PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO

COORDENAÇÃO DE LICENCIATURAS

LICENCIATURA EM PEDAGOGIA

                                                                                                     

 

[1]

ERIKA CRISTIANE FELIX DA SILVA¹     

RAIMUNDO NONATO DE FRANÇA FONSECA²

[2]

A EDUCAÇÃO MORAL E A ORIENTAÇÃO NA ESCOLA

                                        

 

 

 

                                                                   RESUMO

Este artigo tem como proposta central uma reflexão sobre a educação moral e a orientação sobre valores morais e éticos nos espaços escolares, principalmente da cidade de Manaus, além do papel da escola na formação do aluno cidadão, buscando a construção da sua autonomia e seus valores. Para tanto, apresentamos a concepção de educação moral encontrada em Piaget (1930) e outros autores que atuaram como estudiosos de sua teoria e que continuam ampliando as ideias de Piaget.  Propomos, ainda, uma análise das atuações de algumas das escolas enquanto lugar de educação, focando suas possibilidades e limitações. Essa temática apresenta-se como uma possibilidade de ampliação de informações que auxiliarão e conduzirão em pesquisas posteriores sobre este tema.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Moral. Valores Morais. Valores Humanos. Escola.

 

ABSTRACT

This article aims to reflect on the central ethics education and guidance on  ethical values ​​in school spaces, especially in the city of Manaus, in addition to the role of the school in the student's citizens, seeking to build its autonomy and its values​​. Therefore, we present the conception of ethics education found in Piaget (1930) and other authors who acted as scholars of his theory and continue expanding the ideas of Piaget. We also propose an analysis of the performances of some of the schools as the education, focusing its possibilities and limitations. This theme presents itself as an opportunity for expansion of information that will assist and lead in further research on this topic.

KEYWORDS: Ethics Education. Ethical Values​​. Human Values​​. School.

INTRODUÇÃO

 

A educação atualmente é considerada como um dos elementos mais importantes de uma sociedade. A educação está em todos os lugares, Brandão (2001) coloca que “ninguém escapa da educação. Em casa na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos outros todos nós envolvemos pedaços da vida com ela”.

Dentro do tema educação existe uma infinidade de assuntos relacionados que precisam ser estudados e pesquisados, dada a sua importância. A inversão de valores é um desses temas que circulam nas rodas de discussão dos profissionais envolvidos com a educação, sendo um dos maiores vilões que se apresentam atualmente na sociedade, responsável por comportamentos e atitudes que fogem da prática pedagógica.

Na busca pela evolução a escola, a família e a sociedade perdem de vista os valores que edificam e formam o cidadão íntegro, abrindo espaço para a marginalização e o individualismo. Bem ou mal, toda escola atua na formação moral de seus alunos, apesar de nem todas direcionarem para autonomia. O que temos observado é que este conteúdo parece ser pouco explorado pelos professores, pela escola, pelos pais, pela sociedade. Existe um tabu do qual pouco se fala, mas que ainda paira sobre nós, nossa sociedade, nossas vidas, nossas escolas: o de falar sobre a Educação Moral, ou melhor, sobre a própria Moral. O perigo do “falso moralismo” ainda nos assombra desde épocas ditatoriais, quando a educação moral e a educação cívica eram distorcidas pelo militarismo. 

Entretanto, a educação moral faz-se necessária; não podemos ignorá-la, todos os dias nós acompanhamos nos jornais crianças, jovens e adultos desnorteados, violência, falta de humanidade, guerras, inversão de valores. Tudo porque as pessoas não sabem mais como julgar o certo e o errado, o bom e o mau, diferenciar o bem do mal. Há pessoas que fazem qualquer coisa em prol de si mesmas, sem pensar no outro, sem olhar o outro com humanidade, sem amor à própria família, e pior, sem amor a si mesmos.

A educação moral pretende estabelecer critérios éticos de convivência, o que permitirá um aprofundamento do conhecimento de si mesmo e da vida, tanto nas perspectivas filosófica, psicológica, histórica, cultural e antropológica, etc., isso porque ela é quem vai dar direcionamento firme do caráter e equilibrar o uso da inteligência com ações éticas de benefício geral, estimular a afetividade, e assim potencializar a humanização.

I. VALORES MORAIS E ÉTICOS X INVERSÃO DE VALORES: UMA LUTA INVISÍVEL NO AMBIENTE ESCOLAR.

Como educadores, nossa grande missão é a construção de uma sociedade mais justa, onde haja espaço para o desenvolvimento de todos que nela vivem. No entanto, ao observarmos a inversão de valores tão presentes em nosso cotidiano, percebemos o quanto sofrem tantos jovens que em fase tão confusa da vida não possuem estruturas para suportar mudanças. Concordamos com Chalita quando afirma que cabe aos educadores o resgate desses valores:

                                                   

“Acreditamos que as dificuldades, os conflitos, as guerras e a intolerância que gradativamente se apoderam do mundo são resultado dessa total inversão de valores que predomina nas sociedades – configurando um tempo em que até mesmo a esperança parece estar escassa. Cabe a nós estar conscientes da importância do nosso papel e amparar, reerguer, reavivar os sentimentos, valores e atitudes que poderão renovar a confiança em dias melhores”. (CHALITA, 2003, pg.11)

 

Nós, seres humanos, estamos obrigados a decidir de que maneira queremos viver e dessa forma é natural que se busque melhorias e soluções para as mazelas sociais que nos afligem, no entanto, grande parte da população atualmetne não está preparada para esse tipo de decisão. E quem poderá prepará-las, ou ao menos orientá-las, senão nosso querido espaço de educação: a escola.

Quando se populariza frases como “o mundo é dos mais fortes”, difundem-se também valores como “os fracos não tem vez”. O que nos dá uma visão competitiva e individualista. Esses valores incertos são reforçados com o crescimento desenfreado da sociedade, os avanços tecnológicos e o enriquecimento de poucos, como afirma Garcia-Hoz:

“Os atos de justiça e de generosidade como os de qualquer virtude, às vezes são difícil de realizar porque temos uma apetência natural de bens e, em primeiro lugar, bens materiais que são os que com maior facilidade se percebe e os que com maior urgência se sente, pois estão diretamente relacionados com o nosso organismo sensível.” (GARCIA-HOZ, 1998, p.92).

As pessoas tentam encontrar sentido para suas vidas adquirindo bens e riquezas, sem se dar conta de que valorizar a própria vida e a vida do outro gera um bem-estar muito maior. São estes pequenos valores que estão sendo esquecidos tanto no ambiente escolar, como na sociedade como um todo. Não se trata apenas de regras de boa convivência, como ser tolerante ou cordial, falamos de valores que transcendem os valores comuns, como a sobriedade, a honra, e a dignidade, valores esses há muito esquecidos e que precisam ser resgatados.

Nada contra a capacidade de trabalhar e acumular bens, nem tampouco contra as tecnologias que facilitam o nosso cotidiano. Entretanto, a visão de um mundo totalmente consumista e individualista que difunde que um homem é aquilo que ele possui e que pode comprar; essa visão de que ter é igual a poder, e assim poder subjugar e diminuir o outro não pode ser considerado saudável. A escola lutou e sempre lutará por ideais de igualdade, justiça e respeito para todos os setores da sociedade, para que não haja má distribuição de renda, para que os poderes não se concentrem nas mãos apenas de alguns, para que todos tenham oportunidade de se desenvolver dentro de nossa sociedade, construindo elos saudáveis e que visam o bem de todos.

Formar o cidadão ou educar para a cidadania constituem-se palavras-chave que ocupam espaço significativo no discurso e no cotidiano da escola, nos discursos de profissionais, nos objetivos dos projetos político pedagógicos das escolas, entre outros. Na LDB 9394/96, encontra-se delimitado que “a educação básica deve assegurar a todos a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhes meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (LDB, art.22). Entretanto, conhecemos que quando o conteúdo chega até a educação moral, existe uma dificuldade, exige-se um preparo maior do educador, uma noção muito clara do que se pretende passar como preparo para a cidadania, pois existe uma linha muito tênue entre a formação de valores morais e a neutralidade do estado de laicidade, como citam os  PCN

“Já os conteúdos atitudinais permeiam todo o conhecimento escolar. A escola é um contexto socializador, gerador de atitudes relativas ao conhecimento, ao professor, aos colegas, às disciplinas, às tarefas e à sociedade. A não-compreensão de atitudes, valores e normas como conteúdos escolares faz com estes sejam comunicados sobretudo de forma inadvertida — acabam por ser aprendidos sem que haja uma deliberação clara sobre esse ensinamento. Por isso, é imprescindível adotar uma

posição crítica em relação aos valores que a escola transmite explícita e implicitamente mediante atitudes cotidianas.”(PCN, Livro 01, pg.52)

Ensinar e aprender valores morais e éticos requer um posicionamento consciente sobre o que e como se deve ensinar na escola, logo o posicionamento deve ser estabelecido no próprio projeto educativo das escolas, selecionando e adequando conteúdos. É sabido que aprendizagem de valores é complexa e pouco explorada do ponto de vista pedagógico, mas há que investir esforços para este fim se quisermos de fato educar para a cidadania e transformar a sociedade.

­­­­­­­­­­­­II. BREVE OLHAR SOBRE A CONSTRUÇÃO DA PERSONALIDADE MORAL

É importante considerar que a família constitui a base para a vida social. É nesta instituição social, independente de sua composição, que os indivíduos iniciam suas interações com o mundo social e com o conjunto de regras que o regem. É o primeiro grupo com o qual a pessoa convive e seus membros são exemplos para a vida. Quando o indivíduo não se apropria dessa base moral, nos períodos adequados, isto é, durante toda a infância ele chegará à escola, desprovido do conjunto de princípios que orientam suas condutas. Provavelmente, essa mesma instituição escola, as pessoas e os objetos que a compõem estarão revestidos de pouco valor ou de significados. E essa é uma das explicações para o não cuidado com o espaço escolar e com as pessoas que participam daquele contexto. Para Piaget (1948):

“[...] antes dos 3-4 anos ou 6-7 anos, conforme o país, não é a escola, e sim a família que desempenha o papel de educadora. Poderão talvez alegar então que, mesmo admitindo esse papel construtivo das interações sociais iniciais, o direito à educação diz respeito, antes de mais nada, à criança já formada pelo meio familiar e apta a receber um ensino escolar [...]. Entretanto, dissociando-se dessa forma o processo educativo em dois períodos ou segundo duas esferas de influência, das quais a primeira seria formadora, limitando-se a segunda à transmissão de conhecimentos particulares, torna-se a empobrecer o significado do direito à educação. Não somente se restringe o alcance construtivo desse último, mas também se separa a escola da vida [...]. Em síntese, a família deve constituir-se um espaço de vivência e aprendizado social inicial, “[...] uma mola essencial da vida social” (PIAGET, 1948/1994).

Essa base apreendida neste espaço permitirá a inserção e adaptação desse indivíduo em outros ambientes de interação e aprendizado além do familiar.

Para Piaget, o desenvolvimento moral se dá como um processo de construção, assim como todos os outros processos do desenvolvimento humano, e de constante auto-organização, que ele chama de Equilibração. No caso da moral, essa construção se dá através da interação social, que ao ser vivida pela criança, esta vai adaptando-se aos poucos

De forma geral, ele diz que essa construção acontece em dois estágios, o da heteronomia seguindo para a autonomia rumando ao desenvolvimento moral. Sendo que na fase da heteronomia, a criança obedece as regras impostas geralmente por adultos próximos a ela, como pais ou professores. Já na fase da autonomia a criança se torna capaz de julgamentos reflexivos, superando a mera obediência a algo exterior a ela, e essa superação se dá através da reciprocidade nas relações, na noção do respeito mútuo, e não apenas de unilateralidade, como diz Piaget: “... o ser autônomo somente legitima princípios e regras morais inspiradas pela reciprocidade, pela igualdade, pela equidade e pelo respeito mútuo.” (PIAGET, 1932 apud LA TAILLE, 2006).

 Assim, favorecendo a interação social entre crianças (preferencialmente da mesma faixa etária), incentivando a cooperação e o respeito mútuo entre elas, ensinando os valores humanos, estaremos contribuindo não somente para o desenvolvimento cognitivo, mas também o desenvolvimento da personalidade moral.

De certa forma, a moralidade está intrinsecamente ligada com a necessidade de todos os seres humanos de se relacionar com os demais e com uma característica tipicamente humana que é o indeterminismo. Assim, o ser humano constitui-se um ser indeterminado e que não está pronto, cujo desenvolvimento não é determinado apenas biologicamente, depara-se com a necessidade de decidir reflexivamente o que fazer com tal abertura, deve decidir-se, portanto, sobre a maneira com a qual conduzirá sua história, agindo de forma responsável sobre as circunstâncias que está inserido.

Piaget (1930) conclui seu trabalho dizendo que “os procedimentos de educação moral devem levar em conta a própria criança” e que, nesse sentido, os métodos ativos são superiores aos outros. Podemos dizer, então, que educar moralmente para Piaget é proporcionar à criança situações onde ela possa vivenciar a cooperação, a reciprocidade e o respeito mútuo e assim, construir a sua autonomia.

 

III. A EDUCAÇÃO MORAL E A ORIENTAÇÃO NA ESCOLA

Sem dúvida, a escola é uma das instâncias mais importantes de uma sociedade. Sua função básica é ensinar, porém a educação tem uma função muito mais ampla, o que significa que não podemos limitá-la à simples aquisição de conteúdos, uma vez que os conteúdos por si só não desenvolvem todas as habilidades necessárias ao exercício da cidadania e a boa convivência em sociedade.

Estudiosos afirmam que a criança precisa da orientação do adulto para moldar o seu caráter e sua personalidade. Todos os educadores concordam que a moral não é completamente inata; em seus estudos, Piaget (1930) cogita a formação da moral a partir da convivência com semelhantes (moral autônoma) e sob a orientação de adultos (moral heterônoma) em situações que constituam atividades que ensejam o bom uso da moral.

Vários autores têm descrito ou proposto sobre como deve ser educação moral, no entanto, sem criar um conceito. Existe um consenso em relação a certas finalidades, princípios e procedimentos considerados mais fundamentais para essa forma de educação. Quase todos (senão todos) concordam que a escola deve, junto com a família e a sociedade, comprometer-se em educar moralmente seus alunos, e que esta educação não deve limitar-se a uma disciplina específica, mas alcançar o maior número de espaços e de participantes.

Um elemento a mais no conteúdo escolar, a educação moral participa do currículo oculto, geralmente é citada na proposta pedagógica das escolas como missões e valores filosóficos, infelizmente de forma pouco clara, também vem na legislação educacional atual, e está descrito nos PCN os vários sentidos da palavra Ética e nenhuma está desassociada da palavra Moral:

“Moral e ética, às vezes, são palavras empregadas como sinônimos: conjunto de princípios ou padrões de conduta. Ética pode também significar Filosofia da Moral, portanto, um pensamento reflexivo sobre os valores e as normas que regem as condutas humanas. Em outro sentido, ética pode referir-se a um conjunto de princípios e normas que um grupo estabelece para seu exercício profissional (por exemplo, os códigos de ética dos médicos, dos advogados, dos psicólogos, etc.). Em outro sentido, ainda, pode referir-se a uma distinção entre princípios que dão rumo ao pensar sem, de antemão, prescrever formas precisas de conduta (ética) e regras precisas e fechadas (moral)”. (PCN, Livro 8, p. 07)

Embora no contexto dos PCN as definições de Ética e Moral se misturem a fim de banir a ideia de falso moralismo, não entraremos em detalhes da discussão filosófica do significado de Ética e Moral, apenas nos limitaremos a dizer que ambas tem um mesmo propósito: a exaltação da vida nos valores morais, sendo que a Ética se propõe a este fim no campo teórico e reflexivo, e a Moral na prática eminente. Consideramos mais necessária a compreensão do que é “ser moral”, que segundo Menin:

 “Ser ‘moral’ implica em pensar nos outros, em qualquer outro, na humanidade... Ser ‘moral’ implica em ter vontade: querer raciocinar além do próprio ‘eu’... Ser ‘moral’ implica, às vezes, em perder vantagens imediatas para si em prol de outros que nunca conheceremos... Às vezes, implica até em sermos revolucionários, em sermos contrários a leis que nos humilham, a leis que nos tornam submissos, sem dignidade...” ( MENIN, 1996,p.42)

O ser moral está escasso em nossa sociedade, valores morais e humanos são relevantes para o exercício da cidadania. Frequentemente observamos exemplos desta escassez, ao passo que observamos nossas crianças seduzidas pela criminalidade, ou ainda, cultuando coisas que são consideradas nocivas para a formação de seu caráter.

A LDB 9394/96, em seu 2° artigo, estabelece a educação escolar como base para a formação do cidadão, e cita os ideais de solidariedade humana como inspiração para o pleno desenvolvimento do educando:

“A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humano, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (LDB 9394/96, art. 2°.)

Os vários conceitos da palavra Ética descrito pelos PCN indica uma forma de conduta moral, necessários à educação escolar. Ora, se uma parte de um documento oficial importante como os PCN, o qual norteia a educação brasileira, é dedicado a inteiramente a Ética, e consequentemente a Educação Moral, então a escola não pode ignorar um conteúdo de suma importância para o bem da sociedade, uma vez que a pessoa educada moralmente adquire bons princípios dá sentido à sua existência, valoriza os seus semelhantes, preza pelo bem estar dos que estão a sua volta e do meio ambiente ao seu redor, enfim, repugna o mal seja qual for a sua face.

Os adultos que fazem parte do ambiente escolar são referências para as crianças, e representam aquilo que é correto e bom. A criança costuma respeitar e considerar tanto o que é dito, quanto o que é vivido dentro da escola, logo esta se torna o ambiente ideal para a educação das virtudes, conforme comenta La Taille

“Um bom exemplo de relação com autoridade é a relação que temos com um médico: seguimos suas prescrições porque o consideramos como representante de um conhecimento legítimo, inteligível (por mais difícil que seja) e que pode nos fazer algum bem. A relação de autoridade, seja na família, seja na sala de aula, deve seguir essa mesma lógica: os pais ou os professores devem ser reconhecidos como pessoas que detêm conhecimentos legítimos e necessários ao pleno desenvolvimento das novas gerações. Assim sendo, é claro que a moral (o respeito pelo outro) e projetos éticos de crescimento pessoal e social correspondem a valores preciosos para a vida. A criança começará a pensar neles referenciada em figuras de autoridade e, quando conquistar a autonomia, vai se libertar da referência à autoridade certamente com gratidão.” (LA TAILLE, em entrevista ao site Educacional, 2013)

A orientação escolar pode propiciar às crianças não apenas a educação da inteligência, mas também da educação moral para que saibam o que fazer com a inteligência. Tem-se aí um grande trunfo contra as mazelas que afligem nossa sociedade, bastando que educadores abracem este compromisso.

Acreditamos que se deve implantar desde cedo no ser humano o espírito de cooperação e reciprocidade, sendo ambos necessários a aquisição das virtudes, a compreensão de pontos de vistas diferentes e ao sentimento de empatia. Devido ao egocentrismo infantil, esse espírito de cooperação deve ser orientado por adultos preparados, daí a importância da boa formação do educador e a valorização por parte da escola da educação moral.

Araújo (1993) nos fala de um ambiente assim ao descrever o que ele chama de “ambiente escolar cooperativo”:

“uma ambiente assim denominado porque nele a opressão do adulto é reduzida o máximo possível, e nele encontram-se as condições que engedram a cooperação, o respeito mútuo, as atividades grupais que favorecem a reciprocidade, a ausência de sanções expiatórias e de recompensas, e onde as crianças tem oportunidades constantes de fazer escolhas, tomar decisões e expressar-se livremente.” (ARAÚJO,1993, p.111)

Quando mostramos a uma criança através do convívio sadio dentro de uma escola onde se estima os valores morais, estamos abrindo espaço para que esta criança aprecie e interiorize os valores humanos que a conduzirão por uma vida plena e feliz, e estaremos estruturando-as para enfrentar as dificuldades da vida.

Um educador deve ser sempre consciente de que ele é um agente transformador da sociedade, pois se a escola não se comprometer com a tarefa de formar também em valores, ainda que busque ensinar todos os ramos da ciência, se não cultivar o mundo afora tendo como fundamentação os valores moralmente aceitos, o ensino-aprendizagem já estará comprometido. E sendo a criança é um ser em transformação e constante formação, não está destinada a viver sempre num universo fechado e protegido da família e da escola, ela viverá em sociedade, tomará decisões, fará escolhas. Então deve-se dar suporte através do ensino e vivência de bons valores, para que ao chegar ao mundo, ela não se perca a tantas ilusões e atrativos nem sempre bons.

A escola pode e deve ajudar incluindo em suas atividades, espaços para a propagação desses valores, observando e praticando de fato o que está escrito nos PCN sobre este tema, aprofundando e explorando ao máximo. Alertamos ainda que não se trata de educação religiosa, trata-se do bom cultivo de virtudes, da plantação de sementes de respeito, solidariedade, empatia, cooperação e reciprocidade. Araújo (1993) alerta ainda para a questão do “respeito unilateral invertido” infelizmente presente na metodologia de alguns educadores e algumas escolas:

“respeito unilateral invertido, onde, tentando romper radicalmente com sua experiência de educação autoritária, e utilizando-se de argumentos de algumas concepções psicológicas que defendem a liberdade total, professores e pais da atual geração deixam de ser autoritários e permitem que alunos e filhos o sejam” (ARAÚJO, 1993, p. 111)

Atualmente é comum presenciarmos o respeito unilateral invertido nas famílias, principalmente as mais jovens, onde vemos pais tentando não repetir de alguma forma a educação rígida que tiveram; ou ainda professores em sala de aula tentando uma metodologia diferente da que tiveram seus pais ou seus avós, sob a bandeira da modernidade e da democracia. É perigoso deixar que apenas a criança tome decisões, pois ela não está preparada ainda para tal responsabilidade. Coerentemente, os adultos podem conduzir a criança a tomar decisões corretas, mas não deixar a cargo exclusivamente dela. 

IV. OBSERVAÇÕES EM ESCOLAS DE ENSINO FUNDAMENTAL DA CIDADE DE MANAUS.

Buscando-se atribuir enriquecimento desta reflexão, nos dedicamos a observar durante um tempo algumas escolas entre particulares e públicas, de diferentes zonas na cidade de Manaus, desde a educação infantil ao ensino fundamental I. Nossa intenção era encontrar alguma escola ou mesmo sala de aula que dispusesse de algo parecido com “ambiente escolar cooperativo” onde a professora acreditasse em princípios e valores morais, e compará-las a outras salas de aulas comuns, repetindo em Manaus a pesquisa de Araújo (1993) que conseguiu encontrar no interior de São Paulo tal sala de aula. Segundo ele, tal professora “seguia o Programa de Educação Pré-Escolar, criado pela professora Olga Zucatto Mantovani de Assis” (Araújo, 1993), onde ela auxilia através do programa a formação de um ambiente construtivista onde os alunos desenvolvam a autonomia. Infelizmente não foi encontrada nenhuma sala nesses moldes nos lugares onde estivemos. Dessa forma, nos dedicamos a observar o que de fato se tem feito em termos de educação moral em Manaus.

Tivemos a oportunidade de participar das reuniões de planejamento em algumas escolas, em outras presenciamos aplicação de projetos pedagógicos com temas diversos, e ainda pudemos observar o cotidiano dos professores no exercício de suas atividades diárias. Nos projetos pedagógicos internos ou externos, notamos que os temas mais trabalhados pelas escolas são: a paz ou a “não violência”, a tolerância e alguns aspectos da cidadania.  Outros temas que apareceram bastante foram o respeito, dando enfoque na relação de respeito mútuo entre alunos, mas principalmente entre professores e alunos; a valorização do orgulho pelo Estado e pela região Norte; e a solidariedade, geralmente com pessoas menos desfavorecidas, ou atingidas por desastres naturais regionais. Apareceram ainda temas como o respeito pelo próprio corpo com enfoque no “não consumo de drogas”; honestidade e sensibilidade ao próximo, estes últimos em escala bem inferior.

Nas reuniões de planejamento que participamos notamos que em sua maioria o interesse dos professores e corpo pedagógico é trabalhar o tema “respeito”, seguido por cidadania e solidariedade. Alguns demonstram trabalhar esses temas de forma transversalmente e poucos falaram sobre o tema abertamente a seus alunos. Em suas políticas, missões, filosofias e valores, as escolas parecem seguir os conteúdos morais e éticos que determinam os documentos oficiais brasileiros e o que se divulgam nos cursos de formação continuada de professores promovidos pelo MEC. Entretanto, na prática, o que se vê é que o que motiva o desenvolvimento do conteúdo moral dentro das escolas de Manaus é o que de fato acontece nos arredores das escolas, nas ruas e o que é exposto nas mídias.

Não há clareza nos princípios das escolas e o debate em torno da proposta pedagógica da escola é quase nulo, com exceções de algumas escolas particulares. Apenas a nível de ilustração da importância que é dada a Educação Moral nas escolas visitadas, aplicamos a 12 professores e gestores um questionário com apenas duas perguntas que seriam as seguintes:

1)   De que forma é aplicada a educação moral na sua escola e/ou sala de aula?

2)   Qual do seu objetivo com ensinamento sobre educação moral?

A avaliação das respostas destes questionamentos foram feitas em apenas 03 (três) níveis de satisfação, sendo: 1.Muito satisfatória; 2.Satisfatória e 3. Pouco satisfatória. Os resultados para a primeira questão foram 66,6% de respostas pouco satisfatórias. E para a segunda questão foram 83,3% de respostas pouco satisfatórias.

Em nossa análise, a primeira questão demonstra que existe uma preocupação com a aplicação da educação moral por parte dos entrevistados, embora não muito satisfatória. Na segunda questão não há muita clareza quanto aos objetivos da aplicação dessa educação moral. Na verdade, estes índices demonstram não a falta de conhecimento, mas do esclarecimento, direcionamento e preparo por falta dos profissionais em questão, no que se refere a construção de valores morais.  Contrastando nossas observações com o resultado dessa pequena pesquisa, podemos concluir que há um favorecimento maior em prol dos conteúdos escolares, do cumprimento de protocolos e menor preocupação com o tipo de cidadão que pretendemos formar.

O que percebemos é que, concordando com La Taille (2006) “existe uma preocupação maior por parte da escola em não parecer autoritária” e, portanto, com foco maior no ensino dos conteúdos curriculares visando maior índice de aprovação possível.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio desta pesquisa, foi possível esclarecer algumas inquietações que surgiram no decorrer da realização do curso de graduação em pedagogia, assim como no decorrer da investigação sobre a aplicação do ensino de valores morais e humanos junto a escola, para a construção da cidadania, com vistas a uma sociedade mais justa e democrática.

O que podemos observar é que Manaus ainda tem muito a caminhar para alcançar uma excelência na educação, pois nossas escolas ainda dão pouco valor para a construção da educação moral e os princípios éticos. Existe ainda um forte impasse que impõe que a educação moral e o ensino de princípios é dever apenas das famílias. Mas o que dizer quando vemos filhos de mães adolescentes que muitas vezes não tiveram uma boa estrutura familiar, que vivem nas periferias, que não tem valores fundamentados em bons princípios, chegarem a sala de aula só para garantir um benefício do governo, ou mesmo a refeição do dia?

Será que não seria dever da escola garantir que essas pessoas tenham o mínimo de dignidade, que tenham uma chance de se construírem e assim construírem um mundo melhor para si mesmas? Nosso desejo é que esta pesquisa continue se aprofundando em Manaus de acordo com a nossa realidade, e que se propaguem nas escolas e na sociedade os valores humanos como a gentileza, a solidariedade, a tolerância, sentimentos altruístas que não podem ser ensinados por máquinas, ou ainda comprados no mercado. E que a escola e o professor façam parte disto.

 

 

 

REFERÊNCIAS

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BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 2001.

CARVALHO, M. C. M. Construindo o saber. Campinas: Papirus, 1988.

CHALITA, G. Pedagogia do Amor. São Paulo: Ed. Gente, 2003.

LA TAILLE, Yves de., Moral e Ética: Dimensões intelectuais e afetivos. Porto Alegre: Armed, 2006.

_______, A imposição moral e ética. Entrevista concedida ao site Educacional. Disponível em <http://www.educacional.com.br/entrevistas/entrevista0091.asp>.

Acesso em 07/09/2013.

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394 de 20/12/1996. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/ldb.pdf. Acesso em 13/05/2013.

MAZÓ, Alcides F. ET AL. Valores. Que valores? Escola de País do Brasil. São Paulo: Almed, 1984.

MENIN, Maria Suzana de Stefano. Desenvolvimento Moral. In: MACEDO, Lino de (org.). Cinco estudos de educação moral. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996.

 

 

Parâmetros Curriculares Nacionais. Livro 01. Introdução. Disponível em <http:// http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01.pdf>. Acesso em 02/08/2013.

 

Parâmetros Curriculares Nacionais. Livro 08, 2ª. Parte. Disponível em <http:// http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro082.pdf>. Acesso em 18/08/2013.

PIAGET, Jean. Os procedimentos da educação moral. In: MACEDO, Lino de (org.). Cinco estudos de educação moral. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996.

PIAGET, Jean. Para onde vai a educação?(1948). Rio de Janeiro: José Olímpio, 1994.

PRESTES, Maria Lúcia de M., A pesquisa e a construção do conhecimento científico. 3ª Ed., 1ª reimp. São Paulo: Rêspel, 2008.



[1] Graduanda do Curso de Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Nilton Lins/AM.

[2] Professor da Disciplina TCC e Orientador da Universidade Nilton Lins, Mestre pela UFAM/AM.