Ruptura da Economia Feudal da Europa Medieval
Publicado em 22 de setembro de 2021 por Alexandre Bezerra dos Santos
Em As Raízes Medievais da Europa (1964), Jacques Le Goff mostra que embora a geograficamente a Europa sempre estivesse lá, o conceito de europeu é datado, e tem seu nascimento na Idade Média. Semelhantemente, a própria corrida helenística, tem seu fundamento na ideia da Grécia para além da Hélade, num sentimento de pertencimento que se expressa na cultura, na língua, na conduta do grego; destinado a se aventurar para dentro da península e no além-mar, espalhou seu mundo e contagiou muitos povos.
O Império Romano do Ocidente, no auge de suas crises econômicas, políticas e sociais, por conta da dificuldade de expansão territorial (motor de sua economia e solução das disputas sociais), viu-se solapado por disputas aristocráticas e militares. Os Povos Germânicos, se introduziram pacificamente numa sociedade estruturada segundo interesses oligárquicos, com base na propriedade de terras. Assimilando a cultura românica, inclusive se convertendo ao Catolicismo, os "bárbaros" começaram a exercer atividades comerciais e arrendar terras, ascendendo à burocracia estatal, fortificada como uma das políticas para acalmar as disputas entre patrícios e plebeus. Porém, no poder de suas influências, agravam as contradições do império, e com auxílio dos reis germânicos, promovem uma série de invasões que levam a queda do Império Ocidental.
Várias invasões continuam a acontecer, mostrando o caráter dinâmico da Era Medieval. Estreitadas as relações com o resto do Mediterrâneo, estando a Península Ibérica ainda ocupada pelos Árabes, ocorreu um processo de ruralização da população; embora, as cidades não tenham de todo sido destruídas. Sem mão de obra escrava, o povo foi atraído para arrendar terras agrícolas, e claro, buscar proteção dos grandes senhores de terras. Estes, dado a inexistência de leis e instituições jurídicas na cultura de seus dominadores - caracterizadas pelos laços de vassalagem e costumes locais -, estabelecem entre si relações de suserania, ratificadas por cerimônias de juramentos. Em troca da lealdade e apoio militar do vassalo (ou servo), o senhor concedia terras, bens, etc. Sem autoridade estatal, e portanto, sem a noção do público, reina a falta de uma centralização, e poder dos reis germânicos. Os patrícios e a Igreja, são os grandes proprietários de terras e exercem seu poder e influência sobre o estado e movimento da sociedade feudal.
Com costumes e tradições locais, embora debaixo do controle e da legitimação da Igreja, o feudo, unidade administrativa, econômica e social, tinha seu centro no castelo - para se proteger das invasões, saques, etc., fortificam-se cidades e residências -. As muitas terras do Senhor Feudal eram divididas em Mansos: Senhorial, Servil e Comum. Terça parte de todas elas, destinada exclusivamente para sustento do senhor e sua família, o manso senhorial era trabalhado em alguns dias da semana pelos servos, que em troca, tinham a permissão de ocupar o manso servil. Este, comportava algumas vilas, rodeadas entorno de uma capela e um cemitério, onde ficavam as cabanas dos servos, e as suas plantações. Os bosques, as florestas e outros locais que ficavam no manso comum, eram de uso tanto dos servos quanto dos senhores, onde se dava a caça, pesca, criação de animais e muitos pastos.
Uma economia autonomia autossuficiente, embora fracamente haviam mercados, onde os servos, após pagarem as devidas obrigações (excessivas) ao senhor e à Igreja - imposto pelo uso da terra, pelo uso de ferramentas e manso comum, caso o beneficiário inicial (chefe da família) tivesse falecido, casamento (não só do servo, mas deveria também custear as festas de casamento do senhor e de seus familiares), etc.-, e tirarem o necessário para sua sobrevivência, vendiam em pequenos mercados o excedente, e adquiriam bens manufaturados. Para trabalhar, os mestres-artesão (artesão chefe de sua própria oficina, onde lhe auxiliavam aprendizes-artesão) deveriam ingressar em Guildas urbanas, associações profissionais que regulamentavam os mercados, padronizando os produtos, criando monopólios, eliminando concorrências; e, por isso, poderiam manter altos níveis de vida, dado que controlavam a oferta, e estipulavam altos preços. Dispondo de poucos dias para trabalhar para si, e acumulando dividas, os servos ficavam presos à suas terras, de modo que, a venda do feudo, só alterava os seus senhores, diferenciando a servidão da escravidão.
Com o tempo, estabeleceu-se certa estabilidade, e com isso, houve um aumento populacional, que demandava mais produtos agrícolas. Logo é implementada novas técnicas agrícolas, como a tripla divisão e revezamento de terras, que impediu o esgotamento do solo, e aumento de fertilidade, permitindo a variabilidade de cultura e expansão das terras agricultáveis; com a plantação de aveia e forragem, torna-se possível a criação de cavalos, que deu eficiência não somente a atividade agrícola, mas revolucionou o transporte, expandindo o comércio inter-regional. Com mais energia e transporte, expande-se a população urbana, as vilas e cidades. O processo de especialização rural-urbana foi essencial para o crescimento da produção de manufaturados, aumento da produtividade e desenvolvimento do comércio de longa distância.
O florescimento comercial é marcado pelo surgimento de cidades industriais e comerciais controladas por comerciantes capitalistas, que conseguiram certa autonomia das restrições impostas pelas relações feudais. As trocas mercantis com os árabes e vikings acelera o desenvolvimento de grandes feiras (que chegavam a durar semanas), e surgimento de complexos sistemas de câmbio, compensação e facilidades creditícias, letras de câmbio, etc. São lançadas, então, a base para as leis capitalistas modernas de contratos, títulos negociáveis, representação comercial e leilões.
O surgimento de indústrias voltas para exportação, e, com sua produção em massa, quebra da ordem comercial sustentada pelas guildas, o mestre-artesão, que também era fazendeiro, vê-se obrigado a aumentar sua produtividade (para concorrer) e vender seus produtos a um comerciante, que arcando com os custos de transporte (poucos, devido a introdução do cavalo e de carroças de quatro rodas), revenderá em mercados mais favoráveis. Logo o sistema artesanal de oficinas será substituído por um sistema doméstico de trabalho, onde, no principio, o comerciante fornece ao artesão a matéria-prima e renumera seu trabalho, vindo buscar o produto acabado; posteriormente, passam a ter o controle total da produção, sendo o proprietário da matéria-prima, ferramentas, oficina, e apenas contratando a mão de obra do artesão. O artesão passou a vender não mais o seu produto, mais a sua força de trabalho. O mercado que passa a determinar quem executaria certa tarefa, como seria executada, e se os trabalhadores poderiam ou não encontrar trabalho para o seu sustento.
Está lançada as bases do sistema capitalista, tornando-se dominante a partir do momento que a maioria das indústrias aderem ao seu modo de produção. Com ele, vem associações de comerciantes capitalistas, as guildas modernas.
A maioria dos servos, em detrimento de uma minoria que por pequenas faliram - e tiveram de engrossar a massa de vagabundos procurando emprego nas manufaturas -, tornam-se camponeses. Estes são servos, que vendiam os produtos agrícolas no mercados, pagando, com o dinheiro, os impostos devidos aos senhores, e retendo o excedente da receita, substituindo o trabalho compulsório. Adquirindo independência da nobreza feudal, eles acumularam capitais primitivos, e começaram a alugar novas terras e se envolver em atividades comerciais. Os senhores feudais, agora proprietários rurais, cerceiam as terras comuns, alugando-as a quem pagar mais caro, e principalmente quem buscava exercer atividades pecuniárias - a criação de ovelhas além de menos custosa, era rentável dada as grande demanda das indústrias têxteis. Porém, com o despovoamento após A Guerra dos Cem Anos e a Peste Negra, falta mão de obra, aumentam os salários; e os aluguéis de terras, agora abundantes, caem. Na tentativa de anular as comutações e reestabelecer os serviços obrigatórios, os nobres feudais sofrem com uma série de revoltas camponesas (que já estavam numa nova ordem econômica, social, e desejavam, tanto quanto os burgueses capitalistas, uma reforma política).
Este é o quadro da ruptura entre a ordem econômica feudal e estabelecimento da economia capitalista comercial.
Referências Bibliográficas:
HUNT, E. K.; LAUTZENHEISER, MARK. História do Pensamento Econômico: uma perspectiva crítica. 3.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.
LE GOFF, JACQUES. Raízes Medievais da Europa. 2.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2007.
BLOCH, MARC LEOPOLD BENJAMINZ. A Sociedade Feudal. 2. ed. Lisboa: Edições 70, 1987.
VICENTINO, CLÁUDIO; DORIGO, GIANPAOLO. História Geral e do Brasil: Volume 2. São Paulo: Scipione, 2014.