A ARGUMENTAÇÃO CORRECTA E A RELAÇÃO COM A LÓGICA

                                                                                                                                                        Por: António P. José1

É uma necessidade dos seres racionais utilizarem argumentos ao longo da sua existência, pois é impossível que eles vivam sem os mesmos. Entretanto, a lógica está e estará sempre presente quando o assunto for argumentação, pois, ela apresenta as bases de uma argumentação correcta, assim como nos propusemos a reflectir aqui.

A argumentação é um instrumento que com o qual compreendemos da melhor maneira o mundo, intervimos nele de modo a que possamos alcançar os nossos objectivos e determinarmos com rigor quais os melhores objectivos a ter em mente. Os seres humanos, no universo, têm de resolver problemas, enfrentar dificuldades, traçar planos de acção, fazer escolhas, etc., e para que se faça tudo isto, precisamos de argumentos. Será que a guerra surge, simplesmente para que haja morte? Será permitido fazer o aborto? Jesus Cristo era na verdade um Deus? Será que existem humanos num outro planeta? Que argumentos há a favor destas questões? E que argumentos há contra? A todas estas questões, queremos respostas. E de onde vêm as respostas? Elas não caiem das árvores ou dos céus. Temos de ser nós a procurar descobri-las e, para tal, temos de utilizar argumentos. Mas quando argumentamos podemos nos enganar, ou melhor, podemos argumentar bem ou mal. É por esta razão que a lógica é importante, pois, ela nos permite: a) distinguir os argumentos correctos dos incorrectos; b) compreender por que razão uns são correctos e outros não; e c) aprender a argumentar correctamente (Murcho, 2003, p. 9).

Como seres racionais, sentimos a necessidade de argumentar quotidianamente. Isto é um facto inegável e incontornável. O argumento é uma «construção intelectual, que segue uma ordem própria, servindo-se de materiais conceituais dados pelas diversas experiências humanas» (Keller; Bastos, 2002, p. 43) e que, por sua vez, «argumentar é estruturar estes mesmos materiais» (Keller; Bastos, 2002, p. 43), ou melhor, quando argumentamos, proferimos um conjunto de afirmações em que procuramos sustentar uma delas, que é a conclusão, por meio de outras, que são as premissas. Ao argumentarmos de forma lógica, a estrutura é relevante para a validade dedutiva.

Queremos aqui realçar que a lógica nos apresenta as regras da argumentação correcta ou válida, pois, ela «preocupa-se com argumentos (…) O vocabulário ‘argumentar’ é básico para a lógica» (Salmon, 2010, 1), e o propósito dos argumentos é de poder dar uma razão para a sustentabilidade de uma crença por nós defendida ou apresentada num determinado diálogo ou discurso ou, ainda, persuadir o auditório. Todavia, não cabe à lógica o carácter persuasivo dos argumentos, bem como a verdade dos mesmos, o que «não significa dizer que o lógico é totalmente alheio a esta discussão de conteúdo» (Nahra; Weber, 2009, p. 85), pois, enquanto lógico, o que lhe interessa é a forma em que o mesmo argumento se apresenta, garantindo a sua validade ou legitimidade, estando bem feito o encadeamento lógico das proposições, de modo a não violar as regras que a lógica apresenta.

Posteriormente, quando estiver a agir como um cidadão, um político, sociólogo, etc., poderá ter em conta a questão persuasiva, bem como a verdade dos enunciados a serem utilizados. Assim, não podemos confundir a validade com a verdade dos argumentos, sendo que um argumento pode ser válido logicamente, mas não ser verdadeiro e vice-versa. A questão da verdade das proposições de um argumento é de responsabilidade científica. A Lógica dita as regras e, de acordo com a área de aplicação do argumento, verifica-se a verdade dos enunciados nele contidos.

Não podemos confundir um argumento e uma explicação, pois, são realidades diferentes. Como podemos notar, numa explicação não há tendência de persuadir, nem intenção a favor de quem enuncia, mas somente oferecer esclarecimentos de alguma coisa. Como, por exemplo, querer saber como funciona a impressora é diferente de querer provas de que a impressora funciona. Ambos têm propósitos diferentes num diálogo. No primeiro caso trata-se de uma explicação e, no segundo, de uma argumentação.

De modo geral, considera-se que se está diante de um argumento quando é possível manter certas relações com as provas que confirmem e evidenciem a conclusão; ou melhor, o argumento é um agregado de proposições que entre si se relacionam mutuamente. O argumento deve possuir uma conclusão e as proposições que sirvam de provas da mesma. Estas proposições, em lógica, são comummente designadas por premissas. Na verdade, não existe um número pré-estabelecido de premissas para um argumento, mas é necessário que haja pelo menos uma premissa (Salmon, 2010, p. 2).

Quando argumentamos devemos ter em conta, necessariamente, as regras lógicas para evitarmos argumentos inválidos e falaciosos. A não observância das mesmas leva-nos aos sofismas. Eles são formas de argumentos que aparentam ser válidas, mas que não o são. Esta aparência é notável, simplesmente, por falta de domínio do aparato lógico formal para a análise dos argumentos, ou então, por não compreendermos o significado dos operadores lógicos (Nahra; Weber, 2009, p. 133).

Sabemos, porém, que os argumentos mal feitos, erróneos, incorrectos ou não válidos, com aparência de verdadeiros, chamam-se falácias, paralogismos ou sofismas. Nem sempre estes três termos têm a mesma significação. Geralmente, há uma distinção que se estabelece entre os mesmos: chama-se falácia a todo o argumento incorrecto, em geral. Paralogismo, à falácia involuntária, o argumento mal feito, sem qualquer intenção de enganar; e sofisma, à falácia que é formulada com a plena consciência de sua falsidade e com a intenção de enganar. A diferença entre o sofisma e o paralogismo é estabelecida desde o ponto de vista lógico ou psicológico desde a perspectiva do sujeito que os enuncia. Todavia, esta distinção não tem, pois, importância lógica, em virtude de que colocando-nos rigorosamente no campo puramente lógico, chegaremos à conclusão de que falácias, paralogismos e sofismas são simplesmente argumentos incorrectos ou não válidos e nada mais, tendo ou não sido formulados com a intenção de enganar (Carrasco De La Vega, 1998, p. 95).

Podemos dizer que existem argumentos incorrectos que não são enganadores, mas, existem argumentos incorrectos que aparentam serem correctos. Ora, a lógica não estuda o que as pessoas aceitam como argumento válido, assim como a história não estuda o que as pessoas pensam sobre o passado, mas o próprio passado. Do mesmo modo, a lógica estuda a própria argumentação válida (Murcho, 2003, p. 10). No entanto, podemos fazer uma analogia entre a argumentação e uma modalidade desportiva. Não podemos praticar uma modalidade desportiva sem antes termos o conhecimento das regras da mesma. Se assim o fizermos, poderemos infringir as suas regras por não termos o conhecimento e, ainda, pensar que estamos a praticá-la bem mesmo fora de sua área, quando, na verdade, não estamos. Da mesma maneira que as modalidades desportivas, também assim procede a argumentação. Devemos ter, precedentemente, as regras para que possamos argumentar legitimamente para não incorrer em erros de raciocínio ou em outros campos que não são considerados argumentação, assim como a explicação.

Quotidianamente todos temos a necessidade de utilizar argumentos para fundamentar nossas convicções e orientar as nossas decisões. Desde as decisões mais simples até às escolhas mais complexas ou aquelas que envolvem posturas éticas são fundamentadas por argumentos (Nahra; Weber, 2009, p. 122). Os argumentos estão sempre presentes na actividade diária do homem. Sem os mesmos não seria possível defender uma certa posição ou convicções.

Discutir ideias é apresentar argumentos a favor e compará-los com os argumentos contra. Para que esta comparação se efective e para notar a solidez dos diferentes argumentos torna-se necessário o domínio da lógica (Murcho, 2003, p. 28). Quando decido ir ou não ao trabalho, posso organizar vários argumentos de acordo com a minha posição e, a partir daí, posso fundamentar a minha decisão. Os argumentos possuem grande importância na vida de qualquer ser racional, na sua interacção social, bem como na sua própria tomada de decisão.

Se estivermos diante de escolhas morais a serem feitas como, por exemplo, devolver um valor monetário que alguém deu-nos a mais ao efectuarmos um câmbio, podemos, a partir de princípios morais, retirar as nossas decisões na possibilidade de devolvermos o valor a mais, ou podemos retirar as nossas decisões a partir de princípios egoístas e não devolver (Nahra; Weber, 2009, p. 122). Na verdade, para derivar tais acções precisamos de argumentar. O homem argumenta todos os dias ao se deparar com situações diversas. Ele quer dar sustento às suas convicções.

Desde a fase em que a criança começa o exercício linguístico, sente a necessidade de argumentar para fundamentar seus desejos ou pedidos aos pais, para que os mesmos sejam concedidos. Os pais exigem argumentos para os pedidos de seus filhos. A argumentação é uma realidade incontornável e que está presente quotidianamente na vida dos seres racionais. Porém, urge a necessidade de sabermos argumentar com precisão, de modo que os nossos argumentos satisfaçam as nossas necessidades sem precisar infringir o aparato lógico para incorrer em sofismas.

 

1. António P. José (Angolano) é Mestrando em Filosofia pela Universidade Agostinho Neto - Faculdade de Letras. É licenciado em Filosofia pela Universidade Católica de Angola - Instituto Superior Dom Bosco. Insvestigador constante em Lógica, Antropologia Filosófica e Gnosiologia. Faz investigações paralelas em Filosofia africana, Ética e Filosofia da Linguagem. É professor de Filosofia do II Ciclo do Ensino Secundário.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

CARRASCO DE LA VEGA, R. (1998). Nociones de Lógica Formal. 7ª edição, La Paz: Editora

KELLER, V.; BASTOS, C. (2002). Aprendendo Lógica. 11ª edição, Petrópolis: Vozes.

MURCHO, D. (2003). O lugar da Lógica na Filosofia. Braga: Plátano Editora.

NAHRA, C.; WEBER, H. (2009)Através da Lógica. 8ª edição, Petrópolis: Vozes.

SALMON, W. (2010)Lógica. Trad. Álvaro Cabral. 3ª edição, Rio de Janeiro: LTC.