A tragédia manipulável representa a sociedade das desigualdades, que resulta numa alienação do professor e da profissão. Tal tragédia não tem origens num conflito de classes, mas em uma justificação capitalista e consumista da história, que não mais arrisca numa ação intempestiva, mas que permanece estagnada às mudanças teóricas e sociais. Este problema culmina na ditadura do saber, no qual o professor é um ditador e o aluno, um aspirante a ditador. Uma possível solução para essa tragédia seria através da reciclagem e reconstrução intelectual, porém, tal reconstrução se depara na figura do professor-ditador e do aluno-reprodutor.

Pela tragédia manipulável, o indivíduo executa e concretiza várias de suas vontades, paixões e ideologias. Envolvido num sistema em que o professor é um ditador e o Estado é um opressor, a tragédia é manipulada e por todos executada. A maioria daqueles que se destacam pela criticidade é por todo executada, por todo alienada. O Estado e a Escola fazem essa execução na tragédia manipulável, pois estes sabem alienar e submeter os críticos à ditadura do professor e da profissão. O estudante deve ter como pré-disposição essencial para estudar, desvincular-se do dogmatismo e do mecanicismo no campo da economia, pois estes fatores reduzem as relações sociais e ainda proporcionam, no indivíduo e na sociedade, uma alienação na qual todos se prejudicam.

Tal tragédia não é somente uma luta de classes, pois, este conceito, ainda que amplo para os filisteus da cultura[1], não esclarece significativamente o emaranhado no qual as relações humanas se constituem. O conceito de luta de classes[2] não responde o problema da tragédia manipulável, pois este problema acompanha não só questões a posteriori, mas também a priori.

Para a aristocracia grega, a educação era vislumbrada como um elemento essencial para a formação do homem. Para tanto, a educação da aristocracia era realizada a partir de dois planos: o ético (orientado pela família) e o intelectual (orientado pelo mestre escola). Esta educação recebe um nome muito específico: paidéia. A paidéia é o elemento formador da sociedade, é a própria cultura, visto que aquilo que forma a sociedade é a estrutura cultural.

Dessa forma, para os gregos, o que orienta a sociedade é a paidéia e todas as suas implicações econômicas, políticas, sociais etc. É nesta direção que Werner Jaeger aponta a questão da educação grega, "[...] a essência da educação consiste na modelagem dos indivíduos pela norma da comunidade. Os Gregos foram adquirindo gradualmente consciência clara do significado desse processo mediante aquela imagem do Homem, e chegaram, por fim, através de um esforço continuado, a uma fundamentação, mais segura e mais profunda que a de nenhum povo da Terra, do problema da educação".(JAEGER, 2003, 15).

Contrários a idéia de que o agente formador do social é a cultura, os filisteus marxistas [3]interpretam a sociedade a partir do prisma redutivo do marxismo ultrapassado: estrutura e superestrutura. No entanto, esta interpretação traz consigo uma contradição interna, pois, o universo é acompanhado de fatores essenciais e a priori[4], que a antropologia marxista, ainda que seja de origem ontológica, é limitada e não consegue responder a todas as questões genéticas e formadoras da sociedade, carregando ainda um 'otimismo' de parentesco metafísico[5].

Será que nessa tragédia, os filisteus marxistas analisam que o que forma a sociedade é a cultura? Será que estes sabem o que significa e representa a cultura? Os próprios marxistas, mediante estudos sobre o movimento operário e camponês, a partir da década de 50, perceberam as limitações de se analisar as lutas de classe e as relações de trabalho apenas sob a ótica economicista. Nesse sentido é que historiadores como Edward Palmer Thompson, George Rudé e Eric Hobsbawn, ao pesquisarem a história da formação operária e do movimento de trabalho camponês, entenderam que além da economia, as suas ações, organizações e lutas, transpunham as relações de venda de mão-de-obra; mas ainda eram definidos pela cultura popular entendida por Thompson como: "[...] não podemos entender a classe a menos que a vejamos como uma formação social e cultural".(THOMPSON, 1988, 12).

A tragédia manipulável é a vida, feita em detalhes e ideologias repressivas e ditatoriais; é a sociedade, estruturada a partir da cultura e das representações simbólicas; é o mundo, feito geocêntrico pelo homem. Essa tragédia é a vida, constituída por micro-físicas do poder, que além de alienar o homem, o executa para o bem da alienação geral.

Esta tragédia manipulável é muito valorizada por estes filisteus, afinal, manter-se na ditadura do saber é sempre uma maneira favorável e rentável para estes permanecerem a-críticos, a-intempestivos e alienados nesta condição no qual se submetem e se favorecem.

Estes filisteus enfraquecem os indivíduos criativos[6], mas fortalecem o espírito a-crítico, já que visualizam a história a partir de um único prisma, onde o empirismo é relegado ao campo da dedução, afirmando, assim: que os opressores manipulam e de que os manipulados manipulam os seus amigos, familiares e alunos. Se a história, sob essa ótica, for apenas uma luta do ditador contra outro ditador, de um sistema contra outro sistema, então, a luta de classes não oferece respostas para os conflitos sociais, já que não existem nem classes, mas estágios, sendo que haverá trocas de poderes e de favores entre estes. Neste sentido, tal luta é por uma unificação capitalista e consumista e não por uma utopia desses pseudo-socialistas e pseudo-comunistas que não mais arriscam.

Karl Marx, em suas teorias, enfatizou que o conhecimento objetivo no sistema de relações de todas as classes, em uma dada sociedade, por conseqüência, o entendimento do grau objetivo de progresso e desenvolvimento desta sociedade e de como que esta se relaciona com as demais, poderia ser utilizado como uma estratégia justa da classe de vanguarda. É neste sentido, que Marx escreve em Miséria da Filosofia:

A grande indústria aglomera num único lugar uma multidão de pessoas desconhecidas umas das outras. A concorrência divide seus interesses. Mas a manutenção do salário, esse interesse comum que possuem contra seu patrão, reúnem-se num mesmo pensamento de resistência – coligação. Assim a coligação tem sempre um duplo objetivo, o de fazer cessar entre elas a concorrência, para poder fazer uma concorrência geral ao capitalista. Se o primeiro objetivo de resistência foi apenas a manutenção dos salários, à medida que os capitalistas, por sua vez, se reúnem num pensamento de repressão, as coligações, a princípio isoladas, constituem-se em grupos e, diante do capital sempre unido, a manutenção da associação torna-se mais necessária para elas que a do salário. Isso é de tal modo verdadeiro que os economistas ingleses sempre se espantaram ao verem os operários sacrificarem uma boa parte do salário em favor das associações que, aos olhos desses economistas, só foram criadas em favor do salário. Nessa luta, verdadeira guerra civil, reúnem-se e desenvolvem-se todos os elementos necessários para uma batalha futura. Uma vez atingindo esse ponto, a associação adquire um caráter político. (MARX, 2007, 154).

Marx escreve vislumbrando as conjunturas sociais, políticas e econômicas de seu tempo. Portanto, como filósofo, este propõe uma solução teórica e empírica para o problema das desigualdades, "proletários de todos os países, uni-vos" (MARX & ENGELS, 2007, 91). Entretanto, tais propostas, ainda que exerçam grande influência sobre nossa historiografia, sociologia, educação etc., devem ser analisadas como conceitos de Marx para o século XIX. É neste equívoco teórico que o marxismo dos filisteus se apóiam: analisam Marx com uma visão contemporânea, cometendo, assim, um anacronismo intelectual e educacional. Diante destas idéias, não proponho uma redução de um pensador clássico unicamente a seu tempo, mas evito anacronismos contra suas propostas teóricas.

Se a vida é uma tragédia, portanto, tudo o que provém desta é uma mísera-tragédia: a economia, a educação, a cultura etc. Não existe uma não-tragédia, pois a alienação e a manipulação enveredam os caminhos sociais da humanidade. Esta vida que faço menção é a vida social, já que a vida biológica representa uma não-tragédia, visto que esta, enquanto agente formadora do espaço e do cosmo, recebe ínfima influência do ser humano, afinal, a vida biológica é semelhante ao tudo perto do nada-homem e este é apenas um agente desta que se faz nesta e não um manipulador desta que não necessita deste para evoluir.

O pior de toda essa tragédia é aquele indivíduo que, manipulado pelos ditadores do saber, não se sente alienado e continua reproduzindo a hipocrisia intelectual. Esse problema resulta em um sistema onde o professor é um alienado-alienador e o aluno, um indivíduo com perspectivas tecnicistas, que reproduzirá a alienação-alienada do professor.

Para o filósofo Friedrich Nietzsche, aquele que estivesse disposto a lutar por uma cultura acima da mediocridade imposta, deveria preparar-se para a crítica de seus contemporâneos. Afinal, transvalorar os valores decadentes de uma época implica em ser intempestivo e denunciar o niilismo social estruturado[7]. Para corroborar com essa discussão, Scarlett Marton ilustra o pensamento de Nietzsche:

Nietzsche entende que os 'filisteus da cultura' representam o contrário dos homens verdadeiramente cultos. Incapazes de criar, limitam-se à imitação e ao consumo. Mas, em toda parte, deixam sua marca; organizam as instituições artísticas e os estabelecimentos de ensino. Por obra deles, a cultura torna-se venal. Objeto de possíveis relações comerciais, submetem-se às leis que regem a compra e a venda. Produto a ser consumido, deve ter uma etiqueta e um preço. Transformada em mercadoria, converte-se em máscara, engodo. (MARTON, 1993, 18).

A sociedade se consome, se consome em teorias, em fatos e conspirações. Se vende, se manipula, se doa para uma educação filistéia e hipócrita. Esta doação é simbólica, pois a verdadeira doação é realizada a partir da venda, da compra e da troca, onde Marx, Nietzsche e outros pensadores são entregues ao meretrício da manipulação. Os pseudo-comunistas instalam-se em suas alcovas e, a partir delas, outorgam deveres às massas subordinadas. Estes ditadores do saber se vendem em nome de uma utopia, mas são complacentes com o sistema estabelecido, aspirando, com ardor religioso, à mais idealizada forma de manutenção do poder, através de seus ensinamentos e através de seus discípulos, os alunos-reprodutores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FIGUEIRA, Felipe Luiz Gomes. Cultura em Nietzsche. In: II Simpósio de Filosofia: Ciência e Modernidade, 2007, Maringá. Anais do II Simpósio de Filosofia: Ciência e Modernidade. Maringá: Cadernos de resumos do Simpósio, 2007. v. 1. p. 03-05

JAEGER, Werner. Paidéia – A formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 2001

MARTON, Scarlett. Nietzsche: a transvaloração dos valores. São Paulo: Moderna, 1993

MARX, Karl. A miséria da Filosofia. Tradução de Paulo Roberto Banhara; São Paulo: Escala, 2007

__________. ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Tradução de Antônio Carlos Braga; São Paulo: Escala, 2007

NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculos dos Ídolos ou como filosofar a marteladas. Tradução de Carlos Antônio Braga; São Paulo: Escala, 2005

STACCONE, Giuseppe. Filosofia da Religião. São Paulo: Vozes, 1987

THOMPSON, Edward Palmer. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988



[1] "O termo 'filisteu', que já aparece na Bíblia, passou a ser empregado no século XVIII, nos meios universitários alemães, para designar os estritos cumpridores das leis e dedicados executores dos deveres que execravam a liberdade gozada pelos estudantes. Personagem do bom senso, inculta em questões de arte e crédula na ordem natural das coisas, o 'filisteu' recorria ao mesmo raciocínio para tratar das riquezas mudanas e das culturais. O poeta Heine diria que ele pesava, na sua balança de queijos, 'o próprio gênio, a chama e o imponderável'".(MARTON, 1993,18)

[2] Luta de classes e base e superestrutura serão conceitos explicados em conjunto, pois possuem íntima ligação entre si. O proletário é a classe que fornece a base, ou seja, o trabalho. O burguês é a classe que fornece a base, ou seja, a cultura. Proletários e burgueses são as classes que fornecem as bases e as superestruturas, ou seja, a educação. O que é o trabalho? O que é a educação? O que é a cultura? Tais conceitos resultam numa única explicação, ainda que dêem margem à outras: eles são produtos advindos da formação humana e, portanto, são culturas, trabalhos e educações. Afinal, existe base e superestrutura? Existem classes? Existe luta de classes? Para ilustrar o que venha a ser estas idéias, demonstrarei com o caso Brasil (Colônia) e Portugal (Metrópole). A Colônia fornecia as bases para a Metrópole manter-se no poder. Enquanto a grande massa brasileira trabalhava, os nobres portugueses se beneficiavam destes trabalhos. Assim, estabelece-se a base e a superestrutura, sem dissociar-se uma da outra, pois enquanto a base-trabalhadora fornece luxo à superestrutura-exploradora, a exploradora realiza uma troca de favores e a explorada recebe os favores. Então, base e superestrutura e luta de classes são exemplos de negociações entre as pessoas, onde não há um embate entre o pobre contra o rico, mas uma troca de interesses e negociações, firmando, assim, benefícios e prejuízos, prejuízos e conquistas, conquistas e negociações nas relações humanas. Portanto, a base está muito além da produção material, pois ela também realiza uma construção imaterial de valores, e a superestrutura não é a simples cultura musical, religiosa etc., mas parte constituinte da base que se forma a partir da super e a super, a partir da base.

[3] Aqui faço menção explícita aos pseudo-marxistas universitários, com suas idéias e teorias ultrapassadas e ortodoxas, que apenas enxergam a história sob um prisma redutivo, ou seja, não observando que há uma inter-relação recíproca entre os meios de formação social. Deixo claro: respeito profundamente historiadores marxistas como Thompson, Hobsbawm e Virgínia Fontes, pois analisam magistralmente essa interação entre os meios formadores da sociedade.

[4] Quando o primeiro homem começou a pensar, raciocinar? Como foi o primeiro homem, psico e biologicamente? Afinal, existiu um único homem? Como este nasceu? Do que? A partir do que? Duma evolução que se esbarra no problema da origem? Duma evolução que não prova como um átomo nasce a partir de um outro átomo? Tais questionamentos são redundantes, pois decaem em uma polêmica: o que vem antes do início? O início tem anterior? Existe o anterior ao nada? Estas questões resultam em uma questão metafísica, no qual as civilizações, sob o amparo religioso, esclarecem a partir de um princípio imóvel que movimenta e orienta o móvel. Pelo fato de que não há resposta absoluta para a questão da gênese, a afirmação religiosa de motor inicial (Deus para alguns) se apresenta ainda muito fortalecida em nossa sociedade moderna. São idéias como estas que resultam no momento a priori da formação biológica humana, na qual os elementos sociais destas decorrem sem explicações irrefutáveis para sua origem. Isso é a priori no ser humano: a formação biológica. A priori a partir do que? A partir da compreensão racional, lógica e epistêmica de mundo. A formação epistêmica não é dissociada da biológica e, portanto, a própria formação intelectual carrega consigo um parentesco metafísico, transcendental e universal.

[5] STACCONE, 1987, 263

[6] Esse ser criativo é semelhante ao modelo de gênio nietzschiano: "Meu conceito de gênio – Os grandes homens são como as grandes épocas, matérias explosivas, imensas acumulações de forças. [...] Quanto a tensão chegou a ser muito grande na massa, a mais casual irritação basta para se chamar a cena do mundo o gênio, para chamá-lo a ação e aos grandes destinos [...] Entre o gênio e seu tempo existe a relação que existe entre o forte e o fraco, entre o jovem e o velho. (NIETZSCHE. Crepúsculos dos ídolos, Incursões de um extemporâneo, §44)

[7] FIGUEIRA, 2007, 75