Em As Raízes Medievais da Europa (1964), Jacques Le Goff mostra que embora a geograficamente a Europa sempre estivesse lá, o conceito de europeu é datado, e tem seu nascimento na Idade Média. Semelhantemente, a própria corrida helenística, tem seu fundamento na ideia da Grécia para além da Hélade, num sentimento de pertencimento que se expressa na cultura, na língua, na conduta do grego; destinado a se aventurar para dentro da península e no além-mar, espalhou seu mundo e contagiou muitos povos.

O Império Romano do Ocidente, no auge de suas crises econômicas, políticas e sociais, por conta da dificuldade de expansão territorial (motor de sua economia e solução das disputas sociais), viu-se solapado por disputas aristocráticas e militares. Os Povos Germânicos, se introduziram pacificamente numa sociedade estruturada segundo interesses oligárquicos, com base na propriedade de terras. Assimilando a cultura românica, inclusive se convertendo ao Catolicismo, os "bárbaros" começaram a exercer atividades comerciais e arrendar terras, ascendendo à burocracia estatal, fortificada como uma das políticas para acalmar as disputas entre patrícios e plebeus. Porém, no poder de suas influências, agravam as contradições do império, e com auxílio dos reis germânicos, promovem uma série de invasões que levam a queda do Império Ocidental.

Várias invasões continuam a acontecer, mostrando o caráter dinâmico da Era Medieval. Estreitadas as relações com o resto do Mediterrâneo, estando a Península Ibérica ainda ocupada pelos Árabes, ocorreu um processo de ruralização da população; embora, as cidades não tenham de todo sido destruídas. Sem mão de obra escrava, o povo foi atraído para arrendar terras agrícolas, e claro, buscar proteção dos grandes senhores de terras. Estes, dado a inexistência de leis e instituições jurídicas na cultura de seus dominadores - caracterizadas pelos laços de vassalagem e costumes locais -, estabelecem entre si relações de suserania, ratificadas por cerimônias de juramentos. Em troca da lealdade e apoio militar do vassalo (ou servo), o senhor concedia terras, bens, etc. Sem autoridade estatal, e portanto, sem a noção do público, reina a falta de uma centralização, e poder dos reis germânicos. Os patrícios e a Igreja, são os grandes proprietários de terras e exercem seu poder e influência sobre o estado e movimento da sociedade feudal.

Com costumes e tradições locais, embora debaixo do controle e da legitimação da Igreja, o feudo, unidade administrativa, econômica e social, tinha seu centro no castelo - para se proteger das invasões, saques, etc., fortificam-se cidades e residências -. As muitas terras do Senhor Feudal eram divididas em Mansos: Senhorial, Servil e Comum. Terça parte de todas elas, destinada exclusivamente para sustento do senhor e sua família, o manso senhorial era trabalhado em alguns dias da semana pelos servos, que em troca, tinham a permissão de ocupar o manso servil. Este, comportava algumas vilas, rodeadas entorno de uma capela e um cemitério, onde ficavam as cabanas dos servos, e as suas plantações. Os bosques, as florestas e outros locais que ficavam no manso comum, eram de uso tanto dos servos quanto dos senhores, onde se dava a caça, pesca, criação de animais e muitos pastos.

Uma economia autonomia autossuficiente, embora fracamente haviam mercados, onde os servos, após pagarem as devidas obrigações (excessivas) ao senhor e à Igreja - imposto pelo uso da terra, pelo uso de ferramentas e manso comum, caso o beneficiário inicial (chefe da família) tivesse falecido, casamento (não só do servo, mas deveria também custear as festas de casamento do senhor e de seus familiares), etc.-, e tirarem o necessário para sua sobrevivência, vendiam em pequenos mercados o excedente, e adquiriam bens manufaturados. Para trabalhar, os mestres-artesão (artesão chefe de sua própria oficina, onde lhe auxiliavam aprendizes-artesão) deveriam ingressar em Guildas urbanas, associações profissionais que regulamentavam os mercados, padronizando os produtos, criando monopólios, eliminando concorrências; e, por isso, poderiam manter altos níveis de vida, dado que controlavam a oferta, e estipulavam altos preços. Dispondo de poucos dias para trabalhar para si, e acumulando dividas, os servos ficavam presos à suas terras, de modo que, a venda do feudo, só alterava os seus senhores, diferenciando a servidão da escravidão.

Com o tempo, estabeleceu-se certa estabilidade, e com isso, houve um aumento populacional, que demandava mais produtos agrícolas. Logo é implementada novas técnicas agrícolas, como a tripla divisão e revezamento de terras, que impediu o esgotamento do solo, e aumento de fertilidade, permitindo a variabilidade de cultura e expansão das terras agricultáveis; com a plantação de aveia e forragem, torna-se possível a criação de cavalos, que deu eficiência não somente a atividade agrícola, mas revolucionou o transporte, expandindo o comércio inter-regional. Com mais energia e transporte, expande-se a população urbana, as vilas e cidades. O processo de especialização rural-urbana foi essencial para o crescimento da produção de manufaturados, aumento da produtividade e desenvolvimento do comércio de longa distância.

O florescimento comercial é marcado pelo surgimento de cidades industriais e comerciais controladas por comerciantes capitalistas, que conseguiram certa autonomia das restrições impostas pelas relações feudais. As trocas mercantis com os árabes e vikings acelera o desenvolvimento de grandes feiras (que chegavam a durar semanas), e surgimento de complexos sistemas de câmbio, compensação e facilidades creditícias, letras de câmbio, etc. São lançadas, então, a base para as leis capitalistas modernas de contratos, títulos negociáveis, representação comercial e leilões.

O surgimento de indústrias voltas para exportação, e, com sua produção em massa, quebra da ordem comercial sustentada pelas guildas, o mestre-artesão, que também era fazendeiro, vê-se obrigado a aumentar sua produtividade (para concorrer) e vender seus produtos a um comerciante, que arcando com os custos de transporte (poucos, devido a introdução do cavalo e de carroças de quatro rodas), revenderá em mercados mais favoráveis. Logo o sistema artesanal de oficinas será substituído por um sistema doméstico de trabalho, onde, no principio, o comerciante fornece ao artesão a matéria-prima e renumera seu trabalho, vindo buscar o produto acabado; posteriormente, passam a ter o controle total da produção, sendo o proprietário da matéria-prima, ferramentas, oficina, e apenas contratando a mão de obra do artesão. O artesão passou a vender não mais o seu produto, mais a sua força de trabalho. O mercado que passa a determinar quem executaria certa tarefa, como seria executada, e se os trabalhadores poderiam ou não encontrar trabalho para o seu sustento.

Está lançada as bases do sistema capitalista, tornando-se dominante a partir do momento que a maioria das indústrias aderem ao seu modo de produção. Com ele, vem associações de comerciantes capitalistas, as guildas modernas.

A maioria dos servos, em detrimento de uma minoria que por pequenas faliram - e tiveram de engrossar a massa de vagabundos procurando emprego nas manufaturas -, tornam-se camponeses. Estes são servos, que vendiam os produtos agrícolas no mercados, pagando, com o dinheiro, os impostos devidos aos senhores, e retendo o excedente da receita, substituindo o trabalho compulsório. Adquirindo independência da nobreza feudal, eles acumularam capitais primitivos, e começaram a alugar novas terras e se envolver em atividades comerciais. Os senhores feudais, agora proprietários rurais, cerceiam as terras comuns, alugando-as a quem pagar mais caro, e principalmente quem buscava exercer atividades pecuniárias - a criação de ovelhas além de menos custosa, era rentável dada as grande demanda das indústrias têxteis. Porém, com o despovoamento após A Guerra dos Cem Anos e a Peste Negra, falta mão de obra, aumentam os salários; e os aluguéis de terras, agora abundantes, caem. Na tentativa de anular as comutações e reestabelecer os serviços obrigatórios, os nobres feudais sofrem com uma série de revoltas camponesas (que já estavam numa nova ordem econômica, social, e desejavam, tanto quanto os burgueses capitalistas, uma reforma política).

Este é o quadro da ruptura entre a ordem econômica feudal e estabelecimento da economia capitalista comercial.

 

 

Referências Bibliográficas:

HUNT, E. K.; LAUTZENHEISER, MARK. História do Pensamento Econômico: uma perspectiva crítica. 3.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.

LE GOFF, JACQUES. Raízes Medievais da Europa. 2.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2007.

BLOCH, MARC LEOPOLD BENJAMINZ. A Sociedade Feudal. 2. ed. Lisboa: Edições 70, 1987.

VICENTINO, CLÁUDIO; DORIGO, GIANPAOLO. História Geral e do Brasil: Volume 2. São Paulo: Scipione, 2014.