Com quanto o conceito teológico de liberdade seja distinto do seu conceito político filosófico, Jean-Jacques Rousseau estava teologicamente correto quando iniciou seu Contrato Social declarando: "O homem nasce livre e por toda parte está a ferros"; quais sejam estes ferros, os pecados.
    Quando Deus cria o homem, Ele o cria em um estado de liberdade por excelência, onde sua essência e natureza são de liberdade, pondo-o no Éden. Há várias faces dessa liberdade. Certamente a mais significativa seja a que o homem tinha trânsito irrestrito a plenitude de Deus " Quando ouviram a voz do SENHOR Deus, que andava no jardim pela viração do dia" (Gn 3:8). Outra diz respeito a livre ação, o homem desde criado podia fazer o que bem quisesse.
    Aqui cabe uma ressalva: o homem não foi criado sem uma finalidade; conquanto o motivo de sua criação (o por que?) esteja no beneplácito divino, o objetivo dela (o para que?), é cumprir os desígnos de seu Criador. Contudo o Criador concedeu a liberdade, que possibilitou ao homem ir contra o propósito de sua criação, e assim pecar.
    O pecado altera a natureza do homem; mesmo que a sua ecessência permanece a mesma, não pecadora, contudo sua natureza passa a ser pecadora; e, a partir do pecado de Adão e Eva todos são gerados em pecado "Eu nasci na iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe" (Sl 51:5). Uma vez tendo pecado, o homem abdica de sua liberdade e torna-se escravo do pecado, seu estado natural não é mais de liberdade mas sim de escravidão "Eu, todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado" (Rm 7:14).
    Um conflito ou mesmo um paradoxo é criado então: a essência de liberdade do homem, dada por Deus, permite que o homem peque e tenha sua natureza modificada, tornando-se escravo. Por isso podemos entender quando Paulo diz "Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum, pois o querer o bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo. Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço" (Rm 7:18-19). Vemos claramente a distinção entre a natureza pecadora do apóstolo "isto é, na minha carne, não habita bem nenhum" e a sua essência não pecadora "pois o querer o bem está em mim"; e vemos como a natureza escrava suplanta a essência de liberdade "não, porém, o efetuá-lo. Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço".
    Contudo a essência do homem ainda está nele, uma essência não pecadora que busca cumprir o propósito de sua criação, ou seja, cumprir a vontade do Criador, Deus "Porque, no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus" (Rm 7:22). Por isso o homem tenta de todas as formas romper com sua natureza pecadora " mas vejo, nos meus membros, outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros" (Rm 7:23), guerreando contra ela, a fim de voltar a sua essência.
    Uma pausa!
    Se a essência de liberdade do homem é responsável por possibilita-lo pecar, então a essência de liberdade do homem é ruim?! Claro que não! "Que diremos, pois? É a lei pecado? De modo nenhum! Mas eu não teria conhecido o pecado, senão por intermédio da lei; pois não teria eu conhecido a cobiça, se a lei não dissera: Não cobiçarás. Mas o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, despertou em mim toda sorte de concupiscência; porque, sem lei, está morto o pecado.  Outrora, sem a lei, eu vivia; mas, sobrevindo o preceito, reviveu o pecado, e eu morri. E o mandamento que me fora para vida, verifiquei que este mesmo se me tornou para morte. Porque o pecado, prevalecendo-se do mandamento, pelo mesmo mandamento, me enganou e me matou. Por conseguinte, a lei é santa; e o mandamento, santo, e justo, e bom. Acaso o bom se me tornou em morte? De modo nenhum! Pelo contrário, o pecado, para revelar-se como pecado, por meio de uma coisa boa, causou-me a morte, a fim de que, pelo mandamento, se mostrasse sobremaneira maligno" (Rm 7:7-13).
    O paradoxo paulino consiste na liberdade dada pelo Criador ter levado à escravidão. Não por Deus, já que o mandamento é "santo, e justo, e bom", mas pelo próprio homem que não sabendo usar sua liberdade essencial corrompeu sua natureza, tornando-a escravizadora de sua própria liberdade. Paulo ao contemplar seu próprio antagonismo pessoal não terá o que dizer se não "Porque nem mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o que prefiro, e sim o que detesto" (Rm 7:15); mesmo tendo a consciência de si mesmo "Neste caso, quem faz isto já não sou eu, mas o pecado que habita em mim" (Rm 7:17).
    Como voltar a liberdade essencial? Se Deus fez o homem em liberdade perfeita, é desejo de Deus que o homem seja livre, totalmente; como ser livre da natureza pecadora, e por isso escravocrata?
    A resposta é a mais óbvia e simples possível: através do sacrifício de Jesus! "Quem me livrará do corpo desta morte? Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor. De maneira que eu, de mim mesmo, com a mente, sou escravo da lei de Deus, mas, segundo a carne, da lei do pecado. Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus. Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte. Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado" (Rm 7:24-25; 8:1-3).
    Com isso, é entendido a "a boa, agradável e perfeita vontade de Deus" (Rm 12:2):  ao efetuar-mos a vontade de Deus, nos distanciamos do pecado e de sua escravidão, caminhando ao encontro da liberdade essencial, adquirida ao cumprir com o propósito de nossa criação. A vontade de Deus é boa pelo próprio fato de Deus ser bom "Rendei graças ao SENHOR, porque ele é bom" (Sl 136:1); perfeita, porque somente vivendo segundo a vontade de Deus, pode-se ter uma vida de genuína liberdade, tornando-a agradável já que a mesma anula a escravidão do pecado e da natureza pecadora do homem possibilitando a manifestação da essência de liberdade. Nas palavras de Rousseau "porque o impulso do puro apetite é escravidão, e a obediência à lei que se prescreveu a si mesmo é liberdade".
    É assim, que pode-se afirmar que obedecer a vontade de Deus, seja ela qual for, é um ato libertador e não de perca de liberdade! Isso porque muitos criticam a Deus como se Ele fosse um cerceador da liberdade humana, e usasse de sua vontade para coerção da vontade do homem. Falta de conhecimento! Somente através da submissão à vontade de Deus pode-se chegar a perfeita liberdade. Muitos acham que a verdadeira liberdade está no livre-arbítrio, na livre escolha de qual caminho seguir; engodo puro! Tal erro conceitual é a roupagem "sobremaneira maligna" do pecado: o Tentador ao fazer o homem crer que será livre agindo segundo sua vontade e  consequentemente pecando, não está concedendo liberdade ao homem, pelo contrário está escravizando-o. Quando Adão e Eva desobedeceram a Deus, eles não estavam sendo livres por estarem usando sua liberdade como bem quisessem, até mesmo indo contra Deus, mas estavam se escravizando, abrindo mão da liberdade, entregando-se ao verdadeiro agente coercitivo: Satanás.
    Então, quando Deus dá uma ordem totalmente contrária a nossa vontade, ao obedecer-mos essa ordem, não estamos indo contra nossa liberdade de escolha que gostaria de não cumprir tal ordem, pelo contrário estamos atendendo a nossa liberdade essencial. No exemplo de Rousseau "alguém que racionalmente decidiu parar de fumar, não estaria agindo livremente se cedesse ao desejo de acender um cigarro, e, paradoxalmente, estaria sendo “ajudado a ser livre” se for impedido de fumar em certos locais pela legislação ou pressão pública". Por isso como a vontade de Deus é o oposto do pecar, ao agirmos segundo ela, estamos sendo ajudados por essa vontade a sermos livres, o que John Locke diria como "não merece o nome de confinamento uma cerca que só nos protege de pântanos e precipícios”; “a função da lei não é abolir ou restringir, mas preservar e ampliar a liberdade".
    Mas isso é justo? É justo que para alcançar a verdadeira liberdade tenhamos que aparentemente abrir mão da liberdade para que somente assim a alcancemos?
    A Lei de Deus é justa, não só porque nos dá liberdade e com isso cumpre com a justiça de Deus de ter criado seres livres, mas porque é a ferramenta para se alcançar a liberdade; o que em Immanuel Kant se aplica da seguinte forma "Ora, tudo que é injusto é um obstáculo à liberdade de acordo com leis universais. Mas a coerção é um obstáculo ou resistência à liberdade. Conseqüentemente, se um certo uso da liberdade é ele próprio um obstáculo à liberdade de acordo com leis universais (isto é, é injusto), a coerção que a isso se opõe (como um impedimento de um obstáculo à liberdade) é conforme à liberdade de acordo com leis universais (isto é, é justo)" . Logo entendemos quando Paulo escreve que o mandamento é "santo, e justo, e bom".
    Eis a total bondade, agradabilidade, e perfeição da vontade de Deus: não só é libertadora como também é justa, tanto à justiça dos homens como à justiça de Deus. A obra redentora de Cristo subijugou a natureza pecadora do homem e possibilitou a restauração de sua essência de liberdade "Porque não recebestes o espírito de escravidão, para viverdes, outra vez, atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai" (Rm 8:15). Ao pecarmos pela primeira vez recebemos o "espírito de escravidão", mas em Jesus, na Lei de Deus, na Vontade de Deus, não recebemos "outra vez" o espírito de escravidão, pelo contrário, recebemos o "espírito de adoção", o verdadeiro espírito de liberdade, pelo qual temos a liberdade excelsa de poder clamarmos ao próprio Deus "Aba, Pai"!
    Portanto não nos deixemos enganar, não há liberdade no pecado, somente escravidão. Há somente liberdade na vontade de Deus.


Bibliografia:
- MARQUES, J. O. de A. A questão da liberdade na filosofia política de Jean-Jacques Rousseau. Departamento de Filosofia – UNICAMP. II Seminário Farias Brito. Centro de Filosofia Brasileira e o Programa de Pós Graduação em Filosofia, IFCS-UFRJ. 23 a 24 de setembro de 2008