O presente trabalho, construído a partir da unidade curricular: Projeto Integrador, Psicologia e Processos Grupais, contempla a temática atos de violência aplicados entre grupos de torcidas organizadas (T.O)

Configuradas como organizações, as T. Os se vinculam a agremiações esportistas, que, no que lhe concerne, estão submetidas a um ajustamento social pautado na dinâmica grupal. Todavia, manifestações configuradas na violência e ódio, por diversas vezes, fazem-se presentes nestas.

Em 2014, segunda a revista O Globo, o Brasil ficou em primeiro lugar em um ranking global, como a nação que mais mata por causa de futebol (CASTRO, 2014), outra, de acordo com pesquisas do programa de pós-graduação da Universidade Salgado de Oliveira coordenado pelo sociólogo Mauricio Murad, no ano de 2019 ocorreram 160 (número preliminar) eventos violentos nas 38 rodadas do campeonato brasileiro, ou seja, uma média de quatro por rodada.

Isto posto, buscar-se-á, promover uma discussão que contemple as relações grupais e como estas influenciam nas posições comportamentais dos integrantes das T. Os. De acordo com Da Matta o esporte, sobretudo o futebol no Brasil, se configura como um ensaio da sociedade brasileira em suas características e construções. Pontua o autor:

A sociedade se revela tanto pelo trabalho quanto pelo esporte, religião, rituais e política cada uma dessas esferas é uma espécie de "filtro" ou de operador, através do qual a ordem social se faz e refaz, inverte-se e reafirma-se, num jogo básico para sua própria percepção enquanto uma totalidade significativa. (DA MATTA,1982, pp. 24-25) 

Nas torcidas organizadas faz-se presente uma dinâmica que confere desde uma identificação grupal com respeito a simbologia de um brasão, de um uniforme, de um estádio e hino. Há, também, uma interdependência perante o sentimento de pertencimento e colaboração dentro do grupo.

A proposta de pesquisa reverbera os comportamentos de violência inclusos em Torcidas Organizadas, ela não só problematiza tal questão social tangente a grupos, como também se propõe a analisar a dinâmica dessas torcidas, justificando as relevâncias e influências que os times promovem na vida do indivíduo junto as considerações tomadas em conjunto, que trazem consequências para o contexto social. Dessarte, tendo como justificativa a escassez literária que contemple tal objeto de estudo, o seguinte projeto tem funcionalidade, a proposta de intensificar os estudos e trazer uma nova perspectiva psicológica para enfatizar essa problemática, sobretudo quanto ao enfoque das especificidades da realidade brasileira, dirigindo, não apenas pelo enfoque nas alterações das relações, como também no avanço, no que diz respeito ao número de homicídios ocasionados dentro deste contexto.

Em face do supracitado, elegemos a seguinte reflexão, como questão problema: "O sentimento de pertencimento de grupo a uma torcida organizada de times de futebol facilita atos de violência por parte dos membros dessa torcida?". Até que ponto a lógica grupal monopoliza a individualidade?

A isso, frente a tal problemática é elencado como objetivo geral, bem como principal: analisar o fenômeno da violência entre torcidas organizadas de times de futebol. E junto às especificidades intencionamos: a) Descrever os motivos pelos quais a violência está presente nas agremiações; b) Investigar que as implicações que as interações sociais, vivenciadas em torcidas organizadas, repercutem na vida dos sujeitos; c) Identificar os valores sociais internalizados pelo sujeito membros de torcidas de times de futebol; d) e Compreender as consequências do comportamento violento de torcidas organizadas no interior e exterior dos estádios de futebol. 

Aspectos metodológicos: 

Especificando o método, tendo como princípio as ações realizadas para a exploração do objeto proposto nessa produção, bem como objetivando um alcance maior com respeito a problemática elencada, isto é, aos atos de violência aplicados dentro de grupos de torcidas organizadas. O presente estudo tem natureza qualitativa e caráter exploratório, ao passo que buscamos um detalhamento, longe duma perspectiva arbitrária do fenômeno social aqui abordado.

Antes de tudo, a pesquisa, em seu desenvolvimento, subjuga como essencial informar ao leitor, no posto de também avaliador, como nossa temática e suas interrogações favorecem ao contexto social brasileiro, principalmente com respeito aos ideais e a essência do futebol, que em muitas das vezes, deixa de ser entretenimento e passa a ter um caráter violento, quanto às disputas.

Para tanto, coadunando com as justificativas sustentadas pela presente pesquisa e para dar conta do objetivo de analisar o fenômeno da violência entre grupos de sujeitos pertencentes a torcidas organizadas de times de futebol, realizar-se-á entrevistas semiestruturadas com dois participantes. Um representando uma torcida organizada da região do Cariri cearense, situado no nordeste brasileiro. Outro representando uma torcida do estado de São Paulo, região sudeste do Brasil.

As entrevistas serão realizadas individualmente e de forma remota, por meio da plataforma audiovisual Google Meet. Previamente ao início da entrevista, os participantes do estudo serão esclarecidos acerca dos objetivos do estudo e a mesma só será realizada mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecimento (TCLE), no cuidado pelo cumprimento das Resoluções do Ministério da Saúde (CNS) N° 466/12 e a N° 510/16, além do compromisso social pautado no respeito com o ser humano e participante da pesquisa em questão. A entrevista contará com questões norteadoras que versam sobre: as concepções de torcida organizada; sentimentos de pertença, interações sociais e vivências afetivas experienciadas nesse grupo; e o envolvimento de torcidas organizadas em eventos violentos.

Os dados acessados por meio das entrevistas serão analisados por meio da Análise de Conteúdo, que “(...) é o tipo de análise mais antiga e na prática a mais utilizada” (BARDIN, 1977, p. 5). Recorrer-se-á técnica de análise temática, que

(...) funciona por operações de desmembramento do texto em unidades, em categorias segundo reagrupamentos analógicos (...) construindo as categorias conforme os temas que emergem do                                    texto.

(BARDIN, 1977, p. 5).

A autora citada acrescenta que “para classificar os elementos em categorias é preciso identificar o que eles têm em comum, permitindo seu agrupamento” (BARDIN, 1977, p. 5). Dessa forma, depois de realizadas as entrevistas, estas serão transcritas, sendo esta primeira versão fiel à fala do entrevistado. Em seguida, será realizada uma leitura flutuante de todo o material e uma tabulação, que consistirá numa agregação das unidades de registro nos temas: as concepções de torcida organizada; vivências nesse grupo; e envolvimento em eventos violentos. Os elementos constitutivos de cada temática serão agrupados a partir do critério de analogia. Por meio desses agrupamentos serão construídas as categorias representativas de cada temática.

Resultados e Discussões:

           

Dando atenção, análise de conteúdo, por meio da técnica da análise temática congregando uma subdivisão quanto os conteúdos, foi-se tomado como de importância, dada às repetições nas falas dos entrevistados, os valores internalizados a partir do pertencimento do grupo de Torcidas Organizadas. A partir das falas dos participantes do estudo, nessa temática emergiram as categorias: amor pelo time; ódio pela torcida rival; e sagacidade.

A categoria amor pelo time denota que os participantes do estudo internalizaram uma maior identificação com o time a partir das suas vivências na Torcida Organizada. O depoimento a seguir representa como essa questão é percebida pelos participantes do estudo:

“[...] eu via pessoas apaixonadas pelo o time e aquela paixão das pessoas me fazia mais ainda, eu via  quando eu era criança eu já gostava, e eu via por aquela festa e me chamava atenção eu via pessoas muito apaixonadas pelo o time, e aquela paixão daquelas pessoas, mais ainda da torcida organizada me fez amar mais ainda o clube [...]” (Participante 2)

Combinando, na categoria ódio pela torcida rival revela uma internalização de hostilidades para com as torcidas e clubes que não fazem parte da relação de “parceria” firmada entre os clubes e torcidas. Por sua vez, a categoria sagacidade denota que os sujeitos a partir de algumas experiências imersas ao grupo, superaram uma concepção, que eles avaliavam ser ingênuos, acerca do mundo e de como esse se apresenta. O depoimento a seguir demonstra tal aspecto.

“Então, eu era muito ingênuo quando eu entrei na torcida eu comecei a perceber mais como era o mundo. Eu entrei eu tinha 13 anos, então quando eu comecei a participar, menino né, com 15 anos de fato eu fui ver, consegui de fato enxergar como era as pessoas né, e também pelo o fato que a gente viajava muito, a gente ia pra Fortaleza...Recife, Natal, e lá era clima de guerra mesmo, você não podia ficar muito exposto em qualquer lugar. Me fez ver como o mundo era muito perigoso, mas também muito bonito, você vivia muitas experiências também, mas é isso, me fez enxergar como era o mundo”.

Perante uma das indagações, que tratava do fazer de um torcedor organizado, aqui, referente aos seus comportamentos e sentimentos para com o time, o sujeito colocou: “(..) incentivar, apoiar/ onde ele quer que esteja, onde ele for jogar.” (..) já acorda pensando no jogo, já é provocando os amigos no WhatsApp, chamando os amigo (...). É possível verificar na narrativa o processo de internalização do discurso coletivo, o torcedor se coloca a torcer, ele se concentra em fazer o que está ao seu alcance para apoiar o time para o qual torce.

No livro Psicologia das massas e análise do eu, Freud constrói: “Se os indivíduos da massa estão ligados numa unidade, tem de haver algo que os une entre si, e este meio de ligação poderia ser justamente o que é característico da massa.” (FREUD, p. 13. 1920-1923). Sucintamente, é interessante salientar o uso do ‘ele’ ao invés do substantivo time, o sentido passa de algo pluralizado (como grupo de pessoas) para um singular, unificado, que retrata também um sentimento de união, amor e massificação. Corroborando, o participante n.1 completa: “Dentre os grandes, és o primeiro/ independente, é única”. Na sua explanação Reis atribui:

A identificação coletiva de um grupo de torcedores ou de um povo pelo futebol faz com que os atletas não compitam sozinhos e sim com uma nação de aficionados. [...] Alguns dos torcedores organizados dedicam a vida à sua torcida. Vivem pra ela e, por ela, chegam a perder qualquer outra referência [...] (REIS, p. 41. 2006)

           

Relativo à citação supracitada, um dos colaboradores da pesquisa argumenta que: “(...) só permanece quem coloca a torcida como prioridade (...)”. Consentindo, Freud escreve: “Numa massa todo sentimento, todo ato é contagioso, e isso a ponto de o indivíduo sacrificar facilmente o seu interesse pessoal ao interesse coletivo.” (FREUD, p. 15. 1920-1923).  Concordando, a isso pensando os objetivos, os métodos de companheirismo e ao mesmo apoio das torcidas adjunta a coletividade, perante a subordinação do eu.

É válido considerarmos que o processo de construção da identidade implica diretamente com a exclusão social, uma vez que, a marginalização1 das pessoas propicia a ociosidade negativa adjunta ao desemprego e o analfabetismo funcional. Reforçamos que se o cidadão não tem um projeto de vida para o futuro, conjuntamente não tem um espaço de relevância no meio social, acabando por direcionar toda sua insatisfação em práticas agressivas, possivelmente a “rebelião” pode se colocar como uma forma de falar e impor espaço.

Daí, a inatividade ou até mesmo a implacabilidade dessas políticas públicas, também a ausência de oportunidades dada a escassez de empregos resulta em pessoas ociosas, sem perspectiva de futuro e responsabilidades, frustradas.

Na temática motivos da violência, a partir dos depoimentos dos participantes emergiram as categorias: rivalidade entre as torcidas; desindividuação por estar em grupo; reflexo da sociedade; e prazer. 

A categoria rivalidade entre as torcidas evidencia os sentimentos de ódio ligados a atos violentos cuja explicação e racionalização tem base na lógica de que o meu time é “superior” ao do outro.

“eu tava voltando de São Paulo e Corinthians, já estava dentro do ônibus, aí o ônibus cheio de são paulino, e fomos cercados por, sei lá, uns duzentos corinthianos, pedrada, paulada, quebraram todos os vidros, e tava meio transito, ai o ônibus parou, os caras entraram na frente, ai eu não sei, foi alguma coisa, o ônibus conseguiu sair, mas foi uma porrada, quebraram todos os vidros, um monte de gente saiu sangrando [...]” (participante 1)

A isso, estabelecendo uma conexão com a fala do segundo entrevistado, cujas atividades na Torcida Organizada haviam cessado, responde: “(...) lá era clima de guerra mesmo, você não podia ficar muito exposto em qualquer lugar (...)”, quando questionado sobre a densidade dos atos que remetem uma violência que em dias de jogos, pelas torcidas. O entrevistado comenta: “Com o Fortaleza é ódio mesmo/coisa de você sentir ódio/como se fosse inimigo.” Assim, remetendo a declaração do participante de pesquisa que diante da interrogação sobre os motivos da presença da violência nas Torcidas Organizadas exclama: “dia de clássico, dia de guerra.”

É inteiramente perceptível a relação que o mesmo estabelece na fala que é expressa mais adiante: “(...) sempre é tenso, sempre tem confusão, quase sempre (...)”. Daí reiterando que o futebol teve seu nascimento sob circunstâncias agressivas, tendo em vista sua origem em um pós guerra, cuja ausência com respeito a uma regulamentação que fornecesse normas e limites vieram a surgir concomitantes aos anos e danos causados nos soldados que o praticavam. Reis coloca que:

"No futebol sempre esteve presente uma certa dose de violência, tanto no terreno de jogo como entre os torcedores. O futebol foi criado sob valores de masculinidade, valores exacerbados de virilidade, força e sobrepujança." (REIS, p. 15. 2006)

Reiterando, na categoria reflexo na sociedade, isso exprimindo a Torcida Organizada como parte do contexto social, foi-se evidenciado nos discursos que a torcida se coloca numa orientação ao mesmo que manipulação do meio, tanto pelas condições que tangem o ambiente ao qual essa pertence, quanto as percepções sociais. Numa das resposta à pergunta sobre as motivações da violência, no sentido do que estaria por detrás, o participante 1 discursa: “(...) vem de fora, num é falta de estudo, o cara que descontar naquele momento, e se ver com outros se sente mais seguro mais valente, entendeu, falta de estrutura mesmo. Lá ele meio que extravasa, mas acho que essas coisas vem de fora, entendeu, vem do sistema, que ele vai absorvendo, ai entra no estádio ta com mais dez amigos aí se acha o mais fortão, o mais valentão, aí quando ver o outro com outra camisa, acho que vai mais por essa linha.”

Pimenta salienta:

[...] a violência não está disjunta da realidade social, visto que é parte da dimensão, real, do cotidiano dos grandes centros urbanos brasileiros e, consecutivamente, dos grupos de jovens. Acredito que a mola propulsora dessas dimensões sociais, combinadas com uma infinidade de fatores históricos, econômicos e sócio-culturais, ganha efeito na produção do esvaziamento político do sujeito social. (PIMENTA, 2003, p. 47)

Nisso, num dos discursos o primeiro sujeito da entrevista condiz: “(...) a violência já tá aí no dia a dia, nas ruas, nas periferias, então eu acho que eles não saem muito, já convivem com isso.” Dessarte, é fato que o entorno social tem um papel de suma significância na construção do indivíduo, desde suas relações interpessoais. Nesse sentido às políticas econômicas e de assistência devem ser ofertadas a toda população, com intuito de contribuir para a formação de caráter, valores éticos, desenvolvimento de habilidades bem como o convívio com terceiros [...].

Como ratifica Pimenta (2003)

[...] a violência não está disjunta da realidade social, visto que é parte da dimensão, real, do cotidiano dos grandes centros urbanos brasileiros e, consecutivamente, dos grupos de jovens. Acredito que a mola propulsora dessas dimensões sociais, combinadas com uma infinidade de fatores históricos, econômicos e sócio-culturais, ganha efeito na produção do esvaziamento político do sujeito social. (PIMENTA, 2003, p. 47)

Combinando o escrito acima, aos valores de uma sociedade patriarcal, onde se mostrar forte, bruto e superior são vantagens altamente masculinizadas. O meio futebolístico hodiernamente apresenta heranças pejorativas, essas naturalizadas ao tempo e a cultura de forma errônea e em muitas das vezes ocultas. Ou seja, os comportamentos patriarcais uma vez conservados, de fato não como a priori, mas tão preocupantes como, potencializam, assim como reforçam tragédias que acontecem dentro e fora dos estádios brasileiros, que sob a nossa concepção devem ser desnaturalizadas. Chinaglia evidência:

"As causas da violência no esporte devem ser buscadas na sociedade. E aqui não há como escapar ou negar que a exclusão social é um fator preponderante dentre as múltiplas causas da violência. A pobreza, as péssimas condições de vida, o desemprego, a falta de escola, de moradia, de cultura, de lazer etc. (Chinaglia, 1996, p.45)"

Conversando com Reis (2006), "Essa situação estrutural brasileira contribui para uma sociedade de indivíduos frustrados, descontentes, desiludidos, que podem expressar esses sentimentos de maneira agressiva." (REIS; 2006, p. 17).

Tomando a categoria de desindividuação por estar em grupo, podemos notar uma recorrência quanto às colocações que remetiam um estabelecimento de um pertencimento ao grupo. Jesus (2013) coloca: “Desindividualizar-se é se tornar parte da massa, que sob a capa do anonimato torna sua responsabilidade individual difusa entre os demais membros da multidão.”

O sujeito (participante de pesquisa) exclama: “É muito mais decisões coletivas do que individuais. Mas pra todas as pessoas fazem, uma pessoa precisa fazer primeiro.” Destarte é percebível a denotação de um pensar além de um fazer grupal, em massa. Agregado ao que Reis coloca como identificação coletiva, o professor Carlos Alberto M. Pimenta reitera:

Entendo ser impossível falar de “torcedor” ou “Torcida organizada” sem passar por questões políticas e simbólicas-culturais ligadas ao processo de construção da identidade social do jovem brasileiro e, conseqüentemente, suas identificações e dimensões cotidianas, em que toma parte [...] (PIMENTA, p. 41, 2003)

Conversando com Freud (1920-1923) que coloca a identificação como a mais antiga forma de ligação afetiva, em que o Eu adota características do objeto, podem culminar em situações agressivas, expressões de raiva e ódio, principalmente ao se tratar a T. O como uma massa. O participante 2 expõe: “Algumas pessoas violentas, alguns... Eu não era acostumado assim de ver, por exemplo... Eu só vivia em casa, por exemplo, eu conheci a torcida, eu conheci um mundo onde existia briga, pessoas complicadas [...].” Mais a frente, ilustrando o sentimento de grupo, na congruência de uma manada, onde quando um ataca, todos atacam, ele coloca:

“[...] eu estava lá com minha escola, esse cara ele passou e de fato a gente já se conhecia, ele sabia que eu era da torcida, eu sabia que ele era da torcida, e como eu não tinha nenhuma confusão com ele, eu não me importei com ele, mas ele juntou uma quantidade assim, umas quinze pessoas assim [...]  (participante 2)

           

Síncrono a narrativa Reis estabelece:

A identificação coletiva de um grupo de torcedores ou de um povo pelo futebol faz com que os atletas não compitam sozinhos e sim com uma nação de aficionados. [...] Alguns dos torcedores organizados dedicam a vida à sua torcida. Vivem pra ela e, por ela, chegam a perder qualquer outra referência [...] (REIS, p. 41. 2006)

           

Daí, a atividade ou até mesmo a implacabilidade dessas simbologias culturais, como na fala: “(...) pra ele tirar a camisa ou ele vai ser espancado ao entrar no estádio.” Reverbera também uma questão simbólica ligada a agressão. É uma mescla de amor e ódio, os gritos, os uniformes, o hino, o brasão, as cores, a própria bandeira do time são simbolicamente mecanismos que unificam objetivos, vozes e provavelmente comportamentos dentro das torcidas organizadas. 

[...] símbolos das torcidas são suas bandeiras ou os bandeirões (que cobrem uma parte da arquibancada), geralmente com cores ou frases relacionadas à torcida; fogos de artifício nas cores do clube; hinos e gritos “de guerra” [...] além de representar a torcida, também demarcam quem está vinculado à instituição e quem não está. Em um momento de união privilegiada [...] (ALBURQUERQUE, p. 38. 2013)

Usando das palavras do pesquisador acima, reiteramos que o processo de construção da identidade, assim da personalidade, mexe não só com dimensão cotidiana, mas também com o que o sujeito faz dessa dimensão.

Atentando-se a categoria prazer, esse ligado a emoção adjunta ao movimento da torcida, tais como as vibrações remetentes a comemoração do pós-jogo e aos rituais anteriores ao “grande” evento, notamos uma dinâmica que parte de um entretenimento, mas que resulta em violências aplicadas em variadas instâncias, a potência que é usada para gritar o gol é a mesma que grita guerra. Nosso segundo entrevistado traz: “(...) ele briga por se sentir vivo/Quando a gente tá ali e a gente vai brigar, não é uma sensação ruim, é uma sensação boa. /adrenalina é o ponto máximo nesses encontros, de briga e violência.”

Assim corroborando, com outra fala de um dos colaboradores para o desenvolvimento da pesquisa, ele afirma: “(...) essa adrenalina pra coisas boas, elas (T. O’s) conseguem direcionar pra isso, pra briga, pra jogar pedra nos outros (...)”. (Participante 2) A respeito Alburquerque escreve:

[...] se tratando das torcidas organizadas ou mesmo das reuniões de pessoas (não necessariamente torcedoras do mesmo time) para assistir uma partida de futebol em casa, no bar ou no estádio, é importante destacar o consumo do futebol, como um produto da mídia. [...] o compartilhar coletivo do mesmo jogo estrutura um ambiente de sociabilidade cultural que envolve todo um conjunto de símbolos e rituais que fazem da partida um espetáculo. (ALBURQUERQUE, 2013, p. 30.)

O espetáculo que Alburquerque transcreve é convertido em comportamentos hostis pelos próprios integrantes. A compactuação de interesses comuns, bem como de objetivos do grupo intermedia seus comportamentos com respeito a dinâmica social da Torcida Organizada.

Respaldando as possíveis consequências dos comportamentos violentos, continuando a se estabelecer uma análise sobre o conteúdo, despontaram as seguintes categorias: Maior policiamento dentro das T. O. e Simbologia exacerbada

A categoria: Maior policiamento dentro das Torcidas Organizadas remete o progressivo acompanhamento policial quanto as demandas que envolvem o exercício de eventos de grande porte regionais e nacionais, que se coloca como uma tentativa governamental de assegurar a segurança dos envolvidos nas torcidas e jogos. Na conversação com o sujeito, ao qual tivemos o primeiro contato, a fala sobre a qual ele ilustra os episódios de jogos, donde há um deslocamento de uma localidade a outra, se exige um policiamento bem como uma previa comunicação burocrática a ser verificada por aqueles que se colocam como fiscais. Ele cita:

“(...) outra organização, muito mais tranquila, você vai escoltado, chega lá escoltado, mas é aquela coisa, a torcida organizada sempre foi discriminada, tem de tudo como em todo lugar, aí você chega nos lugares é polícia por todo lugar, é sempre mais ‘truculenta’.” [...] chega na divisa do estado já tem uma viatura. (participante 1)

Na sua dissertação, Alburquerque (2013) aponta que: “Dentro das torcidas organizadas existe uma estrutura administrativa hierarquizada: presidente, vice-presidente, tesoureiro e líderes ou coordenadores de sub-sedes [...]” (p. ?) Sobre isso, alicerçando que o torcedor, numa perspectiva e ordenação capitalista, é além de consumidor, produtor de conteúdo para o meio, problematizamos: - Como culpabilizar o ponto inicial de um processo que envolve lucro, assim como visibilidade, emprego e renda ao país?

Na Categoria simbologia exacerbada, percebeu-se uma organização nas falas dos sujeitos que cerca objetivos na Torcida Organizada não só concretos, mas também simbólicos. Notamos que as depreciações violentas representam também uma lógica que combina lucro, taças, títulos, posições de prestígios, em contraste com mortes, depredações, chutes, cortes e demais.

O integrante de uma T. O coloca:

“(...) tá com a camisa do adversário, na hora errada no lugar errado, sim, certeza, confusão, o nego ser tomado, tomar a camisa, que é meio que um troféu né?! Tomar a camisa do adversário, para qualquer torcida organizada, como se fosse um troféu, tomar a camisa do cara, aí queima, rasga. (Participante 1)

Em outro momento, completa: “Ele já chegou me batendo, ele não falou nada, nem discussão nem nada, já chegou esculachando.” (Participante 2). E continuando seu pensamento, ele lamenta ao mesmo que argumenta: “(...) muitas pessoas se afastam por causa disso (...)” (Participante 2). As significações junto das simbologias, alicerçando as falas dos entrevistados, tanto podem aproximar quanto afastar, tendo base os demasiados comportamentos de violência que se ligam a representatividade intensificada dos times de futebol.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atendendo aos objetivos e as metodologias descritas no decorrer deste artigo pode-se ver a relevância dos fatos e ideologias sugeridas na questão problema. Visando acompanhar com linhas objetivas para responder aos questionamentos e cumprir com o cronograma elaborado para fins satisfatórios e favoráveis a conclusão da pesquisa, que consequentemente foi atingido os critérios iniciais almejados pelos autores, assim declarando a autenticidade da investigação.

Desse modo, no andamento da pesquisa vale ressaltar vários pontos importantes encontrados, partindo da fala dos sujeitos entrevistados e da análise com base nos autores citados, é notório a existência e a comprovação dos fenômenos da violência entre as torcidas organizadas, tendo como ponto de partida a significância do time para o sujeito e as sensações e emoções que o estádio proporciona, na qual o desejo de defender e lutar por aquilo se torna presente, ocasionando em reações violentas de lutas pelo ‘poder’ numa  busca constante “por ser o melhor entre os outros”, num mesclar de sentimentos de superioridade que cabem também uma violência.  

Se torna conveniente ressaltar as implicações causadas pelas interações sociais, na qual é claro as internalizações individuais que o time pode causar no sujeito. As relações entre o grupo e as sensações de afeto proporcionadas pelos momentos de encontro, causando ponderação no desenvolvimento dos indivíduos no âmbito coletivo por conta da procura pelo mesmo objetivo, defender e amar o time.

Alicerçando que o torcedor, numa perspectiva e ordenação capitalista, é além de consumidor produtor de conteúdo para o meio. Sob uma organização que cerca objetivos não só concretos, mas também simbólicos, é plausível a identificação da relevância do futebol não só como entretenimento, mas como grande gerador de empregos e renda para o país, são empregadas pessoas nos mais diversos cargos, que vão desde os próprios atletas, a funcionários para diferentes setores. Implicando ainda, num aumento considerável no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. É válido atentar-se que a própria ida aos estádios por parte dos torcedores inicia esse processo.

            Os torcedores organizados contribuem com a receita das agremiações, que por sua vez geram lazer e lucro. Todavia, estes mesmos que colaboram com o entretenimento causam tumultos, dada ações agressivas, na tentativa de enaltecer e provar que a qualidade dos seus times se sobressai aos demais como já discutido, é claro que quando o sujeito, que já participou de um Torcida Organizada, declama, partindo de uma comparação de meios cuja contingências são altamente discrepantes, que as questões da violência adentradas nas T. Os possuem semelhanças e possíveis consequências ao meio social, ele diz: “A realidade daqui de juazeiro comparada com as pessoas da capital são muito violento, as torcidas organizadas na capital é muito violenta.”

Tal como reiteramos que falhas governamentais, assim como a situação caótica de um país, podem ter papel significativo nesse desprazer atrelado às torcidas, que posteriormente é convertido em um sentimento de hostilidade, esse descarregado nos mais diversos meios sociais, como por exemplo no esporte. Em concordância já que uma massa populacional tem a competição futebolística como fonte de entretenimento e desejo adjunto a um sentimento de pertencimento que gera prazer.

Por conseguinte, a reprodução, assim como o fato de continuar ou não a realizar determinados comportamentos, se solidifica nas consequências de fazer aquele ato. Questionamos: “Se um sujeito visualiza a impunidade quando há a execução de um tal ato que é reprovável socialmente, quais seriam os motivos que o fariam não o realizasse novamente?”  Nas torcidas organizadas (T.O's) há uma massa jovem e não jovem, que em muitos casos não tiveram um restrito acesso a políticas sociais, interditando uma direção e deposição de seu tempo ao desenvolvimento educativo e escolástico que colaboraria nas  habilidades que mais tarde poderiam facilitar o seu ingresso no mundo do trabalho.

 Dessarte temos como possibilidade que a insatisfação gerada, somada a isenção de castigo, tende a resultar na execução de práticas agressivas para com terceiros, sem ressentimento ou medo de ser detido e responder por seus atos infracionais. Isso atrelado ainda, a falta de efetivação, talvez até de uma credibilidade da parte do sistema judicial, que é apresentada cotidianamente pelos veículos informativos num reforçamento da sensação de "Terra sem Lei", e em decorrência, inúmeros casos de agressão que são naturalizados entre torcidas organizadas que possuem uma rivalidade extrema.

REFERÊNCIAS

Damatta, Roberto. et al. Universo do Futebol: Esporte e Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro. 1982.

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

REIS, Heloisa Helena Baldy. Futebol e Sociedade: As manifestações das Torcidas. Campinas. Universidade Estadual de Campinas, 1998.

PIMENTA, Carlos Alberto Máximo. Violência Entre Torcidas Organizadas de Futebol. São Paulo em perspectiva, 2000.

ALBUQUERQUE, Gabryella Regina Ferreira. De Todas as Cores ao Verde e Amarelo: Torcidas organizadas, comunicação organizacional e identidade cultural. Brasília. Universidade de Brasília, 2013.

Freud, Sigmund.  Psicologia das Massas e Análise do Eu. Ed. L & PM, Edição de bolso. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2013.

CHINAGLIA, Arlindo. A violência nos estádios de futebol: sua origem, prevenção e repressão. In: LERNER, Julio (editor). A violência no esporte. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado/ Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania, 1996.