A LÍNGUA ESCRITA E SEUS DESAFIOS: UMA ANÁLISE DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM EM LEITURA E ESCRITA NA ESCOLA MARIA DO CARMO ANDRADE[1]

                                                                                         Raimunda de Jesus da Silva[2]

RESUMO                                                                                                                   

Este artigo acadêmico-científico objetiva analisar a efetivação do processo de leitura e escrita em alunos do 5º ano do Ensino Fundamental da Escola Maria do Carmo Andrade, procurando identificar as principais dificuldades enfrentadas por professores e alunos nesse processo e as prováveis causas das mesmas. Na realização deste estudo de cunho qualitativo utilizou-se a pesquisa bibliográfica e de campo. Fundamentando as discussões aqui apresentadas, foram consultados autores como: Soares (1986); Ferreiro (1991); Seber (1995); Solé e Teberosky (2004); Simonetti (2005); Bastos (2003), dentre outros. E a pesquisa de campo se deu por meio de um questionário aplicado aos professores, de um grupo focal com alunos identificados pelos docentes como possuidores de dificuldades em leitura e escrita e de uma análise da escrita dos alunos de uma das três turmas investigadas. Os dados obtidos demonstraram haver certa preocupação da escola com as dificuldades de leitura e escrita dos alunos, porém, constatou-se que há, por parte dos professores uma transferência de responsabilidades no que se refere às dificuldades na aprendizagem. Constatou-se ainda uma forte cobrança em relação ao erro e inadequação na forma de correção da escrita dos alunos, o que interfere negativamente na aprendizagem dessas crianças.

PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem; Leitura; Escrita; Processo   

INTRODUÇÃO

Sabe-se que a linguagem é um elemento essencial do processo formativo do ser humano. Desse modo, a leitura e a escrita devem ocupar uma área de destaque no processo de aprendizagem escolar, uma vez que a leitura é, ao mesmo tempo, disciplina e instrumento para a aprendizagem dos mais variados campos da ciência (ALLIEND, 2005). Para aprender os conteúdos das várias áreas de conhecimento a pessoa precisa se apropriar do sistema da escrita. A necessidade de aprender a ler e a escrever, no entanto, vai além disso: faz parte da cidadania, é um direito de todo ser humano.

                   A incapacidade de ler e escrever nas situações sociais onde esta capacidade é exigida, além de limitar o acesso a informações, privando a pessoa da aquisição de novos conhecimentos, tira dela o direito de participar de forma autônoma da vida social pelo fato de estar inserida numa sociedade onde a cultura escrita se faz presente pelos mais diversos meios. 

Compreende-se a leitura e a escrita como um dos conhecimentos escolares básicos essenciais e que o desenvolvimento desta habilidade serve de base para a obtenção de novos saberes. Entretanto, as dificuldades de aprendizagem em leitura e escrita constituem-se um dos graves problemas que enfrentam os alunos das escolas do Brasil, preocupando educadores, pesquisadores da área da Educação e a sociedade.

Enquanto que a LDB art. 32, no inciso I assegura “a formação básica do cidadão mediante o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo”, a realidade educacional aponta crianças e adolescentes que, por motivos intrínsecos e/ou extrínsecos, enfrentam dificuldades na efetivação da leitura e da escrita, o que muitas vezes implica em experiências escolares fracassadas.

Atualmente, dentre os meios utilizados para avaliar o rendimento na aprendizagem dos alunos em nível nacional, destaca-se o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica). As provas do Saeb são feitas a cada dois anos, avaliando a 4ª série (5º ano) e 8ª série (9º ano) do Ensino Fundamental e o 3º ano do Ensino Médio.

De acordo com uma publicação feita pelo INEP divulgando o mapa de analfabetismo no Brasil baseado nos dados obtidos na prova de 2001, 59% dos alunos do 5º ano do Ensino Fundamental não apresentavam habilidades de leitura compatíveis com o nível esperado para este segmento. Na prova de 2003, foi divulgado que eram 55% os que se apresentavam em níveis muito críticos no desempenho da leitura e escrita, ou seja, não desenvolveram habilidades mínimas condizentes com quatro anos de escolarização.

Em 2005 os dados do Saeb apontaram que, ao final do 5º ano do Ensino Fundamental, apenas 29,12% das crianças tinham aprendido o que era esperado para este estágio, ou seja, apenas 03 em cada 10 alunos aprenderam o que era adequado para essa etapa em Língua Portuguesa. Os dados do saeb revelaram ainda neste mesmo ano, que o analfabetismo funcional atingia 80% das crianças que cursavam o 5º ano do Ensino Fundamental.

Diante dessa realidade, propõe-se a realização de uma pesquisa investigativa a partir da seguinte problematização: Com tantos avanços na compreensão do processo de aquisição da leitura e da escrita, por que ainda há alunos que terminam a primeira fase do Ensino Fundamental sem o domínio dessas habilidades? Que aspectos estão interferindo no processo de ensino- aprendizagem desses alunos? O que está ou não sendo feito para motivar o interesse pela leitura?  

Inúmeros estudos já foram realizados em torno do ensino e da aprendizagem da leitura e escrita e dos fatores envolvidos no aprender a ler. Neste trabalho, o enfoque esteve voltado para a questão pedagógica, assim, procurou-se analisar a efetivação do processo de leitura e escrita em alunos do quinto ano, tentando identificar situações de deficiências e as prováveis causas para as mesmas. Para isso, optou-se por uma pesquisa de natureza qualitativa, considerando-se que esta abordagem proporciona resultados significativos na área educacional através do contato do pesquisador com o ambiente e a situação investigada.

Os tipos de pesquisas utilizadas neste trabalho foram a bibliográfica, fundamentando as discussões com as idéias de teóricos renomados no assunto dentre os quais se ressaltam: Ferreiro (1991), Seber (1995), Solé e Teberosky (2004), Simonetti (2005). E a pesquisa de campo tendo como métodos a aplicação de questionário aos professores, a análise da produção escrita dos alunos, e por último, a formação de grupo focal com os alunos que apresentam dificuldades em leitura e escrita.

Este artigo está organizado em três tópicos: o primeiro traz um breve olhar sobre a leitura e a escrita, destacando a difusão desta no decorrer dos avanços históricos. O segundo traz uma análise das abordagens da Psicologia que determinaram e ainda determinam os processos de leitura e escrita, sendo destacada a posição behaviorista e a construtivista, como também as mudanças que ocorreram na compreensão da alfabetização com ênfase na perspectiva recente de se “alfabetizar letrando”. Por fim, no terceiro tópico, apresentam-se os resultados da pesquisa realizada, com suas devidas considerações.

Para compreender melhor as dificuldades que envolvem o processo ensino-aprendizagem da leitura e escrita, faz-se necessário uma revisitada aos primórdios do ser humano, analisando o desenvolvimento da escrita como um sistema de representação que marcou o desenvolvimento humano em diversos aspectos.

  1. 1.                  UM OLHAR HISTÓRICO SOBRE A LEITURA E A ESCRITA

 

Entende-se, atualmente, que as primeiras manifestações da linguagem escrita têm sua origem nas pinturas do homem pré-histórico. À medida que o ser humano foi se desenvolvendo e fazendo uso do seu pensamento, foi sentindo a necessidade da utilização de símbolos que fossem compreensíveis por outros homens para a representação de suas ideias. Esses símbolos, que consistiam inicialmente de desenhos, foi evoluindo gradativamente como sistema de comunicação ao longo da história até os dias atuais.

De acordo com Silva, com o desenvolvimento das civilizações o sistema da linguagem escrita teve avanços significativos tais como: a invenção do sistema alfabético (atribuída aos fenícios), a descoberta da possibilidade de escrever em folhas de pergaminho e mais tarde a produção do papel pelos chineses. Entretanto tais avanços não difundiram o sistema de escrita, pois bem poucos tinham acesso à cultura letrada. “Os conhecimentos eram socializados na oralidade, mediante o fato de que a leitura e a escrita estavam ao alcance de poucos privilegiados.” (SILVA, 2007, p. 31).

Vale ressaltar que na Idade Média a grande maioria da população era excluída da educação formal e que a Igreja monopolizava o ensino, o que deu um caráter religioso à leitura, restringindo-a a nobreza ou aqueles que fossem seguir carreira religiosa.

Para Silva, a partir do surgimento de atividades comerciais e manufatureiras a população urbana foi crescendo e com ela, a necessidade de instrução. Com o enfraquecimento da Igreja após a reforma protestante, a leitura começou a se expandir.

Na visão desta autora, outros avanços contribuíram com o processo de comunicação através da língua escrita, como: a invenção da imprensa, o advento da industrialização e por fim, o surgimento das ideias iluministas que apontaram a leitura como o caminho para se chegar ao conhecimento.    

 Diante das necessidades oriundas dessas conquistas históricas, a difusão da escolarização atingiu as massas populares e a alfabetização tornou-se o fundamento da aprendizagem escolar.

A partir daí, muitas discussões surgiram em torno da alfabetização influenciando as práticas pedagógicas, que também foram evoluindo em função das mudanças sociais, a fim de atender às questões colocadas pelas novas necessidades sociais e econômicas.

  1. 1.           ABORDAGENS PSICOLÓGICAS ACERCA DO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LEITURA E ESCRITA.

O ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita, ao longo do tempo passaram por diversas transformações. Nesse contexto de mudanças, de acordo com estudos realizados por Solé e Teberosky, algumas perspectivas da psicologia surgiram cada uma com explicações e aspectos peculiares, como também com suas limitações na compreensão do processo de alfabetização. Dentre essas posições teóricas, abordaremos aqui as duas que se sobressaem ou que mais determinam as práticas de ensino.

2.1 A perspectiva behaviorista

 

A perspectiva behaviorista fundamentada na teoria do empirismo, onde o conhecimento é adquirido por meio da experiência com ênfase no comportamento, nos estímulos externos e na aplicação de reforços.

O professor não considera o que a criança já sabe sobre aquilo que ele pretende ensinar. Pelo contrário, ela é vista inicialmente como alguém que “não sabe nada”, cabendo ao professor aplicar estímulos e reforços para que, através do treino, adquira o conhecimento. 

Para o behaviorismo, a alfabetização reduz-se à aprendizagem de uma série de habilidades observáveis e mensuráveis (Solé e Teberosky, 2004). De acordo com esta teoria, as percepções são a base dos conhecimentos, e a aprendizagem da leitura e a escrita é entendida simplesmente como capacidade de estabelecer correspondências entre unidades gráficas e unidades sonoras (habilidade de codificar e decodificar).

Defensora do método sintético, a perspectiva behaviorista interpreta o ensino como um processo sequencial que parte do simples para o complexo, seguindo uma organização hierárquica dos componentes (letras, sílabas, palavras...), ou seja, depois de repetidos exercícios de prontidão é que a criança inicia a alfabetização propriamente dita, começando por conhecer as letras, depois as famílias silábicas, depois as palavras simples, e assim por diante até a construção de frases e textos (IDEM).

 No início do processo de alfabetização, para que se estabeleça a relação letra-som, primeiro são treinadas algumas habilidades que são vistas como pré-requisito para a leitura e a escrita especialmente a habilidades de discriminação sonora e visual. Nesse sentido, Seber explica que:  

Esses treinamentos exigem condições especiais. Por exemplo, trabalha-se uma modalidade perceptiva de cada vez, ou uma só direção espacial ou ainda, uma letra, um número, uma sílaba, reforçando cada situação até que a criança alcance a “habilidade específica”. (SEBER, 1995, p. 102).

Vale ressaltar que essas estratégias são determinadas a partir de um critério adulto de “dificuldade-facilidade”. E, para alcançar essas “habilidades específicas necessárias à alfabetização”, a criança é submetida a exercícios gráficos de repetição e memorização, método de espelhamento ou cópia, a fim de dominar as técnicas de correspondência entre letras e sons.

Nesse contexto, a alfabetização se resume ao domínio das técnicas necessárias a decifração do código escrito, deixando de considerar um aspecto importante que é a construção de significados ao que se ler.

Durante muito tempo as práticas de ensino da leitura e da escrita se pautaram nesta perspectiva, alguns professores ainda hoje se baseiam nesta forma de entender a alfabetização. Porém, percebe-se nesta abordagem, uma grande limitação no que se refere ao desenvolvimento da compreensão textual e à capacidade de uso da linguagem escrita, não atendendo, portanto, aos desafios e necessidades do momento atual.

2.2 A perspectiva construtivista

 

Segundo Solé e Teberosky, no âmbito da alfabetização inicial o construtivismo hoje traduz em duas orientações distintas: o construtivismo psicogenético - influenciado por Piaget e pela psicologia genética, e o socioconstrutivismo - baseado nas idéias de Vygotsky. “Ambas enfatizam os aspectos simbólicos e representativos da escrita e concebem os processos de aprendizagem como processos construtivos.” (2004, p. 116).

O construtivismo psicogenético compreende o processo de construção da alfabetização do ponto de vista da criança, e a escrita como a construção de um sistema de representação. O socioconstrutivismo enfatiza os aspectos socioculturais que envolvem a alfabetização e insiste na importância da interação da criança com o meio e a participação em “práticas letradas” para a sistematização desse processo.

Há autores, entretanto, que utilizam os termos sociointeracionismo, construtivismo e construtivismo interacionista como sinônimos. Como é o caso de Simonetti, em seu livro “O desafio de Alfabetizar e Letrar”. Na visão desta autora “o ser humano é um sujeito biológico e histórico que constrói o seu próprio conhecimento, em interação com o objeto de conhecimento e, principalmente, com as pessoas, as linguagens e a cultura” (2005, p. 27). Assim, neste trabalho fazemos referência à perspectiva construtivista considerando as duas orientações (psicogenética e interacionista) simultaneamente.

  A teoria e a prática da alfabetização tiveram grandes mudanças partir da década de 1980 com as contribuições dos estudos sobre a psicogênese da língua escrita de Emília Ferreiro e Ana Teberoky enfatizando os processos de aprendizagem da escrita, já que até então a ênfase era dada aos métodos e as técnicas de ensino, como explica Ferreiro:

Havia uma visão instrumental tão forte segundo a qual a escrita é uma técnica de transcrição de sons em formas gráficas e, vice-versa, de convenção em formas gráficas em sons, que tudo parecia muito simples [...] Dessa perspectiva técnico-instrumental não há nada que conhecer, simplesmente há coisas para memorizar e reter. (FERREIRO, 2001) apud (SIMONETTI, 2005, p. 30)

Para Ferreiro e Teberosky, o aprendizado do sistema de escrita não se restringe a decodificação e codificação, mas se caracteriza como um processo ativo por meio do qual a criança, desde os primeiros contatos com a escrita, constrói e reconstrói hipóteses sobre o sistema de representação da língua escrita.

 Simonetti (2005, p.31) descreve as hipóteses elaboradas pela criança no início desse processo da seguinte forma:

  • HIPÓTESE DA CORRELAÇÃO ESCRITA-IMAGEM: a criança acha que não dá para ler se não tiver figura, ou que desenhar e escrever uma palavra são duas coisas idênticas.
  • HIPÓTESE DA QUANTIDADE MÍNIMA DE CARACTERES: a criança acha que é preciso um número mínimo de letras, em torno de três, para que se possa ler.
  • HIPÓTESE DA VARIEDADE DE CARACTERES: a criança acredita que uma sequencia de letras iguais não serve para ler, por isso acha que é preciso variar as marcas gráficas.
  • HIPÓTESE DO REALISMO NOMINAL: a criança pensa que as palavras se escrevem de acordo com as características do objeto, do animal ou da coisa em si.
  • HIPÓTESE DE NOME: a criança acha que só os substantivos podem ser escritos.

Segundo Teberosky e Colomer (2003) apud (Simonetti, 2005, p. 32), essas hipóteses que as crianças desenvolvem, constituem respostas a problemas conceituais semelhantes aos que os seres humanos enfrentaram ao longo da história da escrita. Por isso essas hipóteses devem ser consideradas desde o início da escolarização para que as crianças evoluam na compreensão da escrita.

Simonetti afirma ainda que os estudos de Emília Ferreiro e seus colaboradores mostraram que durante a evolução da escrita as crianças passam por três níveis de escrita e apresenta as características próprias de cada nível (IDEM, p. 32-39):

  1. NÍVEL PRÉ-SILÁBICO: Neste nível a criança já compreende que escrever é uma coisa e desenhar é outra, porém, sua interpretação da escrita é subjetiva, representa as palavras de modo pessoal e não estabelece correspondência sonora entre grafemas e fonemas.
  1. NÍVEL SILÁBICO: Nesta fase a criança já começa a compreender a relação entre o registro gráfico e o aspecto sonoro da fala. Utiliza a estratégia de registrar cada sílaba falada com uma marca escrita, que pode ser letra ou não.
  1. NÍVEL ALFABÉTICO: Nesta fase a criança compreende que cada um dos caracteres da escrita corresponde a valores sonoros menores do que a sílaba e realiza sistematicamente uma análise da relação entre a grafia e os fonemas das palavras que vai escrever.

Vale ressaltar que a passagem de um nível para outro é marcado por um período de muita reflexão por parte da criança. Nesse período é de suma importância seja dada a criança oportunidades de contato com diversos portadores de texto, e ainda, que as práticas pedagógicas venham ao encontro de suas reflexões, oferecendo situações reais de uso da linguagem escrita.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino da Língua Portuguesa, embora não façam referência a teoria nenhuma, nem tampouco defenda um método específico, apontam questões importantes que fazem parte da proposta construtivista. Em se tratando do aprendizado inicial da leitura, os PCN’s deixam claro que:

É preciso superar algumas concepções sobre o aprendizado inicial da leitura. A principal delas é a de que ler é simplesmente decodificar, converter sons em letras, sendo a compreensão consequência natural dessa ação. Por conta desta concepção equivocada a escola vem produzindo grande quantidade de “leitores” capazes de decodificar qualquer texto, mas com enormes dificuldades para compreender o que tentam ler. (BRASIL, 1997, p. 55).

Na busca por uma aprendizagem significativa no que se referem ao ensino da língua, os PCN’s orientam ainda que “para aprender a ler e a escrever é preciso pensar sobre a escrita e como ela representa graficamente a linguagem”. (IDEM, p. 82)

Embora a perspectiva construtivista valorize os processos de aprendizagens muito mais que os métodos, vale ressaltar que esta abordagem em nenhum momento nega a necessidade da aprendizagem do código escrito. Mas defende que esse conhecimento deve ser acompanhado de significado, e não de forma mecânica.

 Para a professora Magda Soares, alfabetizar não se limita a ensinar a codificar e decodificar, mas assegura que codificar e decodificar faz parte importante desse processo.

Sem dúvidas a alfabetização é um processo de representação de fonemas em grafemas, e vice-versa, mas é também um processo de compreensão/expressão de significados por meio do código escrito. Não se consideraria “alfabetizada” uma pessoa que fosse apenas capaz de decodificar os símbolos sonoros, “lendo”, por exemplo, sílabas isoladas. Como também não se consideraria “alfabetizada” uma pessoa incapaz de, por exemplo, usar adequadamente o sistema ortográfico de sua língua, ao expressar-se por escrito (SOARES, 2006a) apud (SIMONETTI, 2005, p. 17)

Isto quer dizer que, para uma pessoa conseguir se alfabetizar em língua de                                          alfabeto fonético como a nossa, ela precisa, necessariamente, aprender a registrar o som das palavras. Entretanto, apenas essa habilidade não é suficiente para alguém ser considerado leitor e escritor.

Morais (2004) faz referência ao sistema notacional, ou sistema de notação alfabética. Este autor discute a necessidade de que o aprendiz compreenda que, o que a escrita alfabética anota no papel ou na tela do computador são os sons das palavras orais, e explica que para se chegar a esta compreensão, é preciso que sejam desenvolvidas habilidades de análise fonológica. Portanto, é necessário que a criança seja estimulada a refletir sobre as palavras e sobre como funciona o sistema alfabético.

Conforme as explicações de Bastos (2003), a consciência fonológica envolve a consciência de rima[3], de aliteração[4], de segmentação[5] de palavras – frases – sentenças, de quantidade de sílabas e formação de novas palavras. Todas estas habilidades podem ser trabalhadas através de jogos, músicas, histórias, enfim, de forma atraente e prazerosa a fim de suscitar o interesse da criança durante o seu processo de aprendizagem e ajudá-la a progredir na sua compreensão acerca do funcionamento da língua escrita.

Através da constatação do fato de um número considerável de pessoas que, embora alfabetizadas, não saberem usar a escrita nas práticas sociais, surgiu no Brasil a utilização do termo letramento. Para Soares (1998) apud SIMONETTI (1995, p. 21) letramento ou cultura letrada pode ser definido como “condição de quem não sabe apenas ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita”.

Conforme Batista, letramento pode ser entendido como:

O resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever, bem como resultado da ação de usar essas habilidades em práticas sociais, é o estado ou condição que adquire um grupo social ou indivíduo como consequência de ter se apropriado da língua escrita e de ter se inserido num mundo organizado diferentemente: a cultura escrita. (2006, p. 11)

Compreende-se, dessa forma, que a escola tem hoje o duplo desafio de, além de ensinar o funcionamento do código escrito, favorecer ao educando as condições necessárias para lidar com as variadas formas e diferentes contextos em que se apresenta a cultura escrita.

Morais (2004, p. 26) afirma que “a condição de sujeito letrado se constrói nas experiências culturais com práticas de leitura e escrita que os indivíduos têm oportunidades de viver, mesmo antes de começar sua educação formal”. Sendo assim, as crianças que convivem desde cedo com numerosas formas de inscrições produzidas e interpretadas pelos adultos, obtendo informações sobre o uso e finalidades dos textos que circulam ao seu redor, já estão iniciando o seu processo de aprendizagem do sistema de escrita ao mesmo tempo em que fazem uso desse sistema, ou seja, ao mesmo tempo em que se constrói como sujeito letrado. É por isso que Simonetti (2005, p. 24) adverte que “as crianças não precisam aprender primeiro a ler e a escrever para depois chegar ao letramento”, pois a escrita já faz parte do seu dia-a-dia.

Esta mesma autora, discorrendo sobre a relação entre alfabetizar e letrar, chama atenção para a fusão desses dois conceitos e para as confusões que se criaram em torno da alfabetização e do letramento. E explica que “na escola brasileira, nas últimas décadas, passou-se do excesso de especificidade na alfabetização (centrada apenas na codificação e decodificação) para a perda da especificidade do processo de alfabetizar”. (IDEM, p.22)

Para Soares (2003) apud (Simonetti, 2005), essa perda da especificidade pode ser atribuída às interpretações equivocadas que se fez da proposta construtivista. Dentre esses equívocos estão a ideia de negação dos aspectos psicomotores ou grafomotores e a suposição de que apenas o convívio intenso com material escrito (sem a orientação de um adulto mais experiente) seja suficiente para a criança ser alfabetizada.

Como conseqüência, houve uma dissociação entre o processo de letrar e o processo de alfabetizar, como se um dispensasse ou substituísse o outro. Entretanto, com base nas contribuições de Soares, entendemos que alfabetização e letramento são processos de natureza fundamentalmente diferentes, porém, são processos interdependentes, indissociáveis e simultâneos. A autora explica que:

Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais concepções psicológicas, lingüísticas e psicolingüísticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita se dá simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita – a alfabetização, e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita - o letramento (SOARES, 2003) apud (SIMONETTI, 2005, p. 23).

Dessa forma, compreende-se que a alfabetização só tem sentido quando leva a criança a pensar sobre o uso e funções da escrita nas práticas sociais, quando proporciona a aquisição do sistema de escrita por meio de textos que tenham sentido real, que conduzam a reflexão sobre como estes se fazem presentes no meio social.

Portanto, podemos concluir que alfabetização e letramento são processos que se diferem, cada um com suas especificidades, mas complementares e inseparáveis, ambos indispensáveis para a formação de leitores competentes.

  1. 2.   PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Conforme já discutido anteriormente, a leitura e a escrita constituem um dos conhecimentos escolares mais importantes, por serem atividades fundamentais no desenvolvimento e na formação do ser humano, seja dentro ou fora da escola.

Objetivando analisar a efetivação do processo de leitura e escrita dos alunos do 5º ano do Ensino Fundamental, realizou-se uma investigação que se desenvolveu por meio de uma pesquisa de cunho qualitativo. “A pesquisa qualitativa possui algumas características que a diferenciam das demais. Uma delas é a utilização do ambiente em que se dá a situação investigada como fonte de coleta de dados (BASTOS, 2003, p. 73), possibilitando assim ao pesquisador perceber o contexto em que se dão os dados coletados. 

O campo escolhido para a investigação foi a Escola Maria do Carmo Andrade pertencente a rede municipal de Sobral, localizada no bairro das Pedrinhas. Esta escolha deu-se mediante o fato dessa escola atender a um número de três turmas de 5º ano com um público de alunos diversificado do ponto de vista sócio-cultural.

Em se tratando dos sujeitos da pesquisa, foram alunos e professores que atuam no 5º ano da referida escola. A escolha pelo 5º ano ocorreu em virtude de que este faz parte do público avaliado pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e ainda pelo conhecimento que se tem de pesquisas apontando que muitas crianças chegam a esta etapa do Ensino Fundamental sem apresentar habilidades mínimas de leitura e escrita.

No que diz respeito aos instrumentos de coleta de dados, primeiro utilizou-se um questionário aberto aplicado às professoras que atuam nas turmas investigadas, a fim de se obter informações acerca das principais dificuldades enfrentadas por essas profissionais no ensino da língua escrita.

 Depois, foi utilizada a técnica do grupo focal que consistiu numa entrevista com um grupo de alunos identificados pelas professoras como possuidores de dificuldades na leitura e escrita, para assim analisar o que sentem esses alunos e identificar quais dificuldades eles vivenciam ao longo do processo de aprendizagem da leitura e da escrita.

 Por último, fez-se uma análise da produção escrita dos alunos de uma das turmas investigadas, com o objetivo de averiguar de forma mais abrangente a efetivação do processo de aprendizagem da leitura e escrita dessas crianças.

Nesta pesquisa, o questionário e o roteiro da entrevista com o grupo de alunos foram elaborados de acordo com os seguintes objetivos específicos:

  • Identificar as principais dificuldades vivenciadas pelos professores no ensino da língua escrita;
  • Investigar junto aos professores os fatores que justificam a promoção dos alunos que ainda não leem;
  • Averiguar o que existe na escola de incentivo à leitura e a escrita;
  • Investigar a participação dos professores na elaboração do currículo para leitura e escrita;
  • Conhecer o nível de formação profissional dos professores que trabalham nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
  • Verificar as dificuldades vivenciadas pelos alunos no processo de aprendizagem da leitura e da escrita;
  • Identificar o nível de interesse e as formas de acesso dos alunos ao mundo da escrita;

3.1- Apresentação e análise dos dados

 

 3.1.1 Do questionário:

A aplicação do questionário foi de suma importância para esta investigação, pois permitiu analisar o processo de ensino da leitura e escrita, os desafios que os docentes enfrentam nesse trabalho e como estes vêm sendo superados.

A escola que serviu de campo para a pesquisa dispõe de três turmas de 5º ano contando com a atuação de quatro docentes, sendo que cada uma trabalha em áreas específicas. Assim, uma assume as aulas de Português, outra as de Matemática, outra História e Geografia, e a última foi contratada especificamente para reforçar a leitura e a escrita dos alunos com dificuldades de aprendizagem.

O questionário foi aplicado a estas quatro profissionais que, independentemente da área de conhecimento em que atuam, lidam com leitura e escrita, entretanto, de uma delas não foi possível obter respostas. Assim a análise se deu a partir das respostas que obtivemos das demais profissionais as quais identificaremos aqui como professora A, professora B e professora C.

Quanto a formação dessas professoras, duas são pedagogas, sendo que uma delas é pós-graduada em Gestão Escolar e a última é estudante de pedagogia. Todas afirmaram  que participam das capacitações e dos cursos de formação continuada que são oferecidos a todos os professores da rede municipal. 

Constatou-se através das informações obtidas através do questionário que nessas três turmas há um total de nove alunos com dificuldades na aprendizagem da leitura e escrita. Dentre as razões apontadas pelas professoras para o atraso desses alunos estão: a infrequência, a falta de acompanhamento e apoio da família, problemas cognitivos, e ainda a falta de um diagnóstico mais preciso por parte da instituição de ensino sobre as dificuldades de aprendizagem dos alunos.

É comum entre educadores, atribuir o insucesso dos alunos ao não-acompanhamento dos pais. Não se pode negar que a participação da família é importante para a aprendizagem da criança. Porém, não se pode esquecer de que a aprendizagem escolar é responsabilidade da escola, principalmente quando estas crianças vêm de pais não-leitores. Nesse caso a escola precisa se responsabilizar por oferecer a elas a oportunidade de leem diversos gêneros ao mesmo tempo em que aprendem, caso contrário, haverá uma transferência de responsabilidade que penalizará o aluno, privando o da liberdade que envolve o “poder” ler e escrever.

No que se refere à ausência de um diagnóstico, verificou-se que a idéia das professoras é a de que este é tarefa da instituição, quando na verdade é o próprio professor que deve, no cotidiano da sala de aula, diagnosticar as dificuldades de aprendizagem dos alunos para, a partir dos resultados e com a ajuda da instituição, desenvolver estratégias que levem a superação dessas dificuldades.

Questionadas sobre a promoção dos alunos sem o domínio da leitura e da escrita, a professora “A” apontou a questão da idade e o fato de serem considerados os outros conhecimentos que o aluno expressa na convivência. Já a professora “B” apresentou uma crítica ao sistema educacional que “prioriza os números em avanço e não avanço da aprendizagem”, e a professora “C” também fez referência ao sistema que não aceita que os alunos permaneçam na mesma série devido a faixa etária.

 De acordo com a compreensão que se tem hoje acerca do processo ensino-aprendizagem, é possível afirmar que a reprovação não resolve o problema dos alunos com atrasos no processo de leitura e escrita, principalmente quando se trata de alunos com dificuldades de natureza cognitiva. Mas, entende-se que deve ser desenvolvido estratégias educativas especiais que possibilitem a esses alunos avançarem de acordo com o seu ritmo de aprendizagem, respeitando assim o processo individual numa perspectiva de educação inclusiva.

As respostas das docentes abaixo transcritas revelam as principais dificuldades vivenciadas por elas no ensino da língua escrita:

  • “Pouco diálogo em família influenciando no vocabulário. Ex.: Vocabulário pobre” (Professora A).
  • “A própria base, pois sem essa, o aluno não terá bom desempenho no seu caminhar. Codificação” (Professora B).
  • “Estou com uma clientela muito difícil, com famílias desmembradas onde a conquista é fundamental para a participação nas aulas. Esse trabalho requer muita dedicação e inovação para suprir o desinteresse dos alunos”(Professora C).

Como se pode perceber, as dificuldades levantadas pela professora “A” e pela professora “C” retomam a questão da participação da família no processo educativo. De acordo com o depoimento da primeira professora, a “pobreza” no vocabulário do aluno decorre da deficiência linguística do ambiente familiar. Tal afirmação coincide com a ideia presente na ideologia do déficit linguístico atribuído às crianças das camadas populares, tentando justificar o fracasso dos alunos pertencentes a essas classes.

Analisando o fracasso escolar no que se refere a relação entre linguagem e escola a partir de uma perspectiva social, Soares (1987) identifica três ideologias presentes no contexto educacional: a ideologia do dom – que aponta as diferenças individuais (dom, aptidão, inteligência) como causas dos fracassos; a ideologia da deficiência cultural – segundo a qual as causas estariam no contexto cultural de que o aluno provém, ou seja, alunos provenientes de um meio pobre em estímulos sensórios-perceptivos, apresentariam déficits afetivos, cognitivos e linguísticos por causa dessa carência cultural; e a ideologia das diferenças culturais –  admite a existência de “sub-culturas” e de uma cultura dominante, que por razões sócio-econômicas aparece como a cultura legítima e, como na escola o aluno é avaliado em relação ao modelo cultural que não é o seu,  este aluno fracassa. De acordo com Soares, as duas primeiras ideologias citadas, colocam a responsabilidade pela não-aprendizagem para o aluno, ao passo que na última a responsabilidade cabe à escola, que não sabe lidar com a diversidade cultural e acaba transformando diferença cultural em deficiência cultural.  

Já no relato da professora “B”, quando trata de falta de base, supõe-se que ela se refere às habilidades necessárias à aprendizagem do código escrito, das quais já tratamos anteriormente. Porém não foi sentido nessa resposta nenhuma preocupação com ações que possam levar as crianças à superação desta dificuldade, já que agora o desenvolvimento desses alunos é responsabilidade da professora atual juntamente com a escola.

No questionário aplicado às professoras foi perguntado que recursos eram utilizados para despertar o interesse pela leitura. Elas afirmaram que fazem uso dos seguintes meios: “estratégias de leitura silenciosa, oral, coletiva, individual; e recursos como; textos diversificados, textos de fácil compreensão e com ilustrações, recortes, jornais, livros paradidáticos, fichas de leitura, papel para produção de textos, histórias da origem de determinadas coisas na matemática, pesquisas”.

Observa-se que são usados vários recursos. Contudo, vale lembrar que além da leitura, é necessário que o aluno perceba os contextos nos quais são empregados, que reconheça as características e as funções desses recursos ou desses portadores de textos.

 Ainda tratando de incentivo a leitura, constatou-se que a escola dispõe de uma pequena biblioteca que, segundo as professoras, é utilizada em pesquisas orientadas, empréstimos de livros e reforço de leitura. Entretanto, de acordo com o relato da professora B, devido não ter um bom espaço “a biblioteca se torna um pouco desconfortável para o estímulo ao interesse pela leitura”.

Por fim, ao serem questionadas sobre a elaboração do currículo para leitura e escrita, investigando como este era elaborado, e se havia a participação delas nessa elaboração, a professora “A” afirmou que o currículo era feito de acordo com a proposta curricular com base no plano de curso, seguindo as normas da escola de formação. E as professoras “B” e “C” responderam que esta participação acontece na formação continuada e nos encontros periódicos ao apresentarem as dificuldades de aprendizagem dos alunos mensalmente.  

Percebe-se aqui pouca autonomia das professoras em relação ao seu plano de aula.  Além disso, pelo que se pode notar, o currículo é o mesmo para todas as escolas do município, desconsiderando os diferentes contextos em que este será aplicado.  

3.1.2      Do grupo focal:

Em uma das visitas à escola, solicitou-se a formação de um grupo focal com alunos do 5º ano no qual foi realizada uma entrevista de maneira informal, pois acreditamos ser esta uma forma de obtermos dados diretamente desses sujeitos acerca das suas dificuldades sem, no entanto, causar constrangimento aos mesmos.

A entrevista se deu de maneira satisfatória com a participação de seis alunos que apresentam dificuldades em leitura e escrita. No início da entrevista esses alunos se mostraram inseguros e intimidados, exceto uma menina que se expressava de modo espontâneo e livre. Enquanto que os demais somente respondiam as questões que eram dirigidas a eles.

Ao serem perguntados se gostavam de leitura, todos afirmaram que sim. Então citaram os tipos de textos que mais os atraía: lendas, fábulas, poemas, história em quadrinhos...

Esses alunos, embora com dificuldades na leitura, mostraram-se conhecedores de alguns dos diversos gêneros textuais. Segundo Costa Val (2006, p. 21), “Saber reconhecer diferentes gêneros textuais e identificar suas características gerais favorece bastante o trabalho de compreensão, porque orienta adequadamente as expectativas do leitor diante do texto”. 

Ao perguntar às crianças quais eram as dificuldades que elas vivenciam no processo de aprendizagem da leitura e escrita, algumas disseram que era de juntar as sílabas, outras que era de “lembrar” o que liam, outra ainda citou dificuldade de “aprender palavras novas e saber o significado”, e um aluno, que apresentava certa limitação na fala, disse ter dificuldades de pronunciar as palavras.

Pode-se constatar aqui, uma das dificuldades que compromete a leitura que é a dificuldade de compreensão leitora. De acordo com Bastos (2003), o aluno com dificuldade de compreensão leitora geralmente desconhece total ou parcialmente o significado das palavras; não consegue retirar a ideia central dos parágrafos ou textos; e tem limitações ou incapacidade de expressar com suas palavras o texto que leu.

É importante ressaltar que a compreensão leitora depende dos conhecimentos que os alunos trazem de suas vivências, mas também dos objetivos da leitura e da motivação e estímulo ao ato de ler. Essas motivações podem e devem ser dadas antes, durante e depois da leitura, a fim de criar expectativa e interesse pela mensagem escrita.

Buscando compreender o que pensam e sentem as crianças sobre as dificuldades a elas conferidas, indagamos ainda sobre como se sentem em relação à leitura e escrita. E ficamos profundamente sensibilizadas com as respostas, tanto que as transcrevemos da forma em que foram ditas.

  • “Fico nervoso quando leio e fico errando as palavras e com medo de errar mais. Também não sei escrever rápido. Eu faço redação e demoro demais, todos os meus colegas terminam logo, só eu não”(aluno 1).
  • “Triste. Menos que os outros” (aluno 2).
  • “Vontade de ser como os outros” (aluno 3).
  • “Sinto medo por causa da prova” (aluno 4).
  • “Ás vezes fico com vontade de chorar quando não consigo ler” (aluno 5).
  • “Uma agonia, angústia” (aluno 6).

Diante das respostas citadas acima, percebe-se uma pressão muito forte sob a criança no que diz respeito ao erro, principalmente nas falas do aluno 1 e do aluno 4.

A escola, ao premiar e colocar em destaque aquele que acerta, involuntariamente, contribui para que o aluno com dificuldade se sinta inferior, gerando uma sensação de desânimo ou estagnação que provavelmente irá bloquear a capacidade de manifestar seu pensamento através da escrita.

Em contrapartida, a perspectiva construtivista entende que os erros das crianças, geralmente são frutos de reflexão que demonstram como as crianças estão pensando, são, portanto, erros construtivos. Vale lembrar que Piaget faz menção ao erro como fator importante na construção do conhecimento, e que esta posição teve forte repercussão no âmbito escolar e em outros contextos que envolvem processos avaliativos (NUNES, 2008).

A entrevista com os alunos demonstrou ainda a falta de incentivo ao hábito de leitura por parte da família. Embora todas as crianças tenham afirmado a presença de material escrito (livros, revistas, jornais) em suas casas, apenas uma das entrevistadas disse vê sua mãe ler, embora que “somente os livros da faculdade dela”. Alguns são filhos de pessoas não- escolarizadas, outros dizem não ver os pais lendo porque estes passam o dia inteiro trabalhando.

Dessa forma, se estas crianças não têm uma referência leitora em casa, cabe a escola assumir a responsabilidade de despertar e incentivar o gosto pela leitura, caso contrário, a criança nunca compreenderá a leitura como algo importante e que pode ser prazerosa.

Ao serem interrogadas sobre como seus professores dos anos anteriores trabalhavam a leitura e a escrita, e que atividades eram realizadas para que eles aprendessem a ler e superar suas dificuldades, os alunos citaram dois exemplos completamente distintos. Primeiro relataram a experiência negativa que tiveram com um professor que, em vez de ajudá-los a aprender, ficava zangado porque eles não sabiam. Depois com empolgação, relataram as estratégias usadas pela professora atual para incentivá-los a leitura. Essas estratégias constam de leitura de muitas histórias, jogos, ditados e passeios.

3.1.3     Da análise da escrita dos alunos:

A ideia inicial nesta investigação era de motivar os alunos para uma produção escrita da qual seria feita a análise. Porém pelo fato de se dispor de pouco tempo não foi possível fazer uso dessa estratégia. Então, solicitou-se a professora de Português que fosse cedido uma atividade de produção textual que os alunos já tivessem feito para que se pudesse fazer esta análise.

A atividade recebida foi da turma do 5º ano “C” e constava de uma sequência de quadrinhos, a partir da qual os alunos escreveram uma narrativa. Nesta escrita constatou-se que a maioria desses alunos dispõe de boa percepção e criatividade. Porém, notou-se a dificuldade de organização de idéias, falta de coerência e bastante repetição de palavras, decorrente talvez de um vocabulário restrito.

A análise das produções escritas pelos alunos revelou também que a forma de correção empregada pela docente não contribui para uma aprendizagem reflexiva. Como essas atividades já tinham sido corrigidas pela professora, observou-se que ao ser detectado a presença de ortografia incorreta, caligrafia ilegível ou inadequação na estrutura dos textos, ou esses erros são circulados com a escrita correta logo abaixo, ou era reescrito de caneta sob a escrita do aluno.

Analisa-se dessa forma, que a maneira de conduzir a correção dessas produções textuais mostra não apenas um trabalho inadequado, voltado exclusivamente para o uma aprendizagem mecânica visando à escrita correta das palavras, já que o aluno não é conduzido a pistas que o leve a refletir sobre o caráter convencional da escrita, mas é dada a ele a escrita na forma correta para que “aprenda como se escreve” e não venha a errar novamente.

Dessa forma, nota-se que não é aproveitado esse erro para favorecer a reflexão do aluno acerca da escrita. Essa forma de ensinar a escrita convencional nos reporta a um ensino tecnicista que vê o aluno como sujeito passivo no processo de aprendizagem.

Como já mencionamos neste trabalho, a compreensão do erro na concepção de Piaget conduz a ideia de que este tem um papel importante na construção do conhecimento. Assim, na passagem pelo conhecimento da leitura e da escrita não poderia ser diferente, é comum aparecerem erros no processo de conceitualização e, ao tentar evitar tais erros, o professor evita que a criança pense (FERREIRO, 1991). Trata-se assim de uma nova maneira de pensar a respeito dos erros das crianças, de entendê-los como erros que fazem parte do seu avanço na aprendizagem da escrita convencional, e não no sentido comum do termo.

Portanto, o papel do professor nesse processo é o de mediador. Ou seja, aquele que faz a mediação entre o conhecimento que o aluno já adquiriu e aquilo que ele ainda precisa sistematizar.

  1. 3.    CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer desse estudo acerca da aprendizagem da leitura e da escrita, foi possível perceber algumas das mudanças pelas quais tem passado a compreensão e o ensino da língua, como também os desafios enfrentados durante a sistematização desse conhecimento.

As concepções tradicionais de alfabetização, que durante muito tempo nortearam as práticas docentes, priorizavam a decifração mecânica do código escrito e deixaram de considerar aspectos relevantes para uma leitura eficaz. Como conseqüência dessas práticas, surge a constatação de um grande número de pessoas que, mesmo sendo alfabetizadas, têm dificuldades em participar ativamente das práticas sociais letradas.

Atualmente compreende-se que dentre os desafios que envolvem o ensino da língua escrita está a necessidade de formar leitores e escritores capazes de dominar o código e que, ao mesmo tempo sejam também capazes de fazer uso da escrita nas diferentes situações sociais.

Com a análise dos dados obtidos na investigação, percebeu-se que embora “revestida de boas intenções”, a escola, muitas vezes, se distancia do seu papel ao responsabilizar a família ou mesmo o próprio aluno pelo baixo desempenho.  

O papel da escola no contexto atual é o de criar condições para que o aprendiz participe de forma ativa da construção do seu próprio conhecimento, dando-lhe suporte para que desenvolva suas habilidades de forma significativa, ou seja, a partir de suas vivências. Entretanto, percebe-se nas práticas docentes a presença de ações fundadas em conceitos de uma pedagogia já ultrapassada, de ensinar pelo medo, de crer que o aluno tem que saber por que será avaliado, de pressionar para que o aluno mostre resultados não importando como este se sente diante do seu insucesso, enfim, são atitudes  que não correspondem aos ideais da tão sonhada educação libertadora.

O que se quer hoje é uma escola que veja o aluno como sujeito capaz de aprender independentemente de suas dificuldades, de sua classe ou condição social. Uma escola que contribua para a formação de leitores e escritores críticos, reflexivos e autônomos capazes de interagir com o outro e com o mundo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BASTOS, Marbênia Gonçalves Almeida. Formação de Professores para o diagnóstico das dificuldades de leitura e de escrita. Fortaleza: Ed.EDUECE, 2003, 208 P.

BATISTA, A. A. Gomes et all. Capacidades Linguisticas da alfabetização e a Avaliação. Brasília: MEC. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação à distância. Universidade Federal de Minas Gerais. 2006. 100 p. (Coleção PRÓ-LETRAMENTO. Fascículo 01).

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CEARÁ. Secretaria da Educação Básica do Estado do Ceará. Leis Básicas da Educação: Todos pela educação de qualidade para todos. 1ª Edição atualizada. 1997.

COSTA VAL, Maria da Graça. O que é ser alfabetizado e letrado?/ Práticas de Leitura e escrita/ Maria Angélica Freire de Carvalho e Rosa Helena Mendonça (orgs.). Brasília: Ministério da Educação, 2006.

FERREIRO, Emília. Psicogênese da Língua Escrita. Trad. Diana Myriam Lichtenstein, Liana di Marco e Mário Corso. 4ª Edição.Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.

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MORAIS, Artur Gomes de. Consciência fonológica e aprendizado da escrita alfabética: como esta relação quando desejamos alfabetizar numa perspectiva de letramento? II Seminário de Educação do Ceará, Fortaleza, 2004.

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SEBER, Maria da Glória. Psicologia do pré-escolar: uma visão construtivista/ Maria da Glória Seber, Vera Lúcia de Freitas Luís (colaboradora). São Paulo: Moderna, 1995.

SIMONETTI, Amália et al. O Desafio de Alfabetizar e Letrar. Fortaleza: Edições Livro Técnico, 2005, 208 p.

SOARES, Magda. Linguagem e Escola: uma perspectiva social. São Paulo: Editora Ática, 1986.

SOLÉ, Isabel; TEBEROSKY, Ana. O ensino e a aprendizagem da alfabetização: uma perspectiva psicológica. Desenvolvimento Psicológico e Educação/ César Coll, Álvaro Marchesi e Jesús Palácios (orgs). Trad. Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed Editora, 2004.

NUNES, Ana Ignez Belém Lima. Psicologia da aprendizagem: processos, teorias e contextos/ Ana Ignez Belém Lima Nunes, Rosemmary do Nascimento Silveira. Fortaleza: Liber Livro, 2008. 192 p. (Coleção Formar)

www.deolhonaeducação.org.br Acesso em: 27 de JUN. 2009.

 

 



[1] Artigo apresentado ao Curso de Pedagogia da Universidade Estadual Vale do Acaraú, como requisito para a obtenção do título de graduada em Pedagogia, habilitação em séries iniciais, sob orientação da Professora Regina Lúcia de Sousa.

[2] Aluna graduanda em Pedagogia, autora deste artigo.

[3] Repetição de um mesmo som na terminação de duas ou mais palavras.

[4] Repetição de fonema(s) no início, meio ou fim de palavras próximas, ou em frases ou versos em sequência.

[5] Consciência de que as sílabas formam as palavras, as palavras formam as frases, as frases formam as sentenças e assim por diante.