1. Introdução

                                                                                 

O presente trabalho busca apresentar uma análise da coesão social de Émile Durkheim, contrapondo-se à arte das poesias de alguns autores que buscaram abordar uma crítica ao exaustivo poder sobre o povo, a alienação e as regras impostas à sociedade.

Durkheim desenvolveu uma teoria que ajudou e ajuda até os dias atuais na relação de respeito aos fins sociais e ao bem comum, mostrando que o homem seria um animal, e que por sua vez, tornou-se humano por tornar-se sociável, “prendendo-se” a costumes impostos pela própria sociedade.

 Nas obras abordadas no decorrer da pesquisa, mostra a luta com o uso das palavras, que alguns poetas consagrados abordaram, mostrando a realidade de um povo sofrido, a busca pela vontade da libertação e do ato de se expressar, e as revoltas frente a alienação que o povo se encontra.

 

  1. Émile Durkheim e a coesão social

 

Fundador da escola francesa, Durkheim é um dos que fundou também a sociologia moderna, e que por sua vez, desenvolveu a melhor teoria referente a coesão social.

      Para Durkheim, os fatos sociais devem ser tratados como coisas, e a consciência coletiva, assim como a sociedade, são entidades morais mesmo não possuindo existência tangível. Contudo, para que na sociedade ocorra certo consenso, é necessário que haja solidariedade entre os cidadãos que nesta sociedade convivem.

      Em sua principal obra “As regras do método sociológico”, Durkheim afirma que o objetivo da sociologia são os fatos sociais, sendo que o fato social é tudo o que é coletivo, exterior ao indivíduo ou coercitivo. Logo, os fatos sociais possuem uma existência própria, independente do que os indivíduos sociais pensam ou fazem, e dessa forma, o fato social, é basicamente toda maneira de agir que exerce sobre o indivíduo.

      Os fatos sociais são caracterizados por três pontos cruciais, sendo o primeiro a Coercitividade, onde os indivíduos são obrigados a se conformarem com as regras, valores sociais e normas vigentes, através do constrangimento e independente de suas vontades e escolhas. O segundo ponto trata-se da Exterioridade, onde independente de vontades individuais, um determinado fenômeno sócia atua sobre o indivíduo. E por fim, o terceiro ponto trata-se da Generalidade, onde a manifestação de um fenômeno social permeia toda sociedade.

      Assim, os fatos sociais existem porque cumprem uma determinada função, e diante do método de Durkheim, a sociedade é comparada a um “corpo vivo”, onde cada órgão cumpre a sua função (logo, o nome de Método Funcionalista). Neste corpo vivo, o todo predomina sobre cada parte que, por sua vez, existem em função do todo, e a ligação social que ocorre entre cada parte e o todo, é a função social.

      Dentro da sociedade, cada instituição possui o papel de agir sobre o bom funcionamento do todo, ou seja, o funcionamento e desenvolvimento da própria sociedade, pois a finalidade da sociedade é encontrar formas de regularizar a vida social.

Como todo organismo, a sociedade também apresenta estados normais ou doentios. Um fato social é normal quando exerce algo importante para o desenvolvimento e evolução da sociedade, e quando se encontra generalizado. A generalidade de um fato social é uma garantia de sociedade saudável quando ocorre junto ao consenso social, a vontade coletiva, ou um acordo em grupo sobre alguma questão social. Por outro lado, quando uma sociedade encontra-se doente, o fato social coloca em risco a harmonia e a evolução da sociedade; já numa sociedade saudável, ocorre uma harmonia perfeita do organismo em seu crescimento e possibilidades de sobrevivência.

            Contudo, para Durkheim, os fatos sociais são criados por representações coletivas, ou seja, como a sociedade enxerga o mundo através de mitos, crenças, culturas, etc.

            As representações coletivas são basicamente expressões da consciência coletiva, e diferente das estáveis representações individuais, originam os conceitos de um grupo ou nação.

            Para Durkheim, os fatos sociais são os verdadeiros objetos de estudo da sociologia, acreditando que a sociedade possui propriedades sobre os indivíduos que a compõe, de forma lógica e especificadas por duas formas de solidariedade social, sendo a solidariedade mecânica onde os indivíduos são identificados através dos costumes, da família, da tradição, não diferenciando os indivíduos reconhecendo os mesmo valores; e a solidariedade orgânica, onde os indivíduos tornam-se interdependentes através da divisão do trabalho, garantindo a união social e não pelos costumes e tradições. Os indivíduos são diferentes.

            Logo, Durkheim esclarece que o importante é o indivíduo sentir-se parte do todo, necessitando da sociedade de forma orgânica interiorizada e não apenas mecânica. Daí que fenômenos individuais são explicados pela coletividade, e não a coletividade explicada pelos fenômenos individuais.

            Além disso, o método de Durkheim propõe uma contraposição ao conhecimento filosófico da sociedade, onde a filosofia procura explicar a sociedade a partir do conhecimento da natureza do indivíduo.

            A questão do suicídio abordada por Durkheim, mostra que ocorre um problema na integração do indivíduo com a sociedade, pois a sociedade explica o comportamento dos indivíduos. O suicídio egoísta ocorre quando o indivíduo não encontra-se integrado ao grupo social e pensam em si mesmos, sofrendo com sentimentos degradantes, já no suicídio altruísta, o indivíduo sofre imperativos sociais sem fazer valer o direito à vida, e no suicídio anômico o indivíduo é atingido pelas condições da sociedade moderna e pelo afrouxamento da relação com os grupo social.

            Durkheim afirma que a educação tem o objetivo de formar o ser social. A educação consiste no esforço de impor aos indivíduos maneiras de sentir, agir e ver, desde os primeiros anos de vida quando as crianças são forçadas a regular seus horários para tudo, manter a higiene, etc., pois é diante dessas “pressões” que o indivíduo é moldado ao meio social.

“[...] Vêm a cada um de nós do exterior e são suscetíveis de nos arrastar sem que o queiramos. É provável, sem dúvida, que, abandonando-me a elas sem reservas, não sinta a pressão que exercem sobre mim. Mas aparece esta pressão desde que lute contra elas. Que um indivíduo tente se opor a uma destas manifestações coletivas, e os sentimentos que denega se voltam contra ele. Ora, se este poder de coerção externa se afirma com tal nitidez nos casos de resistência, é porque, mesmo inconsciente, existe também nos casos contrários. Vítimas de uma ilusão, acreditamos ser produto de nossa própria elaboração aquilo que nos é imposto do exterior.” (DURKHEIM, 1966, p. 4). 

 

  1. A coesão social na arte dos poemas

 

A poesia social atua como um contraponto ao radicalismo, e os autores dessa modalidade reabilitam o sentimento lírico e o verso, tornando tal recurso um instrumento de denúncia social, e fazem da palavra, marcada por uma linguagem cotidiana, o principal alvo de participação aos problemas políticos e sociais.

 

3.1 Ferreira Gullar

 

O poeta Ferreira Gullar aborda tais questões em algumas de suas obras, que surgem com uma autêntica relação com o “corpo a corpo” na poesia, buscando a expressão através do sofrimento do povo, dos fatos referentes ao cotidiano, podendo observar uma nítida a crítica sobre a realidade social, levando em conta as indisposições provenientes dos fatos sociais.

No poema “Não há vagas”, Gullar aponta algumas características do Movimento Modernista Brasileiro, denunciando o desemprego e a situação dos trabalhadores brasileiros, que por sua vez, buscavam um ideal filosófico, político e religioso, buscando assim, desprender-se das correntes sociais.

Já em “Agosto 1964”, o poeta aponta a experiência da sociedade em relação à política que gerou exploração exacerbada da subjetividade do povo. Aborda as desigualdades sociais, a busca pelo fim das injustiças e opressão, se contrapondo com o sentimento de esperança.

 

“Não há vagas”:

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço do arroz
não cabe no poema.

Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em seus arquivos.

Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras.
- porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede nem cheira.

 

 

“Agosto 1964”

Entre lojas de flores e de sapatos, bares,
mercados, butiques,
viajo
num ônibus Estrada de Ferro - Leblon.
Viajo do trabalho, a noite em meio,
fatigado de mentiras.

O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,
relógios de lilazes, concretismo,
neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,
que a vida
eu a compro à vista aos donos do mundo.
Ao peso dos impostos, o verso sufoca,
a poesia agora responde a inquérito
policial-militar.

Digo adeus à ilusão
Mas não ao mundo. Mas não à vida,
meu reduto e meu reino.
Do salário injusto,
da punição injusta,
da humilhação, da tortura,
do terror,
retiramos algo e com ele construímos
um artefato.
 

 

3.2 Thiago de Mello

 

            O poeta Thiago de Mello possui em seus poemas as marcas da sensibilidade humana, a luta contra a opressão, o lirismo e a alegria de viver, harmonicamente com beleza, raça, força e sentimento de auteridade.

Ao lado de Ferreira Gullar, Thiago de Mello é o principal representante da poesia social no Brasil, no contexto do regime militar brasileiro e ditaduras latino-americanas.

No poema “Silêncio e palavra”, o autor estabelece um jogo entre a o silêncio e a palavra, enfatizando que o silêncio não significa a ausência da palavra, sendo que a palavra envolve as ideias e o silêncio, por sua vez, e o silêncio é verdade nas palavras.

           

“Silêncio e palavra”

I

A couraça das palavras
protege o nosso silêncio
e esconde aquilo que somos


Que importa falarmos tanto?
Apenas repetiremos.


Ademais, nem são palavras.
Sons vazios de mensagem,
são como a fria mortalha
do cotidiano morto.
Como pássaros cansados,
que não encontraram pouso
certamente tombarão.


Muitos verões se sucedem:
o tempo madura os frutos,
branqueia nossos cabelos.
Mas o homem noturno espera
a aurora da nossa boca.

II

Se mãos estranhas romperem
a veste que nos esconde,
acharão uma verdade
em forma não revelável.
(E os homens têm olhos sujos,
não podem ver através.)


Mas um dia chegará
em que a oferenda dos deuses,
dada em forma de silêncio,
em palavra transfaremos.

E se porventura a dermos
ao mundo, tal como a flor
que se oferta - humilde e pura - ,
teremos então cumprido
a missão que é dada ao poeta.
E como são onda e mar,
seremos palavra e homem.

 

            “Narciso Cego”

 

Tudo o que de mim se perde
acrescenta-se ao que sou.
Contudo, me desconheço.
Pelas minhas cercanias
passeio - não me freqüento.

Por sobre fonte erma e esquiva
flutua-me íntegra, a face.
Mas nunca me vejo: e sigo
com face mal disfarçada.
Oh que amargo é o não poder
rosto a rosto contemplar
aquilo que ignoto sou;
distinguir até que ponto
sou eu mesmo que me levo
ou se um nume irrevelável
que (para ser) vem morar
comigo, dentro de mim,
mas me abandona se rolo
pelos declives do mundo.

Desfaço-me do que sonho:
faço-me sonho de alguém
oculto. Talvez um Deus
sonhe comigo, cobice
o que eu guardo e nunca usei.

Cego assim, não me decifro.
E o imaginar-me sonhado
não me completa: a ganância
de ser-me inteiro prossegue.
E pairo - pânico mudo -
entre o sonho e o sonhador.

 

3.3 Vinícius de Moraes

 

            Além de uma poesia sensual, o poeta Vinícius de Moraes se interessou pela poesia social, utilizando-se de uma linguagem simples e concreta, enfatizando as classes oprimidas. O poema “O Operário em Construção” é um dos melhores exemplos dessa linha seguida por Vinícius quando narra a alienação daquele que lida com tijolos, cimento, suor e luta.

           

            “O Operário em Construção”

 

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão - 
Era ele quem os fazia 
Ele, um humilde operário, 
Um operário em construção. 
Olhou em torno: gamela 
Banco, enxerga, caldeirão 
Vidro, parede, janela 
Casa, cidade, nação! 
Tudo, tudo o que existia 
Era ele quem o fazia 
Ele, um humilde operário 
Um operário que sabia 
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento 
Não sabereis nunca o quanto 
Aquele humilde operário 
Soube naquele momento! 
Naquela casa vazia 
Que ele mesmo levantara 
Um mundo novo nascia 
De que sequer suspeitava. 
O operário emocionado 
Olhou sua própria mão 
Sua rude mão de operário 
De operário em construção 
E olhando bem para ela 
Teve um segundo a impressão 
De que não havia no mundo 
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
- "Convençam-no" do contrário -
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

 

            “Mensagem à Poesia”

 

Não posso
Não é possível
Digam-lhe que é totalmente impossível
Agora não pode ser
É impossível
Não posso.
Digam-lhe que estou tristíssimo, mas não posso ir esta noite ao seu encontro.

Contem-lhe que há milhões de corpos a enterrar
Muitas cidades a reerguer, muita pobreza pelo mundo.
Contem-lhe que há uma criança chorando em alguma parte do mundo
E as mulheres estão ficando loucas, e há legiões delas carpindo
A saudade de seus homens; contem-lhe que há um vácuo
Nos olhos dos párias, e sua magreza é extrema; contem-lhe
Que a vergonha, a desonra, o suicídio rondam os lares, e é preciso reconquistar a vida
Façam-lhe ver que é preciso eu estar alerta, voltado para todos os caminhos
Pronto a socorrer, a amar, a mentir, a morrer se for preciso.
Ponderem-lhe, com cuidado - não a magoem... - que se não vou
Não é porque não queira: ela sabe; é porque há um herói num cárcere
Há um lavrador que foi agredido, há um poça de sangue numa praça.
Contem-lhe, bem em segredo, que eu devo estar prestes, que meus
Ombros não se devem curvar, que meus olhos não se devem
Deixar intimidar, que eu levo nas costas a desgraça dos homens
E não é o momento de parar agora; digam-lhe, no entanto
Que sofro muito, mas não posso mostrar meu sofrimento
Aos homens perplexos; digam-lhe que me foi dada
A terrível participação, e que possivelmente
Deverei enganar, fingir, falar com palavras alheias
Porque sei que há, longínqua, a claridade de uma aurora.
Se ela não compreender, oh procurem convencê-la
Desse invencível dever que é o meu; mas digam-lhe
Que, no fundo, tudo o que estou dando é dela, e que me
Dói ter de despojá-la assim, neste poema; que por outro lado
Não devo usá-la em seu mistério: a hora é de esclarecimento
Nem debruçar-me sobre mim quando a meu lado
Há fome e mentira; e um pranto de criança sozinha numa estrada
Junto a um cadáver de mãe: digam-lhe que há
Um náufrago no meio do oceano, um tirano no poder, um homem
Arrependido; digam-lhe que há uma casa vazia
Com um relógio batendo horas; digam-lhe que há um grande
Aumento de abismos na terra, há súplicas, há vociferações
Há fantasmas que me visitam de noite
E que me cumpre receber, contem a ela da minha certeza
No amanhã
Que sinto um sorriso no rosto invisível da noite
Vivo em tensão ante a expectativa do milagre; por isso
Peçam-lhe que tenha paciência, que não me chame agora
Com a sua voz de sombra; que não me faça sentir covarde
De ter de abandoná-la neste instante, em sua imensurável
Solidão, peçam-lhe, oh peçam-lhe que se cale
Por um momento, que não me chame
Porque não posso ir
Não posso ir
Não posso.

Mas não a traí. Em meu coração
Vive a sua imagem pertencida, e nada direi que possa
Envergonhá-la. A minha ausência.
É também um sortilégio
Do seu amor por mim. Vivo do desejo de revê-Ia
Num mundo em paz. Minha paixão de homem
Resta comigo; minha solidão resta comigo; minha
Loucura resta comigo. Talvez eu deva
Morrer sem vê-Ia mais, sem sentir mais
O gosto de suas lágrimas, olhá-la correr
Livre e nua nas praias e nos céus
E nas ruas da minha insônia. Digam-lhe que é esse
O meu martírio; que às vezes
Pesa-me sobre a cabeça o tampo da eternidade e as poderosas
Forças da tragédia abastecem-se sobre mim, e me impelem para a treva
Mas que eu devo resistir, que é preciso...
Mas que a amo com toda a pureza da minha passada adolescência
Com toda a violência das antigas horas de contemplação extática
Num amor cheio de renúncia. Oh, peçam a ela
Que me perdoe, ao seu triste e inconstante amigo
A quem foi dado se perder de amor pelo seu semelhante
A quem foi dado se perder de amor por uma pequena casa
Por um jardim de frente, por uma menininha de vermelho
A quem foi dado se perder de amor pelo direito
De todos terem um pequena casa, um jardim de frente
E uma menininha de vermelho; e se perdendo
Ser-lhe doce perder-se...
Por isso convençam a ela, expliquem-lhe que é terrível
Peçam-lhe de joelhos que não me esqueça, que me ame
Que me espere, porque sou seu, apenas seu; mas que agora
É mais forte do que eu, não posso ir
Não é possível
Me é totalmente impossível
Não pode ser não
É impossível
Não posso.

 

3.4 Fernando Pessoa

 

         O consagrado poeta Fernando Pessoa, aborda em uma de suas principais obras “Liberdade”, as questões da liberdade humana, de forma leve, enfatizando o prazer de não cumprir deveres, comparando à ingenuidade rebelde de uma criança.

         Contudo, Fernando Pessoa entende que os deveres são primordiais para a questão da liberdade, mesmo que no poema este ponto seja algo muito sutil.

         Além dos detalhes, o poeta aborda uma crítica social em relação à economia e as finanças, observados no verso: “Flores, música, o luar, e o sol que peca / Só quando, em vez de criar, seca.”.

 

         “Liberdade”

 

Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa... 

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma. 

Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não! 

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca. 

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...

 

4. Conclusão

 

      Este estudo proporcionou um aprendizado mais amplo na questão do desenvolvimento e desigualdade social, que, diante da teoria de Émile Durkhein mostra o desequilíbrio das organizações sociais.

Além disso, mostrou que a classe trabalhadora não consegue alcançar melhorias em suas condições de vida, porém, lutam pela liberdade diante das artes, das músicas, das poesias, utilizando-se da liberdade de expressão e do caráter de um povo que enfrentou a opressão, as injustiças, e que até os dias de hoje estão alienados ao poder das desigualdades.

Portanto, independente das “armas” utilizadas pela sociedade, é necessário que os cidadãos se fortaleçam cada vez mais, em busca de uma sociedade igualitária e justa, vencendo barreiras e desafios, e buscando melhores padrões de sobrevivência.

Com a ajuda não só dos poetas aqui apontados, mas também com grandes outros nomes na história, a sociedade deve se conscientizar de que é possível uma vida digna e crescente.  

 

5. Bibliografia

 

ALMEIDA, C. A. Cultura e sociedade no Brasil: 1990-1968. Col. Discutindo a História. São Paulo: Cultural, 1996.

BOSI, Alfredo. "Ferreira Gullar. A poesia participante" IN: História concisa da literatura brasileira, 41ª edição São Paulo: Cultrix, 1994.

DURKHEIM, Emile. As regras do método sociológico.  4º ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1966.

DURKHEIM, Émile. Sociologia e filosofia. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1970.

GUARESCHI, Pedrinho, A. Pressupostos psicossociais da exclusão: competitividade e culpabilização. As Artimanhas da Exclusão. Análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2002.

LIMA, Costa. Quem tem medo da poesia política? IN: 100 anos de poesia: um panorama da poesia brasileira do século XX. RODRIGUES, Claufe, MAIA, Alexandra (orgs). Rio de Janeiro: O verso Edições, 2001.

MELLO, Thiago de. Silêncio e Palavra. 4 ed.Valer: Manaus, 2001.