Sobre o normal e patológico, bem como também, sobre as mudanças ocorridas na área da saúde mental, na década de 1980, no Brasil.

 

Ralf Diego Silva de Souza[1]

Resumo

O objetivo deste artigo é apresentar uma análise sobre as noções sobre o que é normal ou patológico, de forma bastante introdutória, bem como também, discorrer de forma concisa sobre as mudanças ocorridas na área da saúde mental, na década de 1980, no Brasil. 

INTRODUÇÃO

Antes de abordar o assunto previsto para este trabalho, como forma introdutória, cabe uma breve explanação acerca de algumas particularidades do universo conceitual da psicopatologia. De tal modo, antes de adentrar o terreno brasileiro e as implicações que tal ciência trouxe, irei desviar-me brevemente da senda proposta, contudo, mantendo sempre como panorama central o que fora idealizado desde o intróito. O desvio citado só será engendrado, visto a necessidade de maiores informações e embasamento teórico, das questões que surgirão – e que possam surgir – no trabalho, que por ora escrevo; constituindo assim, uma necessidade e não um desvio leviano.

A zona limítrofe entre o que é patológico e normal é tão tênue, que não muito raro algumas revisões tiveram que ser feitas. Vale ressaltar, que muitas ciências tiveram como ponto de discussão esta mesma dúvida, dando para esta questão – não podendo ser de outro modo – respostas diferentes. Além do mais, é preciso entender, que muitas vezes a ideia de patológico está inteiramente aglutinada ao contexto cultural, um exemplo disto, é a noção do índio primitivo e sua concepção da “perda da alma”, que possui sintomatologia análoga ao que hoje compreendemos como depressão. Porém, até mesmo hoje, com o surgimento de outros transtornos, como a clinomania[2], torna-se difícil diagnosticar o quadro depressivo. Tais instrumentos epistemológicos não eram do conhecimento geral do índio primitivo, sem dúvida, o que de todo modo acarretou erros, dada a visão limitada de tais povos.

Além das noções sobre a normalidade em relação à saúde, entende-se também, que a mesma aplica-se em muitos casos ao contexto social. Por exemplo, as relações homoafetivas atenienses do Eromenos e seu Erastes, que tinham além do teor erótico o vínculo da philía – relação fundamental para os cidadãos da sociedade grega clássica - eram vistas amplamente como algo puramente comum. Porém, no decorrer da história, os laços homoafetivos nem sempre foram vistos com bons olhos, asseverando neste caso, o caráter mutável das concepções sobre o que de fato é ou não participante da normalidade.

DESENVOLVIMENTO

                        A psicopatologia é a ciência principal, que é responsável pela natureza dos transtornos mentais. Numa visão mais ampla, ela pode ser entendida como um ramo do conhecimento, que lida com a estrutura, causas, tratamentos das doenças mentais, contudo, muitas vezes sem possuir uma rigorosidade muito veemente em relação à sua metodologia (DALGALARRONDO, 2008).

                        Uma contribuição importante para a psicopatologia foi à concedida pelo ramo psicológico, em suas variadas áreas. Outras contribuições vieram também da filosofia e algumas diferentes ciências, revelando o teor importante do embasamento teórico utilizado no ramo do conhecimento sobre as psicopatologias. A psicopatologia nutre-se tanto de uma raiz médica, como de uma tradição filosófica, literária e psicanalítica.

“A psicopatologia tem boa parte de suas raízes na tradição médica (na obra dos grandes clínicos e alienistas do passado), que propiciou, nos últimos dois séculos, a observação prolongada e cuidadosa de um considerável contingente de doentes mentais. Em outra vertente, a psicopatologia nutre-se de uma tradição humanística (filosofia, literatura, artes, psicanálise) que sem pre viu na “alienação mental”, no pathos do sofrimento mental extremo, uma possibilidade excepcionalmente rica de reconhecimento de dimensões humanas que, sem o fenômeno “doença mental”, permaneceriam desconhecidas.” (DALGALARRONDO, 2008, p. 27-28),

            Acerca dos sintomas em psicopatologia, devemos levar em conta dois aspectos básicos: a forma deles e seu conteúdo. De um modo amplo, os conteúdos das doenças mentais, possuem concernência com temas de genuína relevância com a subsistência humana. (DALGALARRONDO, 2008). Deste modo, entende-se que um dos fatores principais, que permeia a vida dos sujeitos são os impulsos em direção à vida, segurança; a sexualidade também possui lugar de destaque nos conteúdos patológicos.

            Um ponto relevante é referente ao diagnóstico em psicopatologia, que possui assaz contradição. Alguns discorrem sobre a ausência de valor, sendo que cada ente é uma realidade singular – o diagnóstico, neste caso só serviria para rotular pessoas, que são amplamente diferentes. Outro é de que o diagnóstico é análogo aos das outras práticas médicas, sendo ele o elemento principal e importante do ramo da psicopatologia. (DALGALARRONDO, 2008).

            Já explanou-se na introdução deste trabalho, noções elementares acerca do “que é ou não patológico”. A esta questão posso fornecer, uma afirmação incompleta, visto – como já dito – o caráter cultural na criação de tais ideias. Cada época histórica irá lidar com tal aspecto de um modo dispare, marcado pelo horizonte cultural, social, e político predominante. Desta forma, a loucura na Idade Média era vista como uma espécie de possessão demoníaca e na modernidade, época do Racionalismo, passa a ser definida como a perda da faculdade racional. (SCHNEIDER, 2009). Uma visão sobre as mudanças que ainda estão por ocorrer é incompleta, pois, não possuo domínio sobre o que há de mudar daqui a uns anos, e sabe-se que a mudança é comum, definindo ora o que é normal e o que não o é, contudo, é bastante satisfatório o conteúdo que possuímos sobre este assunto até o momento, sem mencionar as ideias relativas abordadas em diversas obras no decorrer dos anos.

            No Brasil, até a década de 1980, as práticas referentes ao tratamento dos portadores de transtornos mentais eram análogas as já citadas. Havia a marginalização, o afastamento dos portadores do seio social, em muitos casos, colocando-os juntamente com bandidos ou portadores de patologias mais graves, onde, findavam por receber tratamento severo, extrapolando o cuidado que de fato necessitavam.

            A mudança no panorama do tratamento da saúde mental na década de 1980 pode ser entendida a partir do esforço em fechar lugares, que tratavam seus pacientes de modo insalubre. Temos como manifestação desta luta, a reforma psiquiátrica e a Luta Antimanicomial – ambas estritamente ligadas por sua finalidade reivindicatória. Temos que pensar, que tais reinvidicações possuem, sem dúvida, um caráter bastante social, afinal tais movimentos partem do princípio da necessidade, uma vez, que com as denúncias recorrentes os movimentos sociais tiveram ciência dos maus tratos, podendo assim, elaborar um plano de ação para findar tais abusos.  A ação da sociedade foi extremamente importante.

            Inicialmente, o modelo de marginalização do louco visou o bem estar social, porém, isso mudou no decorrer dos anos.

“Com o relevante crescimento da população, a Cidade passou a se deparar com alguns problemas e, dentre eles, a presença dos loucos pelas ruas. O destino deles era a prisão ou a Santa Casa de Misericórdia, que era um local de amparo, de caridade, não um local de cura.” (BRITTO, apud MESQUITA, 2008, p. 8),

O louco pode ser o mesmo em cada época – figura excluída e mal compreendida - mas a loucura não é. Isso implica que mudanças são realizadas em relação à etiologia e definição das patologias, mas o quadro de exclusão continua sendo o mesmo. É observado em épocas passadas o caráter excludente, com o qual a sociedade autoproclamada sã, trata os portadores da loucura - característica esta que não é tão diferente da época coeva. Se na renascença, os loucos eram levados para lugares afastados em busca da razão, até pouco tempo eram deixados em lugares sombrios, visando à obtenção do mesmo teor racional, ou não. (FOUCAULT, 2004). Essa noção acerca de lugares, para o tratamento da saúde mental será importante, para uma maior compreensão sobre as transformações ocorridas no Brasil, na década de 80. Informo, neste momento, que tais lugares não visavam exclusivamente à obtenção de tal saúde, tendo sua criação apenas uma razão, a marginalização dos portadores de transtornos mentais, inserindo, mais uma vez, o patológico num lugar de exclusão.

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