JAIR ADRIANO PEREIRA DE ABREU

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A DIFERENÇA ENTRE O CONCEITO DE LINGUAGEM ENTRE PIAGET E VYGOTSKY

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cariciaca-Campo Grande

Novembro/2015

 

 

JAIR ADRIANO PEREIRA DE ABREU

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A DIFERENÇA ENTRE O CONCEITO DE LINGUAGEM ENTRE PIAGET E VYGOTSKY

 

 

 

 

 

 

 

Artigo para publicação para a área de Mestrado em Ciências da Educação

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cariciaca-Campo Grande

Novembro/2015

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mas é claro que perdura o problema de compreender como a linguagem permite a construção dos conceitos, pois a relação é naturalmente recíproca e a possibilidade de construi representações conceptuais é uma das condições necessárias para a aquisição da linguagem.

                                                    (JEAN PIAGET)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Basicamente, o desenvolvimento da falainterior depende de fatores externos: o desenvolvimento da lógica na criança, como os estudos de Piaget demonstram, é uma função direta de sua fala socializada. O crescimento intelectual da criança depende de seu domínio dos meios sociais do pensamento, isto é, da linguagem”

                                                          (VYGOSTKY)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RESUMO:

Partindo do pressuposto que a concepção da aquisição da linguagem é diferente para Piaget e Vygostky, este artigo vem justamente trazer à tona a concepção dos autores em questão. Sempre buscando a autenticidade das palavras dos mesmos, bem como a fundamentação teórica de ambos, para que o leitor compreenda a diferença do conceito da concepção da linguagem entre esses dois fantásticos estudiosos. Não dá para compreender o desenvolvimento da linguagem na criança sem estudarmos Piaget, bem como sem entender as percepções de Vygostky. Assim sendo, esse artigo vem como modelo de entrelaçamento de pensamentos  para o entendimento de futuros pesquisadores.

Palavras-chave: Linguagem, aquisição, aperfeiçoamento.

ABSTRACT:

 

  1. 1.      INTRODUÇÃO

 

 

Toda estrutura educacional está organizada com a finalidade de promover aprendizagem e desenvolvimento do ser humano. Há várias formas de se conceber o desenvolvimento e aprendizagem fundamentais do homem. Diferentes visões e explicações podem ser adotadas na compreensão da forma como o sujeito apreende e se desenvolve. Trata-se de reconhecer, no encaminhamento dessa questão, a presença de postura teórico-metodológicas divergentes entre si.

Existe um aspecto básico, onde a aprendizagem e o desenvolvimento do pensamento tem relação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Muitas são as teorias para explicar com se dá a aquisição do conhecimento, mas poucas são as que se voltam para a interação sujeito/objeto como elemento fundamento no processo da construção de conhecimento do próprio homem.

Este estudo tem por objetivo refletir sobre diferentes posições teóricas na vertente interacionista, de modo a compreender como cada uma delas encara  o papel linguagem , enquanto condição que facilita e determina a apropriação e superação do conhecimento socialmente disponível. Tomando como base referencial as teorias de Piaget e Vygotsky este resumo apresenta as convergências e divergências entre o pensamento de um e outro autor que só pode ser efetivamente compreendida via um entendimento das raízes epistemológicas de suas ideias. Fazendo assim possíveis análises dos processos de desenvolvimento e aprendizagem e resgatar o conceito, origem e a forma como esses fatores são articulados em ambas as perspectivas. A partir desse estudo estabelecer uma proposta de trabalho sobre a linguagem no âmbito familiar.

  1. 2.      A LINGUAGEM EM PIAGET

 

A Construção da Linguagem, tema central deste estudo, é alvo de elocubrações teóricas que remontam à própria origem humana. Nesse caso em particular, buscaram-se referências nas áreas da Lingüística, da Psicologia, da Biologia, procurando possíveis vinculações na área educacional. Elegeram-se para contemplação da temática antes referida, os autores Jean Piaget e Vygotsky, por suas contribuições epistemológicas e ao mesmo tempo pelo caráter instigante de seus postulados. Sob a égide de suas palavras, tentou-se desvendar sua trajetória nas concepções sobre Linguagem (PIAGET, 1968)

Piaget, durante sua longa carreira de pesquisador, enfocou a questão da linguagem com profundidade, considerando-a um dos pilares do desenvolvimento do sujeito, como algo que está intimamente relacionado ao pensar.  PIAGET (1967, 1968) elabora algumas observações sobre a linguagem e o pensamento , ressaltando serem estas fruto de seu próprio pensar sobre a formação da inteligência e das operações lógicas. O autor concatena-as em três grandes pontos: primeiramente o cotejo entre linguagem e pensamento, relativo ao período de aquisição da linguagem pelo sujeito; a seguir o processo de construção das operações lógicas, chamadas concretas ( 7 a 11 anos); e finalmente a fase das operações formais ou interproposicionais ( 12 a 15 anos).

No estágio sensório-motor (de 0 a 2 anos) não há indícios de representação de significados por significantes diferenciados, ou seja, ainda não está presente a chamada função semiótica nos seres humanos. Essa função começaria a estruturar-se durante o segundo ano de vida do sujeito, pois estudos efetivados por PIAGET & INHELDER (1968, p.51) apontaram que nesse momento ocorreria a "evocação representativa de um objeto ou de um acontecimento ausente e que envolve, por conseguinte, a construção ou o emprego de significantes diferenciados". Podem-se acrescentar outras formas demonstrativas da diferenciação de significantes não registradas no período sensório-motor , encerrando, obviamente, um caráter pré-operatório, que retém um certo grau de simultaneidade: a imitação diferida ou retardada (intermediária entre as pré-figurações sensório-motoras e as condutas representativas); o jogo simbólico; o desenho ou imagem gráfica; a imagem mental e a evocação verbal (PIAGET, 1968)

Assim, ao deparar-se o sujeito com uma conduta de evocação verbal, percebe-se o uso da linguagem propriamente dita, pois a criança já é capaz de operar livre da limitação espacial e do tempo presente, ou seja pode descolar-se de aspectos perceptivos imediatos, sendo que os objetos e fatos inserem-se em patamares conceituais e racionais contribuindo na construção do conhecimento da criança. Logo o acima exposto refere-se tanto ao "começo da representação, como ao início da esquematização representativa (conceitos, etc.)" (PIAGET, 1967, p. 84), cabendo ressaltar que o pensamento originaria a linguagem, que a função semiótica abrangeria a linguagem e que, assim sendo, o surgimento da linguagem deve ser atribuído à função semiótica de modo geral e ao pensamento num sentido estrito.Em síntese, quanto à relação entre pensamento e linguagem PIAGET (1967, p. 86) entendeu que " ...o pensamento precede a linguagem e esta se limita a transformá-lo, profundamente, ajudando-o a atingir suas formas de equilíbrio através de uma esquematização mais desenvolvida e de uma abstração mais móvel". A Linguagem infantil e suas funções, as operações lógicas concretas e proposicionais. Observando duas crianças de seis anos e meio PIAGET (1999) estabeleceu dois grandes grupos de expressões da fala infantil: egocêntrica e socializada.

O primeiro grupo refere-se às falas em que a criança fala despreocupadamente, isto é, não se importa se é ou não escutada e nem tem um "alvo" certo para sua evocação. É uma fala para si própria, pelo simples prazer de aliar o que quer que seja à sua ação iminente. O egocentrismo dessa linguagem traduz-se pelo fato de a criança sempre falar a seu respeito e, também, por não conseguir vislumbrar outro ponto de vista que não seja o seu. Sua ação e fala não contemplam o interlocutor, ou seja, a criança não demonstra intenção em dizer qualquer coisa para quem esteja lhe escutando. Já na linguagem socializada há uma troca com o interlocutor: ele passa a ser considerado no contexto fala-ação (PIAGET, 1967).

A linguagem egocêntrica possui três características: ecolalia (repetição): trata-se apenas da repetição de sílabas ou de palavras. A criança repete-as pelo prazer de falar, sem nenhuma preocupação de dirigir-se a alguém, nem mesmo, às vezes, de pronunciar palavras que tenham sentido. É um dos restos do balbucio dos bebês, que evidentemente ainda nada tem de socializado. O monólogo: a criança fala para si própria, como se pensasse em voz alta. Não se dirige a ninguém.  Monólogo a dois ou coletivo: a contradição interna desta denominação evoca bem o paradoxo das conversações de crianças, de que acabamos de falar, nas quais cada uma associa outrem à sua ação ou à sua pessoa momentaneamente, mas sem preocupação de ser ouvida ou compreendida, realmente. O ponto de vista do interlocutor não intervém jamais – o interlocutor é apenas um excitante (PIAGET, 1978).

 A linguagem socializada divide-se em informação adaptada: a criança troca realmente pensamentos com os outros, seja informando o interlocutor de qualquer coisa que possa interessar ao último e influir sobre sua conduta, seja havendo troca verdadeira, discussão, ou mesmo colaboração em busca de um objetivo comum. Se a criança se coloca no ponto de vista do interlocutor, se esse interlocutor não pode ser indiferentemente substituído pelo primeiro que aparecer, há informação adaptada; se, pelo contrário, a criança somente fala de si, sem se preocupar com o ponto de vista do interlocutor, sem nem mesmo assegurar-se de que este último a escuta e compreende, há monólogo coletivo.  Crítica: este grupo compreende todas as observações sobre o trabalho ou a conduta de alguém, tendo o mesmo caráter da informação adaptada, isto é, que sejam específicas em relação a dado interlocutor. Mas tais observações são mais afetivas que intelectuais, isto é, afirmam a superioridade do eu e diminuem os outros. Pode-se ser tentado, em virtude desse último fato, a classificar este grupo nas categoriais egocêntricas, mas egocêntrica é tomado naturalmente no sentido intelectual e não moral, ora, trata-se, no presente grupo, da ação de uma criança sobre outra, ação que é fonte de discussões, de disputas ou rivalidades, enquanto as palavras do monólogo coletivo não são de nenhum efeito sobre o interlocutor. Por outro lado, a nuança entre a crítica e a informação adaptada é quase sempre sutil. Depende apenas do contexto. Ordens, súplicas e ameaças: Há aqui, claramente, a ação de uma criança sobre outra.  Perguntas: a maioria das perguntas de criança, a criança exige uma resposta, de modo que se pode classificá-las na linguagem socializada, a despeito das reservas que veremos. Respostas: são respostas dadas às perguntas propriamente ditas ( com ponto de interrogação) e às ordens, e não as respostas dadas no curso dos diálogos às proposições que não são perguntas, mas que dependem de informação (PIAGET, 1964). 

Ao mesmo tempo, o egocentrismo tem interface com o pensamento pré-lógico, pré-causal, mágico, animista e artificial. As conclusões desse estudo remetem ao entendimento da linguagem egocêntrica como inerente a certo período do desenvolvimento do ser humano, com uma forma de raciocínio próprio , pois a lógica egocêntrica possui um caráter intuitivo, sincrético, de raciocínios implícitos, um excessivo sentimento de segurança; além disso, não explicita analogias; valoriza esquemas visuais e seus julgamentos são marcadamente pessoais. Já no caso da linguagem socializada e sua inerência, a inteligência comunicável, as conclusões diferem radicalmente porque essa inteligência é dedutiva, explicitando os elos entre proposições; há necessidade de provas para convencimento de outrem; usa-se a dedução em si, inversamente às analogias; subtraem-se os esquemas visuais; não se utilizam julgamentos pessoais valorativos, tem-se por base o pensamento coletivo aproximado da razão (PIAGET, 1977).

Quando a criança já faz uso desse último grupo de linguagem, ou seja a socializada, ocorre uma estruturação cognitiva bastante importante no seu pensamento, isto é a vinculação da linguagem às operações concretas da lógica, estruturação esta que acontece entre os sete e dez anos de idade. A lógica das operações concretas, num primeiro momento, refere-se aos objetos, suas classes e relações, sendo que o manuseio dos mesmos acontece de modo real ou imaginário. Essas denominadas operações concretas dizem respeito a adições, multiplicações de classes e relações; classificações, seriações, correspondências. PIAGET (1967, p. 87) lembrava que: “... estas operações não esgotam toda a lógica das classes e de suas relações, constituindo apenas estruturas elementares de "agrupamentos", que são os semi-lattices e os grupo imperfeitos." Na tentativa de relacionar o pensamento e a linguagem como aspectos constituintes das operações concretas, o autor defronta-se com duas indagações: poderia ser a linguagem origem de classificações ou seriações ? Ou então, as seriações e classificações estariam de certo modo livres da sujeição da linguagem? Suas investigações demonstraram que, antes de expressar verbalmente certas operações, a criança necessita haver coordenado ações. Por exemplo, ao dizer-se que João tem olhos mais azuis que Paulo e, ao mesmo tempo, de um azul mais escuro que Pedro, qual deles tem os olhos de um azul profundo? Então, operar com + ou -  demonstra a coordenação de ações que precederia a verbalização desse operar. Assim a linguagem não origina a configuração dessas operações, mas sim, aumenta ilimitadamente sua força, conferindo às operações uma mobilidade e uma generalidade que não encerrariam sem ela, porém a linguagem não motiva estas coordenações (PIAGET, 1978).

Uma segunda etapa, relativa às operações lógicas na criança, é atinente às chamadas operações proposicionais (lógica das proposições), que possuem estruturas de conjunto específicas, as da rede ( lattice), bem como as de uma reunião de quatro transformações: identidade, inversão, reciprocidade e correlatividade. Essas transformações estruturam-se em torno de 11-12 anos, mas organizam-se como sistemas entre os 12 e os 15 anos. Nesse período do desenvolvimento humano, a linguagem é vista por PIAGET como a produtora dessas operações proposicionais, pois ele entende que na idade entre 11 e 12 anos o raciocínio já seria hipotético-dedutivo, inserido em patamar mais geral e abstrato, desvinculado dos aspectos concretos que o antecediam. Então, nessa fase apenas o pensamento permearia o surgimento desse tipo de raciocínio. Porém o autor propõe algumas questões: a linguagem ou o pensamento verbal bastante desenvolvidos permitiram a origem dessas operações, ou ao contrário, finalizariam uma estruturação que se iniciou nas operações concretas, sendo consequentemente vinculados à ação? Levou-se em consideração, para responder às indagações, o uso algébrico das operações proposicionais, ou seja o cálculo das proposições para entender-se o "problema psicológico da formação das operações proposicionais" (PIAGET, 1967,  p. 90),isto é, como seria o processo de passagem do sujeito das operações concretas (classificações, seriações, matrizes de dupla entrada) para estruturação de rede? As operações combinatórias explicam a distinção entre uma simples classificação e uma rede. A partir daí, surge outro problema: saber se a linguagem possibilitaria as operações combinatórias, ou se elas aconteceriam liberadas da linguagem. Demonstrou-se que as operações combinatórias são um produto do evoluir verbal, mas a estruturação dessas operações possibilitam ao sujeito concluir suas classificações verbais e estabelecer correspondências constituintes das operações proposicionais, quais sejam, identidade, inversão, reciprocidade, correlatividade. A conclusão final de PIAGET quanto ao papel da linguagem e do pensamento na construção das operações lógicas da criança remete à própria construção da inteligência pelos seguintes motivos: 1) a linguagem em si não explica o pensamento, visto que o pensamento tem suas ramificações anteriormente ao fato lingüístico, ou seja no período sensório-motor, em que a ação sobre objetos envolve mecanismos sensoriais e de movimento; 2) o pensamento a medida que se especializa necessita sobremaneira da linguagem, mas como complementar a essas estruturas complexas; 3) no processo de construção das operações lógicas, a linguagem é imprescindível, pois possui um sistema simbólico inerente que permite a integração de sistemas ( sem essa integração as ações suceder-se-iam infinitamente ), mas ela não é suficiente. Portanto, o autor pensou haver entre pensamento e linguagem um ciclo genético, um dando suporte ao outro em infinita ação mútua, dependentes ambos da inteligência que, no entender de PIAGET, precede a linguagem e não dependeria dela. Piaget esclarece suas concepções sobre egocentrismo e linguagem egocêntrica. O termo egocentrismo, segundo o próprio PIAGET (1990), gerou algumas celeumas, as quais o autor procurou esclarecer. Segundo ele, ao lançar mão dessa nomenclatura intentava demonstrar a incapacidade da criança pré-operatória em deslocar-se de certo ponto de vista cognitivo. PIAGET (1990,  p. 70) admite que deveria ter-se utilizado do termo "centrismo" ao invés de egocentrismo. A palavra egocentrismo gerou contestações no sentido de possivelmente estar vinculada à concepção de autismo de Bleuer, bem como ao "princípio de prazer" de Freud. Quanto ao primeiro ponto contestado, relativo a Bleuer, há o reconhecimento por parte de PIAGET (1990.71)de que houve uma ênfase muito grande nas aproximações entre egocentrismo e autismo, "sem colocar suficientemente em evidência as diferenças" entre os dois (PIAGET, 1964) Da mesma forma, quanto à segunda contestação, o autor suíço concorda que aceitou de modo acrítico as ideias de Freud, o qual preconizava ser o "princípio do prazer" anterior à realidade de maneira bastante simplista. Entretanto, em PIAGET(1978), há uma retomada desse segundo ponto e uma redimensão, pois, conforme o autor, "fui obrigado a conceber o pensamento realístico ou objetivo como independente das necessidades concretas, como uma espécie de pensamento puro que procura provas apenas para sua satisfação" (PIAGET, 1990, p. 71). Quanto à linguagem egocêntrica, já descrita anteriormente, é alvo de uma série de inquietações: PIAGET (1999) procurou verificar se haveria ou não uma linguagem egocêntrica especial diferenciada da linguagem cooperativa. Segundo o próprio epistemólogo houve uma má compreensão dessa obra, pois em seu entender, as críticas localizaram-se demasiadamente no primeiro capítulo, como que ignorando o segundo e terceiro capítulos que sob sua ótica o teriam levado a compreender o significado real do conceito linguagem egocêntrica. Posteriormente PIAGET (1977) retomou o aspecto funcional referente aos entraves que o egocentrismo poderia causar à coordenação de vários aspectos de uma situação visando à cooperação. Nesse sentido, ele estabeleceu que antes dos sete anos as crianças não conseguem coordenar regras de jogos, pois o egocentrismo cognitivo é demasiado, levando-as a vencerem, desprezando a essência competitiva do jogo.

Assim PIAGET (1990) entabula algumas constatações sobre a linguagem egocêntrica que são frutos de sua abrangente obra. A primeira diz respeito à diversidade inerente aos ambientes e eventos, o que sem dúvida interfere numa possível medição da linguagem egocêntrica. Em contrapartida ao que pensava inicialmente, PIAGET (1990) admite não possuir um instrumento que valide fidedignamente tanto o egocentrismo intelectual quanto o egocentrismo verbal. A segunda constatação é de que a linguagem egocêntrica ainda não teria sido suficientemente estudada, necessitando pesquisa mais detalhada das discussões infantis, sobremaneira no que diz respeito ao comportamento vinculado e acompanhado da linguagem. Finalmente, quanto ao egocentrismo cognitivo, PIAGET (1990) admite que o mesmo se estende às relações interpessoais, especialmente às que se expressam via linguagem. O autor exemplifica isso citando certos professores, cujas aulas, em princípio seriam muito mais para si mesmos do que para seus alunos, pois estes não lograriam compreender certos conteúdos pelo fato de os desconhecerem. Ao mesmo tempo, estaria presente também a dificuldade de descentralidade do professor. Cita ainda o ato de discutir, que pressupõe colocar-se no lugar de outrem, o que, segundo PIAGET (1990), aconteceria inclusive entre os psicólogos, para citar alguns grupos de profissionais.

  1. 3.      A LINGUAGEM EM VYGOSTKY

 

Quando Vygostky aborda a relação entre o pensamento e a fala nos estágios iniciais do desenvolvimento filogenético e ontogenético, afirma não encontrar nenhuma interdependência específica entre as raízes genéticas do pensamento e da palvara (Vygostky, 2001). Desse modo, a relação entre pensamento e palavra não é uma pressuposto para o desenvolvimento histórico da consciência. Existem no desenvolvimento da criança, um período pré-linguístico do pensamento e um período pré-intelectual da fala. No entanto, embora afirme a inexistências de um elo primário entre pensamento e fala, Vygostky não se alinha às teorias associacionistas que tomam o pensamento verbal como resultante da união externa entre pensamento e fala. Aliás, o fracasso destas teorias, segundo este autor, foi tributário justamente deste tipo de conexão mecanicista, que tentava explicar as propriedades do pensamento verbal fragmentando-as em seus elementos componentes. Vygostky propõe, então, a substituição da análise por elementos pela análise por unidades indecomponível dos dois processos, de forma que não podemos dizer que ele seja um fenômeno da linguagem ou um fenômeno do pensamento. O autor observa que uma palavra, é a própria palavra no seu aspecto interior. Do ponto de vista psicológico, a palavra corresponde a uma generalização ou conceito: “Toda generalização, toda formação de conceitos é o ato mais específico, mais autêntico e indiscutível do pensamento. Consequentemente, estamos autorizados a considerar o significado da palavra como um fenômeno do pensamento”( VYGOSTKY, 2001, p.398).

 O significado da palavra, no entanto, só é um fenômeno de pensamento na medida em que o pensamento se materialize na palavra. Esta materialização pressupõe um processo de construção que não se resume a um processo de simples associação. Assim, o novo e essencial na teoria de Vygostky é a investigação sobre o desenvolvimento do significado das palavras se reduziram a investigações sobre as mudanças nas conexões associativas entre palavras e objetos isolados. Não obstante, não é só conteúdo que se altera nesta mudança, mas também o modo pelo qual a realidade é generalizada e materializada em uma palavra. Aqui, chegamos a uma problematização crucial realizada por Vygostky: se o associacianismo não investiga as transformações dos modos de generalização e materialização do significado, também não pode explicar as transformações estruturais e psicológicas que ocorrem no desenvolvimento da linguagem das crianças. As escolas e tendências psicológicas (como a Escola de Wuwerzburg e da Gestalt, e autores como Selz e Ach) não deram o devido valor ao fato de que todo pensamento é uma generalização, estudando a palavra e o significado sem fazer referência a seu aspecto evolutivo. Esta lacuna nas investigações abriu para Vygostky uma questão que poderíamos assim formular, como os significados das palavras se alteram em sua natureza intrínseca – e, deste modo, se altera a relação entre pensamento e palavra – o que podemos apreender sobre a relação entre pensamento e palavra a partir de nossas investigações com crianças? Esta pergunta, que norteará a pesquisa de Vygostky, nos interessa de modo particular (ARNOLD, 1982).

O desenvolvimento linguístico da criança revela a presença de um trajeto distinto das esferas fonética (que em algumas traduções encontramos sob a expressão “esfera física e sonora da linguagem” e semântica. Quando a criança apresenta uma fala exterior, ela começa por uma palavra e avança no sentido de articular duas ou três palavras entre si. Mais tarde ela elabora frases complexas, chegando à fala corrente, que é composta pro um todo articulado de frases complexas. Nesse sentido, no que diz respeito ao aspecto físico e sonoro da linguagem, a criança caminha da parte para o todo. Quanto ao aspecto semântico, o vetor assume o sentido inverso: a criança parte do todo para as unidades menores. A primeira palavra pronunciada pela criança não tem o significado isolado da palavra, mas o significado de uma frase inteira. Com o tempo, a criança passa a dividir o pensamento em unidades isoladas. O avanço da fala em direção ao todo diferenciado de uma frase ajuda o pensamento da criança a progredir de um todo homogêneo para parte bem definidas. Assim, a linguagem não comparece, em Vygostky, em sua dimensão puramente instrumental, mas assume um lugar central na própria estruturação e organização do pensamento: “A linguagem não serve como expressão de um pensamento pronto. Ao transformar-se em linguagem, o pensamento se reestrutura e se modifica. O pensamento não se expressa, mas se realiza na palavra” (VYGOSTKY, 2001, p.412).

      O próximo aspecto a ser investigado por Vygostky é o da precedência da gramática sobre a lógica. Esta precedência – que aparece em Wallon sob a forma da precedência da linguagem em relação ao conhecimento advindo da experimentação – também é destacada por Piaget, que demonstra que a criança utiliza orações subordinadas muito antes de apreender os significados correspondentes a essas formas sintáticas. Vygostky sublinha que esta espécie de divergência – que propomos entender também como heterogeneidade – entre os aspectos semântico e fonético da linguagem é ainda surpreendente nos adultos. O autor retira um exemplo de Vossler, observando que no prólogo de sua peça “O duque Ernest Von Schwaben”, Uhland diz: “Uma cena grave irá se descortinar diante de vós” (VYGOSTKY, 2001, p.413). Na estrutura gramatical da frase, “uma cena grave” é o sujeito, e “irá descortinar-se” é o predicado, mas do ponto de vista da estrutura psicológica daquilo que quis dizer o poeta, “irá descortinar-se” é sujeito e “uma cena grave” o predicado. O poeta quis dizer, segundo a análise do autor, que o que vai acontecer diante de vós é uma tragédia e a primeira coisa que o espectador  teve em mente foi que diante dele se passaria uma cena: “É isto que diz a frase, isto é, este é o sujeito psicológico. A novidade acrescentada a este sujeito é a noção de tragédia, que é o verdadeiro predicado psicológico” (VYGOSTKY, 2001, PP.413-414).

A criança, a princípio, utiliza formas verbais e significados sem ter consciência de ambos como coisas separadas. A consciência linguística primitiva toma a palavra como parte integrante do objeto que denota. Experiências mostraram que a criança explica o nome dos objetos pelos seus atributos. Um animal chama-se vaca porque tem chifres, outros se chama bezerro porque seus chifres ainda são pequenos, e outro se chama cão porque é pequeno e não tem chifres (VYGOSTKY, 2001, p.418). Neste ponto, podemos anunciar o seguinte postulado de Vygostky: “A capacidade que tem uma criança de comunicar-se por meio da linguagem relaciona-se diretamente com a diferenciação dos significados das palavras na sua fala e na sua consciência” (VYGOSTKY, 1989, p. 111-112). Para fundamentar tal postulado, o autor recorre á característica básica da estrutura dos significados da palavras: na estrutura semântica há uma distinção entre referente e significado; de modo correspondente, há a distinção entre o nominativo de uma palavra e sua função significativa. Investigando a dimensão evolutiva da linguagem, Vygostky se depara com o seguinte regulidade  genética: na criança pequena só comparece a função nominativa e, do ponto de vista semântico, a referência objetiva. A significação independente na nomeação e o significado independente da referência só se apresentam posteriormente, ou seja, são frutos de uma construção extremamente complexa.

Vygostky situa o conceito com o qual irá operar: a linguagem interior é a fala par si mesmo; a linguagem exterior é para os outros (VYGOSTKY, 1989, p.425). Para Vygostky, a linguagem interior é precedida pela linguagem egocêntrica: a linguagem egocêntrica é um fenômeno que corresponde à transição das funções interpsíquicas para as intrapsíquicas, evidenciando o curso geral das funções psicológicas superiores, que parte da atividade social e coletiva para a atividade mais individualizada. Esta linguagem não se restringe a “acompanhar” a atividade da criança, mas “orienta” a própria atividade mental. Vygostky problematiza as formulações piagetianas sobre a linguagem egocêntrica sob pela menos dois aspectos: o primeiro refere-se ao fato de que esta linguagem não corresponde a um pensamento “individual”, mas, pelo contrário, corresponde a uma atividade do pensamento atravessada pelo “coletivo”; o segundo refere-se ao fato de que esta linguagem não desaparece, mas dá lugar à linguagem interior. Em nosso entendimento, a diferença que Vygostky considera tão marcante entre suas formulações e as de Piaget pode ser relativizada pelas proposições de Piaget relativas à constituição do eu. Para Piaget, o egocentrismo é paradoxal, pois se trata de um egocentrismo sem eu. Esta categoria de egocentrismo em Piaget se encontra muito articulada ao que ele chama de categorias de artificilialismo e animismo. Se tomarmos apenas os textos de Piaget relativos a estas categorias, veremos que elas se referem a propriedades do pensamento infantil que fazem a criança projetar  - justamente pela ausência de consciência do eu – características suas nos objetos  (por exemplo, nos objetos da natureza) ou materialize funções do pensamento a partir das propriedades do mundo físico (as pesquisas de Piaget mostram como a criança materializa o pensamento na voz, conferindo ao pensamento a propriedade de atuar sobre as pessoas e coisas como os objetos do mundo físico (VYGOSTKY, 1989).

Nesse sentido, o egocentrismo se refere menos a um indivíduo centrado em si mesmo do que a um modo de assimilação do real marcado por uma indferenciação de planos (interno/externo e subjetivo/objetivo). Estas questões se tornam mais claras, a nosso ver, sobretudo com a leitura dos livros A representação do mundo na criança e a Formação do símbolo na criança, onde o autor expõe suas pesquisas envolvendo as noções de representação e simbolismo a partir da experiência da criança. Como não podemos, aqui aprofundar esta discussão – que mereceria um espaço maior de apresentação – gostaríamos pelo menos de anunciar uma hipótese: o Vygostky considera de ordem coletiva e social na linguagem egocêntrica não é completamente avesso ao que Piaget considera uma manifestação do pensamento egocêntrico, pois as noções de coletivo e social em Vygostky (no que diz respeito à linguagem da criança) estão articuladas ao fato a linguagem e o próprio pensamento se constituírem no endereçamento ao outro. Poderíamos depreender da afirmação de que “A fala para si mesmo origina-se da fala para os outros” (VYGOSTKY, 1989, p.312), que a fala, desde seu surgimento, encontra-se referida ao outro.

Uma proposição de Vygostky nos ajuda a avançar na compreensão desse outro com quem a criança se relaciona: a criança fala ao outro falando consigo mesma; ou seja, o que Vygostky descobre é que a criança para pensar, dirige-se ao outro por meio da fala. Não só a fala comparece como estruturante do pensamento, mas o outro também, pois é me função desde outro que o pensamento se constrói. Pode-se, porem, perguntar: que é este outro para que a criança se dirige? Se Vygostky afirma que a fala orienta o pensamento, é a própria criança que é orientada pela fala: a criança é esse outro a quem endereça sua própria fala. Aqui entramos num território estranhamente familiar ao território piagetiano: esse outro não é a criança do ponto de vista de um eu, mas justamente um outro se situa entre o outro e o eu. A linguagem egocêntrica, como bem aponta Vygostky, é um fenômeno de transição - transição que testemunha a existência de um sujeito profundamente atravessado pelo outro, um sujeito que fala par ao outro como fala para si e recebe do outro a matéria-prima do seu pensamento (as palavras). A criança nos defronta com uma zona difusa, em que os conceitos de individual e coletivo, interno e externo, assumem formas complexas. Esta complexidade é o que torna o debate entre Piaget e Vygostky extremamente árido, pois o egocentrismo de Piaget pode se revelar estranhamente coletivo e o coletivo de Vygostky se revelar tipicamente egocêntrico (VYGOSTKY, 2001).

Para Vygostky, a linguagem egocêntrica, corresponde a um momento da vida da criança em que ela tem a ilusão de estar sendo compreendida pelo outro. Esta interpretação de Vygostky se relaciona com sua compreensão de que a linguagem egocêntrica deriva da falta de diferenciação entre a fala endereçada para si mesmo e a fala endereçada ao outro. Seu desaparecimento acontece quando a criança vai perdendo esta ilusão de que o outro a compreende (justamente por estar “indiferenciado” dela mesma). Neste ponto, a teoria de Vygostky contribui para a compreensão da importância das relações de grupo, pois estas relações promovem uma necessidade de “ajuste” da criança ao outro. A criança passa a se fazer compreender ao se dar conta de que o outro não compartilha de seus pensamentos e estados afetivos. Vygostky postula três peculiaridades semânticas da linguagem interior:

  • O predomínio de sentido sobre o significado;
  • A presença de algo semelhante à aglutinação (diversas palavras fundem-se numa única; a nova palavra não exprime aqui uma ideia complexa, mas sentidos superpostos);
  • O influxo de sentido (os sentidos das palavras se combinam e se unificam; os sentidos de diferentes palavras fluem um dentro do outro, influenciam-se, de modo que os primeiros estão contidos nos últimos, (VYGOSTKY, 1989, p. 285).

Embora postule que a linguagem egocêntrica tomará o destino da linguagem interior e que a criança também avançará na elaboração cada vez maior da linguagem exterior (social), Vygostky observa alguns pontos em comum entre as duas linguagens (interior e exterior). Percebe que esta última apresenta traços da primeira: a predicação, o declínio da vocalização, a predominância do sentido sobre o significado, aglutinação, etc; no entanto, estes traços aparecem na fala exterior sob algumas condições. A arte é um campo, por exemplo, em que se observa esta linguagem social – endereçada – mas atravessada pelos modos de funcionamento da linguagem interior. Segundo ele, o significado da palavra altera a relação entre pensamento e palavra, sendo o próprio significado o elemento que lhe permite ultrapassar uma abordagem meramente instrumental da linguagem e considerá-la como fundamento da estruturação e organização do pensamento. A linguagem não reduz a um simples reflexo da atividade do pensamento e este, por sua vez, não é concebido antes da linguagem (VYGOSTKY, 2004).

  1. 4.      DIFERENÇA ENTRE PIAGET E VYGOTSKY

 

Iniciaremos demonstrando as diferenças entre Piaget e Vygotsky através de um quadro comparativo[1] para entendermos melhor esses dois autores, para em seguida, distinguirmos claramente as diferenças entre a linguagem nos dois autores (e algumas semelhanças). 

AUTOR

PIAGET

VYGOTSKY

Período

1896-1980

1897-1934

 

Eixos da teoria/principais conceitos

Assimilação/Acomodação

Esquema/Equilibração

Estágios de desenvolvimento

Mediação Simbólica

Instrumentos e Signos

Zona de desenvolvimento proximal

Relação do individuo com o mundo

Adaptação (conhecimento prévios)

Da parte para o todo

Processo de Socialização (relação com o mundo)

 

 

Quanto ao papel dos fatores internos e externos no desenvolvimento

Privilegia a maturação biológica. Aceita que os fatores internos preponderam sobre os externos, postula o desenvolvimento em sequencia fixa e universal de estagio.

Privilegia o ambiente social. Reconhece que se variando esse ambiente, o desenvolvimento também variará. Não aceitando uma visão única e universal do desenvolvimento humano.

 

 

Quanto à construção real

Acredita que os conhecimentos são elaborados espontaneamente pela criança, de acordo com o estagio de desenvolvimento que se encontra, aproximando-se da concepção dos adultos

Diz que a criança já nasce num mundo social, e desde o nascimento forma visão do mundo através de interação com adultos ou crianças mais velhas. Pro-cede-se então do social para o individual ao longo do desenvolvimento.

 

 

 

Quanto ao papel da aprendizagem

Acredita que a aprendizagem subordina-se ao desenvolvimento e tem pouco impacto sobre ele, minimizando o papel da interação social.

Postula que desenvolvimento e aprendizagem são processos que se influenciam reciprocamente, portanto, quanto mais aprendizagem, mais desenvolvimento.

 

 

 

 

 

 

 

Quanto ao papel da linguagem no desenvolvimento e relação entre linguagem e pensamento

O pensamento aparece antes da linguagem, sendo uma das suas formas de expressão. Pensamento depende da coordenação dos esquemas sensoriomotores e não da linguagem. Esta só ocorre depois que a criança já alcançou determinado nível de habilidades mentais, subordinando-se aos processos de pensamento. Estabelece separação entre as informações que podem ser passadas por meio da linguagem e os processos que não parecem sofrer qualquer influencia cognitiva.

Pensamentos e linguagem são processos interdependentes, desde o inicio da vida. A aquisição da linguagem pela criança modifica suas funções mentais superiores, dando uma forma ao pensamento, possibilitando o aparecimento da imaginação, da memória e o planejamento da ação. A linguagem sistematiza a experiência direta das crianças e por isso adquire uma função central no desenvolvimento cognitivo, reorganizando os processos que nele estão em andamento.

 

 

 

 

 

 

 

 

FALA EGOCÊNTRICA

Vem de dentro para fora

A fala egocêntrica não cumpre nenhuma função verdadeiramente útil

Outro ponto de discordância entre os autores refere-se ao desaparecimento ou transformação de fala egocêntrica, pois, Piaget descreve que a fala egocêntrica simplesmente desaparece.

Vem de fora para dentro

Acredita que a fala egocêntrica assume um papel definido e importante.
A fala egocêntrica não se atrofia simplesmente, mas ‘se esconde’, isto é, transforma-se em fala interior

 

 

 

 

FALA SOCIAL

 

 

 

 

 

 

A fala social é representada como sendo subseqüente, e não anterior à fala egocêntrica.

O desenvolvimento evolui da fala social para egocêntrica, uma vez que a "a função primordial da fala, tanto nas crianças quanto nos adulto, é a comunicação, o contato social.

       

QUADRO COMPARATIVO DAS SEMELHANÇAS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PIAGET E VYGOTSKY

São interacionistas, isto é, estão atentos para relevância das conexões entre o individuo e meio na elaboração dos processos psíquicos.

São construtivistas em suas concepções do desenvolvimento intelectual, ou seja, sustentam que a inteligência é construída a partir das relações recíprocas do homem com o meio.

Os dois se opõem tanto a teoria empirista quanto à concepção racionalista.

Ambos enfatizam a necessidade de compreensão da gênese dos processos cognitivos.

Defendem que é importante que se respeite o nível da criança na colocação mínima e máxima para cada ensinamento.

Consideram o discurso egocêntrico como ponto de partida do discurso interior.

Ambos empregam métodos qualitativos que buscam apreender os fenômenos psicológicos em sua dinâmica e não somente resultados isolados expressos em estatísticas.

Defendem que a imaginação surge da ação, o que é importante na formação da consciência.

Ambos os autores descrevem que na fala egocêntrica a criança não tenta se comunicar, pois, o que ela simplesmente faz é um comentário em voz alta do que está fazendo.

É possível afirmar que tanto Piaget como Vygotsky concebem a criança como um ser ativo, atento, que constantemente cria hipóteses sobre o seu ambiente. Há, no entanto, grandes diferenças na maneira de conceber o processo de desenvolvimento. As principais delas, em resumo, são as seguintes:

A) QUANTO AO PAPEL DOS FATORES INTERNOS E EXTERNOS NO DESENVOLVIMENTO

Piaget privilegia a maturação biológica; Vygotsky, o ambiente social, Piaget, por aceitar que os fatores internos preponderam sobre os externos, postula que o desenvolvimento segue uma seqüência fixa e universal de estágios. Vygotsky, ao salientar o ambiente social em que a criança nasceu, reconhece que, em se variando esse ambiente, o desenvolvimento também variará. Neste sentido, não se pode aceitar uma visão única, universal, de desenvolvimento humano (BRATTO, 1978).

B) QUANTO À CONSTRUÇÃO REAL

Piaget acredita que os conhecimentos são elaborados espontaneamente pela criança, de acordo com o estágio de desenvolvimento em que esta se encontra. A visão particular e peculiar (egocêntrica) que as crianças mantêm sobre o mundo vai, progressivamente, aproximando-se da concepção dos adultos: torna-se socializada, objetiva. Vygotsky discorda de que a construção do conhecimento proceda do individual para o social. Em seu entender a criança já nasce num mundo social e, desde o nascimento, vai formando uma visão desse mundo através da interação com adultos ou crianças mais experientes. A construção do real é, então, mediada pelo interpessoal antes de ser internalizada pela criança. Desta forma, procede-se do social para o individual, ao longo do desenvolvimento (BRATTO, 1978)

C) QUANTO AO PAPEL DA APRENDIZAGEM

Piaget acredita que a aprendizagem subordina-se ao desenvolvimento e tem pouco impacto sobre ele. Com isso, ele minimiza o papel da interação social. Vygotsky, ao contrário, postula que desenvolvimento e aprendizagem são processos que se influenciam reciprocamente, de modo que, quanto mais aprendizagem, mais desenvolvimento (ARNOLD, 1982).

D) QUANTO AO PAPEL DA LINGUAGEM NO DESENVOLVIMENTO E Á RELAÇÃO ENTRE LINGUAGEM E PENSAMENTO

Segundo Piaget, o pensamento aparece antes da linguagem, que apenas é uma das suas formas de expressão. A formação do pensamento depende, basicamente, da coordenação dos esquemas sensorimotores e não da linguagem.Esta só pode ocorrer depois que a criança já alcançou um determinado nível de habilidades mentais, subordinando-se, pois, aos processos de pensamento. A linguagem possibilita à criança evocar um objeto ou acontecimento ausente na comunicação de conceitos. Piaget, todavia, estabeleceu uma clara separação entre as informações que podem ser passadas por meio da linguagem e os processos que não parecem sofrer qualquer influência dela. Este é o caso das operações cognitivas que não podem ser trabalhadas por meio de treinamento específico feito com o auxílio da linguagem. Por exemplo, não se pode ensinar, apenas usando palavras, a classificar, a seriar, a pensar com responsabilidade. Já para Vygotsky, pensamento e linguagem são processos interdependentes, desde o início da vida. A aquisição da linguagem pela criança modifica suas funções mentais superiores: ela dá uma forma definida ao pensamento, possibilita o aparecimento da imaginação, o uso da memória e o planejamento da ação. Neste sentido, a linguagem, diferentemente daquilo que Piaget postula, sistematiza a experiência direta das crianças e por isso adquire uma função central no desenvolvimento cognitivo, reorganizando os processos que nele estão em andamento (PIAGET, 1999).

5-Conclusão

 

Concluiremos destacando a importância dos dois autores para o abandono de uma perspectiva instrumental da linguagem e o estabelecimento de proposições que tomam a linguagem como uma função constitutiva do próprio pensamento. Os autores questionam uma concepção da linguagem que considera seu funcionamento a partir da soma ou associação de elementos estanques. Questionam, dessa forma, a tese de um pensamento que se associaria às construções da linguagem numa vinculação de ordem mecânica.  Para estes autores, pensamento e linguagem se modificam e se reestruturam em relações complexas, não havendo realidade anterior à linguagem ou fora dela. Vygotsky, por sua vez, afirma que o associacionismo não investiga as transformações dos modos de generalização e materialização do significado. Nesta afirmação há a demarcação de uma lacuna: a perspectiva associacionista reduziria a linguagem à sua face instrumental, pois não permitiria explicar as transformações estruturais e psicológicas postas em marcha com o advento da linguagem. Segundo o autor, o significado da palavra altera a relação entre pensamento e palavra, sendo o próprio significado o elemento que lhe permite ultrapassar uma abordagem meramente instrumental da linguagem e considerá-la como fundamento da estruturação e organização do pensamento. A linguagem não se reduz a um simples reflexo da atividade do pensamento e este, por sua vez, não é concebido antes da linguagem. O pensamento, segundo essas linhas de compreensão, seria continuamente reestruturado pela linguagem, daí a correção feita pelo autor de que a linguagem não expressa o pensamento, que, antes, realiza-se na palavra.

Piaget vincula a linguagem aos modos mais primitivos de organização do real pela criança e observa que as diversas conexões causais e espaço temporais se constroem sob a influência dos porquês e das questões de origem que a linguagem permite multiplicar. Por outro lado, quando o autor pesquisa o pensamento simbólico, trabalha o tempo inteiro com o material linguístico que recolhe das crianças, estabelecendo reciprocidades entre linguagem e pensamento e indicando relações entre a manifestação verbal e sua interferência no plano da construção do símbolo. O pensamento simbólico, nesta abordagem, relaciona-se com preocupações vitais da criança e a linguagem exerce um papel central nas explicações produzidas pela criança. A palavra reforça e mesmo constitui a ultrapassagem de um encontro perceptivo com o objeto em direção à construção de constelações simbólicas que definem o funcionamento específico do ser humano. Mais uma vez, encontramos uma concepção do funcionamento da linguagem que pressupõe o abandono da noção de uma atividade perceptiva sem a mediação da linguagem e o avanço em direção à noção de um processo mental que compõe imagens e constelações simbólicas. Nesse trabalho de composição, que ultrapassa o encontro direto entre sujeito e objeto, a linguagem surge como fundamento organizador da realidade. Sem dúvida, existem muitas diferenças e divergências entre as concepções de linguagem dos dois autores em questão, mas, certamente, esses autores fizeram parte de uma geração de teóricos que recolocaram o sujeito no centro das questões epistemológicas e, assim, recolocaram o sujeito no centro das pesquisas no campo da linguagem, nos permite hoje , buscar, sob as teorizações em torno da linguagem na criança, importantes formulações sobre a constituição da criança como sujeito.

As duas teorias abordadas são muito interessantes, porém, Piaget destaca mais o desenvolvimento da criança, enquanto,Vigotsky , analisa a construção do conhecimento como um todo, em qualquer faixa etária.

 

6-REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARNOLD, W.EYSENCK, H. MEIL, R. Dicionário de Psicologia.  São Paulo, Ed. Loyola, 1982.

BRATTO,A.M. Dicionário Terminológico de Jean Piaget. São Paulo, Pioneira, 1978.

PIAGET, J.; INHELDER, B. Psicologia da criança. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968

PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1967.

__________ O nascimento da inteligência da criança.  Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

__________ A formação do símbolo na criança.  Imitação, jogo e sonho, imagem e  representação. Rio de Janeiro: Zahar, 1964

__________ O julgamento moral na criança. São Paulo: Editora Mestre JOU, 1977.

__________ A Linguagem e o Pensamento da criança. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

__________Comentários de Piaget sobre as observações críticas de Vygotsky concernentes a duas obras “A linguagem e o pensamento da criança” e “O raciocícnio da criança”.  Em Aberto, Brasília, ano 09, nº 48, out/dez. 1990.

VYGOSTKY, L. Linguagem e Pensamento da criança. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

______________ A construção do Pensamento e da Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

______________ As Origens do Pensamento na criança. São Paulo: Manole, 2004.



[1] Este quadro comparativo foi realizado através de apreciação dos pesquisadores Yves de La Taile (sobre Piaget ) e Marta Kohl Oliveira (sobre Vygotsky) em vídeos no site www.youtube.com.br