua opinião sobre o ser, sobre a coisa designada.
O grau não se resume, então, a sinalizar a grandeza ou a pequenez do que quer que seja. Há muito mais a ser dito.
Como foi dito em algum momento deste trabalho, as demandas do discurso criam necessidades cada vez mais amplas e urgentes. Então, essas necessidades motivam e direcionam a maneira de se usar a língua, como acontece com a derivação de grau. Os recursos, repita-se, estão à disposição de todos. Cada um escolhe o que melhor aprouver ao contexto, à situação comunicativa.














REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS

ALVES, Ieda Maria. Neologismo: Criação lexical. São Paulo: Ática, 1990.

BASILIO, Margarida. Formação e classes de palavras no português do Brasil. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2008.

________. Teoria lexical. 7. ed. São Paulo: Ática, 2003.

CAMARA JR., Joaquim Mattoso. Problemas de Linguística Descritiva. 19. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 5.ed. Rio de Janeiro: Lexicon, 2008.

Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Versão 1.0. São Paulo, 2001.

EMILIO, Aline. Diminutivo X grau normal: um fenômeno estilístico no enfoque da abordagem variacionista. Revista da Abralin, São Paulo, v. 2, n. 1, jul. 2003. Disponível em http://www.abralin.org/revista/RV2N1/artigo1/RV2N1_art1.pdf Acesso em 06 mai 2010.

GONÇALVES, Carlos Alexandre et al. Para uma estrutura radial das construções X-ão do português do Brasil. (no prelo), 2010.

PROENÇA FILHO, Domício. A linguagem literária. 7. ed. São Paulo: Ática, 2005.

QUEIRÓS, Eça de. O crime do padre Amaro. São Paulo: Moderna, 1994.

RIO ? TORTO, Graça Maria. Morfologia derivacional: teoria e aplicação ao Português. Porto: Porto, 1998.

ROSA, M. C. A. P. Formação de nomes aumentativos: Estudo da Produtividade de alguns sufixos portugueses. Rio de Janeiro, UFRJ. (Mimeo), 1986.

SANTOS, Patrícia Botelho. Um estudo sobre a produtividade dos sufixos aumentativos. Disponível em http://www.filologia.org.br/vcnlf/anais%20v/civ6_18.htm. Acesso em 06 mai. 2010.

SOARES DA SILVA, Augusto. O mundo dos sentidos: polissemia, semântica e cognição. Coimbra: Almedina, 2006.

VALENTE, André. A produtividade lexical em diferentes linguagens. In: AZEREDO, José Carlos de (org.). Língua portuguesa em debate: conhecimento e ensino. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
















ANEXO

Cena 1
Homem e mulher na cama.
-Quem é o seu ursão?
-É você.
-Quem é o seu ursanzão?
-É você.
-E quem é a minha ursinha?
-Sou eu.
-Me chama de "meu ursão".
-Meu ursão. Meu ursanzão. Meu ursanzão peludão.
-Eu sou o seu ursanzão peludão, sou?
-É. Meu garanhão.
-Quê?
-Meu garanhanzão.
-Pô, Matilde.
-Que foi?
-"Meu garanhão"?!
-Que que tem?
-Você sabe o que é garanhão?
--Ora, Paulo. Quem não sabe o que é garanhão?
-Antes você não sabia.
-Eu sempre soube o que é garanhão. Não dizia, mas sabia.
-E por que está dizendo agora?
-Que mal há em dizer... Francamente, Paulo!
-Você conheceu algum garanhão?
-Não, Paulo. Não conheci nenhum garanhão pessoalmente. Meu conhecimento é puramente teórico. Aliás, não conheço nenhum urso, também. O único urso que eu conheço é você.
-Não é a mesma coisa. "Ursão" e "ursinha" é uma coisa nossa. Desde a nossa lua-de-mel, ou você já esqueceu? Não sei por que você teve que trazer esse "garanhão" pra nossa cama. Olha aí, espantou os ursos.
-Está bem, eu retiro o garanhão. Fora desta cama, garanhão. Xô, xô.
-Agora não adianta. O mal está feito. Pô, Matilde. Nunca pensei.
-Ei, ursão... Ursanzão...Ursanzão peludão...Eu não quero um garanhão. Eu quero você.
-E você acha que eu não sou um garanhão?
-Não. Você é um ursão. Ursão é melhor que garanhão.
-Como é que você sabe? Se você não conhece nenhum garanhão, como é que pode comparar?
-Iiih... Sabe de uma coisa, Paulo? Boa noite.
-Não, agora eu quero saber!