A JUVENTUDE COMO SUJEITO E O COOPERATIVISMO COMO ELEMENTO ESTRUTURANTES PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL

 

Área temática: Gestão de projetos sociais e solidário

 

Manuel F. M. BARROS[1], Lidirlaine A. C. Amorim[2].

 

Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Pará – IFPA, Campus Rural de Marabá, Marabá – PA – [email protected]

 Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Pará – IFPA, Campus Industrial de Marabá, Marabá – PA –[email protected]

 

Resumo

O presente texto apresenta ao leitor uma nova experiência desenvolvida pelos movimentos sociais camponeses da região do Sudeste Paraense que envolve instituições de ensino, pesquisa, extensão rural e extensão universitária além de jovens ligados ao movimento social constituído nos Projetos de Assentamento da reforma Agrária. Trata-se de uma experiência inovadora que alia recuperação de áreas degradadas de florestas com a produção de frutas e o fortalecimento do cooperativismo por meio de ações que envolve a formação, produção, beneficiamento e comercialização de produtos da agricultura familiar.

Palavras chave: Sudeste Paraense, Cooperativismo, Agricultura Familiar.

 

1. Apresentação

A região Sudeste do Estado do Pará sempre foi vista como emblemática a partir de várias óticas e em momentos distintos, sempre envolvendo pessoas e os recursos naturais, dentre os quais podemos citar a época do extrativismo da castanha do Pará, da guerrilha do Araguaia, do garimpo de ouro na “serra pelada”, da ocupação de fazendas e áreas de terras devolutas, da violência no campo e da perseguição e morte de lideranças dos movimentos sociais e ambientalistas.

Por se tratar de uma região de fronteira agrícola recente, com aproximadamente 50 anos de exploração e por estar encravada em uma região com várias formas de acesso e vários atrativos à instalação e reprodução do capital, o território do sudeste paraense enfrenta atualmente uma série de processos e projetos desenvolvimentistas que o rotulam como área de constantes conflitos agrários, ambientais e econômicos de grande repercussão.

Permeado de contrastes sociais, políticos e econômicos, a região é marcada por um grande número de Projetos de Assentamento (PAs) da Reforma Agrária que predominantemente é populada por agricultores familiares e suas organizações representativas que vão de igrejas e comunidades eclesiais, associações e cooperativas de produção e beneficiamento da produção agropecuária dessas unidades familiares.

Com a criação dos PAs, o avanço da infraestrutura social (estradas, escolas, energia elétrica), assistência técnica e extensão rural, e principalmente o crédito produtivo (PRONAF) o processo de pecuarização nessas áreas se intensificou e acabou por demonstrar a instabilidade e inviabilidade da pecuária como única ou uma das poucas formas de geração de renda na unidade familiar de produção.

Preocupados com essa constatação uma federação de cooperativas apresentou uma proposta de geração de renda a partir da implantação da fruticultura como forma de diversificar a produção de alimentos e a geração de renda e tendo essa proposta como estratégia de envolver a juventude camponesa nas atividades da unidade familiar de produção e nas suas organizações sociais representativas, que após dois anos de implantação já começa a apresentar os primeiros resultados. A título de exemplo, a participação dos jovens envolvidos no projeto em planejamento estratégico de suas associações, debates nas escolas de suas comunidades e ainda nas formações realizadas pela Federação de cooperativas que é a gestora do projeto de geração de renda.

O que se tem percebido são mudanças ao nível das unidades de produção familiares dos jovens beneficiários (e suas famílias) do projeto Juventude e Cooperativismo estão se desenvolvendo. As ações de formação sociopolíticas e associativas já desenvolvidas mostram que os esses jovens agricultores assumem uma posição ativa na configuração de sua própria existência. Isso significa dizer que possuem uma grande capacidade de lidar com os desafios aos quais são confrontados, o que lhes permite criar ou experimentar respostas para se colocar frente às dificuldades que se impõem ou aproveitar as oportunidades que se apresentam.

2. Uma breve contextualização do sudeste paraense

A Região Sudeste do Estado do Pará sempre foi emblemática. No início com a exploração da Castanha do Pará e as suas oligarquias[3], depois a guerrilha do Araguaia colocou novamente a região em destaque nacional e internacional. Nessa mesma época, o Estado brasileiro com sua política desenvolvimentista transferia um grande contingente de pessoas e empresas para a Amazônia em nome do progresso, porém com o velado propósito de frear as tensões sociais – principalmente pela posse da terra e pelo desemprego crescente no Sul e sudeste do país – com o lema: “homens sem terra para terra sem homens”, o que resultou simplesmente na transferência regional de tais conflitos. O latifúndio e a grande empresa de capital (em grande maioria multinacional) instalaram impérios de repressão e exclusão social, devastação ambiental e violência de todas as ordens contra pessoas e organizações sociais representativas de interesses de classe, principalmente a dos agricultores familiares e camponeses.

Mais adiante na história a região ganha notoriedade novamente. Desta vez é o garimpo de serra pelada[4], no município de Curionópolis, que mobilizou um imenso contingente de pessoas em busca do metal precioso. Com a instalação desse garimpo, todas as mazelas inerentes a uma área de garimpagem se fizeram presentes naquele local e também nos municípios da região.

            Com o fim das atividades da mineração muitos garimpeiros vindos das mais variadas regiões e estados do país decidiram ficar pela região e investir na luta pela terra. Esse também foi o momento do fortalecimento do movimento social de trabalhadores e trabalhadoras rurais (MSTTR), com a criação do Movimento dos trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Federação dos trabalhadores na Agricultura (FETAGRI) regional Sudeste do Pará, instituição que fortaleceu os sindicatos em suas empreitadas de ocupações de terras a fim de realizar a reforma agrária.

Essas ocupações de terras se deram em meio a conflitos e violência, sendo que na maioria das vezes, o aparelho do Estado (a polícia e o judiciário) foi a ferramenta utilizada pelos “donos das terras” para “desocupar suas fazendas”. O resultado disso foi a morte de muitos sindicalistas, advogados e missionários, e um caso bastante emblemático foi a chacina ocorrida em 17 de abril de 1996 quando a polícia militar do Estado do Pará dizimou 19 agricultores sem terra na “curva do S” no município de Eldorado do Carajás. Infelizmente isso ocorre até os dias de hoje, como foi o caso da morte dos extrativistas José Cláudio e Maria do Espírito Santo, no município de Nova Ipixuna – PA. Aquele episódio lamentável mostrou mais uma vez que a conquista e a permanência na terra, a produção agrícola e a reprodução social, mesmo no século XXI, (a era da comunicação, da queda de muitos estigmas e preconceitos) é algo que leva os interesses de alguns ao extremo.

2.1. Caracterização do território do sudeste paraense

De acordo com o Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável do sudeste Paraense – PTDRS, Brasil, (2010)

O Território Sudeste Paraense está localizado na mesorregião de mesmo nome e apresenta a particularidade de estar inserido em uma das mais importantes áreas de fronteira agrícola da Amazônia oriental. Criado em 2004, até 2008 o Território Sudeste era formado pelos municípios de Eldorado dos Carajás, Itupiranga, Marabá, Nova Ipixuna, Parauapebas, São Domingos e São João do Araguaia. Com o lançamento do Programa “Territórios da Cidadania”, em 2008, foram acrescidos mais sete municípios: Bom Jesus do Tocantins, Brejo Grande do Araguaia, Canaã dos Carajás, Curionópolis, Palestina do Pará, Piçarra e São Geraldo do Araguaia. [...] De uma maneira geral, trata-se de uma área em que os processos de ocupação podem ser considerados relativamente recentes na medida em que foram dinamizados há menos de 50 anos. Apesar das primeiras incursões dos colonizadores pelo rio Tocantins datarem ainda do século XVII e de municípios dessa área terem tido participação relevante na economia extrativista-exportadora amazônica do final do século XIX até metade do século XX com a exploração das peles de animais, da pesca, do caucho, do diamante e cristais de rocha e da castanha-do-pará (PETIT, 2003; VELHO, 1981), foi somente a partir da década de 1970, com as políticas de integração nacional implementadas pelo governo militar, que a fronteira agrícola do sudeste do Pará tomou maior projeção nacional e os processos de ocupação se intensificaram significativamente (De REYNAL, 1999).

As ações levadas a cabo no âmbito das políticas desenvolvimentistas para a Amazônia, como a abertura de importantes rodovias (Belém-Brasília, Transamazônica, PA-070 e PA-150), a construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí (UHT), a implantação dos programas Grande Carajás (PGC) e de colonização e o estímulo à entrada do grande capital através da concessão de incentivos fiscais às atividades agropecuárias, de mineração e de exploração madeireira, provocaram a abertura da fronteira agrícola e causaram grandes impactos na região. As alterações se deram fundamentalmente no âmbito demográfico devido aos intensos fluxos migratórios no sentido nordeste/centro-sul norte que a implementação dessas políticas acabou por estimular, influenciando para um aumento na diversidade sociocultural das populações locais. Mas, também essas alterações se deram em termos de transformação da paisagem e alterações nos ecossistemas devido à consolidação de um padrão de exploração do meio natural baseado na retirada da floresta para implantação de pastagens para o gado (De REYNAL, 1999; HÉBETTE, 2004).

[..]A abertura da fronteira agrícola, somada à descoberta do garimpo de Serra Pelada nos anos 1980 (que acelera a migração espontânea de agricultores para a região), à entrada de mineradoras, serrarias e siderúrgicas, transforma o sudeste paraense nesta década de 1980 e na década seguinte no foco de atenção da sociedade nacional e internacional por abrigar boa parte dos conflitos no campo ocorridos na Amazônia. Essa notoriedade ainda persiste nos anos 2000. O próprio ambiente de conflitos e as pressões exercidas pela sociedade civil influenciam para que essa região se constituísse novamente, a partir de meados da década de 1990, em espaço privilegiado de implementação das políticas do governo federal (OLIVEIRA, 2009). In (BRASIL, 2010).

Por se tratar de uma região de fronteira agrícola recente, com aproximadamente 50 anos de exploração e por estar encravada em uma região com várias formas de acesso e vários atrativos à instalação e reprodução do capital, o território do sudeste paraense enfrenta atualmente uma série de processos e projetos desenvolvimentistas que o rotulam como área de constantes conflitos agrários, ambientais e econômicos de grande repercussão.

A partir dos episódios que ocorreram nas últimas décadas como por exemplo, o assassinato de trabalhadores rurais, tendo como caso emblemático a morte dos extrativistas José Claudio e Maria do Espírito Santo, o Governo Federal decidiu por mais uma vez investir em planos, projetos e políticas públicas “universalizadoras” como forma de mitigação de conflitos com a estratégia criticada por Mello, (2006) quando comenta que:

[...] a nova frente pioneira não teve vínculo com a agricultura tradicional, mais sim com os grupos industriais nacionais, estrangeiros e multinacionais inclusive subsidiando-os com incentivos fiscais [...] o importante era que a exploração de “terras novas” significasse sua inserção na economia de mercado, o aumento da capacidade de exportação e a continuidade de investimentos para equipar as novas industrias e pesquisar novas matérias primas. (BRASIL, 2010)

Isso pode ser observado na prática quando vemos os grandes grupos econômicos regionais instalados a partir da década de 1970, como é o caso de grandes grupos agropecuários ligados a bancos privados como Bamerindus[5], Bradesco[6], a multinacional Volkswagen[7] (empresa alemã de fabricação de veículos), de empresas varejistas como o grupo Eldorado/Veríssimo[8] de São Paulo, de mineração como o grupo Alcoa, além da criação de empresas estatais como a Eletronorte (Centrais Elétricas do Norte do Brasil). Esta última instalada estrategicamente para o fornecimento de energia elétrica para as a grandes empresas a preço subsidiado.

Assim,

[...] Todos esses acontecimentos do passado e os mais recentes fizeram e ainda fazem deste um espaço social e econômico muito dinâmico. As obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal como, por exemplo, os investimentos em infraestrutura, a conclusão das eclusas da Hidrelétrica de Tucuruí e a construção da Hidrelétrica de Marabá, e os investimentos da Vale na implantação da siderúrgica Aços Laminados do Pará (ALPA) em Marabá e proliferação das suas atividades mineradoras em municípios como Canaã dos Carajás, Curionópolis, Eldorado do Carajás, além de Marabá e Parauapebas, são componentes atuais que têm contribuído para que esse dinamismo continue sendo uma das principais características deste Território.( BRASIL, 2010).

 

Nos últimos 15 anos a dinâmica agrária da região do sudeste paraense tem passado por mudanças importantes. De uma maneira geral, até início dos anos 1990 os processos de ocupação do espaço e de exploração do meio natural nessa região se caracterizaram pela migração, disputas pela terra e pelo alto índice de desmatamento para implantação de pastagens com vistas à criação extensiva de gado.

Para os agricultores familiares, esta forma de exploração do meio natural não era meramente parte de uma estratégia econômica, mas se justificava também como meio de garantir a posse da terra em uma época onde havia uma relativa ausência de políticas públicas direcionadas para essa categoria na Amazônia, havia uma grande instabilidade fundiária e um meio socioeconômico com condições precárias e desfavoráveis à consolidação desse tipo de agricultura.

Segundo De Reynal (1999), na grande maioria das vezes, este modelo de exploração se associava a processos de pecuarização dos estabelecimentos e concentração fundiária, atrelados à saída de famílias para novas áreas de fronteira. Em meados de 1990, mudanças na postura do governo federal em relação às questões do campo e a consequente implementação de políticas públicas voltadas para apoio da agricultura familiar e proteção do ambiente provocaram transformações importantes nessa dinâmica regional.

A política de reforma agrária, o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), as alterações na política ambiental e, de certa forma, até a política de previdência rural contribuíram para o aparecimento de características novas no meio rural da região. O contexto socioeconômico e político é outro atualmente. Por influências dessas políticas, em especial da de reforma agrária e do PRONAF, os agricultores familiares têm aproveitado de melhorias que vão desde o desenvolvimento da infraestrutura local – principalmente as relacionadas às melhorias na malha viária, na rede de energia elétrica e nas estruturas de beneficiamento e comercialização –, maiores oportunidades de acesso a serviços básicos e de assistência técnica e de possibilidades de obtenção de crédito e aumento da capacidade de investimento, até maior força política de suas representações perante o poder público.

A estrutura fundiária foi outro elemento que se modificou. Antes mais caracterizada pela presença de latifúndios, principalmente depois da criação de uma grande quantidade de projetos de assentamentos no sudeste paraense (até final de 2009 eram mais de 500) (INCRA, 2010), a região sofreu uma inversão em termos territoriais a favor da agricultura familiar. Ainda que boa parte dos assentamentos fora criada a partir de processos de regularização de áreas onde já havia localidades rurais consolidadas (ocupadas há tempos por famílias através de “posse”), houve e continua havendo processos de desapropriação de fazendas para o assentamento de novas famílias, a superfície ocupada atualmente pela agricultura familiar na região chega a mais da metade (OLIVEIRA, 2009).

Entre outros fatores, essa maior segurança da posse da terra proporcionada pela política de assentamentos e os quadros político e de infraestrutura relativamente mais favoráveis têm sido fundamentais no movimento de mudanças da dinâmica regional na medida em que têm estimulado processos que se orientam muito mais pela permanência das famílias na terra e no lugar onde vivem do que pela migração.

Nesses processos, a garantia da reprodução social constitui-se em elemento fundamental e exige dos agricultores que lancem mão de estratégias que consigam lidar com a diversidade de condições do meio natural e do meio socioeconômico que existe na região. A busca de formas para manter as atuais ou criar novas condições sociais e materiais que possibilitem a reprodução social e, consequentemente, a permanência parece ser, portanto, a principal questão que se impõe hoje a essas famílias.

Uma estratégia para a superação dessas dificuldades estruturais, socioeconômicas, políticas e culturais foi a criação e posteriormente o fortalecimento de organismos representativos da classe, as associações de Agricultores familiares e as cooperativas produção, beneficiamento e comercialização dos produtos oriundos desse público.

As formas organizativas informais e principalmente formais, mais precisamente o associativismo rural pode ser entendido como um instrumento de luta dos pequenos produtores proporcionando a permanência na terra, uma estratégia de resistência social, através do aumento da capacidade de inserir sua produção que geralmente é pequena escala no circuito econômico.

Delma Pessanha Neves, antropóloga, discute a questão do associativismo e a comercialização agrícola, revelando alguns dilemas do processo de assentamentos rurais.

A organização política sob a modalidade associativista, praticamente, visa não só à constituição da representação política, mas também, como parte deste próprio processo, dotar o assentado de condições concorrências para fazer circular no mercado pequenas quantidades de produtos (NEVES, 2007, p.174).

A necessidade dos agricultores em promover e consolidar a produção nas áreas de terra conquistadas deu início a discussão que culminou com a fundação da Cooperativa Camponesa do Araguaia Tocantins (COOCAT[9]) no ano de 1992 por agricultores familiares provenientes de 07 municípios da região. Com a iniciativa da COOCAT, que possuía abrangência a nível regional, e pela falta de uma política governamental voltada para o desenvolvimento de uma agricultura familiar sustentável na região, o cooperativismo rural ligado ao movimento sindical foi se fortalecendo com a fundação de novas cooperativas e o investimento na implantação de novas agroindústrias de beneficiamento de frutas, para processarem principalmente açaí(euterpe oleracea) e cupuaçu(Theobroma grandiflorum) oriundos da produção extrativistas nos assentamentos criados.

Mais tarde, a partir do ano 2000, diante de novos desafios apresentados pela nova conjuntura regional e nacional, um conjunto de entidades e representantes destas cooperativas organizou-se em busca de alternativas para a superação dos desafios postos. Após varias discussões decidem descentralizar a COOCAT e implementarem uma ação mais direta nos municípios, sendo então dissolvida a COOCAT e criadas mais 5 cooperativas municipais de agricultores familiares. Federação das Cooperativas da Agricultura Familiar do Sul do Pará (FECAT) é então criada no dia 25 de julho de 2003, com o objetivo principal de:

“Promover o desenvolvimento de uma agricultura familiar baseada na preservação e convivência com a agrobiodiversidade local, sustentada através da união das cooperativas associadas e da representação política em defesa de seus interesses sociais, assistenciais e econômicos, viabilizando o desenvolvimento da comercialização de produtos oriundos da agricultura familiar, orientando e integrando suas atividades bem como facilitando a utilização recíproca de serviços” (FECAT, 2003).

3. O movimento social e uma nova proposta de apoio e geração de renda. uma nova proposta de gestão do agroecossistema

Mesmo que muitas de suas características historicamente constituídas permaneçam presentes de forma significativa (como a dinâmica da pecuária extensiva, por exemplo), na última década a região sudeste do Pará apresenta um cenário diferente, potencialmente capaz de oferecer oportunidades para que outras dinâmicas de evolução do espaço e de relações entre sociedade e natureza sejam estabelecidas. As melhores condições que hoje se apresentam, apesar de não serem garantia para nada, têm dado perspectivas mais favoráveis às famílias de agricultores estimulando-as a buscar alternativas que permitam um maior tempo de permanência na mesma terra, ao invés de recorrerem à antiga estratégia adotada nessas áreas de fronteira de saída para reinício do processo de exploração em novas áreas de floresta.

A preocupação com o avanço do desmatamento e da pecuária não foi e é apenas das instituições de pesquisas, de assistência técnica e extensão rural e do governo, o movimento social ligado aos trabalhadores da agricultura familiar também tem em sua agenda, uma pauta de reivindicações e proposições para a implantação de alternativas de produção e reprodução social que não necessariamente seja necessário a derrubada da floresta para a produção agropecuária e consequentemente a geração de renda.

A partir dessa constatação a FECAT juntamente com suas cooperativas afiliadas decidiu apresentar o projeto denominado “Apoio a Geração de Renda – Juventude e Cooperativismo no Sul do Pará”, ao Programa Petrobrás Desenvolvimento & Cidadania – edital 2010, com o objetivo de  implantar módulos[10] de fruticulturas consorciadas com essências florestais, visando a produção de frutas e capacitação de Jovens rurais residentes nos Projetos de Assentamento de Reforma Agrária dos municípios de origem das suas cooperativas afiliadas[11].

Esse projeto visa atender diretamente 100 jovens rurais de 18 a 29 anos procedentes de projetos de assentamento de reforma agrária dos municípios de Marabá, Nova Ipixuna, Itupiranga, Eldorado dos Carajás, Parauapebas, São Domingos do Araguaia e São João do Araguaia, que de alguma forma estejam ligados direto ou indiretamente aos Sindicatos de Trabalhadores Rurais e/ou cooperativas Municipais de Produção da Agricultura Família ligadas a FECAT. Sendo que todos eles devem ser alunos, ou ex-alunos da Escola Família Agrícola – EFA ou do Campus Rural de Marabá – CRMB. Pois tem sido um desafio fazer com que os jovens tenham condições de permanência no campo, e atuando nos sindicatos, associações e cooperativas.

 

 

 

 

3.1. O protagonismo da juventude rural no desenvolvimento regional

 

Atualmente o que se tem percebido é um esvaziamento do campo por essa parcela da sociedade camponesa. Sem sombra de dúvida a juventude rural residente nos Projetos de Assentamentos - PAs da região é a parcela de agricultores mais fragilizada e a que mais sofre com as péssimas condições de vida nesses lugares. Os jovens de 18 a 29 anos representam em média cerca de 26% da população residente nos PAs. Essa força de trabalho é perdida, pois quando concluem o ensino básico (1ª a 4ª série) ou fundamental (5ª a 8ª série) são obrigados a deixarem o lote dos pais em busca de escolas na zona urbana. No estudo realizado por OLIVEIRA, SILVA & SANTOS (2004, 30-31), junto a famílias de seis Projetos de Assentamentos da microrregião de Marabá, a saber: Vila Bagaço/Limão, Nova Canaã, São João do Itacaiúnas, Lastância, Água Fria e São Francisco, dentre as causas principais que justificam a saída das famílias, a principal - na sistematização da ordem de prioridades - está à educação dos filhos; a falta de escolas que ofereçam o ensino fundamental completo e o ensino médio, juntamente com as más condições da estrada. Essas condições reforçam a tendência de abandono do campo pela juventude, somando-se a isso a baixa remuneração do trabalho agrícola, a insustentabilidade econômica e ambiental dos sistemas de produção implantados e a falta de oportunidade de emprego e renda em atividades não-agrícolas no meio rural.

A saída do campo para a cidade pela juventude é, na maioria dos casos, um caminho sem volta. Isto tem se refletido no envelhecimento da força de trabalho na zona rural da região e reforçado os índices de abandono dos lotes nos PAs, mesmo naquelas famílias que permaneceram em seus lotes devido a morte dos patriarcas e o não-retorno dos mais jovens.

Essa situação tem se refletido nas organizações dos trabalhadores. A imensa maioria dos sócios dos sindicatos de trabalhadores rurais é composta de pessoas com mais de 40 anos de idade. Nas cooperativas ligadas a FECAT a média de idade dos cooperados gira em torno de 46 anos (FECAT, 2007). A sustentabilidade da agricultura familiar na região no médio e longo prazo depende diretamente desta tendência: Ou criamos condições para que os jovens permaneçam ou retornem ao campo ou a agricultura familiar e suas organizações, estarão fadadas ao colapso em poucos anos.

3.2. A implantação do projeto e a nova estratégia de produção na unidade familiar

Com a implantação dos módulos de fruticultura nas unidades familiares de produção tem incentivado a diversificação produtiva e acabou dando uma nova dinâmica para as atividades desenvolvidas e uma nova forma de gestão da mão de obra familiar, visto que um novo agroecossistema fora implantado.

Em sua grande maioria, essas unidades trabalhavam principal e exclusivamente com a pecuária mista de forma extensiva e em algumas destas ainda se cultiva roças com lavouras anuais e culturas semi perenes.

A entrada dessa nova atividade, associada com a formação sociopolítica oferecida pelo projeto despertou o interesse pela diversificação produtiva e a preocupação com elementos naturais até então pouco observados como por exemplo, o uso do solo e as formas de manejo a ele destinado.

Dessa forma Altiere, (1999) afirma que os agroecossitemas são relacionados a cultivos e policultivos, e destaca algumas vantagens na adoção de processos de diversificação da produção como estratégia tradicional para a geração de uma dieta alimentar diversificada; produção estabilizada; redução dos riscos à medida que um cultivo pode compensar a baixa produção ou a perda de outro; diminuição de pragas; uso eficaz de mão de obra e rentabilidade com baixo nível de tecnologia, além de outras vantagens como a cobertura eficaz do solo.

Nesse sentido, foi possível reconhecer o papel de cada agroecossistema(módulo produtivo) inserido em uma unidade familiar de produção e isso significou para essas famílias envolvidas a compreensão dos diferentes papéis que juntos dão conta da produção, que não é apenas de feijão, milho, farinha, arroz, carne, leite, frutas etc., mas também produção da vida e de culturas e comportamentos que identificam o homem e a mulher e por fim a família como o centro da tomada de decisão, da gestão dos recursos econômicos, naturais e principalmente da mão de obra disponível e necessária para a execução das atividades diárias.

Marx (1987) afirma que na produção, os homens e mulheres agem não só sobre a natureza, mas ainda uns sobre os outros. Que não podem produzir sem colaborar de maneira determinada e sem estabelecer um intercâmbio de atividades. Assim, para produzir, os homens contraem determinados vínculos e relações uns com os outros, e é através desses vínculos e relações sociais que se estabelece a sua ação sobre a natureza, que se efetua a produção.

4. O desafio da concretização da diversificação do agroecossistema e da geração da renda: o cenário atual

 

A saída do campo para a cidade pela juventude é, na maioria dos casos, um caminho sem volta. Isto tem se traduzido no envelhecimento da força de trabalho na zona rural da região e reforçado os índices de abandono dos lotes nos PAs. Essa situação tem se refletido nas organizações dos trabalhadores, pois a imensa maioria dos sócios dos STTR é composta de pessoas com mais de 40 anos de idade. Nas cooperativas ligadas a FECAT a média de idade dos cooperados gira em torno de 46 anos (FECAT, 2007).

Assim sendo, faz-se necessário e urgente a geração de tecnologias e ferramentas que aliem desenvolvimento rural sustentável, geração de renda, produção e reprodução social da juventude camponesa no Sudeste Paraense para oportunizar qualidade de vida no campo, o redesenho do agroecossistema bem como novas práticas de consumo, descarte, reutilização e convivência com o resultado da intervenção no meio natural.

Não obstante a geração de tecnologias e ferramentas de ação e intervenção, isso requer a verificação e análise de sua aplicabilidade em meio real, percebendo, se esta por sua vez está de fato garantindo a oportunidade aos seus envolvidos as escolhas entre o associativismo e/ou individualismo, a economia solidária e/ou o capitalismo explorador ou ainda entre a sustentabilidade agroecológica ou a exaustão dos recursos naturais de suas propriedades familiares.

O projeto juventude e cooperativismo, para tanto têm como foco central melhorar a renda de jovens agricultores e suas famílias, no entanto, o projeto traz consigo o enorme desafio de articular outras frentes de atuação, não menos importante (meio ambiente, comercialização solidária, fortalecimento do cooperativismo na região, acesso a políticas públicas), assim entende-se que necessariamente há que pensar uma metodologia que consiga atender as diferentes etapas e processos do projeto (FECAT, 2010).

Para os jovens agricultores beneficiados pelo projeto Juventude e Cooperativismo, é esse objetivo de garantir a reprodução social da família nos seus diferentes campos quem determina, geralmente, as intervenções e as transformações que vão realizar na natureza. Esse propósito de se perpetuar enquanto sistema social é concretizado por suas famílias através das estratégias sociais e produtivas que adotam neste sentido.

 

5. Aproximações conclusivas

 

De maneira geral, as mudanças ao nível das unidades de produção familiares dos jovens beneficiários (e suas famílias) do projeto Juventude e Cooperativismo estão se desenvolvendo. As ações de formação sociopolíticas e associativas já desenvolvidas mostram que os esses jovens agricultores assumem uma posição ativa na configuração de sua própria existência. Isso significa dizer que possuem uma grande capacidade de lidar com os desafios aos quais são confrontados, o que lhes permite criar ou experimentar respostas para se colocar frente às dificuldades que se impõem ou aproveitar as oportunidades que se apresentam.

Outro ponto positivo percebido é a presença ativa desses jovens nas organizações sociais de suas comunidades, escolas, sindicatos e cooperativas municipais. Essa presença tem sido marcada pela participação ativa na proposição de ações que impactam diretamente sobre o desenvolvimento rural, tendo como pano de fundo uma ação mais centrada nas práticas sociais e coletivas, da produção diversificada, da comercialização cooperada e de respeito ao ambiente natural que tem o homem como elemento constituinte do agroecossistema, pois, qualquer ação humana em desacordo com a dinâmica estabelecida pode acarretar no total desequilíbrio e falência social, econômica e cultural de suas famílias e comunidades.

Por fim observa-se a integração entre todos os componentes e as atividades desenvolvidas nas unidades familiares dos jovens e suas famílias que fazem desse espaço um só agroecossistema. Deste modo, há necessidade de analisar estas atividades como um todo observando as interações existentes, suas inter-relações e a retroalimentação entre elas estabelecidas. Desse modo classificada como visão sistêmica (CAPRA, 2006). Pois só assim, estará garantido o objetivo maior do projeto estudado.

 

6. Referencias

 

ALTIERI, M. A. AGROECOLOGIA Bases científicas para una agricultura sustentable. Montevidéu: Nordan–Comunidad, 1999.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Plano de Desenvolvimento do Território Sudeste Paraense. 2010. Disponível em <http//sit.mda.gov.br/territotio.php> acesso em 18 de junho de 2013.

CAPRA, F. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 1998. 33- p.

De REYNAL, Vicent. Agricultures en front pionnier amazonienne, region de Marabá (Pará, Bresil). 1999. Tese (Doutorado). INA-PG, Paris, 1999.

FECAT. Relatório de gestão. 2003.

FECAT. Relatório de gestão. 2007.

FECAT. Projeto de Apoio a Geração de Renda - Juventude e Cooperativismo no Sul do Pará. Projeto apresentado Programa Petrobras Desenvolvimento & Cidadania. 2010.

FEDERAÇÃO DAS COOPERATIVAS DA AGRICULTURA FAMILIAR DO SUDESTE DO PARÁ. Dados sobre produção de frutas, 2010. Marabá, Pará.

HÉBETTE, Jean; MOREIRA, Edma S. Situação social das áreas rurais amazônicas. In:

HÉBETTE, Jean. Cruzando a fronteira: 30 anos de estudo do campesinato na Amazônia. Um novo campesinato amazônico. O papel das instituições científicas e de seus pesquisadores. v.4. Belém: EDUFPA, 2004. p. 43-61.

INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA. Superintendência Regional do sul do Pará (SR-27). Divisão de obtenção de terras e implantação de projetos de assentamento. Sistema de informações de projetos de reforma agrária. Marabá, 2010.

MARX, Karl. Trabalho Assalariado e Capital. São Paulo: Global editora, 1987.

MELLO, Ana Aparecida. A ação territorial pública e as frentes pioneiras. In: Políticas Territoriais na Amazônia. São Paulo AnneBlume, 2006. pp. 23-97.

NEVES, Delma Pessanha. Assentamentos Rurais. Reforma Agrária em migalhas. Niterói. EDUFF 1997.

OLIVEIRA, M. C. C. de. Agricultura familiar e dinâmicas das relações sociedade e natureza em área de fronteira agrária na Amazônia oriental. 2009. 303f. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Rural) – Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.



[1] Licenciado Pleno em Ciências Agrárias. Mestrando do curso de Mestrado profissional em Desenvolvimento Rural e Gestão de Empreendimentos Agroalimentares; Especialista em Economia; Especialista em Educação do Campo, Agroecologia e Práticas pedagógicas.  Professor de Associativismo e Cooperativismo do Campus Rural de Marabá – IFPA. E-mail: [email protected].

[2] Bacharel em Serviço Social. Especialista em Serviço Social. Especialista em Educação do Campo, Agroecologia e Práticas pedagógicas. E-mail: [email protected]

[3] Para ler mais sobre o assunto, consultar: EMMI, M. F. A oligarquia do Tocantins e o domínio dos castanhais. 2. ed. ver. amp. Belém: FPA/NAEA, 1999. 174 p.

[4] O maior garimpo a céu aberto do mundo, que em seu auge chegou a ter 80 mil homens trabalhando diariamente.

[5] A fazenda Bamerindus se estendia pelos municípios de São Geraldo do Araguaia, Piçarra e Eldorado do Carajás.

[6] A área da fazenda Bradesco em Conceição do Araguaia, quando foi desapropriada teve a capacidade de assentamento de 1.200 famílias.

[7] A área total da fazenda Volkswagen era de 90 mil hectares.

[8] A fazenda São José do Araguaia se estendia pelos municípios de Xinguara e Piçarra. Quando desapropriada foi suficiente para a criação de sete Projetos de Assentamento.

[9] Esta cooperativa surgiu da necessidade dos agricultores em promover e consolidar a produção nas áreas de terra conquistadas e era formada por agricultores familiares provenientes de 07 municípios:  Parauapebas, Eldorado do Carajás, São João do Araguaia, São Domingos do Araguaia, Itupiranga, Nova Ipixuna e Marabá.

[10] Arranjo utilizado para o plantio: módulo 1 (banana, açaí e cupuaçu), módulo 2 (acerola e maracujá), módulo 3 (graviola, acerola e maracujá), módulo 4 (graviola e maracujá), módulo 5 (goiaba e maracujá), módulo 6 (abacaxi, acerola e maracujá). Cada módulo tem  em média 0,5 ha de tamanho,.

[11]Marabá, Nova Ipixuna, Itupiranga, Eldorado dos Carajás, Parauapebas, São Domingos do Araguaia e São João do Araguaia.