A INTERFERÊNCIA DA EDUCAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA BAGAGEM CURRICULAR DO SUJEITO

 

   A idéia deste artigo é incitar a uma reflexão sobre a metodologia de uso do currículo e sua influência na formação do sujeito.    O currículo é defendido aqui como a bagagem que um indivíduo adquire ao longo da vida, a qual passa por várias interferências durante o processo evolutivo de cada pessoa.  Serão explanadas algumas definições de estudiosos sobre o assunto, fortalecendo o contexto e permitindo a formação de novas opiniões sobre o tema.  Será salientada a forma de utilização do currículo executada pela educação, bem como sua interferência no comportamento do homem não só dentro do ambiente escolar, mas durante sua caminhada, tentando-se assim, avaliar se tal ação pedagógica é realmente eficiente na construção do ser.

 Palavras – chave: bagagem, currículo, escola, indivíduo, currículo oculto.

 INTRODUÇÂO

  Bagagem. Recorrendo ao dicionário tem-se entre suas definições – conjunto de conhecimentos e experiências. A partir deste conceito é possível associar o currículo a toda bagagem que um indivíduo adquiri ao longo de sua existência. Mas, não se pode simplesmente afirmar tal significado sem que haja um embasamento científico.  São muitos os estudos e as idéias produzidas a respeito do currículo, as quais permitem uma maior compreensão desta palavra. “O termo currículo provém da palavra latina currere, que se refere à carreira, uma percurso que deve ser realizado e, por derivação, a sua representação ou apresentação” (SACRISTÁN e GÓMEZ, 2000, p. 125, grifo do autor). A carreira ou sequência de etapas citada pelos autores tem início desde os primórdios da vida, quando o ser humano entra em contato com o meio. A formação do currículo começa a ocorrer em casa, no momento em que a criança é ensinada a dar os primeiros passos, a dizer as primeiras palavras e a fazer outras atividades antes desconhecidas. 

  De acordo a com ‘teoria da tabula rasa’ do pensador John Locke, a criança nasce como uma folha em branco, com sua mente vazia de informações, até o momento em que esta entra em contato com o mundo e através da vivência propiciada pelas experiências a mesma passa a construir suas idéias. E é partir dessa construção o sujeito dá início a montagem de seu currículo.

  Com o decorrer do tempo e a evolução da vida a criança é inserida no ambiente escolar, onde receberá uma enorme carga de informações que irão formatá-la de acordo com o âmbito social.

  Segundo Sacristán e Gómez (2000, p. 125) “A escolaridade é um percurso para os alunos/as, e o currículo é seu recheio, seu conteúdo, o guia de seu progresso de escolaridade”. Assim, tem-se o currículo como a base formadora do processo de ensino.

  Utilizar tal modelo é bastante eficaz para organizar e controlar a metodologia educacional. Mas, será que este padrão de ensino é realmente eficiente na formação do sujeito?

  De acordo com a teoria pós-crítica de ensino, acredita-se que a construção de um sistema pode monopolizar a educação, pois o indivíduo apenas recebe informações determinadas pela classe detentora do conhecimento, que é instruída a expor conteúdos específicos pré-definidos e descartar outros, muitas vezes de grande relevância social. Esta limitação acadêmica tem como conseqüência a robotização do receptor, que se vê impedido de construir ou desenvolver suas próprias idéias, e assim aumentar sua bagagem curricular.

   A escola é a principal responsável pelo desenvolvimento do currículo do sujeito, sendo este o aluno. Segundo Jackson (1968, p. 36), citado por Romanelli (p. 136),

... os estudantes aprendem a subjugar seus próprios desejos... aprendem a ser passivos e aceitar a multiplicidade de regras,  regulamentos e rotinas  em  que  está  mergulhado. Aprende a suportar com serenidade as frustrações...  ...e as interrupções de seus desejos e aspirações sociais (Jackson, 1968, p. 36).

  Este processo que ocorre dentro do campo acadêmico, onde o corpo docente é orientado a praticar a pedagogia apenas como transmissão de conhecimentos já definidos anteriormente por um projeto político pedagógico, restringe a capacidade cognitiva do aluno, reduzindo-o a um mero ouvinte, passivo as aplicações acadêmicas que o limita a receber informações e aceitá-las sem esboçar reações.

   Quando o educador foge desse método padrão, e passa a tratar das normas e dos valores sociais ele instiga o uso do currículo oculto, desempenhando assim o seu real papel de estimulador da cognição do educando.

   De acordo com Romanelli (p.135)

Pode-se definir currículo oculto da escola como o conjunto de normas sociais, princípios e valores transmitidos tacitamente através do processo de escolarização. Não aparece explicitado nos planos educacionais, mas ocorre sistematicamente produzindo resultados não acadêmicos, embora igualmente significativos.

  O currículo oculto não é uma exclusividade da docente, todo indivíduo o possui independente de convenções. Ele é constituído a partir da prática social. São as habilidades intrínsecas de um sujeito nem sempre expostas no ambiente social.

   Privar o aluno de manifestar essa bagagem secreta traz como consequência a sua introversão, por não enxergar a oportunidade de manifestar seus valores. Causando desinteresse deste em crescer e interagir com o contexto escolar, acomodação em intervir e receio em se expor; causando a perda da vida escolar.

   Se a escola, que é a base da formação do ser, modela o sujeito a submissão, desmotivação e inércia. Não se pode esperar que na progressão de sua vida ele vá desenvolver ou simplesmente, reproduzir a ousadia expor suas opiniões ou atitudes, contidas em seu currículo oculto, de forma fácil e direta. A manipulação das ações e reações a que o mesmo é submetido desde o início de sua construção, muitas vezes o impede de propagar o conteúdo sua ‘bagagem secreta’, isto é, seu currículo oculto.

   Claro que não se pode generalizar, pois sempre há os imunes aos padrões inerentes do currículo escolar e social, que conseguem, ou ao menos tentam expor suas práticas sociais e contra por as questões que não lhes plausível.

   Por mais que se discuta o modo como o currículo é dirigido nas instituições acadêmicas, não se pode afirmar que o mesmo seja totalmente errado, pois este possui pontos de eficácia, o que não o torna completamente eficiente, tendo em vista suas frestas a serem retificadas.

   Além de tudo, por não partir de algo exato visto que depende do professor e do aluno (os quais, sendo seres pensantes, formulam seus próprios currículos ocultos) ele não possui uma certeza definida.

Considerar que o ensino se reduz ao que os programas oficiais ou os próprios professores/as dizem que querem transmitir é uma ingenuidade. Uma coisa é o que dizem aos professores/as o que devem ensinar, outra é o que eles acham que ou dizem que ensinam e outra diferente é o que os alunos/as aprendem. (SACRISTÁN e GÓMEZ, 2000, p. 131).

  Este tese reforça a pluralidade existente no processo pedagógico que deveria utilizar o currículo escolar como base para a construção de novas teorias provenientes dos professores e alunos, os quais deixariam de ser, respectivamente, meros emissores e receptores de informações para tornarem-se colaboradores de novos conhecimentos, tornando o ensino aprendizagem menos engessado e mais dinâmico, através da manifestação de seus currículos ocultos.

  Diante dos expostos aqui, tendo em vista a complexidade existente quanto ao uso do currículo oculto, acredita-se na suma importância da discussão sobre o seu uso e incentivo na formação do homem, em decorrência a todo o seu peso trazido através da individualidade que ele produz em cada pessoa, permitindo a troca de informações e construção de novas idéias.

 É evidente que há muito a fazer para transformar a metodologia do projeto pedagógico quanto ao uso do currículo. Mas, se cada indivíduo contribuir com algum elemento de sua bagagem real ou secreta chegar-se-á mais próximo desta evolução curricular.