PSICOLOGIA E PERSPECTIVA FEMINISTA: UMA UNIÃO DIRECIONADA PARA UM COMPROMISSO SOCIAL

 

OLIVEIRA, Sara Cristina[1]

QUEIROZ, Yasmin Lívia[2]

 

RESUMO: A presente pesquisa constitui uma reflexão crítica sobre os pressupostos centrais das metodologias feministas associadas a sua construção e prática na psicologia, ampliando o contexto terapêutico. É feito um recorte breve da história e pecurso do feminismo, fazendo uma alusão ao enquadramento histórico em que esteve velado a emergência de buscar revisões na produção e pratica psicológica. Buscou-se ainda mapear e conceituar a associação do feminismo na psicologia, apresentando as ideias centrais, contribuições e revisões no cenário de produção de conhecimento, e especialmente em sua pratica. Este é um estudo bibliográfico que tras o que já foi produzido dentro do tema.

 

 

1. INTRODUÇÃO 

 

Envolver os estudos das teorias feministas em psicologia é uma busca pautada em unir forças através das duas ciências, que tem compromisso ético e social com os seres humanos no geral. Neste sentido, a perspectiva feminista nos permite compreender a origem e manutenção das relações entre homens e mulheres, os papeis á eles submetidos, a posição que cada gênero ocupa na sociedade, e as varias formas de enxergar estas posições, propiciando assim, uma melhor compreensão dos fatores emergenciais de sofrimento para ambos os gêneros. Os feminismos adentraram as faculdades onde se buscou provocar revisões no cenário de construção e a prática do conhecimento em diversos campos do saber, e a psicologia não ficou de fora.

Desde o inicio, a distinção dos sexos estavam centralizadas  nas diferenças fisicas de homens e mulheres, especialmente na diferença dos órgãos sexuais. A diferença, transformada em desigual­dade, fez surgir categorias binárias e hierárquicas, definidas entre opostos inferior/superior,  que separaram todo o universo em oposições masculino/feminino. Foram assim construídas as diferenças entre os gêneros das coisas e das pessoas, marcando a superioridade masculina (BOURDIEU, 1999) que, naturalizada ao longo da história por discursos filosóficos, médicos, jurídicos e sociais, justificou tais desigualdades a fim de legitimá-las (NARVAZ, 2005).

Segundo a teologia e a igreja medieval, o inicio de tudo se dá por meio de Adão e Eva no paraíso, no qual Eva é denegrida, porque ela é responsável pela queda do homem e é considerada, por tanto, a instigadora do mal. Esse estigma, que se propaga por todo o sexo feminino, vem a se traduzir na perseguição implacável ao corpo da mulher, tido como fonte de malefícios (ALVES; PITANGUY, 1985). No entanto existia uma contradição no pensamento da igreja no que refere-se a posição da mulher, oscilando entre as figuras de Maria que representava a mulher “pura e obediente”, portanto, era exaltada, e a Eva denegrida.

Nossa civilização é marcada significativamente pela tradição grega, no qual há fortes regimes quanto aos papéis de gênero. Na Grécia a mulher ocupava posição equivalente a do escravo no sentido de que tão somente estes executavam trabalhos manuais, extremamente desvalorizado pelo homem livre (ALVES; PITANGUY, 1985). A mulher tinha como função primordial a reprodução, no qual não se restringia somente a geração mas também amamentação e criação dos filhos, sua produção era voltada a tudo aquilo que era diretamente ligado a subsistência do homem como: fiação, tecelagem e alimentação. O trabalho valorizado e reconhecido considerado de nobreza era exercido pelo homem como: filosofia, política e artes. Ao afirmar que os “Deuses” criaram a mulher para as funções domésticas, o homem para todas as outras” Xenofonte, no século IV A.C., exprimia um tipo de argumentação naturalista que ainda hoje demarca espaços para os sexos (ALVES; PITANGUY, 1985). Estando assim limitado o horizonte da mulher, ela era excluída do mundo do pensamento, do conhecimento, tão valorizado pela civilização grega, exceção feita das hetairas, cortesãs cujo cultivo das artes tinha como objetivo torna-las agradáveis companheiras dos homens em seus momentos de lazer, a mulher grega não tinha acesso a educação intelectual (ALVES; PITANGUY, 1985).

Explorando brevemente sobre a posição da mulher na Idade Média é necessário comentar sobre a perseguição que se caiu sobre ela e que ficou conhecida como a “caça as bruxas”. A chamada “caça as bruxas”, verdadeiro genocídio perpetrado contra o sexo feminino na Europa e nas Américas, tão pouco estudado e denunciado, e que se iniciou na Idade Média, intensificando no século XVI, inicio do Renascimento, é a parte da herança do silêncio que recobre a história da mulher (ALVES; PITANGUY, 1985). Existe, nessa perseguição as “feiticeiras”, um elemento claro de luta pela manutenção de uma posição de poder por parte do homem: a mulher, tida como bruxa, supostamente possuiria conhecimentos que lhe conferiam espaços de atuação que escapavam ao domínio masculino (ALVES; PITANGUY, 1985). Nesta tragédia mulheres foram assassinadas em decorrência da natureza feminina, no qual eliminaria qualquer tipo de perigo aos homens, tudo isso foi feito pela instituição da Inquisição. Jules Michelet, em sobre as Feiticeiras, transcreve números estarrecedores: por ordem de seu bispo, a cidade de Genebra queimou, no ano 1515, em apenas 3 meses, nada menos que 500 mulheres; na Alemanha , o Bispado Bamberg queima de uma so vez 600, e o de Wurtburgo, 900 ( ALVES; PITANGUY, 1985).

O interesse por este estudo se da em problematizar os discursos sobre relações de gênero na psicologia, que vem-se construindo no cotidiano de nossa prática enquanto psicólogas, pesquisadoras, docentes, acadêmicas e psicoterapeutas. Neste percurso nos deparamos com produções discursivas que legitimam desigualdades de gênero e padronizam papéis e posições de gênero nas relações afetivas, sexuais, familiares e profissionais.

Diante do cenário passado e atual, qual o papel da psicologia e sua contribuição para a igualdade de gênero?

Neste estudo, será abordado como objetivo geral a identificação do movimento feminista associado a psicologia, produzindo a partir desta junção uma prática clínica mais ampla, para o acolhimento de temas de gênero na atuação clínica. Para isso terá como objetivos específicos, levantar a história e o percurso do feminismo, investigar a associação entre o movimento feminista e a psicologia, levantar na literatura práticas clínicas associadas ao movimento feminista e suas funções.

Como justificativa social, a pesquisa aqui apresentada, promove diálogos entre o feminismo e a psicologia pautando questões de sexo, gênero e opressão feminina, na qual se permite abranger conhecimentos e reflexões a sociedade sobre o assunto aqui tratado, como forma de mudança do pensamento social.

Nesta perpectiva justifica-se cientificamente, no intuito de mostrar a história de desilgualde e opressão na qual as mulheres foram e são submetidas durante os tempos, com respaldo da filosofia, medicina , sociologia e inclusive da psicologia. Buscando fazer um compromisso da psicologia com a não contribuição a desigualdade de qualquer tipo, principalmente a de gênero. Promover pesquisas nessa área gera mais volume e discussões acerca do tema.

Desta maneira, vale evidenciar como justificativa pessoal, que estes estudos permite obter um olhar crítico e questionador sobre a psicologia tradicional e sua construção na sociedade, não desmerecendo o feitos, mas buscando sempre o aperfeioçoamento e amadurecimento das falhas, observando as práticas discriminatórias, trazendo estas melhorias para ciência psicológica e para o exercício ético da profissão.

A psicologia enquanto ciência e profissão precisa ser cuidadosa em suas práticas, visto que determina vários conceitos que para a sociedade tem um título de verdade e também é formadora de opiniões. Neste sentindo, hipoteticamente é preciso fazer compromisso ético-político com a não contribuição a nenhum tipo de discriminação, desigualdade, exclusão, preconceitos, opressão e violência. Para isso é necessário que se assuma este papel diante do seres humanos em geral, destruindo qualquer tipo de conceito naturalista, determinista e opressor ou que compactue com isso.

Este trabalho consiste em uma pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo que visa levantar informações a respeito da Psicologia e do Feminismo. O estudo foi desenvolvido a partir do que já foi elaborado dentro do tema, disponível em livros e artigos científicos.

De acordo com LAKATOS, 2003, p. 44:

 

Trata-se de um levantamento de toda bibliografia já publicada, em forma de livros, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita. Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com aquilo que foi escrito sobre determinado assunto, com o objetivo de permitir ao cientista ‘o reforço paralelo na análise de suas pesquisas ou manipulação de suas informações.

 

Lakatos e Marconi (2003) salientam que a pesquisa bibliográfica é a principal
representante da pesquisa teórica. A pesquisa bibliográfica engloba toda bibliografia já
tornada pública em relação ao tema de estudo, desde publicações avulsas, boletins, jornais,
livros, revistas, pesquisas, teses, monografias material cartográfico etc., até meios de
comunicação oral como rádio, gravações em fita magnética e audiovisuais: filmes e televisão.
Sua função é colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou
filmado sobre determinado assunto, inclusive conferências seguidas de debates que tenham
sido transcritos por alguma forma, quer publicadas, quer gravadas. Segundo Manzo (1971, p.
32), a bibliografia pertinente “oferece meios para definir, resolver, não somente problemas já
conhecidos, como também explorar novas áreas onde os problemas não se cristalizaram
suficientemente”. Sendo assim, a pesquisa bibliográfica não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou
abordagem, chegando a conclusões inovadoras.

Gil (2002), também destaca que esse tipo de pesquisa é desenvolvida com base em
material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. Embora em
quase todos os estudos, seja exigido algum tipo de trabalho dessa natureza, há pesquisas
desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas. Boa parte dos estudos
exploratórios pode ser definida como pesquisas bibliográficas. A principal vantagem da
pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao pesquisador a cobertura de uma gama de
fenômenos muito mais vasta do que aquela que poderia pesquisardiretamente.
A pesquisa realizada é de cunho qualitativo que, como pontua Deslandes, Cruz Neto,
Gomes e Minayo (1994), foca em uma realidade que não se pode quantificar, devido às
questões particulares que trabalham com significados, crenças e valores. Segundo Minayo
(2007), o estudo qualitativo se aplica às interpretações que os humanos fazem, pensam,
sentem e da forma como vivem, possibilitando, assim, o estudo de processos sociais ainda
pouco conhecidos ligados diretamente a grupos específicos. Além disso, esse tipo de estudo
permite, durante a investigação, a construção de novos conceitos e categorias bem como a
revisão e criação de abordagens e novas hipóteses.

A pesquisa bibliográfica também é indispensável nos estudos históricos. Em muitas situações, não há outra maneira de conhecer os fatos passados se não com base em dados bibliográficos (GIL, 2002). Com a finalidade de atingir o objetivo dessa pesquisa, foram selecionados para a execução da mesma a Biblioteca Martinho Lutero, do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara, onde foram encontradas as obras físicas; e revistas científicas e periódicos online, como o Portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC) e o Scielo. Usou-se o recurso de palavras chave para o início da pesquisa, assim tornando um conceito composto de acordo com a abstração característica em comum, sendo eles: Psicologia, Feminismo, Gênero e sexualidade.

Não foi definido o período da pesquisa por se tratar de um tema histórico. Todos os materiais encontrados, a partir dessa busca, foram revisados, sendo que todos
os resumos foram lidos e selecionados aqueles estudos que atendiam aos objetivos desta
pesquisa para comporem o artigo.

 

 

2. HISTÓRIA E PERCURSO DO FEMINISMO

 

2.1 Feminismo

 

Surge em reação denunciativa e protestante pela plena igualdade várias teorias e movimentos feministas ao longo do tempo, apesar de o próprio conceito ter sido muito controverso, dando origem a diferentes visões, que ainda coabitam e que por não serem bem transmitidos, confundem os indivíduos acerca do objetivo central.

O Feminismo pode ser definido como um “movimento social cuja finalidade é a equiparação dos sexos relativamente ao exercício dos direitos cívicos e políticos” (OLIVEIRA, 1969), além disso, uma estrutura básica da consciência que por anos foi condicionada a reproduzir o conceito de dominação feminina por ambas as partes envolvidas. As feministas enfatizam que a opressão de gênero, de etnia e de classe social transcorre as mais variadas sociedades ao longo dos tempos. Esta forma de opressão sustenta práticas discriminatórias, tais como o racismo, o classismo, a exclusão de grupos de homossexuais e de outros grupos minoritários (NEGRÃO, 2002).

Em outras palavras, o feminismo são vários movimentos políticos, sociais e filosóficos que objetivam direitos iguais e uma dignidade humana por meio do empoderamento feminino e mais ainda da destruição de padrões patriarcais que compões os papéis de gênero nas sociedades. O conceito histórico de patriarcado é um dos mais  importantes da teoria feminista, que provem das ciências sociais, e tem grande importância ao dar visibilidade e analisar, a partir do pensamento feminista, a estrutura social e sexual da dominação.

O feminismo enquanto filosofia reconhece que homens e mulheres têm experiências diferentes e reivindica que pessoas diferentes sejam tratadas não como iguais, mas como equivalentes (FRAISSE, 1995; JONES, 1994; LOURO, 1999).  As feministas acusam que a experiência masculina sempre foi privilegiada ao longo dos tempos, já a feminina é negligenciada e desvalorizada. Elas demonstraram, ainda, que o poder foi - e ainda é - predominantemente masculino, e seu objetivo original foi a dominação das mulheres, especialmente de seus corpos (BUTLER, 2003; PATEMAN, 1993).

Ao afirmar que o sexo é politico, pois também contem relações de poder, o feminismo rompe com os modelos políticos tradicionais, que atribuem uma neutralidade ao espaço individual e que definem como politica unicamente a esfera , “objetiva” (ALVES; PITANGUY, 1985). Portanto, nestas expressões feministas, a opressão é singular e coletiva, abrangendo também aspectos emocionais da consciência, revelando os elos existentes entre as relações interpessoais e a organização política pública. O feminismo provocou mudanças nas perspectivas predominantes em varias áreas da sociedade ocidental, desde a cultura ao direito.   O feminismo procurou, em sua prática enquanto movimento, superar as formas de organização tradicionais, permeadas pela assimetria e pelo autoritarismo (ALVES; PITANGUY, 1985):

 

O feminismo busca repensar e recriar a identidade de sexo sob a ótica em que o individuo, seja ele homem ou mulher, não tenha que adaptar-se a modelos hierarquizados, e onde as qualidades “femininas” ou “masculinas” sejam atributos do ser humano em sua globalidade. Que afetividade, a emoção, a ternura possam aflorar sem constrangimentos nos homens e serem vivenciadas nas mulheres, como atributos não desvalorizados. Que as diferenças entre os sexos não se traduzam em relações de poder que permeiam a vida de homens e mulheres em todas suas dimensões: no trabalho, na participação política, não esfera familiar, etc... (ALVES; PITANGUY, 1985, p. 9).

 

2.2 Percurso do Feminismo

 

Segundo Nogueira (2017), é possível descrever o percurso do feminismo em três ondas, não de forma reducionista ou simplista, mas que passe a ideia de fluxo, massas, pessoas, grupos e de movimentos com um certo grau de coerência em termos temporais. A primeira onda se inicia no meio do século XIX, e vai até cerca dos anos 60; a segunda onda ate cerca dos anos 80; e a terceira onda, a atual, que é chamada por alguns de pós-feminismo.

A primeira onda é marcada por lutas e reivindicações no que tange aos direitos civis e políticos, pela obtenção ao estatuto de sujeito jurídico, pelo direito ao voto, pelo qual o movimento sufragista se configurou, e pela reparação das condições materiais de vida das mulheres, direitos sociais e no trabalho. Na primeira onda, os interesses do feminismo eram voltados especialmente para a emancipação das mulheres de um estatuto civil dependente e subordinado, e a reivindicação pela sua incorporação no estado moderno, industrializado, como cidadãs de pleno direito tal como os homens (EVANS, 1994). Neste período é importante destacar que a Primeira Guerra Mundial foi importante neste percuso, pois as mulheres eram convocadas a ocupar o lugar dos homens desempenhando varias funções que eram destinadas a eles. Ao término da Guerra, as mulheres voltaram a ocupar as suas funções domésticas.

Outro marco importante deste período é o lançamento do livro O Segundo Sexo de Simone de Beauvoir no ano de 1949. A conhecida frase “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”, bastante utilizada pelo movimento, pertence a esta autora. A obra é o alicerce na passagem da primeira para segunda onda do feminismo, trazendo a ideia de gênero, que é utilizada até os dias atuais (BEAUVOIR, 1949).

A segunda onda tem inicio por volta de 1960, diante de um cenário de muitas mudanças para as mulheres, alguns direitos foram conquistados e com o crescimento da mulher no mercado de trabalho, as feministas buscam outras reivindicações: a sexualidade, autonomia sobre seu próprio corpo, reprodução, família, trabalho e outros direitos legais. Da preocupação típica da primeira onda com os direitos civis (leis, direitos e cidadania), passa-se agora para aquilo que algumas autoras referem ser a política interpessoal, dai a frase célebre dos movimentos feministas “o pessoal é político” (HANISH 1970, APUD NOGUEIRA, 2017). O fato das mulheres continuarem em desvantagem não só na esfera pública como também na esfera privada, orientou a maior parte das reivindicações da época (NOGUEIRA, 2017). As políticas de reprodução e da identidade, contracepção e o aborto, a sexualidade, a violência sexual e doméstica, os abusos, o questionar dos efeitos dos estereótipos, do tratamento do corpo feminino como objeto na arte, na publicicadade e pornografia são temas centrais neste período (NOGUEIRA, 2017).

Na segunda onda surgiu diferentes teorias feministas, que ainda são reconhecidas e referenciadas, como apresentarei a seguir de forma breve. É importante entender, o que as diferencia são a causa da opressão feminina e como agir perante essas causas afim de combate-las.

O feminismo liberal, que se centra na emancipação e mudança societal, mas considerando a alteração educativa, legal e de politicas sociais como o centro de suas reivindicações (NOGUEIRA, 2017). Para este movimento com as mudanças de leis, promoção de programas de mudanças de atitudes, será possível obter mudança social e a emancipação das mulheres.

O feminismo marxista ou socialista, centra-se no capitalismo como causa central da opressão das mulheres (NOGUEIRA, 2017). Para este movimento as mulheres tem um papel importante garantindo a força de trabalho servindo os homens e renovando-a através da reprodução e dos cuidados maternos. A mudança só seria possível com a eliminação do capitalismo.

O feminismo radical, centra-se essencialmente nas micropolíticas do poder, na relações de sexualidade e em todas as relações com os homens e com o patriarcado (NOGUEIRA, 2017). Para este movimento o foco da opressão é as relações com os homens e em evidência as relações íntimas e sexuais.

O feminismo cultural, que muitas autoras designam como sendo o feminismo da diferença, defende a existência de diferenças entre homens e mulheres, mas que assume que as características femininas são de valor (inclusive societal) superior (NOGUEIRA, 2017). Para este movimento o foco central seria em capacitar as mulheres para ocupar cargos de liderança e do poder.

O feminismo negro, ainda na segunda onda surge este movimento, que vem como uma crítica a outros movimentos feministas, por excluir as experiências e necessidades das mulheres negras e de classe baixa.

A terceira onda na teoria feminista teve inicio nos fins dos anos 80, ao mesmo tempo em que surgiam as críticas pós-estruturalistas e pós-modernas as concepções de gênero e de subjetividade do feminismo hegemônico da época ( DIETZ, 2003; MANN & HUFFMAN, 2005 APUD NOGUEIRA, 2017), Que foram de encontro com as críticas provenientes do feminismo negro. Estas correntes críticas tinham em comum o compromisso com a abertura, a diversidade (ARAUJO, 2007), que não estava presente no feminismo da segunda onda.

Neste período o feminismo começou a ficar “fora de moda”, e esta informação foi veiculada pelos meios de comunicação social, que referiam que as populações mais jovens estavam indiferentes ao feminismo e às lutas que tiveram de ser travadas no passado. Esta é apenas uma das razões entre muitas para se designar a terceira vaga, por pós-feminismo (NOGUEIRA, 2001).

Através das lutas reivindicações as mulheres conseguiram alcançar alguns de seus objetivos, todas as mulheres na Europa ocidental são agora formalmente iguais perante a lei, um direito que não existia em muitos países antes da segunda vaga dos movimentos terem começado (NOGUEIRA, 2001), o que persiste ainda é a distância entre a igualdade teórica e prática do dia-a-dia, podendo dizer que apesar de manter as desigualdades não se mantem o envolvimento em movimentos feministas. Pensa-se que esta situação está associada ao aparecimento do Backlash, como movimento reativo contra o feminismo.

Segundo Nogueira (2017), quem associa a terceira onda a uma época de backlash anti-feminista assume que as mulheres já não se identificam com as lutas feministas, e em alguns casos, podem até pretender retrocessos em termos de direitos (por exemplo, alguns grupos argumentam pelas vantagens do retorno das mulheres a casa), as mulheres anti-feministas argumentam estar em desvantagem pois estão mais cansadas, com as jornadas duplas, triplas e etc. Mas o que fica claro é que se houvesse de fato a igualdade plena, as mulheres não estariam sobrecarregadas, principalmente no lar e na criação dos filhos. O pós-feminismo tem sido muito difícil de caracterizar, e há também diferentes possibilidades de percepção (MACEDO, 2006). É possível conceber nesta onda, críticas as perspectivas epistemológicas tradicionais da segunda onda (particularmente ao essencialismo) e apresentar a desconstrução, a diversidade e a fragmentação identitária como posições (possíveis) na atualidade (NOGUEIRA, 2017).

 

3. SURGIMENTO DA ASSOCIAÇÃO ENTRE O MOVIMENTO FEMINISTA E A PSICOLOGIA

 

3.1 Inserção do feminismo na Psicologia

 

No inicio, a psicologia enquanto teoria e pesquisa, se voltava para o estudo do desenvolvimento, comportamento, cognição e a avaliação destes, em diversos contextos. Objetivando assim almejar o estatuto de ciência, manifestando então uma ciência objetiva, quantitativa, empírica e livre de valor. Realizou-se diversos experimentos laboratoriais com animais, afim de compreender e prever comportamentos humanos, sendo, estes resultados tomados como verdades e leis universais, que poderiam ser colocados em prática aos seres humanos em seus contextos (WORELL, 2000).

A psicologia em seu campo geral de conhecimento, questões como gênero e feminismos ficaram alheias. Já no campo das ciências sociais, nas áreas como sociologia, história e antropologia, sua inclusão foi relevante (ALVES, 2013). A perspectiva feminista começou a penetrar o campo da psicologia apenas recentemente (WORELL; JOHNSON, 2001). A categoria gênero de modo geral, é ignorada pela ciência psicológica (NARVAZ, 2009) que muitas vezes naturaliza e legitima as desigualdades e subordinações de gênero, geração, etnia e classe (NARVAZ, 2005; 2009).

Imaginando este cenário é possível visualizar como a luta por uma psicologia feminista, em oposição aos pressupostos da psicologia tradicional, pode ser difícil de se contemplar. No entanto, em meio a esta dificuldade pode-se afirmar que a psicologia feminista foi sustentada no solo dos movimentos feministas. As mulheres tiveram que lutar para se tornarem visíveis enquanto profissionais na ciência, gerando grupos cada vez maiores, lutavam por transformações no seio da própria ciência (NOGUEIRA, 2017).

A ciência que se fazia na altura, era experimental e de orientação comportamentalista, mantinha-se alheada das questões produzidas pelos novos movimentos sociais e ignorava as mulheres enquanto sujeitos e objetos de pesquisa (AMÂNCIO, 2001).

A Association for Women in Psychology (Associação para Mulheres na Psicologia) fundada em 1969 resultante da insatisfação em relação a Associação Americana de Psicologia, devido a seu não envolvimento com o movimento feminista. Seu objetivo foi no intuito de impactar e resolver os problemas sinalizados pelo feminismo dentro da psicologia. Seus esforços foram vitoriosos, com a sua representação feminista forte dentro da Associação Americana de Psicologia se estabeleceu a divisão 35 psychology of women division (Sociedade de Psicologia da Mulher).

 

A necessidade de criar um espaço de visibilidade e reconhecimento para o trabalho desta nova geração de investigadoras conduziu a emergência da psychology of women, que se institucionalizou com a criação da divisão 35 (psychology of women division) no seio da APA, em 1974 e se afirmou, no seio da comunidade científica, com a fundação das revistas Sexroles, em 1975 e psychology of women quarterly, em 1977 (AMÂNCIO, 2001, pg. 12).

 

Desde então, as psicólogas feministas se dedicaram a rever e reconstruir a disciplina, com isso a sua presença se tornou conhecida. Em meados dos anos 70, as psicólogas feministas questionaram o enviesamento androcêntrico do conhecimento psicológico, o qual acreditavam refletir um modelo masculino da realidade (NOGUEIRA, 2017).

Era nítido quando analisaram que a maioria dos pesquisadores, assim como os objetos de estudos, eram por sua vez, homens. Estudavam nestes sujeitos, a assertividade e a agressão, que eram interesses masculinos, assim, os resultados obtidos das pesquisas em homens era assumidamente aplicados também as mulheres. Isso proporcionou, o surgimento de uma necessidade de um campo de pesquisa sobre as mulheres e gênero.

A grande importância da associação dos feminismos na psicologia foi proporcionar um distanciamento, rompendo com o naturalismo biológico, como as entidades fixas e naturais, manipulado por meio de hábitos socialmente legitimados, porem, difícil de se perceber enquanto construtos sociais e morais (FARIAS; CASTRO, 2016).

 

3.2 Psicologia Feminista

 

Em meio ao contexto apresentado, surge a Psicologia Feminista em meados dos anos 1960 e 1970, que nasceu decorrente da admissão de que a mulher estava ausente na ciência e do reconhecimento de que questões como mulheres e gênero, precisava estar integradas na teoria e na investigação. A psicologia feminista vai de encontro com princípios norteadores feministas, como ações ativamente anti-sexista, no qual defende que homens e mulheres e as suas experiências são igualmente valoráveis e importantes aos olhos do conhecimento científico.

O conhecimento é, portanto, produzido dentro de um contexto cultural específico e não está livre dos valores compartilhados em determinada cultura e momento histórico (Bandeira, 2008). Produzir conhecimento é posicionar-se e tomar posição no mundo. Nenhuma ciência é neutra porque ela nasce como necessidade de resposta às inquietações humanas em meio a existência, situado, datado e encarnado em cada sujeito em sua multiplicidade expressiva. Sendo assim, a crítica feminista visa questionar a forma e como o conhecimento vem sendo produzido em diversos campos, aqui especificamente o da ciência psicológica. A crítica feminista propôs a incorporação de dimensões emocionais e subjetivas na produção do conhecimento científico (ALVES, 2013).

A Psicologia feminista em uma simples definição, é um ramo da psicologia que esta centralizada nas relações socias e de gênero, no entanto, ela crítica a construção do conhecimento psicológico historicamente feito através de uma perspectiva masculina da realidade, onde a figura masculina é a referência e modelo.

A psicologia feminista tem assim o intuito de tentar compreender não só os efeitos do gênero na construção do conhecimento, mas também de outros sistemas de classificação social como a “raça”, a classe social e a orientação sexual (NOGUEIRA, 2003). Além disso, a psicologia feminista busca criar uma psicologia que tenha uma visão mais congruente e compreensiva da mulher, mais do que somente críticas ao androcêntrismo da psicologia tradicional. As psicólogas feministas promoveram o princípio do ativismo social, da implicação com causas para os grupos sub-representados (NOGUEIRA, 2017). A psicologia feminista tem bases e fundamentos orientadores que provem do feminismo, busca introduzir a pesquisa de gênero e como as mulheres são afetadas por questões provenientes dele.

Sendo assim, a pesquisa que é socialmente relevante para a vida das mulheres e das famílias é altamente valorizada, em parte porque é mais provável que se traduza em políticas que beneficiem as mulheres (e os homens) e que remedeiem as injustiças sociais (NOGUEIRA, 2017). Portanto, a psicologia feminista tem sido influenciadora na passagem da psicologia tradicional para uma posição mais ativista, no que diz respeito a transformação social.

A desnaturalização de construções sociais que estruturam as relações entre homens e mulheres, e ao mesmo tempo constituem as identidades subjetivas, tem sido uma tarefa constante de teóricos e teóricas feministas (ALVES,2013). A psicologia brasileira, no entanto, tem demorado a incorporar a categoria gênero em seus estudos e teorizações e tem sido bem resistente a críticas que desafiam e questionam seus pressupostos universalistas (NUERNBERG, 2005).

Couto (2007) aponta que grande parte dos estudos em psicologia continuaram a reafirmar diferenças biológicas entre os sexos que contribuem para a inferioridade das mulheres, uma vez que estão ancorados em um discurso androcêntrico e dominante. O sexismo afetou a seleção de tópicos de pesquisa, o desenvolvimento de conceitos e teorias psicológicas, a aplicação desses conceitos e teorias na prática, ou seja, afetou a própria estrutura na psicologia como profissão (DINIZ, 1999).

A crítica feminista nega qualquer perspectiva essencialista e binária, valorizando as experiências femininas e plurais (Bandeira, 2008). Apesar da discrepância entre a psicologia feminista e a tradicional, ela conseguiu ser influente em algumas esferas como aponta Worell (2000): 1) a criação de novas áreas de pesquisa, novos assuntos e (re)nomear problemas, sendo o melhor exemplo a questão da vilolência contra as mulheres, e a violência de gênero; 2) o questionar de métodos de pesquisa e de prioridades, por exemplo, a inclusão de métodos qualitativos e preocupação com investigação associada as desigualdades e as discriminações; 3) novas abordagens a prática clínica e terapêutica, onde se pode atualmente situar o campo das terapias feministas; 4) a integração da problemática da diversidade chamando a atenção para as diferenças entre as mulheres.

Segundo Nogueira (2017), a psicologia feminista possui um conjunto de pressupostos norteadores de sua teoria, porém, há divergências em seu seio, são elas: a) a escolha da designação de psicologia feminista versus psicologia de mulheres; b) o assumir o essencialismo versus construcionismo social; e c) assumir o gênero versus diversidade na opressão das mulheres. Vale ressaltar que apesar dos conflitos internos existentes, a psicologia feminista esta em contínuo crescimento e se mostra bastante produtiva na indicação de problemas e soluções construtivas, além das abordagens inovadoras.

Para Nogueira (2017) as(os) psicólogas(os) feministas aspiram a promoção de uma disciplina aberta a mudança, que valorize e promova a igualdade e a justiça social entre grupos e indivíduos e que seja ativa na insistência para o bem estar quer de homens quer de mulheres de todos os grupos. Uma outra definição da “psicologia feminista seria enquanto um espaço estratégico entre a psicologia e o feminismo, se afirmando enquanto resposta a um modelo de ciência positivista e androcêntrica que se pretende neutra, tradicional e “asséptica” sem considerar os contextos social, cultural e político, ou seja, a psicologia feminista aposta em um encontro com um reconhecimento dos aspectos socioculturais e psicológicos relacionados à violência de gênero” (FARIAS; CASTRO, 2016).

Por fim, o principal compromisso ético da psicologia feminista é fazer o acolhimento das demandas, propor o desenvolvimento da autonomia dessas mulheres e a consciência cívica, por meio da informação e psicoeducação para educar para a cidadania, sendo a violência de gênero um dos principais  focos para intervenção (FARIAS; CASTRO, 2016). Fica claro quanto ao objetivo dessa abordagem dentro da psicologia visando entender o sujeito dentro do contexto político e individual, no campo social e pessoal em que esta inserido, e como destaque esta o direito das mulheres.

 

4. PRÁTICAS CLÍNICAS ASSOCIADAS AO MOVIMENTO FEMINISTA E SUAS FUNÇÕES 

 

4.1 Terapias feministas

 

“As metodologias feministas são um caminho para alcançar um determinado objetivo, como o empoderamento e a consciência cívica da mulher, as terapias feministas se desenvolveram a partir dessas epistemologias, como também acompanharam os desdobramentos teóricos e práticos do feminismo ao longo do tempo” (FARIAS; CASTRO, 2016).

A emergência de terapias feministas fez surgir especialmente nos Estados Unidos grupos de mulheres intitulado grupos de promoção do “aumento de consciência” ( consciousness-raising groups ) no qual proporcionava as mulheres acesso a um espaço que permitisse identificação e a percepção em relação as suas experiências pessoais e sociais associadas ao contexto político vigente. Assim, com os relatos de suas experiências de vida, se identificava que os papéis de gênero aos seres humanos atribuídos, é responsável pela manutenção das relações de poder dos homens com as mulheres, pela discriminação e inferiorização do feminino ao longo dos tempos. A lógica de trabalho que presidiu ao desenvolvimento destes grupos começou a ser de certa forma confundida com uma modalidade de terapia para mulheres, dado que os grupos tinham de facto efeitos terapêuticos (NEVES, NOGUEIRA, 2003).

 É concretamente a partir desta aliança que começa a ser elaborado todo um processo de desconstrução e posterior reconstrução das práticas terapêuticas tradicionais, processo baseado na constatação de que a Psicologia havia sido negligente e omissa em relação ao papel que as mulheres desempenham na construção das realidades sociais (NEVES, NOGUEIRA, 2003).

Pode-se dizer que as terapias feministas são uma ramificação das metodologias feministas, no qual possui como a maior característica distintiva a emancipação, dando ênfase ao sistema de valores e aspectos políticos, visando confrontar os papéis sexuais tradicionais, e não fazendo tentativas de ajustamento, buscando ainda em caráter reflexivo problemas interpessoais como frutos da desigualdade e opressão, correlacionados com fatores contextuais para compreender problemas individuais e familiares, provocando e traçando meios de resistência as violências sofridas. Enquanto que as terapias tradicionais pretendem ser livres de valores e apolíticas, as terapias feministas enfatizam a importância do sistema de valores e dos aspectos políticos; enquanto que as terapias tradicionais recorrem a constructos intrapsíquicos para explicar a psicopatologia, as terapias feministas encaram a psicopatologia como resultado da opressão; enquanto que as terapias tradicionais reforçam os papéis sexuais tradicionais e promovem o ajustamento às normas sociais vigentes, as terapias feministas confrontam esses papéis e essas normas (NEVES & NOGUEIRA, 2003 APUD WHALEN, 1996).

Segundo NEVES & NOGUEIRA (2003) “há quatro princípios se constituem enquanto norteadores das terapias feministas: atenção dada à diversidade das identidades pessoais e sociais das mulheres, ou seja, a análise e exploração das intersecções entre as múltiplas identidades das mulheres; aumento da consciência da prática feminista à psicologia; reduzir o máximo possível as diferenças de poder-saber existentes na relação terapêutica; valorização dos saberes individuais e as experiências singulares dos indivíduos e das famílias, auxiliando as mulheres a identificar suas capacidades e competências.”

Consideravelmente as terapias feministas são como uma ferramenta de ressocialização das mulheres, isto é, uma concientização de como os problemas individuais estão relacionados a sistemas de discriminação e hierarquia, descrevendo o grande objetivo destas terapias.

 

Podemos assim concluir que as Terapias feministas na Psicologia, enquanto instrumento persuasor da mudança e do activismo social, assumem uma função primordial no empowerment das mulheres, no enfraquecimento dos desequilíbrios de poder em contextos terapêuticos delimitados e em contextos sociais abrangentes, na reabilitação de uma ideia não estereotipada de doença física e mental, na despatologização da condição feminina, na desconstrução de modelos de avaliação e intervenção profundamente discriminatórios, na eliminação de discursos científicos altamente restritivos e na construção de uma realidade terapêutica e social paritária onde a democracia, a igualdade e a justiça sejam valores imperativos (NEVES & NOGUEIRA, 2003, p.56).

 

4.2 Funções 

 

Através dos artigos pesquisados, a prática da terapia feminista se revela com os seguintes públicos alvos: famílias, mulheres vítimas de qualquer violência seja ela doméstica, sexual, física, psicológica, entre outros, meninas com histórico de incesto ou violência intrafamiliar e também violência sexual.

“As pesquisas conduzem a uma linha de compreensão teórico-prática situando a Psicologia Feminista e em especial as terapias feministas como um mecanismo potente na tentativa de adentrar a fundo no problema da violência doméstica, identificando as nuances desta violência estrutural que reverbera no seio familiar e se detém ao anonimato” (FARIAS; CASTRO, 2016). “As terapias feministas atuam no campo individual para que o contexto social se modifique, diferentemente da perspectiva patológica clínica tradicional que intervem remediativamente ao considerar que o que diverge é do esquema interna do indivíduo” (GOOD, GILBERT & SCHER, 1990 APUD NEVES & NOGUEIRA, 2003).

Uma experiência que podemos avaliar como exemplo de psicoterapia feminista revelou informações acerca da violência contra mulher, um grupo cujo objetivo e o compartilhamento de experiências e ressignificação. “Algumas Margaridas (como foram denominadas as mulheres participantes desse grupo) acreditavam na mudança de comportamento e no arrependimento por parte dos agressores, outras mulheres permaneciam por causa dos(as) filhos(as)” (TIMM, PEREIRA, GONTIJO, 2011).

Contudo, “a continuidade desses tipos de vínculo se devem à estrutura do patriarcado, que significa os corpos de forma desigual e hierarquizada através de um sistema de crenças, em que se produzem desejos, expectativas e sintomas psíquicos, sendo esse desejo fundado a partir de uma lógica heterossexual e pela ideologia do par amoroso, onde o casamento é tido como uma realização para alcançar o amor romântico e a visão de uma família feliz e sólida” (TIMM, PEREIRA,GONTIJO, 2011). A utilização de Terapias feministas na intervenção psicológica junto de mulheres vítimas de violência pelos seus parceiros tem assim um peso inestimável na reabilitação dos direitos das vítimas, na medida em que garante, mais do que o mero ajustamento ou o crescimento pessoal das mulheres, o reenquadramento e a reinterpretação das suas experiências de vitimização (WALKER, 1989 APUD NEVES & NOGUEIRA, 2003).

É importante falar sobre a terapia feminista da família, que vem em um caráter denunciativo dos processos que mantém o gênero feminino em situação de subordinação e opressão, não sendo um novo modelo de terapia familiar. Entretanto, pretende “inserir as questões de gênero e das diferenças de poder no sistema terapêutico tanto na teoria, quanto na formação e clínica, opondo-se a uma normatização patriarcal das configurações familiares e desconstruindo valores sexistas implícitos, afirmando a competência das famílias não devido a sua estrutura, mas à qualidade das relações fundadas por seus membros e às narrativas construídas sobre elas mesmas, desqualificando ou valorizando suas capacidades, onde a própria terapia sistêmica aponta famílias fora do padrão enquanto disfuncionais, o que legitima um discurso de padrões fixos e estáticos de gênero, e sobretudo, de violência” (NARVAZ E KOLLER, 2007). Narvaz e Koller (2007) “contestam também os cursos de formação de terapia familiar brasileiros, por não haver uma discussão sobre as questões de gênero e/ou os paradigmas feministas da terapia familiar.”

Embora os estereótipos e preconceitos que rodeiam a expressão “feminista” (Jones, 1994), certamente em razão da exígua relação entre teoria e política feminista, a despeito das resistências institucionais, o feminismo ingressou nas ciências e adentrou a academia, a pesquisa e a clínica. No entanto, as produções feministas ainda têm um status científico marginal, o que é evidenciado pela objeção de sua institucionalização nas universidades e pela publicação ainda limitada a poucas revistas científicas especialistas no tema, tais como a Revista Estudos Feministas, da Universidade Federal de Santa Catarina, e a Cadernos Pagu, da Universidade de Campinas (Adelman, 2003; Costa, 1994; Malheiros, 2003).

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

As mulheres ocuparam e ocupam uma posição de inferioridade ao longo dos anos, logo foram surgindo movimentos de reação a estas desigualdades, afim de mudar o cenário de discriminação. A partir disso foram conquistados direitos mínimos e dignos de sobrevivência no qual ainda não se alcançou a plena igualdade entre os sexos. A psicologia também participou desta reação, com isso surgiu a abordagem feminista em teu seio. A psicologia feminista veio como uma crítica construcionista às abordagens tradicionais e androcêntricas, onde buscou questionar e revisar a ciência psicológica e sua prática.

Como problemática da pesquisa, buscou-se elencar em como a psicologia pode contribuir significativamente para a promoção da igualdade de gênero, dentro do campo da ciência e pesquisa e em sua prática. Portanto, para isso, conhecemos sucitamente a trajetória do movimento feminista e suas conquistas mais relavantes, posterirormente a sua passagem e adentramento no campo da psicologia, surgindo questionamentos e contribuições. Estes, transformados em modelos de terapias, a partir, dos pressupostos feministas. Finalizando sendo possível enxergar a atuação de uma clinica ampla, acolhedora de temas relacionados aos gêneros e suas implicações. Contudo, é necessário que se faça um compromisso ético profissional com a mudança social, além de considerar e mensurar a experiência feminina na investigação, produção de conhecimento e sua prática.

Notoriamente os estudos feministas são marginalizados e subalternizados, onde dificulta a sua ascensão no seio da própria psicologia. Contudo é necessário que se inclua nos currículos acadêmicos as disciplinas que abordem questões de gênero, sexualidade e feminismo, para que futuros profissionais tenham contato com  questões que são de extrema importância a nível de aprendizado, ético e compromisso de fato com todos os seres humanos de forma realmente equivalente.

Destaca-se que há pouco referencial teórico acerca da Psicologia Feminista, que durante os anos vem se construindo em solo fértil, e se faz necessário que se desperte nas graduações interesses por este campo de pesquisa.

 

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[1] Discente do Curso de Psicologia do ILES/ULBRA.

[2] Docente do Curso de Psicologia do ILES/ULBRA.