Autor: Dr. Elionai Dias Soares

Professor de OMF / Anatomia Humana – Cesmac / AL

Licenciado em Educação Física – Claretiano / SP

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@prof.elionaisoares

 

Introdução

O conceito de Promoção da Saúde é entendido como “o processo de capacitação da pessoa ou comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo” (BRASIL, 2002, p. 19). Assim, as condições responsáveis por grande parte da morbimortalidade são determinadas por hábitos e estilos de vida. A modificação desses aspectos não é facilmente obtida, pois demanda mudança ou mesmo abolição de situações prazerosas, muitas vezes, já incorporadas ao cotidiano. Entretanto, a alteração de alguns desses hábitos pode gerar significativa modificação na qualidade e expectativa de vida. Para desenvolver a promoção da saúde, é necessário que o profissional utilize de um rol bastante amplo de estratégias integradoras e intersetoriais de mediações entre a pessoa e seu ambiente. Diante da importância do tema e com propósito de conhecer a relação que os educadores estabelecem entre saúde, promoção da saúde e Educação Física, foi realizada uma entrevista com um profissional da área, com posterior análise das respostas. Vale salientar que os dados verídicos de identificação foram omitidos, por não se constituir em escopo principal do trabalho. 

Perguntas e respostas da entrevista realizada:

Prezado professor, o senhor concorda em participar de uma rápida entrevista, a fim de conhecermos um pouco sobre o seu ponto de vista e opiniões referentes a promoção de saúde e melhoria da qualidade de vida da população?

Sim, é uma honra para mim poder contribuir com os seus estudos nesse tema tão importante para nós, que somos profissionais da saúde, mas que atuamos diretamente na formação escolar do aluno. É bem verdade que também é, de certa forma, polêmico, na medida em que analisamos as diversas concepções e direcionamentos. Mas vamos lá.

Há quanto tempo que o professor se formou?

Me formei em 1992. Naquela época, o curso Pleno considerava as duas formações juntas: Licenciatura e Bacharelado. Depois mais adiante, houve a separação.

O senhor pode nos falar rapidamente sobre a sua formação? Se estudou em faculdade particular ou pública? E há quanto tempo atua como professor na Educação Física escolar?

Tive a oportunidade de estudar em uma Universidade Pública. Foi muito difícil ingressar, pois eu estudei em um segundo grau precário. Da mesma forma foi com muita dificuldade que realizei o curso, pois eu tinha que me manter na cidade da universidade. Era um sonho que se concretizava a cada dia, apesar de todas as dificuldades. Hoje, com quase trinta anos de formado, relembro como se fosse ontem. Impressionante como passa rápido. Em 2004 realizei pós-graduação em Treinamento Desportivo; em 2008 em Gestão Esportiva e alguns outros. Hoje trabalho com Educação Física escolar em colégios público e privado.

Professor, sabemos que muitas doenças são causadas por hábitos e estilos de vida. Como o senhor avalia a relação que os educadores estabelecem entre saúde, promoção da saúde e Educação Física?

Bem, essa pergunta tem várias direções de respostas. No meu entender os profissionais e professores de Educação Física precisam fazer difundir os conhecimentos de saúde de forma interdisciplinar. Não adianta querer achar que apenas um fator é que vai determinar a doença do indivíduo, família ou comunidade. É muito mais do que isso. São fatores culturais, econômicos, sociais e até mesmo religiosos. Ao longo desse tempo, tenho visto vários profissionais cada um puxando “brasa pra sua sardinha”, tentando um esforço de provar que a sua especialidade é a mais importante, na prevenção ou cura daquela doença. Por exemplo, posso dizer que vemos isso acontecer de vez em quando com a Educação Física, Nutrição e Fisioterapia. Quantas e quantas vezes percebemos que trabalhar de forma isolada não é uma boa para o indivíduo. Do que adianta realizar, por exemplo, um programa perfeito de treinamento e condicionamento físico, para alguém que deseja sair do sedentarismo, se em conjunto não abordarmos sobre a importância do que se come! E se o indivíduo possui uma condição limitante estrutural, não adianta tentar resolver uma coisa e piorar outra, acreditando que conseguiremos um bom resultado, não é mesmo?

Para o senhor a consciência dessa consideração multidisciplinar está aumentando nos tempos atuais? Ou considera que na área de saúde ainda temos muito que avançar nessa direção?

Sim para as duas coisas. Acho sim que nos tempos atuais pensamos mais em interação interdisciplinar e multidisciplinar. Na época em que fazia faculdade, se falava pouco nisso. Era dada muita ênfase no aspecto profissional do acadêmico que se formava. Todo o esforço docente parecia ser em função de “produzir” um profissional que fosse capaz de trabalhar muito, e que fosse capaz de ganhar o máximo de dinheiro possível e proporcionalmente com o quanto ele aprendia ao ter acesso às informações acadêmicas. Claro que todos pensam e desejam o sucesso financeiro, mas hoje posso perceber que a principal função de uma faculdade, e de um educador, não é atender ao mercado de trabalho, mas formar pessoas melhores para a sociedade. Mas também preciso reconhecer que com o passar do tempo tem se falado um pouco mais sobre essa concepção “mais social”. Tenho visto muitas ações dos cursos superiores em direção aos projetos de extensão, com objetivo de inserir o acadêmico logo cedo no campo de ação, que é a sociedade. Isso é muito bom, no meu entender. Porém, por outro lado, preciso reconhecer que muita dessas ações são realizadas de forma “automatizada” por conta de uma “obrigação curricular” ou por causa do MEC que obriga e etc. Mas essa é uma outra questão, para uma outra hora, não sendo o foco da sua entrevista. Temos muito, muito, mas muito que avançar ainda.

Pelo que o senhor fala podemos considerar que essa visão extremamente “capitalista” da formação acadêmica pode atrapalhar o processo de promoção da saúde e qualidade de vida da população?

Sem dúvidas. Como comecei a conversa, esse assunto tem muitas nuances. E o campo político-econômico acaba sim tendo um peso significante sobre isso tudo. Podemos até dizer que existe um certo interesse na doença. Será que os nossos governantes querem mesmo um povo mais sadio? Será que uma nação saudável não atrapalharia os interesses sombrios de uma parte dos nossos governantes? Será que um povo com acesso à saúde, educação, emprego e moradia seria uma ameaça aos líderes que procuram atender com migalhas e esmolas a toda essa gente do nosso Brasil? Perceba que o papo sobre saúde extrapola em várias direções, e hoje posso reafirmar que tenho a impressão de que vivemos tempos melhores, apesar dos pesares.

Certo, professor. Afinal, se o senhor pudesse conceituar saúde, como faria?

Eu gosto do conceito da Organização Mundial da Saúde, que diz que é o completo bem- estar físico, mental e social.

Ausência de doença, professor?

Também. Mas não só. O conceito de saúde não deve se restringir em não ter doença. Vi ao longo desse tempo inúmeras pessoas, que clinicamente não tinham nada, nenhuma alteração em exames laboratoriais, mas que não eram saudáveis. E vice-versa, por mais incrível possa parecer. Por isso acredito que o indivíduo precisa ser entendido como um todo, muito além de suas partes. E aí que retorno no que começamos a falar, sobre a visão multidisciplinar. Se o ser humano é tão complexo e multifatorial, eu não tenho mais razões para me isolar e achar que tenho todas as verdades em minha formação ou profissão. Preciso sim, e a cada dia mais, me inteirar com os outros. E nessa direção, preciso estudar, saber o que não sabia, fazer o que não fazia, para conseguir ensinar melhor, o que não ensinava, sobre isso tudo que estamos falando. No fim, a instrução e o conhecimento é que vai ser de fundamental importância. A ignorância é uma... [pausa e risos] coisa muito ruim!

Como professor, o senhor poderia nos relatar uma atividade desenvolvida na sua escola sobre promoção à saúde e que viesse alterar hábitos ruins em busca de melhor qualidade e expectativa de vida?

Sim, participo e participei de várias ações em projetos nessa direção. Posso relatar uma ação importante, no ensino médio, em formato de “Feira de Ciências” onde tivemos um trabalho multidisciplinar. Trabalhamos com o tema “Você conhece a sua coluna vertebral?” Em torno desse tema central, dividimos em 4 grupos, com participação de vários professores e alunos. O objetivo dessa ação se dava em duas direções. Primeiro para promover saúde, na medida em que esclareceríamos à comunidade participante sobre esse assunto; e a segunda para o desenvolvimento do alunado, trabalhando suas competências e habilidades. Na primeira direção, tivemos a oportunidade de subdividir em tópicos, como a visão da coluna vertebral nos aspectos esqueléticos, articulares e musculares. Quero também destacar que um grupo interagiu com foco em “Libras”. Um fato interessante é que esse grupo foi todo vestido de preto, com luvas brancas, e abordou a importância da inclusão social dos surdos. Além disso, esse grupo de Libras ficou com a responsabilidade de traduzir, na medida do possível, o que se explicava em cada estação. Não tivemos participação de surdos nessa ação, mas cada aluno estava orientado a proceder como se tivesse. Esse evento foi aberto à comunidade, e se deu em um sábado pela manhã.

Algum outro, professor?

Sim, existem vários. Um outro projeto muito bacana, há pouco tempo realizado, foi parecido com esse, e trabalhamos com o tema “Como anda a sua postura?”. Os adolescentes deram foco em várias situações corriqueiras do dia a dia, onde a postura corporal era prejudicada, por conta das práticas corriqueiras. Exemplos como agachar da forma errada para pegar pesos, carregar mochilas pesadas, dentre outros, foram explicadas e demonstradas pelos alunos participantes do projeto. Maneiras de realizar da forma correta, como prevenção, foram abordadas. A intenção é sempre fazer uma ligação entre o que se aprende, sob o aspecto escolar-científico, e o dia a dia da pessoa inserida na sociedade. Chamamos isso de contextualização. No meu entender, que na verdade é o entendimento de muitos estudiosos, tanto da Educação Física quanto pedagogia, é que o assunto só tem relevância quando contextualizado, isto é, exposto à população para a resolução de problemas. Por causa disso que chamamos tanto a atenção para o que parece estar na “moda”, nos corredores escolares, como metodologias ativas, salas invertidas, PBL, TBL, projetos de extensão, habilidades, competências, convivência e por aí vai.

Pra finalizar, o professor gostaria de deixar alguma mensagem final sobre esse tema promoção da saúde, mudança dos estilos de vida e Educação Física?

Eu gostaria de voltar lá no início da nossa conversa, onde falei sobre a multidisciplinaridade das ações que envolvem a promoção de saúde. Seja na Educação Física, ou em qualquer outra área, só conseguiremos explicar melhor e informar melhor se estivermos interagidos. Não dá mais para pensar de forma fragmentada ou isolada. Essa busca de entender o ser humano como um todo é de fundamental importância para que possamos fazer alguma coisa. Volto a dizer que considero os tempos atuais melhores, nesse sentido, quando olhamos para o passado. Mas ainda temos muito que avançar, pois as dificuldades, ou melhor, os desafios, são muitos.

Muito obrigado, professor, pelo seu tempo e pelas respostas.

Eu que agradeço por essa oportunidade. 

Considerações sobre a entrevista

A entrevista se deu com um professor bem experiente, com quase 30 anos de formado. Porém, ficou evidente que estamos diante de ideias atualizadas, o que demonstra estudo preocupado com as questões do dia a dia. Chamou a atenção a preocupação com o aspecto multidisciplinar, compartilhando com outras áreas afins o papel de promover saúde da Educação Física. Segundo o professor entrevistado, para que ocorra mudança em estilo de vida é necessário que haja informação. E essas informações se darão de maneira mais eficiente quando experienciadas em forma de contextualização de problemas. Vale a pena salientar que o professor vai bem além da preocupação curricular da Educação Física e extrapola para necessidades sociais, sob ponto vista pedagógico, ao considerar, diversas vezes, a necessidade de integrar as disciplinas em um objetivo comum, que chamou de problematização.

Saliento também que foi interessante quando o entrevistado fez uma breve comparação dos tempos atuais com o passado, ao salientar que nos dias atuais há maior atenção em promover a saúde em contexto integrado – multidisciplinar do que no passado. Segundo o professor, atualmente há essa clara direção, muito embora boa parte das vezes seja mais uma exigência a ser cumprida (gestores) do que verdadeira conscientização profissional / social.

Por fim, a pesquisa pôde contribuir com o meu processo de formação acadêmica, ao ter a oportunidade de constatar a coerência entre o que foi estudado no texto base indicado na disciplina com o que foi presenciado nessa entrevista aqui transcrita. 

Referência

GUIMARÃES, C.C.P.A; NEIRA, M.G; VELARDI, M. Reflexões sobre Saúde e Educação Física Escolar: a visão dos professores. Revista Hipótese, Itapetininga, v. 1, n. 4, p. 113-138, 2015.