“O homem normal não apenas é muito mais imoral do que crê, mas também muito mais moral do que sabe [...] O superego retém o caráter do pai, enquanto que quanto mais poderoso o complexo de Édipo e mais rapidamente sucumbir à repressão [...] O ideal do ego, portanto, é o herdeiro do complexo de Édipo, e, assim, constitui também a expressão dos mais poderosos impulsos e das mais importantes vicissitudes libidinais do id”. (FREUD 1923/1996 em O Ego e o Id)

9. Propôs também esta parábola a alguns que confiavam em si mesmos, por se considerarem justos, e desprezavam os outros:

10. Dois homens subiram ao templo com o propósito de orar: um, fariseu, e o outro, publicano.

11. O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo, desta forma: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano;

12. jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho

12. O publicano, estando em pé, longe, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador!

14. Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o que se exaltaserá humilhado; mas o que se humilha será exaltado”. (Lucas 18. 9-14)

Freud diz que tanto a “moralidade” quanto a “imoralidade”está muito além da consciência do homem, e isso podemos ver na oração do fariseu, “não sou igual a este publicano”(Lc 18.11). O fariseu e o publicano passaram pelo complexo de Édipo, mas em ambientes diferentes, o Fariseu passou pela “lei do pai”(Lacan) mas com resignação, aceitou, mas o preço foi o ressentimento. Winnicott vai dizer que “o ambiente na relação mãe/pai não facilitou a transição para o édipo”. Ambos concordam que: “O neurótico é um sujeito ressentido”. O publicano teve uma experiência oposta, passou pelo Édipo, mas o pai foi mais flexivel, mais  ausente: “O publicano, estando em pé, longe, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador!”. (Lucas 18.13). O fariseu e o publicano não se achavam dignos do amor do pai, a diferença é que o publicano agia de acordo com o que havia introjetado, sentia vergonha, sabia que era trangressor da lei e queria a intervenção “Ó Deus, sê propício a mim, pecador!”. Sentia culpa e queria reparar. (Lucas 18.13). O publicano reconhece e sabe da sua imoralidade, só não sabe que  era “ muito mais moral do que sabia”. (FREUD), isso está implicito no reconhecimento da sua culpa, “sou pecador”!

O fariseu criticou a vida imoral do publicano e agradecia a Deus (Pai) por ser “castrado”, mas o processo foi doloroso, dai que internalizou ressentimento devido o pai ser o responsável por interditar  seus desejos. O fariseu tinha grande sofrimento psiquico, pois o superego “retém o caráter  do pai” (FREUD), embora a internalização do ideal de Eu fora rigida, não conseguia suprimir a repressão, pois essa se manifestava no “sintoma” que é o acordo de compromisso entre o a pulsão (ID=Freud) mediado pelo consciente/inconsciente  (EU=Freud) nas exigências morais do SuperEu (A lei). O  ideal do EU é herdeiro do complexo de Édipo (Freud) e quanto mais rigido a lei do pai, mais neurórico obsessivo será o filho.

Se a lei diz “Não matarás. Não adulterarás.Não furtarás.Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.Não cobiçarás” (Êxodo 20.13-17) é porque intrinsecamente há o desejo, “[...] não teria eu conhecido a cobiça, se a lei não dissera: Não cobiçarás”. (Romanos 7.7). Paulo o apóstolo usou outro mecanismo chamado “identificação” onde transferiu para Cristo o seu Ideal de EU, reconhecendo a impossibilidade de harmonizar a lei e o desejo, “Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor. De maneira que eu, de mim mesmo, com a mente, sou escravo da lei de Deus, mas, segundo a carne, da lei do pecado”. (Romanos 7.24,25). Paulo aceitou debitar na identificação com Cristo as suas limitações “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Romanos 8.1). Logo, a lei existe como forma de conter a execução do ato, e esse, em relação ao fariseu fora feito através da “repressão”, contudo, isso não significa que ficou tudo bem, isso porque, “a satisfação do instinto submetido à repressão seria possível, e também prazerosa em si mesma, mas que seria inconciliável com outras exigências e intenções; geraria prazer num lugar e desprazer em outro ”. (FREUD, 1914-1916, p.63).

O fariseu para lidar com o desejo não realizado, usou o que em psicanálise é chamado de Formação Reativa, que é a substituição de um afeto pelo seu oposto, “se não posso desejar, vou repudiar”!  Nessa defesa, o afeto ligado aos mandamentos “Não matarás. Não adulterarás. Não furtarás.Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.Não cobiçarás” (Êxodo 20.13-17) foi deslocado da ideia e se manifestou no seu oposto. A moralidade externalizada escondia a imoralidade internalizada, reprimida.

No complexo de Édipo, se não houver um ambiente suficiente bom (Winnicott) a criança pode se tornar exigente, responsável, sua raiva introjetada, será projetada no seu oposto, uma pessoa boazinha, “jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho”. (Lucas 18.12). Essa é uma “bondade” para com o “pai” visa ocultar mágoa, ressentimento pelo desejo interditado, “Há tantos anos que te sirvo sem jamais transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito sequer para alegrar-me com os meus amigos” (Lucas 15.29). As duas parabolás narradas por Jesus, falam de mecanismos de defesa descritos por Freud, o filho mais velho da parábola de Lucas 15 e o Fariseu de Lucas 18, mostram como só a repressão não é suficiente para dar conta da ambivalência entre a lei e o desejo.

O filho mais velho da parábola em Lucas 5, mostra na prática o que estava nas entrelinhas da oração moralista do fariseu. Enquanto o filho mais velho da parabola projetou diretamente no pai sua frustração, o fariseu projeta na oração, ao dizer, “Ó Deus, graças te dou, porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano.  Jejuo duas vezes na semana e dou os dízimos de tudo quanto possuo” (Lucas 18.11,12), lança diretamente no publicano, faz uma acusação explícita de que tem méritos por ter uma “moral superior”, mas seus atos, escondem seus desejos recalcados, sua pseudo bondade se revela na raiva contra aquele que realiza o que a lei do pai o proibe.  “Não sou como os demais [...] roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano” (Lucas 18.11). Pessoas como o fariseu e o filho mais velho da parábola podem manifestar sintomas como obsessão pelo sucesso, trabalho em excesso, legalismo exacerbado  e como efeito, tendem ao perfeccionismo. Nessa funcionamento de personalidade, normalmente a alegria é reativa, a gratidão é “pelo que não é”,  por ser diferente se sente mais valorizado, não pelo que faz de “positivo”, mas pelo “negativo” do que o outro faz!  Sua alegria é “não sou como os demais nem ainda como este publicano”, contudo, o preço é viver um falso self.  A verdade que ele não sabe é que a diferença entre ele e o outro é o desejo de ser amado, medo de ser rejeitado, o fariseu é no interior, o que o publicano é no exterior, “Vós, fariseus, limpais o exterior do copo e do prato; mas o vosso interior está cheio de rapina e perversidade. Insensatos! Quem fez o exterior não é o mesmo que fez o interior?”(Lucas 11. 39,40). O publicano é coerente na relação entre o mundo subjetivo e o mundo objetivo. Jesus finaliza a parábola dizendo: “Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o que se exaltaserá humilhado; mas o que se humilha será exaltado”. (Lucas 18.14). Porque Jesus exaltou a atitude do publicano e reprovou a do fariseu? Porque “se exaltar” no caso do fariseu era fruto de uma cizão entre seus desejos internalizados e seu discurso, a moral do fariseu escondia a imoralidade nos desejos.

A lei para Jesus incluia duas esferas: (1) Desejo: “Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força”(Deuteronômio 6. 4,5) e; (2) Pratica: “Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. O fariseu e o publicano estavam em pé de igualdade diante do Ideal de EU em relação ao Pai, mas só o publicano conseguia reconhecer, enquanto o fariseu vivia um auto engano. Porque então o fariseu corria o risco de ser “humilhado”? Porque Jesus via o que Freud veio confirmar “a repressão tem de ser compensada por uma ininterrupta contrapressão, dessa forma, manter uma repressão pressupõe um permanente dispêndio de energia”. (FREUD [1914-1916] p.66). Jesus sabia que a distância entre o Fariseu e o Publicano é a autenticidade. O Fariseu sabe que “não é igual ao publicano”, mas não sabe que “é muito mais imoral do que crê”, enquanto o publicano, sabe que é imoral, mas não sabe que “é muito mais moral do que sabe”. (FREUD).

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

BIBLIA Online..  Almeida Revista e Atualizada (ARA). Disponível em https://www.bibliaonline.com.br/ara

FREUD, S. Introdução ao Narcisismo, Ensaios de Metapsicologia e Outros Textos (1914-1916). In: Obras Completas, Vol. XII. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.