TÍTULO: A Crítica Reformada ao Teísmo Aberto e seus pressupostos filosóficos
AUTOR: Gustavo Ávila de Araújo
RESUMO
O objetivo deste trabalho é apresentar o Teísmo Aberto a partir da crítica de teólogos reformados, apoiando-se especialmente nas obras recentemente publicadas no Brasil, que discorrem sobre o assunto. Para estudar o Teísmo Aberto serão vistos conceitos filosóficos de liberdade humana, considerado o fundamento da teoria do Teísmo Aberto. A origem do pensamento, os principais proponentes e o ambiente cultural no qual o pensamento surgiu servem como breve apresentação que apontarão para as críticas que aqueles teólogos reformados fazem ao pensamento. Acredita-se que dentro do estudo da Teologia Sistemática tal abordagem é imprescindível, pois se trata de um pensamento que questiona teorias fundamentais do Teísmo Clássico. Trata-se de um pensamento que crê na autolimitação de Deus, que por causa da liberdade indeterminista não é pleno conhecedor do futuro, que é construído pela cooperação do Criador e da Criatura. A teologia reformada apresenta conceitos contrários aos pressupostos do Teísmo Aberto. Neste trabalho serão vistas especificamente as críticas relacionadas ao indeterminismo, à autolimitação de Deus e à autonomia humana.
PALAVRAS-CHAVE
Teísmo Aberto; Liberdade; Indeterminismo; Autolimitação divina; Autonomia humana; Teologia Relacional.
2
1.
INTRODUÇÃO
Boa parte das correntes teológicas que são originadas nos Estados Unidos vem para o Brasil e aqui adquirem personalidade própria, adaptando-se ao contexto brasileiro. Com o Teísmo Aberto não está sendo diferente.
Prova disso são as publicações constantes feitas em páginas na Internet por dois teólogos em evidência no Brasil, Ricardo Gondim e Ed René Kivitz 1, de algumas teorias de teólogos estadunidenses seguidores do Teísmo Aberto. Kivitz recentemente foi questionado em um debate no 5º. Congresso de Teologia Vida Nova, que se realizou na cidade de Águas de Lindóia, São Paulo, se havia aderido ao Teísmo Aberto. Sua resposta foi negativa, mas afirmou que compartilha de algumas idéias apresentadas pelos proponentes deste pensamento.
Como resposta, foram publicadas recentemente em português, algumas obras que tentam abordar o assunto de forma equilibrada. No entanto, estas obras acabaram se tornando publicações apologéticas. A causa disso pode ser a preocupação que algumas editoras estão tendo com esta nova teoria, tendo em vista o conteúdo dos seus pensamentos romperem com algumas teorias do Teísmo Clássico.
Sendo assim, este artigo pretende apresentar o Teísmo Aberto a partir de uma visão reformada. Não por ser um trabalho apologético, mas porque as publicações em português seguem a teologia desta tradição. Os principais livros publicados no Brasil que falam explicitamente sobre o Teísmo Aberto são distribuídos pela Editora Cultura Cristã, uma editora presbiteriana, portanto, de tradição reformada.
Diante disso, entendendo que nos próximos anos este assunto será um tópico dentro do estudo da Teologia Sistemática 2, este trabalho pretende fazer uma crítica a alguns pressupostos do Teísmo Aberto, para que o Teísmo Clássico não seja enfraquecido, mas pelo contrário, fortalecido.
Com isso, inicialmente será mostrada a maneira como o Teísmo Aberto é visto pelos teólogos de tradição reformada, apresentando a origem do pensamento e suas principais características. Em seguida serão vistas algumas pressuposições filosóficas que sustentam o pensamento dos teólogos do Teísmo Aberto relacionadas à liberdade humana e ao ambiente cultural que influenciou a formulação da teoria. Finalmente, uma crítica reformada a algumas das principais abordagens do Teísmo Aberto encerra a pesquisa.
1 Ricardo Gondim: www.ricardogondim.com.br; Ed René Kivitz: www.outraespiritualidade.blogspot.com.
2 William Davis (DAVIS, 2006, p. 138) defende que o Teísmo Aberto é incontestavelmente uma teologia sistemática.
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Os livros mais utilizados na elaboração deste artigo foram os recém publicados no Brasil. Teísmo Aberto: uma teologia além dos limites bíblicos, organizado por John Piper, e Não Há Outro Deus: uma resposta ao Teísmo Aberto, cujo autor é John Frame. Foram utilizados também alguns textos de um site estadunidense (www.opentheism.info), escritos pelos defensores do Teísmo Aberto, e outros livros auxiliares que trabalham conceitos de liberdade, autonomia e soberania de Deus.
Amiúde, os teólogos reformados dizem que o Teísmo Aberto é um perigo para a fé cristã, pois rompe com o Teísmo Clássico. Acredita-se, entretanto, que no final deste trabalho o leitor poderá fazer uma avaliação mais precisa do pensamento, a partir de pressupostos reformados.
1.
Teísmo Aberto: visão reformada
As mais recentes publicações em língua portuguesa 3 que discorrem especificamente sobre o tema do teísmo aberto foram feitas por uma editora de tradição reformada 4, a Cultura Cristã. Antes dela, apenas uma obra organizada pelo teólogo, também reformado, John Piper, havia sido traduzida e disponibilizada ao público brasileiro. Dessa forma, é através de um viés reformado que pode se analisar o Teísmo Aberto a partir de publicações em português. Vale ressaltar que essa perspectiva assume posicionamento crítico em relação ao tema.
De origem recente no cenário teológico cristão, as abordagens dos chamados teólogos da abertura focam o conceito de liberdade humana como chave hermenêutica. De acordo com as conclusões dos teólogos reformados, o Teísmo Aberto rompe com as idéias do Teísmo Clássico, peculiares à Teologia da Reforma, especialmente no que diz respeito aos atributos divinos.
Campos, citando Rathel, explica que a expressão Teísmo Aberto “deriva da afirmação de que o próprio Deus está aberto para novas experiências, incluindo a experiência de aprender sobre os eventos progressivos da história do mundo, à medida que se manifestam” 5. Afirma, ainda, que para esse pensamento teológico, Deus não conhece plenamente o futuro, que permanece indefinido, diferente do que ensina a Teologia da Reforma, que enfatiza o
3 “Eu Não Sei Mais Em Quem Tenho Crido” de Sproul, McArthur e outros, e “Não Há Outro Deus” de John Frame, lançados no Brasil em Agosto de 2007.
4 Tem-se em mente a Reforma Protestante do século XVI, especialmente a Reforma de Genebra, na Suíça, com João Calvino. O uso do termo reformado refere-se à linha de pensamento formulada por João Calvino em seus escritos.
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controle de Deus sobre o universo e sobre os seres humanos, como é visto, por exemplo, nos escritos de João Calvino e Martinho Lutero.
John Frame é mais enfático em sua crítica ao afirmar que o Teísmo Aberto ensina que Deus pode cometer erros e mudar seus planos, pois não conhece exaustivamente o futuro e é, em certos aspectos, dependente do mundo 6.
Outras denominações que se referem ao Teísmo Aberto são: Teologia Relacional, Teísmo da Vontade Livre, Teologia Aberta, Abertura de Deus ou Neoteísmo 7.
2.1
Origem
Os proponentes do teísmo aberto como pensamento teológico são de origem estadunidense, como Clark H. Pinnock e John Sanders. O primeiro é editor da obra, lançada em 1989, nos Estados Unidos, The Grace of God, the will of man: A case for arminianism, que lançou as bases para a Teologia Relacional nos anos 1990. Sanders e Pinnock, juntamente a Richard Rice 8, William Hasker e David Basinger, lançaram, em 1994, The Openness of God: A biblical challenge to the traditional understanding of God. Daí o nome “Abertura de Deus” para designar o Teísmo Aberto. Outro autor é Gregory Boyd, pastor batista e professor no Bethel College em Minnesota, EUA.
De acordo com Frame, os argumentos desses teólogos a favor do Teísmo Aberto são primeiramente histórico-filosóficos 9, pois dizem que o modelo clássico do teísmo recebeu influências da filosofia grega 10, especialmente em relação à natureza divina. Para eles, cristãos e judeus teriam passado a compreender Deus como imutável, perfeito e soberano, entre outros exemplos, por causa de um referencial grego que assume toda e qualquer mudança como imperfeição, própria do sensível e o que é perfeito como imóvel e imutável.
Piper cita diversos autores judeus e cristãos, como Lieberman e Owen, na tentativa de demonstrar que o argumento de Pinnock não se sustenta, e que tanto judeus como cristãos utilizaram categorias do pensamento helênico para expressar sua compreensão da fé, sem
5 CAMPOS, 2004, p. 30.
6 FRAME, 2006, p. 11.
7 CAMPOS, op.cit., p. 29.
8 John Frame (FRAME, 2006, p.16) acredita que o termo Teísmo Aberto foi usado pela primeira vez por Richard Rice em 1980 no livro The Openness of God: The Relationship of Divine Foreknowledge and Human Free Will.
9 FRAME, op.cit., p. 23-24.
10 Clark Pinnock usa o termo filosofia grega, mas não especifica a corrente filosófica (PINNOCK apud FRAME, 2006, p. 23-24). Entende-se que se trata do platonismo, tendo em vista a época mencionada, a saber, século I.
5
serem influenciados por tais categorias ou por seus pressupostos, apenas usando-as como “expressão e amplificação dos atributos divinos” 11.
Considera-se, com base em Campos, que o teísmo aberto tem suas raízes em tempos mais remotos:
Na verdade, o Teísmo Aberto é filho do arminianismo evangélico, mas levado às últimas conseqüências. Todavia, não podemos simplesmente dizer que todo arminiano é defensor do Teísmo Aberto, mas sim que todos os defensores do Teísmo Aberto são arminianos e que foram além dos arminianos históricos em muitos pontos 12.
Percebe-se que, além da influência arminiana 13, o Teísmo Aberto compartilha algumas idéias da Teologia do Processo, pensamento teológico contemporâneo que promove diálogo entre a Filosofia e a Teologia, na busca de respostas às indagações modernas acerca da natureza do mundo. Segundo analisam os teólogos reformados, no Teísmo Aberto se acredita que as doutrinas cristãs devem ser sempre revisadas e atualizadas em cada nova cultura, de acordo com o interesse dessa 14:
A Segunda Guerra Mundial e os holocaustos que a acompanharam desafiaram radicalmente as idéias de muitos teólogos a respeito de Deus e do sofrimento. Onde estava Deus quando seis de nove milhões de judeus foram executados em câmaras de gás e incinerados pelos nazistas? Para muitos teólogos contemporâneos, os horrores da guerra e do genocídio do século XX exigiam uma revisão radical das noções agostinianas do poder e da soberania de Deus 15.
McGrath diz que “o pensamento do processo alega que Deus não pode forçar a natureza a obedecer a sua vontade divina ou a seu propósito” 16. Assim, de acordo com a visão reformada, o Teísmo Aberto é uma teoria que surgiu a partir de bases teológicas arminianas, que questionam doutrinas cristãs clássicas, na tentativa de se obter respostas frente aos acontecimentos modernos, especialmente os que tratam do sofrimento humano. As respostas encontradas pelos teólogos relacionais vão de encontro ao pensamento reformado, especialmente com relação aos atributos de Deus.
2.2
Características e Proposições do Teísmo Aberto
11 PIPER, 2006, p. 28-37
12 CAMPOS, 2004, p. 33.
13 Entende-se por arminisnismo a posição teológica do movimento que iniciou com os discípulos do holandês Tiago Armínio (os Remonstrantes), caracterizada pelas considerações doutrinárias opostas à tradição agostiniana e calvinista acerca da antropologia, soteriologia e escatologia.
14 OLSON, 2001, p. 616
15 Ibid, p. 619.
16 McGRATH, 2005, p. 340.
6
Como já visto, o Teísmo Aberto atribui à filosofia grega, de forma ampla, as bases para a formação do Teísmo Clássico, bem como da maior parte das doutrinas cristãs. Essa fundamentação teria configurado a compreensão dos atributos divinos, e, com isso, a compreensão da relação de Deus com a Criação. Conseqüentemente, questiona a idéia de senhorio absoluto da história da parte de Deus, assentindo que o próprio Deus estaria aberto ao futuro, este último construído na cooperação entre Deus e o ser humano 17.
Por causa dessa forma de pensar, o Teísmo Aberto construiu a seguinte perspectiva de Deus, nas palavras de Rice apud Frame 18: o amor é a qualidade mais importante de Deus; o amor não é apenas cuidado e comprometimento, mas também sensibilidade e compreensão; as criaturas exercem influência sobre Deus; a vontade de Deus não é a explicação última de todas as coisas; Deus não conhece todas as coisas eternamente, mas aprende com o desenrolar dos acontecimentos; em certos aspectos, Deus depende do mundo; e, os seres humanos são livres, em sentido indeterminista.
Dessas características, a última é considerada a mais importante, pois é fundamento para a construção das demais. Por isso, foi escolhida como objeto do presente estudo e será analisada mais adiante.
Contudo, antes de se iniciar análise mais detalhada da liberdade indeterminista, torna-se necessária uma advertência com relação ao que foi visto até aqui. É preciso se tomar cuidado com a importância dada ao ser humano na relação com Deus, para não se correr o risco de se inverterem os papéis. A apresentação do Teísmo Aberto sob a ótica reformada apresenta um Deus vulnerável e que, aparentemente, está sujeito à vontade do ser humano. Considera-se relevante compreender melhor o pensamento da teologia relacional para que possíveis rompimentos com o teísmo tradicional não acarretem danos à fé da Igreja de Cristo.
3
Pressuposições Filosóficas do Teísmo Aberto
A formação do pensamento em questão foi feita com relevante fundamentação filosófica, especialmente na formulação de teorias relacionadas á liberdade do homem e sua relação com Deus. Por isso, a seguir se analisam alguns pressupostos filosóficos sobre os quais o Teísmo
17 Entende-se, aqui, história como sendo a sucessão dos acontecimentos no mundo, os do passado, os do presente e os do futuro. E por futuro, a parte da história ainda não vivida ou experimentada pela criação.
18 RICE Apud FRAME, 2006, p. 20-21.
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Aberto sustenta seu conceito de liberdade, e, em seguida, pontuam-se alguns fatores que parecem ter favorecido o florescimento do pensamento.
3.1
A Liberdade Humana
Se a percepção de Frame é pertinente, a doutrina da liberdade humana é a chave hermenêutica do Teísmo Aberto, assim, as doutrinas compatíveis com as pressuposições da concepção de liberdade arminiana podem ser aceitas. Nesse sentido, em se mantendo o princípio da não-contradição e lógica, as formas de expressão de Deus na criação ficariam condicionadas ao entendimento que se tem de liberdade humana.
No caso do Teísmo Aberto, as manifestações dos atributos de Deus no mundo se condicionariam às ações livres dos seres humanos. Nesse raciocínio, permite-se questionar como se pode entender a soberania de Deus, tendo em vista a dependência da liberdade do humano. Pinnock argumenta que:
As escrituras nos falam que Deus é um Pai de amor (abba), sensível e responsivo. Descrevem um relacionamento de “dar e receber”, não apenas de controle. Não nos é dada a impressão de que a história é decidida unilateralmente por Deus, mas que nossas decisões também contribuem para tal. Deus não é responsável por tudo que acontece. Muitos acontecimentos são condicionados por decisões humanas, e o relacionamento entre Deus e a criatura é pessoal e interativa 19.
No Teísmo Aberto, a solução encontrada para sustentar o conceito de liberdade humana, sem ferir a soberania de Deus, foi afirmar a soberania exercida através da autolimitação de Deus, que torna possível a expressão da vontade humana. Ou seja, Deus se esvazia do seu poder para dar a homens e mulheres a autonomia e a independência necessárias para serem livres. Assim, a autolimitação de Deus, como exercício de sua soberania, valida o conceito de liberdade humana na visão arminiana, respaldando a doutrina do Teísmo Aberto.
Aderindo a essa perspectiva, Kivitz escreve:
A maioria das pessoas quer um Deus exaltado: onipotente, onipresente e onisciente, que invade a história com seu poder e autoridade e interfere na realidade em benefício dos seus. A proposta cristã, entretanto, é um convite ao seguimento do Deus
19 PINNOCK, Clark. An Open View Of Sovereignty. Disponível em:
<http://www.opentheism.info/pages/information/pinnock/gods_world.php> Acesso em: 12 Set. 2007. “The scriptures tell us that god is a loving parent (abba), who is sensitive and responsive. They depict a relationship with “give and take” not just control. We are not given the impression that history is decided unilaterally by god but that our decisions also contribute to it. God is not responsible for everything that happens. Many outcomes are conditional upon human decisions, and the relationship between God and the creature is personal and interactive”.
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esvaziado, que habita nos seus através do Espírito Santo. Sua forma de atuação não é a intervenção que perpetua a imaturidade, mas a cooperação que convida à emancipação e autonomia 20.
No entanto, não se considera suficientemente compreendido o que os teólogos da abertura de Deus entendem por esta autonomia e independência que o ser humano adquiriu como forma de exercer sua liberdade. Segue-se a argumentação apresentada por Elwell e Frame que propõem a existência de três posicionamentos possíveis para definir a liberdade humana, em relação às escolhas, motivações e conseqüências: o indeterminismo, o determinismo e o autodeterminismo 21. Tendo em vista o objetivo deste artigo, o indeterminismo receberá maior atenção.
3.1.1
O Indeterminismo
Na concepção indeterminista, compreende-se que as escolhas dos seres humanos não são pré-determinadas por Deus. Ou seja, o comportamento humano não tem uma causa a priori e os atos humanos não são previstos ou controlados, não são motivados por um sentido superior: são idiossincráticos. Mesmo Deus sendo a causa determinante do universo, no plano das decisões, homens e mulheres são os primeiros determinantes das suas ações 22. Frame cita Hasker, que define a liberdade indeterminista: “Um agente é livre com respeito a uma dada ação, num dado momento, se, nesse momento, estiver em seu poder tanto executar a ação como também o poder de se abster da ação” 23.
Nesse sentido, o caráter e desejos humanos mais urgentes podem influenciar as decisões humanas. Porém, é possível, em todo o tempo, escolher de forma contrária ao caráter ou desejos, mesmos que esses sejam fortes e influentes. Só podemos ser responsáveis pelas nossas ações se também formos os seus causadores. Os indeterministas crêem na vontade moralmente neutra, autônoma. 24
20 KIVITZ, Ed René. Os Paradoxos da Minha Fé (Parte 2): kenosis. Disponível em: <http://outraespiritualidade.blogspot.com/2007/06/kenosis.html> Acesso em : 10 ago. 2007.
21 ELWELL, 1993, p. 431; FRAME, 2006, p. 94.
22 ELWELL, 1993, p. 429.
23 Apud FRAME, 2006, p. 93.
24 WRIGHT, 1998, p. 49.
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Esta autonomia é, portanto, uma qualidade da vontade ou do intelecto, independente de força interna ou externa. É a capacidade de entender e interpretar a experiência tomando o humano como ponto de partida, independente de qualquer interpretação prévia das coisas. 25
Esta autonomia da vontade leva a uma independência de Deus, já que Ele não pode interferir nas decisões humanas, sejam elas certas ou erradas. Assim, passa-se a ter a capacidade de fazer julgamentos morais a partir de um referencial interior do que é certo ou errado, traçando os próprios alvos e determinando o próprio destino através das decisões livres. O homem passa a ser senhor de si. 26
Gondim concorda com tal argumento e explica:
O tipo de distância entre Deus e o homem que criaria certo espaço para certo grau de autonomia humana é a distância epistêmica. Em outras palavras, a realidade e a presença de Deus não devem se impor ao homem de forma coercitiva como o ambiente natural se impõe à atenção deles. O mundo deve ser para os homens, pelo menos até certo ponto, etsi deus non daretur, “como se Deus não existisse” 27.
Percebe-se que a autonomia do homem no pensamento de Gondim está relacionada com a não interferência de Deus na vida do homem, que seria uma forma de coerção da vontade deste.
3.1.2
O Determinismo
O posicionamento determinista se opõe à perspectiva indeterminista e assume que as ações humanas são determinadas por causas antecedentes, sejam elas do meio ambiente, do próprio ser humano e de Deus 28.
Dessa forma, as escolhas humanas nunca são totalmente livres, pois não surgem espontaneamente, mas são construídas, ou melhor, determinadas e há causa anterior determinando as ações presentes, que, por sua vez, determinarão as ações futuras 29.
Existem deterministas naturalistas, que acreditam que os seres humanos, por fazerem parte do mecanismo do universo, têm suas escolhas determinadas pelo meio-ambiente e pela composição genética. É a visão da ciência moderna. Há também deterministas teístas, que acreditam que Deus é a causa primeira (externa) de tudo, e nada acontece sem que Ele saiba
25 WRIGHT, 1998, p. 49.
26 Ibid, p. 49.
27 GONDIM, Ricardo. Teologia Relacional: que bicho é esse? Disponível em: <http://www.ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=61&sg=0&id=1417>. Acesso em : 11 ago. 2007.
28 ELWELL, 1993, p. 431.
29 Ibid, p. 432.
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ou determine. Deus é a causa de todos os eventos, gerais e específicos, e o homem, assim como toda a criação, apenas responde às determinações Dele 30.
Wright defende biblicamente o determinismo dizendo:
A Bíblia ensina que, longe de ser uma espécie de acaso, dependente das vontades livres dos pecadores, a crucificação, o assassinato judicial mais repugnante e injusto da História, foi expressamente planejado e levado a efeito de acordo com a explícita predestinação de Deus, mesmo em todos os seus microscópicos detalhes envolvidos (não se esqueça da túnica sem costura) e cumprido exatamente como ele quis. (...) Mas se o maior de todos os males foi predestinado, o que podemos dizer dos numerosos, mas sérios males menores 31?
Em suma, o determinismo defende que Deus pré-determinou de forma inteligente todos os acontecimentos, inclusive os pensamentos, decisões e ações humanas, predestinando os fins e os meios pelos quais se atingem aqueles fins. Contrariamente ao indeterminismo, aqui não há espaço para a autonomia e independência do homem em relação a Deus.
3.1.3
O Autodeterminismo
Normalmente o autodeterminismo não é considerado dentro do estudo sobre a liberdade humana, pois na maioria das vezes se fala apenas do determinismo e do indeterminismo, como se fossem as únicas posições existentes. Entretanto, o autodeterminismo aparece como uma forma de pensar que tenta unir os dois pontos de vista, mas com algumas peculiaridades.
Segundo este pensamento, as ações de uma pessoa foram determinadas previamente por ela mesma. Mesmo sendo possível ter influências externas nas decisões das pessoas, elas não podem ser consideradas as causas determinantes do comportamento destas. Cada pessoa é capaz de originar sua própria ação 32.
Elwell, um defensor deste pensamento, explica que “os autodeterministas rejeitam as idéias de que os eventos não têm causa ou que causam a si mesmos. Pelo contrário, acreditam que as ações humanas podem ser causadas por seres humanos” 33. Além disso, esta teoria afirma que a pessoa é a primeira causa dos seus atos, assim como Deus foi a primeira causa na criação de tudo 34.
30 Ibid, p. 431.
31 WRIGHT, 1998, p. 211
32 ELWELL, op. cit., p. 434.
33 Ibid, p. 434.
34 Ibid, p. 434.
11
Sproul chama a autodeterminação de determinação da vontade humana, quando diz que a autodeterminação é a “essência da volição humana” 35. Ele argumenta que tudo deve ter uma causa e com o autodeterminismo não é diferente. Por isso, este pensamento é, na opinião dele que foi influenciado por Jonathan Edwards 36, autocontraditório, já que a vontade é tanto determinada quanto determinante. Determinada por ela e determinante dela mesma. Isso, segundo ele, vai de encontro com o pensamento autodeterminista, que nega o fato de tudo ter uma causa 37.
Elwell responde a esta crítica dizendo:
O autodeterminismo, no entanto, sustenta que o exercício que o homem faz da sua liberdade é o tornar-se causado por si mesmo, que não é contraditório. Em outras palavras, as pessoas existem e podem livremente causar suas próprias ações (não sua própria existência) 38.
Percebe-se que o autodeterminismo assemelha-se ao indeterminismo quando defende a autonomia humana em relação à vontade, pois não admite que a causa determinante seja externa ao homem. Mas distancia-se quando afirma que a própria vontade humana é a responsável pela ação.
Estas três posições acusam-se mutuamente. Os indeterministas alegam que a visão determinista retira do homem sua responsabilidade moral, por não estar nele a causa das ações. Por outro lado, os deterministas dizem que o indeterminismo leva-nos a pensar que as decisões do homem são originadas pelo acaso, já que nada é causa determinante das nossas ações. E ainda, como já foi visto, os autodeterministas são acusados de serem contraditórios, por pregarem a origem da causalidade no próprio homem 39.
A teologia reformada adota, geralmente, a visão determinista compatibilista 40, enquanto que as visões indeterminista e autodeterminista são influenciadoras da teologia arminiana, e agora também do Teísmo Aberto.
3.2
Ambiente Cultural
35 SPROUL, 2001, p. 176.
36 Sproul (SPROUL, 2001, p. 176) cita diversos textos do livro Freedom of The Will, de J. Edwards, para fundamentar sua posição.
37 SPROUL, 2001, p. 176.
38 ELWELL, 1993, p. 433.
39 Ibid, p. 432-435.
40 De acordo com Heber Carlos de Campos (CAMPOS, 2001, p. 283), compatibilismo é o resultado da combinação do ato dos homens e da participação divina, em que o homem não fica isento de sua responsabilidade nas decisões, mesmo sendo Deus a causa última destas.
12
Neste tópico será analisado o ambiente cultural que influenciou o surgimento e a aceitação da Teologia Aberta a partir da crítica reformada.
William Davis afirma que a época em que vivemos é favorável para a afirmação do Teísmo Aberto, primeiramente por causa do ambiente doutrinário, e em seguida pelo ambiente cultural 41.
Segundo Davis, o que contribuiu para que surgisse a crítica em relação ao teísmo tradicional, e com essa crítica o surgimento do Teísmo Aberto, foi o momento em que se encontra a Teologia Sistemática:
A obra dos teólogos liberais das principais correntes dá cada vez menos atenção às palavras reais das Escrituras. Os teólogos reformados enfatizam a transcendência de Deus de tal modo que é difícil imaginar que seja possível ter um relacionamento próximo com ele. Os teólogos que trabalham com pressuposições arminianas desprezam as dificuldades que surgem ao dizerem que Deus conhece o futuro com total certeza sem que as ações humanas deixem de ser livres 42.
Isso, somado ao fato da teologia do Teísmo Aberto oferecer estudos exegéticos sérios das Escrituras, e ainda, como já foi dito, o forte apelo pastoral, faz com que o ambiente doutrinário favoreça o pensamento da abertura de Deus 43.
Com relação ao ambiente cultural, Davis relaciona alguns fatores influenciadores da teoria da abertura de Deus, são elas:
3.2.1
Ceticismo à Autoridade
Desde a Reforma até o século XIX as pessoas tinham exemplos dentro das igrejas de líderes que agiam de forma altruísta. Esses líderes eram um referencial civil, inclusive. No século XX, por causa de maus exemplos de grandes líderes, a idéia que se tinha de exercício do poder passou a ser relacionada com opressão, especialmente por causa do pensamento de Nietzsche, que aborda em seus escritos a relação entre o poder opressivo e o exercício da autoridade, apresentando um quadro bastante pessimista do homem 44.
Isso causou um ceticismo em relação ao exercício da autoridade, que influenciou o pensamento das pessoas sobre as lideranças espirituais (ou eclesiais). Consecutivamente, o exercício do poder do próprio Deus foi contaminado, e ele passou a ser tendencioso à
41 DAVIS, 2006, p. 138
42 Ibid, p. 138-139.
43 Ibid, p. 140-144.
13
opressão. Com isso, “o Deus do Teísmo Aberto opta por não correr o risco de ser rotulado de tirano” 45.
3.2.2
Amor à Liberdade
Davis acredita que o Iluminismo trouxe consigo um ideal de liberdade, uma convicção de que a liberdade individual é sempre uma coisa boa. A submissão que nos leva a escolher algo que seja além daquilo que escolheríamos por nossa própria vontade é escravidão 46. Por isso, a autonomia, característica da liberdade indeterminista, é fundamental para que o homem consiga alcançar significância dentro da modernidade.
Esse amor pela liberdade através da autonomia humana reestrutura o pensamento teísta clássico de um Deus onipotente e soberano. Passa-se, então, a pensar que Deus depende dos homens para cumprir seus propósitos. Este pensamento leva o homem a ser um tanto pragmático, por causa da impaciência com o desconhecido. Enquanto que o teísmo tradicional se cala diante de algumas questões, como por exemplo a relação entre a soberania divina e a responsabilidade humana, entendendo que tais respostas são dadas apenas na sujeição ao mistério divino, os teólogos relacionais optam por uma explicação satisfatória proveniente da razão autônoma da modernidade pós-iluminista 47.
3.2.3
O Cristianismo fora das igrejas locais
Davis explica que, levando-se em consideração os dois fatores relatados acima, torna-se comum a aproximação de alguns cristãos a grupos cristãos pára - eclesiásticos 48, como forma de se viver um cristianismo relevante dentro da crença individual.
Davis frisa que estas instituições cumprem seu papel dentro da cristandade de forma relevante, atendendo a necessidades importantes, mas que em certos casos alguns cristãos tratam estas organizações como verdadeiras igrejas, ou casas espirituais, podendo tornar
44 Ibid, p. 146.
45 DAVIS, 2006, p. 147.
46 Ibid, p. 148.
47 Ibid, p. 150-151.
48 Davis (DAVIS, 2006, p. 150) cita entidades como InterVarsity Christian Fellowship, representada no Brasil pela ABU (Aliança Bíblica Universitária), Promise Keepers e Baptist Student Union, dentre outras, para exemplificar o que ele considera entidades pára - eclesiásticas.
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obsoleto o papel do líder espiritual ordenado. Consequentemente, tal atitude reforça o senso de autonomia do ser humano, levando-o a raciocinar de maneira individualista, crendo que todo cristão é competente para ser seu próprio pastor 49.
Os grupos paraeclesiásticos fornecem um lar visível entre os cristãos informalmente comprometidos. Essas são comunidades construídas sobre o consenso, e não sobre a submissão. (...) Dentro das comunidades cristãs definidas pelo consenso, “doutrina” é um reconhecido inimigo da unidade 50.
Fica claro, então, que a autonomia do homem e sua independência em ralação a Deus são essenciais na concepção que os teólogos da abertura de Deus têm sobre a responsabilidade humana, tanto do ponto de vista da liberdade indeterminista, quanto do contexto cultural criado a partir de pressuposições filosóficas modernas.
4.
A Crítica Reformada
Dentro do que já foi visto, fica claro que um dos grandes pontos de apoio do Teísmo Aberto é a autonomia do ser humano em relação a Deus como sinal da sua liberdade indeterminista a partir da autolimitação divina. Pinnock, por exemplo, escreve:
Deus não quis o exercício de dominação e controle sobre o mundo, mas estabeleceu uma ordem do significado real e da genuína autonomia. Desejando interagir mais significativamente com as criaturas a dominar o mundo, Deus quis uma história dinâmica que fluísse das decisões de pessoas finitas 51.
Assim, este tópico pretende expor algumas críticas dos teólogos reformados acerca da liberdade indeterminista, que ocasiona a autonomia humana a partir da autolimitação de Deus, pensamentos basilares do Teísmo Aberto.
4.1
Contra o Indeterminismo
Frame ressalta que o indeterminismo era a principal teoria da liberdade humana aceita pelos primeiros teólogos da Igreja. Apenas com Agostinho é que esta visão foi questionada, e
49 DAVIS, 2006, p. 155-157.
50 Ibid, p. 157.
51 PINNOCK, Clark. An Open View Of Sovereignty. Disponível em: <http://www.opentheism.info/pages/information/pinnock/gods_world.php> Acesso em: 12 Set. 2007. “God willed not to exercise domination and control over the world but establish an order of real significance and
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desde então os conflitos de conceitos que surgiram dos debates do século IV vêem acompanhando a história da Igreja Cristã 52.
Agostinho afirma que:
Deus atua nos corações humanos para dispor de suas vontades conforme ele quiser, seja em favor dos bons com sua misericórdia, seja com relação aos maus de acordo com seus merecimentos, sempre conforme seus desígnios, umas vezes evidentes, outras ocultos, mas sempre justos 53.
Dentre as várias críticas direcionadas pelos teólogos reformados à teoria indeterminista 54, algumas merecem especial consideração.
A primeira delas refere-se à alegação de que a vontade é neutra. Trata-se de uma afirmação problemática, pois ninguém nunca saberá quando a vontade é verdadeiramente livre, ou se é completamente livre (de influências), já que isso pressuporia uma falsa onisciência humana 55.
Em segundo lugar, não há nas escrituras ensinos sobre a liberdade indeterminista. As passagens usadas para fundamentar esta visão focam temas correlacionados, como a responsabilidade humana, por exemplo. Mesmo assim, a alegação indeterminista de que a pré-ordenação divina dos atos humanos restringe (ou anula) a responsabilidade moral do homem e da mulher não encontra apoio nas Escrituras. E mais, argumentam os reformados que não é possível encontrar em toda a Bíblia textos que mostrem Deus reconhecendo a existência de uma escolha não causada 56.
Em terceiro lugar, a teoria indeterminista nega a essência do ensinamento bíblico reformado relativo à unidade da personalidade humana e a eficácia da salvação, que atribui às decisões más a influência pecaminosa da Queda, e às decisões boas a influência de Cristo através do Espírito Santo. Se a vontade do humano é livre a redenção não poderia atingi-la, sendo, pois, ineficaz na obra santificadora 57.
E em último lugar, se o indeterminismo é verdadeiro Deus limitou sua soberania. E limitar sua soberania é diminuir sua essência, sua natureza, sua divindade. “Soberano é o seu
genuine autonomy. Wishing to interact with significant creatures rather than to dominate the world, God willed a dynamic history that would flow from the decisions of finite persons.”
52 FRAME, 2006, p. 95.
53 AGOSTINHO, 1999, p. 72
54 John Frame (FRAME, 2006, p. 96-100) lista 17 e Wright (WRIGHT, 1998, p. 205- 209) lista 08 críticas ao pensamento indeterminista.
55 WRIGHT, 1998, p. 206.
56 FRAME, op.cit., p. 96-97.
57 FRAME, op.cit., p. 98-99.
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nome, o próprio significado do nome Yahweh, tanto em termos de controle como de autoridade” 58.
58 FRAME, op.cit., p. 100.
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4.2
Contra a Autolimitação de Deus
Campos afirma que a “autolimitação de Deus provoca algumas revisões da doutrina clássica dos atributos de Deus” 59, completando o raciocínio de Frame, que entende que teólogos como Pinnock e Rice tendem a transformar suas perspectivas numa verdade central não-negociável, já que preferem desconstruir teorias clássicas a abrir mão das influências indeterministas de liberdade 60.
O primeiro atributo divino que é afetado pela autolimitação de Deus é sua onisciência. Campos entende que, se o futuro ainda não existe para os pensadores do Teísmo Aberto, já que, para eles, Deus honra as decisões humanas fazendo com que elas determinem o curso da história, não podendo, pois, ser sabedor dos eventos futuros, a onisciência de Deus não faz sentido. Isso, segundo Campos, diminui o tamanho de Deus 61.
A onipotência é o segundo atributo de Deus afetado pela teoria da autolimitação de Deus. Não é negada, mas apenas qualificada, ou rebaixada, pois transforma o poder de Deus a partir de uma ótica indeterminista de liberdade. “Deus decidiu não manter o monopólio do poder, mas dar alguns à criatura” 62. Neste caso, percebe-se a relação de autoridade com opressão na visão do Teísmo Aberto. Para não relacionarem Deus a um tirano e controlador, os teólogos da abertura de Deus pensam que seu poder não pode ser absoluto.
Finalmente, ao contrário do que pensa o teísmo tradicional, o Teísmo Aberto, por ensinar sobre um Deus que se autolimita, não crê na atemporalidade, ou supratemporalidade de Deus. Não crêem que Deus está fora ou acima do tempo 63. Prova disso é a afirmação de Hasker, que diz que “O Deus que concedeu liberdade verdadeira a suas criaturas deve ser um Deus temporal!” 64.
A resposta reformada pode usar as palavras de Agostinho:
Compreendam portanto que não existe tempo algum antes da criação, e deixem de dizer frivolidades como essa. Que avancem para o que está adiante, de modo a compreender que tu existes antes de todos os tempos, eterno Criador de todos os tempos; que nenhum tempo é coeterno contigo, nem criatura alguma, se bem que haja algumas superiores ao tempo 65.
59 CAMPOS, 2004, p. 41.
60 FRAME, 2006, p. 99.
61 CAMPOS, op.cit., p. 48.
62 PINNOCK, Clark. An Open View Of Sovereignty. Disponível em: <http://www.opentheism.info/pages/information/pinnock/gods_world.php> Acesso em: 17 Set. 2007. “God decided not to keep a monopoly on power but give some away to the creature”.
63 FRAME, op.cit., p. 109.
64 HASKER, William. The Incompatibility of Libertarian Free Will and Divine Timelessness. Disponível em: < http://www.opentheism.info/pages/information/hasker/incompatibility_timelessness.php > Acesso em: 19 Set. 2007. “God who has granted true freedom to his creatures must be a temporal God!”
65 AGOSTINHO, 1984, p. 357.
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4.3
Contra a Autonomia Humana
Wright dedica um capítulo do seu livro para falar explicitamente sobre o problema a autonomia humana 66. Na sua abordagem, que é bastante fiel ao pensamento reformado, ele basicamente enfatiza que o pensamento autonomista é anti-bíblico. Inicialmente, ele explica que existem duas diferenças fundamentais entre a afirmação de Deus em Gênesis 2: 17 – “Mas não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela comer, certamente você morrerá”, e a afirmação da serpente em Gênesis 3: 4 – “Disse a serpente à mulher: ‘certamente não morrerão’!”. A primeira afirmação, a de Deus, implica que o futuro dos pecadores está determinado por ele. A segunda, a de Satanás, implica que o futuro dos pecadores está inserido numa gama de possibilidades, cujo desfecho será determinado pelo próprio homem 67.
No primeiro caso, cada escolha que o homem fizesse expressaria “livremente o desejo deles de adorar seu Criador e de servi-lo” 68, por tê-lo obedecido. No segundo caso, Deus quer que o homem e a mulher “cresçam para a maturidade pelo reinterpretar autonomamente sua experiência consigo mesmos como sendo eles próprios a origem do significado” 69, como resultado da desobediência a Deus e da aceitação da oferta de Satanás de serem autônomos na interpretação da experiência da realidade.
Aparece, então, uma falha da teoria da autonomia humana. Se o humano afirmar categoricamente que Deus estava errado a respeito do “certamente morrerás”, isso pressuporia que Adão teria atributos divinos. A raça humana teria que ter um conhecimento exaustivo do futuro e um controle sobre ele, pois para se conhecer plenamente uma só coisa, é preciso o conhecimento pleno de tudo o mais 70.
Esta suposta autonomia de Adão e Eva levou o humano a ter uma cosmovisão fundamentada na sugestão satânica de emancipação. Esta cosmovisão virou uma tendência entre filósofos e teólogos, especialmente os humanistas 71. Segundo Wright, a filosofia humanista é evidentemente contra a ortodoxia cristã porque assumiu que a mente humana é suprema. Assim, passa-se a ser aceitável para o ser humano moderno toda e qualquer forma
66 WRIGHT, 1998, p. 87. “Autonomismo Apóstata: a queda & a teoria autonomista”.
67 Ibid, p. 90-91.
68 Ibid, p. 91.
69 Ibid.
70 Ibid, p. 92.
71 Tem-se em mente o Humanismo como doutrina antropocêntrica e não como movimento renascentista.
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de espiritualidade humanista pode ser compreendida e tolerada, exceto o cristianismo histórico, que coloca em risco a soberania da mente humana 72.
5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar o Teísmo Aberto a partir da crítica reformada conduz o estudioso á clássica discussão acerca da liberdade humana. Aparentemente este é um problema não resolvido para os arminianos, que crêem numa liberdade indeterminista, mas não encontravam uma resposta satisfatória sobre as grandes questões sobre a soberania divina. Como parte da solução do problema, o Teísmo Aberto preenche algumas lacunas deixadas ao longo da história das controvérsias cristãs.
Uma vez entendido o conceito de liberdade que influencia o Teísmo Aberto, foi necessário se entender também o percurso da crítica reformada.
O Teísmo Aberto parece considerar ter encontrado o caminho bíblico e filosófico para indagações sobre o lugar da soberania divina na sua relação com a liberdade autônoma do humano. Os teólogos defensores dessa visão não são receosos em afirmar que o homem e a mulher devem buscar sua emancipação diante de Deus, entendendo que esta é a vontade do Soberano. Dizem que a independência é prova da maturidade.
Entretanto, teólogos reformados abordam áreas de pesquisa interessantes, que elucidam questões que muitas vezes não são abordadas pelos proponentes do Teísmo Aberto, como por exemplo, o ambiente cultural (moderno) favorável. O ceticismo em relação á autoridade, a paixão pela liberdade e o cristianismo sendo vivido fora das igrejas formam um contexto que favoreceu a formação das idéias, bem como a aceitação delas, por parte dos adeptos da visão da abertura de Deus.
Para a teologia reformada é difícil aceitar a idéia de um Deus que se autolimita a ponto de não ser conhecedor do futuro, que é pego de surpresa com alguns acontecimentos da história. O Deus do Teísmo Clássico defendido pelos reformados não pode ser tão vulnerável. Não é possível abrir mão de alguns de seus atributos, pois se entende que estes são responsáveis pelo ser de Deus, e cedendo às pressuposições teístas abertas o cristianismo será enfraquecido. Um Deus vulnerável gera uma fé também vulnerável!
72 RIGHT, 1998, p. 97.
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Os teólogos reformados estudados foram contundentes nas críticas feitas ao Teísmo Aberto, sobretudo na ênfase dada ao indeterminismo, à autolimitação de Deus e à autonomia do ser humano. Construindo-se uma base forte contra estes pressupostos, edifica-se sobre esta uma teologia cristã consistente, capaz de responder a outros possíveis questionamentos à teologia reformada, bem como ao Teísmo Clássico.
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