INCLUSÃO DE ALUNOS SURDOS PARA ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA

Hellen Cristina Queiroz de Freitas

Resumo:

O referido texto trata sobre a situação da inclusão escolar do aluno surdo. Assim, tendo como parâmetro a legislação educacional vigente no Brasil, são traçados caminhos a serem pensados sobre como realizar efetivamente a inclusão de alunos surdos não apenas em salas de escolas regulares, mas principalmente no contexto em que vivem ou pretendem viver, para que desta forma possam participar, nas vias de fato, das decisões que constroem sua realidade. E é exatamente participar/compartilhar que se percebe como o principal objetivo da educação oferecida para estes alunos no ambiente em que melhor se adaptar. Sem pessimismo, pelo contrário pensando em possibilitar que os surdos efetivamente se vejam representados por pessoas com dificuldades como as suas, e, principalmente,sintam-se participativos no contexto em que vivem ou pretenderem viver.



Ser aluno surdo: identidade, igualdade e diversidade


Inclusão é um termo que precogniza pertencimento, interação, isto é, fazer parte e em se tratando de inclusão do aluno surdo, deve ser considerado além do habitualmente enfatizado aspecto biológico (a deficiência auditiva), outros de ordem psicológica, social e cultural, para que haja uma inserção positiva deste na escola e para influenciar na maneira como ele se colocará em sociedade.
Entretanto, não é apenas educacional o âmbito que deve ser abrangido pelas "políticas inclusivas", mas também social, justamente para que a repercussão seja relevante para os surdos em seu desenvolvimento pleno, ou seja, em vários aspectos da vida: social, cultural, psicológico, emocional, profissional, etc.
Neste sentido, falar de inclusão de alunos surdos remete a princípios universais: o da igualdade, da identidade e o da diversidade. Pensar em identidade é indubitávelmente falar de cultura, a qual não é construída apenas de fora para dentro, porém de maneira mais significativa, individualmente, na ordem inversa. Como a cultura é construída na soma das identidades dos grupos que formam cada sociedade, assim mesmo, as identidades são reciprocamente formadas a partir da cultura que influencia a sociedade a que se faz parte.
Logo, não pode a escola querer sozinha dar conta do que deve ser a cultura surda, uma vez que neste cenário concentram-se várias identidades, resultantes de várias realidades sociais, por tanto diversidades, também culturais, que compõem a individualidade de cada ser surdo, tendo em vista, por exemplo, o grau de surdez; a maneira como a família compreende esse individuo e como ele se compreende; etc.
Da mesma forma, inserir o surdo nas escolas especializadas a partir da igualdade da deficiência auditiva pode ser oportunizar que ele conheça e se desenvolva, como também pode ser excluí-lo, na desconsideração da diversidade presente inclusive na deficiência, quando esta não é considerada.
A lógica da patologização, medicalização das sociedades ocidentais, entre elas o Brasil, padroniza uma classificação em que os indivíduos são divididos grupos dos normais e outro dos anormais e não aceita a diferença, construindo essa sociedade excludente, a qual acaba influenciando fortemente na maneira de pensar, tratar e ser diferente dentro e fora da escola. O enfrentamento e a superação dessa contradição são tarefas cotidianas em uma proposta de inclusão.


Inclusão do aluno surdo para além dos muros da escola


Quando se fala em surdez relacionando à educação, não se deve desvincular dos aspectos bio-psico-sócio-culturais, que a caracterizam. Deve estar centrada na interrelação destes aspectos constituintes do individuo surdo, a base dos estudos voltados para a efetivação do seu processo de inclusão, não apenas educacionalmente, mas e principalmente, socialmente.
Partindo do princípio de que os processos de introdução dos surdos em instituições, sejam elas especializadas ou regulares de ensino, se encontram necessitando de uma transformação, é importante salientar quais são essas necessidades e em que momento os estudos e propostas que norteiam essas ações estão sendo efetivadas.
Inicialmente, é relevante citar o quanto o discurso de inclusão educacional acaba excluindo por seus próprios princípios. Assim, colocar surdos em escolas regulares, apenas preparando professores ouvintes com a linguagem de sinais, acaba se concretizando como uma frustração por parte dos atores escolares (professores, alunos surdos e familiares), uma vez que apenas esta atitude acaba não garantindo um bom desenvolvimento, nem mesmo cognitivo desses alunos. Na verdade, apenas a LIBRAS (língua braileira de sinais) não supre todas as suas necessidades.
O que é de se esperar, já que o conteúdo ministrado em sala de aula não gera conhecimento, por si só, mas o aproveitamento a nível de aprendizagem significativa de discentes e docentes e a interação entre eles.

Nesse sentido, a educação especial acabou reduzindo a cultura surda à escola, muitas vezes havendo uma sobreposição de uma pela outra, como se a cultura surda fosse responsabilidade apenas da escola surda e se desse apenas neste espaço.
Assim, a escola especial acaba por reproduzir modelo das escolas tradicionais regulares, onde o importante é normalizar o educando preparando para como ele deve ser para viver na sociedade capitalista. O que no caso dos surdos, por exemplo, significa prepará-los para a comunicação, apreensão de saberes tradicionais, desenvolvimento cognoscitivo e cognitivo esperado em cada nível de ensino. Sobre a inferência da escola na identidade surda Chiella (2007), argumenta: "a escola, ao pensar e ao agir como agente promovedor da cultura surda, [acaba] agindo e determinando formas específicas de ser surdo, além de determinar padrões de desenvolvimento de aprendizagem" (p.) (grifo autora)
A identidade de cada aluno, suas particularidades bio-psico-sócio-culturais, como pertencer a uma dada classe social e aspectos diferenciais de aprendizagem, não são abrangidos pela instituição e tão pouco considerados em seus conteúdos. O surdo adentra os portões da escola especial ou regular e é a eles imposto padrões, que se não forem por eles absorvidos, ele continuará sendo exposto a toda sorte de rótulos, reações e obstáculos que comprometem não apenas o seu desempenho na escola, como a maneira como ele se relacionará com os outros e consigo mesmo.
Faz-se necessário atentar para a necessidade da cultura surda ser mais que construída na escola, seja por ela respeitosamente considerada, para que além de seus muros, a cultura surda possa ser compreendida. E mais do que aprender a se comunicar, os surdos possam aprender a interagir com os outros, e aproveitar o que este mundo tão diverso tem de possibilidades de construção de conhecimentos para contribuir para melhora da realidade em que vivem.
E como surdos se sintam fazendo parte da construção histórica do mundo onde vive construção essa que também é política, social, econômica, para tanto ele precisa se sentir verdadeiramente fazendo parte e não apenas como uma parte solta e esquecida de um contexto, que só recebe influencia, não participa, não decide. Não poder falar é a condição biológica do surdo, porque não ouve os sons das palavras, mas isso não significa que não possa se comunicar. Muitos surdos chegam a proferir algumas palavras e até preferem que assim seja ao invés de apenas usar os sinas; outros pelo contrário se sentem mais avontade usando a LIBRAS.
Existem várias maneiras de ser surdo, pois como todo individuo, o surdo tem sua subjetividade, sua história de vida, ou seja, aspectos peculiares que constituem sua vida e a ele mesmo nesse processo de viver. Por isso não se pode reduzir a pessoa surda, a surdez, porque mesmo a surdez tem suas especificidades.


Considerações finais

É essencial entender que mais do que se comunicar, o surdo como qualquer outro ser humano tem necessidade de realizar, para se desenvolver cognitivamente, profissionalmente, e pessoalmente. Para que possa, então, sentir-se parte do mundo em que sobrevive, porque viver implica em participar da construção do mundo. E isso, mais que tudo, é o que eles querem: intervir, participar, viver.
Paulo Freire, em seu livro "Pedagogia da autonomia", falando de ética e sobre a necessidade do professor respeitar o aluno como um individuo com "vocação ontológica para ser mais", afirma o seguinte:
"[...] mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma Presença no mundo, com o mundo e com os outros. Presença que, reconhecendo a outra presença como um "não-eu" se reconhece como "si própria". Presença que se pensa a si mesma, que se sabe presença, que intervém, que transforma, que fala, demonstra a importância, do que faz, mas também do que sonha, que constata, compara, avalia, valora, que decide, que rompe.
Na verdade, seria incompreensível se a consciência de minha presença no mundo não significasse já a impossibilidade de minha ausência na construção da própria presença". (FREIRE, 2002, p. 20)
Tendo como base essas palavras de Freire, como educador que foi e ilustre pensador da educação que é, pode-se compreender como fazer parte do mundo ou de uma dada realidade, significa mais que a presença física. Com certeza vai muito além. Fazer parte de um contexto é se enxergar nessa realidade e conseguir "falar", ou seja, influenciar/interferir com o seu exemplo e com suas expectativas nos rumos que essa sociedade vai tomando ao longo do tempo. Percebendo que, por vezes, suas necessidades podem ser atendidas, porque suas demandas também foram ouvidas, sentidas, percebidas e assim buscou-se para elas solução por intermédio de representantes com os quais se identifica.
Nesse sentido, falar de inclusão de surdos é também tratar da questão da não consideração das demandas de pessoas que não se vêem representadas nas decisões políticas tomadas no país. Em certa medida, esta situação demonstra que é necessário criar mecanismos para que estes indivíduos possam ser representantes de suas reivindicações. Precisam ser, não apenas alfabetizados (para assinar o nome no dia da votação), necessitam progredir nos diversos níveis educacionais, para que sejam produzidos estudos a favor de suas causas. Além de que devem ocupar cargos de força decisória em instituições que possam construir o processo de melhora nas condições de vida de seus pares. Ocasionando, aí sim, uma possibilidade de a diversidade ser relevada nas decisões do país.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHIELLA, Vânia Elizabeth. Inclusão do aluno surdo mudança na forma de olhar o surdo. Canoas: ULBRA, 2007.


FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Terra e paz. São Paulo. 2002.


PERLIN, Gladis. T. (l998) Identidades surdas. In. SKLIAR, Carlos (org.) A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação.


BRASIL. Saberes e Práticas. Brasília: 20