RESUMO

 

A pandemia de Covid-19, com seu elevado número de mortes, trouxe consigo uma nova realidade na vivência do luto, trazendo particularidades para esse processo. A vivência do luto em decorrência da pandemia de Covid-19, a multiplicidade de mortos, o isolamento e a mudança na forma de se fazer (ou não fazer) os rituais de despedida dos seus entes queridos pode agravar o processo de luto transformando-o em um luto complicado? Diante do isolamento imposto como forma de tentar conter o avanço da Covid-19, nos deparamos com mudanças significativas na forma de nos despedirmos dos nossos entes queridos, prestarmos nossas últimas homenagens e de receber apoio nessa hora tão difícil onde tudo que entendemos como normal se desfaz e precisamos buscar uma nova maneira de viver em um mundo sem a pessoa que tanto amamos. Diante de tantas mudanças e incertezas surge a possibilidade de vivermos um luto não saudável dito como complicado. Esse projeto teve como objetivo realizar uma revisão bibliográfica com o intuito de identificar aspectos específicos do luto vivido em decorrência da Covid-19, assim como suas complicações, compreender a importância dos rituais de despedida frente a elaboração de um luto saudável e analisar as possíveis estratégias de enfrentamento ao luto complicado e ao sofrimento daqueles que vivem o processo de luto em meio a pandemia. O foco deste projeto foi buscar entender se toda essa mudança na vivência do luto, junto a suas complicações podem agravar o processo de luto transformando-o em luto complicado e de difícil elaboração.

 

Palavras-chaves: Luto; Enfrentamento; Rituais de despedida.

 

ABSTRACT

 

The Covid-19 pandemic, with its high number of deaths, brought with it a new reality in the experience of mourning, bringing particularities to this process. The experience of mourning as a result of the Covid-19 pandemic, the multiplicity of the dead, isolation and the change in the way of doing (or not doing) the farewell rituals of their loved ones can aggravate the mourning process, transforming it in complicated grief? Faced with the isolation imposed as a way of trying to contain the advance of Covid-19, we faced significant changes in the way we say goodbye to our loved ones, pay our last respects and receive support in this very difficult time where everything we understand as normal is undoes and we need to look for a new way of living in a world without the person we love so much. Faced with so many changes and uncertainties, the possibility arises of living an unhealthy grief said to be complicated. This project aimed to carry out a literature review in order to identify specific aspects of grief experienced as a result of Covid-19, as well as its complications, understand the importance of farewell rituals in the preparation of healthy grief and analyze possible strategies of coping with complicated grief and the suffering of those who experience the grieving process in the midst of the pandemic. The focus of this project was to try to understand if all this change in the experience of mourning, together with its complications, can aggravate the mourning process, transforming it into complicated and difficult to elaborate mourning.

 

Keywords: Grief; Confrontation; Farewell rituals.

 

1. INTRODUÇÃO

 

A vivência do luto em decorrência da pandemia de Covid-19, a multiplicidade de mortos, o isolamento e a mudança na forma de se fazer (ou não fazer) os rituais de despedida dos seus entes queridos pode agravar o processo de luto transformando-o em um luto complicado? Segundo Souza & Souza (2019), uma das dificuldades de não viver este luto é não poder participar de rituais que costumam ser comuns quando se perde uma pessoa querida, não tendo uma despedida digna ou esperada.

Durante a pandemia, vivenciamos um isolamento imposto como forma de conter o avanço da Covid-19, modificando assim muitas coisas do nosso cotidiano, até mesmo a forma de nos despedirmos de nossos entes queridos, de prestarmos as últimas homenagens e de receber apoio nessa hora tão difícil. Assim, diante de tantas mudanças e incertezas, surge a possibilidade de vivermos um luto não saudável, dito como complicado. Segundo Crepaldi et al (2020), a morte repentina, inesperada, precoce, e muitas vezes sem a possibilidade de estar ao lado da pessoa doente, faz com que os rituais de despedidas não possam ser vividos em sua totalidade. Tudo isso é considerado um agravante do processo de um luto dito saudável, havendo uma grande possibilidade de vivência do luto complicado e/ou prolongado.

Esses novos rituais podem gerar transtornos psicológicos significativos nos indivíduos que vivenciam essa perda. Portanto, este projeto de pesquisa visa investigar e discutir publicações acerca do luto em meio a pandemia da Covid-19, além de suas particularidades e estratégias de enfrentamento. Para atingir o objetivo geral proposto anteriormente, faz-se necessário estruturar os objetivos específicos, quais sejam:

  • Identificar os aspectos específicos do luto vivido em decorrência da Covid-19, assim como suas complicações;

  • Compreender a importância dos rituais de despedida frente a elaboração de um luto saudável;

  • Analisar as possíveis estratégias de enfrentamento de um luto complicado e ao sofrimento daqueles que vivem o processo de luto em meio a pandemia.

Assim, esta pesquisa busca compreender os aspectos específicos do luto em meio a pandemia, as mudanças na forma de se despedir e prestar as últimas homenagens ao ente querido e identificar as possíveis complicações na vivência do luto. Espera-se que ela contribua de alguma forma para os profissionais da linha de frente, trazendo novas possibilidades de tornar esse momento de dor um pouco mais ameno, evitando assim um possível aumento do sofrimento psicológico e em consequência o adoecimento da população pós pandemia.

Esta pesquisa também busca contribuir com os profissionais da saúde mental, em especial os psicólogos que se tornam ainda mais importantes nesse momento de dor e sofrimento. Ainda leva a possibilidade de trazer informações a todas as pessoas que buscam conhecer um pouco mais a respeito das possibilidades de ajuda àqueles que sofrem a dor do luto. Que ela possa contribuir para a melhoria da rede de apoio ao luto vivido em meio a pandemia, ampliando a compreensão e os modos de acolhimento das milhares de pessoas enlutadas.

 

 

2. REFERENCIAL TEÓRICO

 

2.1 Aspectos do luto vivido em decorrência da Covid-19

 

A doença causada pelo novo coronavírus tem sido considerada uma grave crise sob o ponto de vista epidemiológico e, também, psicológico (CREPALDI et al., 2020).

O primeiro caso da doença causada pelo novo coronavírus, foi reportado pela primeira vez na China, em dezembro de 2019. A Organização Mundial da Saúde declarou em março de 2020 que o coronavírus tinha se tornado uma situação de emergência pública e como tal foi considerada uma pandemia (WHO, 2020). De lá para cá milhões de pessoas perderam suas vidas em decorrência dessa doença. Até o dia 16 de maio de 2021 a OMS registrou 3.364.178 mortes notificadas no mundo, dessas, 432.628 mortes, foram notificadas, no Brasil (WHO, 2021).

O luto é um processo natural de resposta a um rompimento de vínculo, ou seja, quando perdemos alguém ou algo significativo na nossa vida. O luto é uma experiência individual, dependente também do contexto sociocultural, espiritual, bem como as circunstâncias em que a morte ocorre. A vivência do luto no contexto pandemia, com a morte repentina, inesperada e precoce é considerada como uma complicadora para a elaboração de um luto saudável, podendo gerar transtornos psicológicos importantes nos indivíduos que vivenciam a perda neste perfil. Desta forma o processo de elaboração do luto sofre desdobramentos únicos que potencializam o risco de agravamento psíquicos individuais bem como coletivos (FIOCRUZ, 2020).

A catástrofe é algo que impõe marcas a todas as pessoas que vivenciam determinada experiência, ela tende a achatar e a estreitar o que imaginávamos ser a individualidade e a descontinuidade entre os sujeitos. O modo de viver é abalado e transformado, trazendo uma nova realidade na qual temos dificuldades para nos reconhecer, o que antes era bem definido perde sua nitidez. As catástrofes favorecem experiências coletivas de dor e sofrimento. Fragilidade repentina, perplexidade diante da imprevisibilidade, sensação de risco de perder a vida, surpresa pela repentina transformação do mundo, desamparo, medo, desgoverno, desinformação são algumas das falas que temos escutado diariamente no contexto da pandemia (ROMÃO-DIAS E VERZTMAN, 2020).

A culpa e a desconfiança de ter contaminado o doente que veio a falecer pode aumentar de forma desproporcional o sofrimento da pessoa enlutada. Além dessa realidade outra ainda mais dolorida se faz presente em meio a pandemia, as múltiplas perdas, onde mais de um familiar vem a óbito em um curto espaço de tempo e até mesmo a possibilidade de ter outros familiares internados com a doença o que vem a aumentar de forma considerável o medo de outra perda. Essas complicações fazem com que a elaboração do luto se torne difícil e a pessoa enlutada venha a viver um luto complicado (OLIVEIRA, 2020).

 

2.2 A importância dos rituais de despedida frente ao luto

 

Os rituais fúnebres ajudam a compreender as implicações das manifestações humanas diante da morte para a vida dos indivíduos e da sociedade, como forma de elaborar perdas por morte. Essa compreensão contribui para a fundamentação das práticas de suporte ao enlutado, sendo essas uma forma de prevenir complicações e possível vivência de um luto complicado. Cuidados com os mortos, funeral, homenagens aos mortos, despedidas, são demarcadores de um estado de enlutamento, com a função simbólica de reconhecimento da importância da perda daquele ente que foi perdido, esses acontecimentos se dão de acordo com as crenças de cada cultura, contribuindo para o processo do luto necessário diante de perdas significativas. É um rito de passagem para uma nova realidade, uma tentativa de encontrar um lugar em nossas vidas para algo que ainda se encontra além de qualquer explicação. Esses rituais são de extrema importância para a elaboração do luto (SOUZA & SOUZA, 2019).

Durante a pandemia, devido ao isolamento, a presença junto ao paciente infectado não é permitida, os ritos de despedidas, tão importantes para a elaboração do luto, não podem mais serem realizados da forma convencional, esses impedimentos aumentam as possibilidades para o desenvolvimento de um luto complicado, que é quando o processo de luto se dá de forma mais intensa e duradoura, por não ter conseguido processar a situação nem mesmo se despedir de forma que lhe permita um senso de realidade e concretude. As autoridades sanitárias no âmbito da atenção à saúde e da vigilância sanitária orientam a forma que deve ocorrer os funerais e o manejo dos corpos. Os velórios devem ocorrer com um número reduzido de pessoas, o sepultamento se dá em caixão lacrado, não são permitidos procedimentos de tanatopraxia (limpeza, tratamento e arrumação do corpo) e duração de no máximo 1 hora para o velório e despedidas (FIOCRUZ, 2020).

Na realidade, o falecimento gera uma série de comportamentos que devem ser executados e que, de certa forma, alongam o convívio do morto com a comunidade e criam tempo para a elaboração da perda, por isso os rituais são tão importantes para que seja assimilado o momento da passagem imposto pela morte. Em nossa cultura, os rituais fúnebres estão centrados na presença e no simbolismo invocados pelo corpo, que pode ser tocado, lavado, vestido e contemplado uma última vez. Essas ações trazem concretude à morte e nos confirma que enterramos a pessoa certa (DANTAS et al., 2020).

E toda essa realidade necessária para a elaboração de um luto saudável não está podendo ser feito em meio a pandemia, fazendo com que as famílias realizem rituais incompletos, trazendo um sofrimento ainda maior e possibilidades reais de não elaboração saudável do luto. Dúvidas que ficam em relação a pessoa que foi enterrada (fantasias de que a pessoa foi trocada), culpa por não ter dado um funeral digno para a pessoa, impossibilidades de receber o apoio social, falta de despedidas, todas essas questões podem vir a aumentar a dor e o sofrimento daqueles que vivenciam essa perda. As cerimonias não realizadas são experimentadas por muitos como mais uma perda e mais uma ambiguidade que demandará resolução (DANTAS et al., 2020).

 

2.3 Estratégias de enfrentamento ao luto 

 

Frente ao luto coletivo surge a necessidade de espaços para o acolhimento das pessoas enlutadas, através da escuta empática, do dialogo e da partilha de vivência, das dores e inquietações, nos quais todas as dores sejam acolhidas sem nenhum tipo de julgamento, onde todas as manifestações de sofrimento possam ser acolhidas e validadas, criação de grupos de apoio e acolhimento aos enlutados que possibilite a eles a expressão de suas dores, como forma de ajudar a elaborar esse luto que já se inicia de forma complicada (MERHY e RENTE, 2020).

 As estratégias de enfrentamento ao luto como apoio social é tido como um dos fatores mais importantes no enfrentamento após a morte de uma pessoa da família, pois é por meio desse apoio que a pessoa consegue exteriorizar os sentimentos que traz dentro de si, como: angústia, mágoa, culpa, raiva, tristeza e dessa forma encontrar apoio e até mesmo ser encaminhado para atendimento profissional caso seja necessário. As intervenções podem ser feitas através de terapia individual, familiar ou em grupo, atendimento médico e uso de medicamentos caso se faça necessário (SUNDE E SUNDE, 2020).

A criação de grupo de apoio tem se mostrado uma eficiente estratégia junto ao enfrentamento do luto, pois possibilita falar livremente da sua história repetidas vezes, ouvir outras histórias que muitas vezes podem ser parecidas trazendo conforto ao enlutado por se ver reconhecido em sua dor, além de poder através da sua história ajudar outras pessoas, toda essa experiência ajuda a promover a resiliência (SUNDE E SUNDE, 2020).

Caso o luto se desenrole de forma complicada e prolongada, trazendo sofrimento intenso para a pessoa, impossibilitando-a de se manter em uma vida funcional, acompanhado de pensamentos perturbadores, comportamentos disfuncionais, dificuldade em regular as emoções e colocando sua vida em risco se faz necessário procurar ajuda especializada de saúde mental (SUNDE E SUNDE, 2020).

De acordo com Cremasco (2020):

“O trabalho psíquico que deve ser realizado diante de uma perda significativa é lento e doloroso e é único para cada pessoa de acordo com sua história de vida e seus recursos anteriores para lidar com perdas. Cada um, portanto, irá construir os caminhos para lidar com esta perda, na sua realidade psíquica e na sua realidade fatual. Aprendemos com pessoas enlutadas que devemos respeitar seus processos e necessidades durante este período, nada é certo ou errado em termos absolutos, cada um irá lidar a seu modo, de acordo com seus recursos e buscar na realidade meios que possam lhe auxiliar a lidar com esse sofrimento. Se fazer isso ou aquilo está funcionando para a pessoa continuar seguindo, cuidando-se, ajudando-se a manter um projeto de vida, isso é o que importa, por mais bizarro que possa nos parecer seus hábitos com relação a manter ou lidar com a memória do morto.” (CREMASCO, 2020, p.13).

 

Caso não seja possível a presença física, propor estratégias remotas de despedidas; criação de memorial em casa; cartas de condolências; preparar equipes hospitalares para o contato com os familiares seguindo orientações claras de atenção e cuidado na comunicação dos óbitos; celeridade nos processos burocráticos ligados ao sepultamento a fim de evitar mais sofrimentos aos familiares da vítima; desenvolvimento de rituais fúnebres alternativos; orientações aos trabalhadores envolvidos no gerenciamento de cadáveres para que tratem a pessoa falecida com dignidade durante todo o processo; fortalecimento das redes religiosas e/ou espirituais dos enlutados; atenção da rede socioafetiva às pessoas em processo de luto; respeito ao processo individual de cada pessoa, pois cada um tem sua maneira única de viver sua dor, não exite forma melhor ou pior, existe a forma com que cada um consegue lidar com suas perdas. Essa são algumas estratégias de enfrentamento ao luto sugeridas pela Fiocruz (2020).

 

3. METODOLOGIA

 

Em relação ao tipo de metodologia utilizada para o presente estudo considerou-se a utilização do método bibliográfico, com o objetivo de descrever a vivência do luto, a dor e o sofrimento dos parentes enlutados de vítimas da COVID-19. Sendo a pesquisa bibliográfica desenvolvida a partir de material elaborado, constituído principalmente por artigos científicos (GIL, 1996).

Para a composição da amostra foram pesquisados artigos com base nas seguintes palavras-chaves: Luto; Enfrentamento; Rituais de despedida. No total foram encontrados 36 artigos, dos quais depois de uma leitura breve dos títulos e resumos foram excluídos 16 artigos que não se enquadravam no objeto da pesquisa, restaram 20 artigos que foram lidos na íntegra.

A seleção dos artigos considerou os seguintes pontos como critério de inclusão: artigos disponíveis para download, arquivos escritos em português, artigos relacionados às palavras-chaves.

Os dados coletados para o projeto de pesquisa foram feitos nos meses de abri e maio de 2021, utilizando os portais eletrônicos, Scientific Electronic Library Online – SciELO, Periódico Eletrônico de Psicologia – PePSIC, Google Acadêmico, repositório de Universidades que se destacam no assunto e também em sites do Governo.

Foram selecionados 9 artigos que foram lidos na íntegra, com análise profunda do conteúdo, organizado por temáticas de acordo com os objetivos específicos dessa pesquisa.

 

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES 

 

A Organização Mundial da Saúde divulga diariamente dados a respeito da Covid-19. Entre esses dados, estão os números de casos confirmados da doença e o número de óbitos, refletindo a situação mundial e local. No dia 1º de julho de 2021, foram divulgados 181.830.736 de casos confirmados de Covid-19 no mundo, incluindo 3.945.832 mortes, e 515,985 delas foram confirmadas no Brasil. São dados alarmantes e é a respeito desse elevado número de mortes que os autores pesquisados discorrem em seus artigos.

Crepaldi et al. (2020), Oliviera (2020) e a Fiocruz (2020), concordam entre si que estamos vivendo uma crise sob o ponto de vista epidemiológico e também psicológico sem precedentes na história recente do mundo e em particular em nosso país. A pandemia da Covid-19 está associada a perdas em massa, tanto de vidas humanas como de rotinas e conexões sociais que acontecem de forma repentina e precoce. Eles concordam que tanto a pandemia como as medidas para tentar conter seu avanço podem impactar a saúde mental da população a curto, médio e longo prazo.

Os principais aspectos do luto vivido em decorrência da Covid-19 segundo os autores Crepaldi et al. (2020), Romão-Dias e Verztman (2020) e Oliveira (2020) começam na internação dos pacientes com Covid-19, que é quando se inicia as medidas de distanciamento social com o intuito de conter a proliferação do vírus, os infectados são afastados de suas famílias impedindo que no caso de morte iminente possam se despedir. Na sequência, vem a dificuldade com os cuidados com o corpo e com os rituais fúnebres, que acabam sendo feitos de forma incompleta. Junto a isso, os autores trazem a possibilidade de mais de uma pessoa da mesma família estar contaminada com o vírus e a possibilidade de múltiplas mortes em um mesmo núcleo familiar. A culpa, tanto pela possibilidade de ter sido o transmissor da doença como pelo fato de não ter prestado as últimas homenagens de forma devida complicam a elaboração desse luto.

De forma semelhante, os autores Crepaldi et al. (2020), Romão-Dias e Verztman (2020), Oliveira (2020) e a Fiocruz (2020), trazem outra complexidade vivida em meio a pandemia da Covid-19, que é o luto antecipatório e os lutos sequenciais, que podem impactar o processo de luto de diferentes formas. Os lutos sequenciais acontecem quando mais de um membro da mesma família vem a óbito, trazendo desafios adicionais à experiência do luto. Já o luto antecipatório acontece na iminência da morte da pessoa, com o agravante de que diante o isolamento e as medidas de segurança, os familiares são impedidos de estarem juntos e até mesmo ficam sem notícias concretas a respeito da evolução da doença, diante disso começam a viver a iminência da morte.

Romão-Dias e Verztman (2020) complementam e trazem o conceito de catástrofe como um acontecimento que atinge toda uma comunidade, que pode deixar marcas profundas em todos aqueles que vivenciam, seja de forma direta ou indireta. Ainda em seu conceito, afirma que a pandemia da Covid-19 pode ser considerada um momento de catástrofe que afeta todo o mundo, com potencial traumático onde ninguém sairá igual.

Em relação a importância dos rituais fúnebres, Souza & Souza (2019), pontua que a morte de entes queridos, assim como mudanças ocorridas ao longo da vida, precisam ser pontuadas de forma que esses acontecimentos recebam a consideração necessária para que se possa elaborar essa perda. Esses rituais, têm como função ajudar de forma preventiva, possíveis complicações que esse luto venha a desencadear, ressaltando o luto complicado e de difícil elaboração. Essas mudanças precisam ser marcadas por rituais que ajudam a elaborar melhor essas perdas, como no cuidado e arrumação do corpo, seguido do funeral, das homenagens aos mortos e a despedida.

Esses demarcadores do estado de enlutamento tem a função simbólica de reconhecimento da importância e da perda, sendo possível que a pessoa expresse todo seu pesar e sofrimento pela vida perdida, e assim receber um suporte e apoio dos amigos e da sociedade. Souza & Souza (2019), ainda nos lembra que a falta desses rituais podem impedir a elaboração do luto, trazendo sofrimento psíquico para aquele que fica, além de lhe impingir culpa por não ter prestado as homenagens de forma adequada ao ente que partiu.

A Fiocruz (2020), destaca algumas medidas de segurança para conter o avanço da doença, com destaque ao isolamento social e as orientações das autoridades sanitárias em relação ao modo em que os cuidados com os corpos e os funerais devem ocorrer. Essa recomendação de que os corpos das vítimas da Covid-19 não podem receber os procedimentos de limpeza, tratamento e arrumação, que os caixões devem ser lacrados e o funeral deve ocorrer com número reduzido de pessoas e duração máxima de 1 hora para o velório, impede a realização dos rituais fúnebres e de despedida, acabando sendo feitos de forma incompleta. Sendo assim um complicador para a elaboração do luto, aumentando as possibilidades de desenvolvimento de um luto complicado, que é quando o luto se dá de forma mais duradoura e intensa do que o esperado, por não terem conseguido processar a morte de uma forma que lhe permitam o sentido de realidade, tão necessário para a aceitação da morte.

Dantas et al. (2020) concorda com Souza & Souza (2019), em relação a importância dos rituais de despedida e fúnebres e acrescenta que o falecimento gera uma série de comportamentos que devem ser executados, onde uma das funções é prolongar o convívio do morto com a comunidade, tempo esse necessário para a elaboração da perda, assimilando assim o momento da passagem imposto pela morte. Outro ponto importante trazido por Dantas et al. (2020), é a necessidade de se ver o morto para ter certeza que é a pessoa certa que será enterrada, também prejudicado devido às orientações para que o caixão permaneça fechado. Segundo o autor, isso pode gerar dúvidas e dificultar a aceitação da morte.

Como já foi dito, tanto a pandemia como as medidas para tentar contê-la podem impactar a saúde mental das pessoas. E diante a essa certeza, se faz necessário pensar em estratégias de enfrentamento que visem diminuir o impacto dessa nova realidade. A Fiocruz (2020), propõe em seu artigo, estratégias remotas como chamada de vídeo entre o paciente internado e seus familiares, possibilitando a eles uma comunicação e a despedida no caso de morte iminente, traz também a importância da equipe médica ser preparada para dar esse suporte, comunicando com os familiares e passando informações precisas sobre a evolução da doença e um cuidado na hora da comunicação do óbito.

Sunde e Sunde (2020) e a Fiocruz (2020), trazem a importância dos rituais, que devem ser executados mesmo de forma alternativa por meios virtuais, sugerindo o uso de redes sociais para se expressar o pesar, possibilitando ao enlutado receber apoio social e as condolências dos amigos e familiares, ressalta ainda a possibilidade de cerimônias serem realizadas virtualmente, aplacando um pouco o sofrimento e a solidão daqueles que perderam seus entes queridos.

Merhy e Rente (2020), Sunde e Sunde (2020), Cremasco et al. (2020) e a Fiocruz (2020), concordam entre si da necessidade do apoio psicológico aos familiares enlutados, sugerindo criação de grupos de apoio e acolhimento e lugares de escuta empática. Embora o luto seja individual e singular, grupos de apoio têm se mostrado eficientes como estratégias de enfrentamento ao luto. O apoio não deve estar restrito apenas a grupos, mas também disponibilizado de forma individual. Os autores também trazem a necessidade de uma rede de apoio que acompanhe o enlutado, ajudando no dia a dia, e na impossibilidade de estar presente fisicamente devido ao distanciamento social, que seja feito através de ligações telefônicas, chamadas de vídeo e até mesmo carta.

Cremasco (2020), Sunde e Sunde (2020) e a Fiocruz (2020), reforçam que o luto é um processo singular e que precisa ser respeitado o processo individual de cada pessoa, pois cada um tem sua maneira única de viver sua dor e que não existe forma certa ou errada, melhor ou pior. Existe a forma com que cada um consegue lidar com suas perdas, sendo importante ressaltar que caso o luto se desenrole de forma complicada e prolongada, trazendo sofrimento intenso para a pessoa, impossibilitando-a de viver sua vida de forma funcional, acompanhado de pensamentos perturbadores, comportamentos disfuncionais, dificuldade em regular as emoções e colocando sua vida ou de outras pessoas em risco, se faz necessário procurar ajuda especializada de saúde mental.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Tendo em vista os aspectos apresentados, nota-se o quão importante é fazer com que o luto em meio a pandemia seja vivido e tratado de uma forma individual, já que cada pessoa é subjetiva. Através do acolhimento, as pessoas conseguirão se sentir mais seguras e mais compreendidas, havendo a possibilidade de resolver seus traumas devido a perdas pela Covid-19. Isso pode ser feito através de ações solidárias e criativas de outras pessoas que passaram por situações semelhantes.

No decorrer da pesquisa, foi possível compreender o quão importante são os rituais de despedida para que o luto saudável seja possível, pois se torna mais fácil conformar com a partida de seus entes queridos. Assim, é imprescindível que haja ao menos uma despedida simbólica, para que assim, o processo do luto seja vivido de alguma forma, podendo ser saudável sem complicações tão drásticas.

Todos os objetivos propostos foram alcançados, tais como: investigar e discutir publicações acerca do luto em meio a pandemia; identificação dos aspectos específicos do luto na pandemia e suas complicações; a compreensão da importância de rituais de despedida e a análise de possíveis estratégias de enfrentamento deste processo. Uma das limitações que houve nesta pesquisa foi pelo fato deste assunto ser muito complexo e recente, tendo muito ainda o que se estudar, pesquisar e discutir sobre o tema, não possibilitando um devido aprofundamento.

Para próximas pesquisas, seria interessante que se aprofundasse em outros tipos de culpa, verificando se de fato essas culpas trouxeram algum impacto na vivência do luto em meio a pandemia. No mais, o que motivou esta pesquisa foi a vontade de ajudar as pessoas, em especial os profissionais que estão na linha de frente, para que eles consigam enxergar novas possibilidades de tornar este momento tão triste em algo mais leve e mais fácil de se viver. Evitando assim, um aumento do sofrimento psicológico e em consequência um adoecimento da população pós pandemia devido a tamanho trauma.

Outro grande objetivo é contribuir para a ampliação de modos de acolhimento a essas milhares de pessoas que perderam alguém especial por este vírus tão brutal. Quanto mais estudos tiver, maior será a possibilidade de haver um auxílio melhor e mais eficaz a essas pessoas que tanto sofreram com suas perdas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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