Dor e Prazer – a dicotomia sadomasoquista

Sabe-se que as Parafilias são fantasias ou comportamentos habituais, excessivos e sexualmente excitantes que envolvem ato sexual ou movimentos eróticos tidos como anormais, bizarros ou doentios, em que incluem-se por exemplo, pedofilia, exibicionismo, voyeurismo, frotteurismo, masoquismo, sadismo sexuais, o fetichismo, zoofilia, necrofilia, a coprofilia, e urofilia. Aqui, abordaremos duas parafilias que encontram-se no limiar do prazer e da dor: Masoquismo e Sadismo.

Popularmente, o masoquismo designa uma conduta de obtenção do prazer sexual, por meio da submissão de experenciar dor e humilhação. Estes indivíduos, fazem com que outras pessoas (ou em alguns casos ele próprio) provoquem sua dor, que pode ser sofrida fisicamente por chicotadas, mordidas, unhadas, beliscões, ou pode ser verbalmente, submetendo-se a palavras humilhantes ou críticas depreciativas. Existem pessoas que só conseguem chegar ao orgasmo obedecendo este ritual e elas precisam encontrar alguém que esteja disposto a compactuar com tal rito, para encenar um papel complementar ao do masoquista, que é a atuação do sádico, aquele cuja obtenção de prazer se dá mediante a dominação e poderio para produzir sofrimento e agonia ao outro.

Numa conversa mais animada com colegas, amigos e familiares muitas pessoas ficam desinibidas para relatar sobre suas aventuras sexuais, e mesmo não sendo necessariamente para elas, o único mecanismo para se obter prazer, muitos casais revelam que pelo menos uma vez, já usaram um nível moderado de sadismo/masoquismo em suas práticas sexuais. O que comunga com as teorias de Freud ao propor que impulsos de natureza sádica e masoquista, ou seja, impulso de dominação e subserviência, são encarados como genuíno, primitivo e intrínseco ao instinto sexual, portanto, faz parte da essência humana, não sendo apenas de exclusividade volitiva dos sádicos e masoquistas.

Então, onde estão nossas volições sadomasoquistas?

A passagem pelas fases psicossexuais, principalmente, a oral, anal e fálica quando suficientemente elaboradas, segundo os postulados freudianos, é um dos caminhos para que o sujeito possa ter uma sexualidade saudável. Aliado a isso, ensinamentos, desde a infância, baseado na autoestima, nas relações inter e intrapessoais empáticas e salutares, contribuirão para um desenvolvimento psicossexual sadio, por toda a vida do indivíduo. Todavia, quando estas fases não são superadas favoravelmente, somando-se a uma infância permeada por situações supostamente degradantes, tendo o domínio e a submissão como respostas para suas frustrações, dores, fantasias e alegrias, ou ainda, tento o individuo sendo submetido a uma educação extremamente coercitiva, pode levá-lo a reprimir seus verdadeiros anseios e, inconscientemente, potencializem-se para os desejos sexuais, exercendo o sadismo, o masoquismo ou o sadomasoquismo para a obtenção de prazer.

No sadismo, o indivíduo sente-se fracassado, frustrado e rejeitado, e procura, exercendo um comportamento agressivo e destrutivo, “conquistar” sentimentos compensatórios de poder, de dominação e “glória”, ao tempo em que se vinga do mundo e de todos que o humilhou e o desonrou. Enquanto no masoquismo, há uma hipérbole fantasiosa de dor para obtenção do prazer, o individuo quer se ver aprisionado e afogado no gozo. Uma encenação em que os insultos e as dores são mecanismos preliminares, instrumentos de excitação, através de práticas proibidas ou anômalas, são o pagamento por um sentimento de culpa que o indivíduo carrega. Desta forma, pode-se compreender o sadomasoquismo como uma forma de perversão (conduta que na sexualidade não está relacionado à reprodução, nem meramente ao padrão normativo pênis-vagina), o que deveria ser dor se reverte em prazer. O sádico sente prazer na ideia de domínio sobre o outro e o masoquista se atrai pela ideia de ser dominado.

Afinal, somos sádicos ou masoquistas?

Segundo Muribeca (2009), somos originalmente perversos e o complexo de édipo “é que vai em sua função de normatização, de introdução da norma, da lei, fazer recalcar ou não as pulsões sexuais, tornando o indivíduo neurótico, ou não, dependendo da eficácia da incidência da norma imposta pela triangulação edípica”.  Entende-se que sadismo e masoquismo têm origem na intervenção do sentimento de culpa que relaciona-se à ação do recalque. Os fatores que influenciam o desenvolvimento do complexo de édipo como o amor do filho pela mãe, ou da filha pelo pai, os processos de castração, a masturbação primitiva, dentre outros, predispõem mecanismos que podem tornar o indivíduo sádico, masoquista ou ainda sadomasoquista.

Freud, em os “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, pontuou que é natural ao sujeito ter tendências tanto sádicas como masoquistas, embora em intensidades diferentes, como já mencionamos, outrora. Para o pai da psicanálise, primeiro sobressai a ocorrência do sadismo, e o masoquismo seria uma transformação deste sadismo originário que se canaliza para o próprio sujeito. Mas é na obra, “Além do Princípio do Prazer” que ele explica o mecanismo de transformação do sadismo em masoquismo, introduzindo a bipolarização entre a pulsão de vida e a pulsão de morte: ele define a predisposição à restauração de uma condição originária como uma caraterística universal das pulsões, um duelo existente que ora domina, ora é dominado. E assim, ele corrige sua própria teoria e advoga que o masoquismo também pode ser primário e transformar-se em sadismo. Assim, essencialmente, o que deve ser observado é que a troca do objeto não altera a sua essência, neste caso, o masoquismo seria um sadismo direcionado contra o próprio eu. Dor e prazer estariam intimamente conectadas, provocando no indivíduo as mais variadas sensações para sublimar, limitar, satisfazer ou simplesmente condicionar a sexualidade humana.

Referências Bibliográficas

FREUD, S. (1905) Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, vol. VII. ESB. Rio de Janeiro: Imago, 1974.

FREUD, S. (1920 b) Além do princípio do prazer. ESB. vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1974.

MURIBECA, Mercês. As diferenças que nos constituem e as perversões que nos diferenciam. Estud. psicanal.  n.32 Belo Horizonte nov. 2009. Acesso em 8.6.2021