RELATO DE EXPERIÊNCIA DO NASF NA COMUNIDADE

ANDREA CARLA PEREIRA
Psicóloga do NASF. Secretária Municipal de Recife
Especialização em Psicologia Clínica Hospitalar
Especialização em Saúde Mental (cursando), FAFIRE.
Curso de Extensão para gestores do SUS em Promoção da Saúde (cursando), UnB-CAD
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GLAUCE JANE DE OLIVEIRA
Assistente Social do NASF ? Secretaria Municipal de Recife
Especialização em Saúde Mental (cursando), FAFIRE
Curso de Extensão para gestores do SUS em Promoção da Saúde (cursando), UnB-CAD
[email protected]




RESUMO

O Ministério da Saúde criou os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), mediante a Portaria GM nº 154, de 24 de janeiro de 2008, cuja finalidade é apoiar e ampliar as ações das Equipes de Saúde da Família (ESF) na qualificação do cuidado em saúde, a partir do processo de territorialização e regionalização. A prioridade é o atendimento compartilhado e interdisciplinar, possibilitando a troca de saberes, capacitação e responsabilidades mútuas. Diante disto, este artigo visa compartilhar como vem sendo desenvolvido o trabalho do NASF (Recife-Pe, Distrito Sanitário III), na comunidade, através do relato de experiência da família Silva, bem como, fazer a co-relação desta prática com a teoria. A Família Silva, é composta por sete membros. Dois adultos, um adolescente e quatro crianças. Atualmente, tanto a genitora quanto o companheiro encontram-se desempregados. O adolescente é usuário de múltiplas drogas e está há três anos sem estudar. Uma das crianças foi temporariamente afastada da escola por história de agressão a professores, funcionários, alunos e depredação da estrutura física da escola. Duas filhas estão estudando e recebem o benefício Bolsa Escola destas crianças, sendo esta a principal fonte de renda da família. A família Silva vive em total vulnerabilidade social, com privações de alimentação, moradia digna, saneamento básico, trabalho, renda, educação, transporte, lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais. Reside no bairro de Nova Descoberta/Casa Amarela, na zona norte do Recife. É acompanhada pelo PSF Córrego do Eucalipto, e pelo NASF.
Faz-se necessário ressaltar que o relato apresentado é verídico e fiel aos fatos. Porém, por uma questão ética e de sigilo, os nomes dos membros da família foram modificados.

Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde, PSF, NASF, Acolhimento; Risco e Vulnerabilidade Social, Intersetorialidade.

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O Programa Saúde da Família (PSF) foi proposto em 1994 como uma estratégia de reorientação do modelo assistencial, baseada no trabalho de equipes multiprofissionais em Unidades Básicas de Saúde (UBS). Estrutura-se em uma unidade de saúde, com equipe multiprofissional, que assume a responsabilidade por uma determinada população, em território definido, onde desenvolve suas ações. Integra-se numa rede de serviços, de forma que se garanta atenção integral aos indivíduos e famílias, assegurado a referência e contra-referência para os diversos níveis do sistema de problemas identificados na atenção básica. Constitui-se como processo de reforma do Sistema Único de Saúde (SUS), recebendo a missão de ser o "eixo estruturante da organização dos serviços no âmbito do sistema público de saúde no Brasil". Inicialmente formulado como programa, passa a ser definido e defendido como estratégia, especialmente a partir de 1997, data da segunda publicação do Ministério da Saúde sobre conceitos, objetivos, diretrizes e implementação do PSF.

Foi com o objetivo de apoiar a inserção da Estratégia de Saúde da Família na rede de serviços, além de ampliar a abrangência e o escopo das ações da Atenção Básica, a e aumentar a resolutividade dela, reforçando os processos de territorialização e regionalização em saúde que o Ministério da Saúde criou os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), mediante a Portaria GM nº 154, de 24 de janeiro de 2008. O NASF está constituído por uma equipe multiprofissional que trabalha de forma interdisciplinar atuando diretamente no apoio as Equipes de Saúde da Família (ESF) da unidade na qual está cadastrado. Vale ressaltar que o NASF não se constitui enquanto portas de entrada do sistema de saúde e a responsabilização das ações é compartilhada entre as ESF e a equipe do Núcleo, sendo assim preveem uma revisão da prática dos encaminhamentos com base nos processos de referência e contra-referência, ampliando-a para um processo de acompanhamento longitudinal de responsabilidade da equipe de Atenção Básica/Saúde da Família, como também avaliando o risco e necessidades de saúde caso a caso conforme a gravidade, risco e vulnerabilidade procurando atuar de forma intersetorial dentro da lógica da prevenção e promoção da saúde e na tentativa de oferecer uma melhor qualidade de vida aos indivíduos, suas famílias e comunidades sob sua responsabilidade.

O Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) InterAção, Distrito Sanitário III, Secretaria Municipal de Saúde, Recife, vem acompanhando, desde setembro de 2010, várias famílias em situação de vulnerabilidade social. Entretanto, estaremos apresentando aqui a Família Silva. Esta reside no bairro de Nova Descoberta/ Casa Amarela, zona norte da Cidade do Recife que é coberto pela Unidade de Saúde da Família (USF) Córrego do Eucalipto, localizada no mesmo bairro. Diante do grau de vulnerabilidade que a família Silva está vivendo, a Equipe de Saúde da Família solicitou o apoio do NASF para atender esta demanda.

No decorrer das intervenções, durante o processo de construção/elaboração e acompanhamento do Projeto Terapêutico Singular foi registrado o envolvimento de diversos atores, bem como, foram necessárias articulações entre os equipamentos de saúde e sociais que continuam atuando no sentido de resgatar e fortalecer a manutenção dos vínculos, a autonomia desta família e a integridade deste lar.


Maria reside com o companheiro e os cinco filhos em uma habitação de estrutura mista ? alvenaria e material aproveitado, não acabada, composta por espaços bem pequenos - separados por tecidos - sendo estes uma sala, cozinha e um único quarto sem divisórias. Esta última dependência é a maior de todas e dentro desta está localizado o que deveria ser um banheiro, no entanto, é um local de entulhos. Suas necessidades são feitas num saco e jogado fora. Neste quarto tem uma cama de casal e um beliche para acomodar a família, um pequeno guarda-roupa e uma cômoda. A família conta com água encanada na parte externa da casa. Na cozinha tem uma geladeira em condições precárias, um fogão na mesma condição e um pequeno balcão com uma pia. Também tem luz elétrica na residência.

Maria é a quarta filha de uma prole de oito. Teve uma infância de privações, como alimentação, moradia, saneamento básico, trabalho, renda, educação, transporte, lazer e acesso aos bens e serviços essenciais. Estudou até a primeira série do ensino fundamental. Aos 14 anos foi morar com uma tia no Rio de Janeiro. Esta veio a falecer um ano depois. Aos 16 anos, durante o carnaval, em São Paulo, conheceu Carlos. Este por sua vez era traficante e através dele Maria teve envolvimento com as drogas, fazendo uso de maconha, cola, álcool, cigarro e loló. Deste relacionamento, engravidou do primeiro filho, que faleceu no sexto mês da gestação de causa não identificada. Maria informou ter feito uso de drogas durante a gravidez. Após a morte deste filho, ela retornou para Recife na companhia de Carlos, permanecendo por um período de dois anos. Em 1993, Carlos e Maria voltaram para São Paulo, período em que, segundo a mesma, era agredida verbalmente e fisicamente pelo companheiro. Não suportando esta condição, foi morar na rua e começou a prostituir-se para se sustentar. Contudo, percebendo que a rua era um local extremamente difícil para se viver, voltou a viver com Carlos. Aos 21 anos engravidou do seu segundo filho, Saulo. Quando este completou dois meses de vida (março de 1995), Maria decidiu vir morar em Recife com o filho, separando-se de Carlos. De volta a Recife, ela e filho foram morar com seus pais. Com a morte do pai de Maria em 1997, a situação financeira da família ficou comprometida, razão pela qual, Maria diz ter sido levada a pedir esmola nas ruas, desta vez com filho Saulo de dois anos de idade.

Como se pode observar, Maria sofreu violência de todas as formas. Seja pelas privações básicas, seja de afeto, de saúde. Segundo Arantes (2005) Pessoas que estão sujeitas, por longo tempo, a precárias condições de vida têm mais chance de ser alvo da violência que outras, submetidas a redes de proteção social. Isso significa que a inscrição na violência também se concretiza quando a participação social de alguns segmentos sociais apenas se dá na produção, não se estendendo ao usufruto dos bens, direitos e oportunidades. Ressalta ainda que, a violência se coloca então, como um conjunto de ações concretas e como instrumento para a construção de um projeto de sociedade que não tem interesse de incluir como sujeitos de direitos, as chamadas minorias políticas (negros, mulheres, crianças, adolescentes, idosos, indígenas, homossexuais, etc.).

Isto nos leva a refletir que a violência que desumaniza é a que, ao nos destituir do direito às condições materiais e simbólicas de existência, nos empresta uma desconfiança para conosco, com o outro/a e com o mundo, porque mina a capacidade de nos reconhecermos como interlocutores legítimos, parceiros em pé de igualdade com as outras pessoas, nos mobilizando para o silêncio ? o não lugar, a invisibilidade, e imobilizando-nos para a luta, para a afirmação dos direitos. Arantes (2005) coloca que o não cumprimento dos direitos subtrai a dignidade das pessoas, porque lhes retira a condição de ser sujeito de direitos (inclusive de "ter direito a ter direitos"), e a transfere à condição de objeto.

Nestes termos, a violência quer seja a simbólica, quer seja a física, impõe às pessoas não só uma dor física, como fere duradouramente a confiança em si e no mundo, causando uma espécie de vergonha social de si mesmo/a, porque representa não somente a limitação violenta da autonomia pessoal, mas a perda do auto-respeito, da capacidade de se referir a si mesmo/a como parceiro/a em pé de igualdade na relação com o/a outro/a.

Mas a exposição à violência não é um acontecimento neutro e, muito menos natural na vida das pessoas. Ao contrário, é reveladora das condições de vida (no caso dos pobres e negros/as, da sub-condição de vida), bem como de fatores como raça, gênero, classe social e geração que perversamente combinados, definem o lugar e o não-lugar das pessoas em sociedades como a nossa, marcadamente autoritárias, discriminatórias, patriarcalistas e patrimonialistas.

Maria, aos 25 anos de idade, na rua, conheceu Euclides, este era locutor de uma loja no centro da cidade do Recife, indo morar com ele dias depois. Na época Saulo estava com 3 anos de idade. Aos 27 anos, teve Eduardo, separando-se de Euclides, em seguida, por motivo de traição. Contudo, encontravam-se de vez em quando com ele. Desses encontros engravidou de Renata. Após o nascimento dela, separaram-se de vez. Euclides vivia com a outra mulher, mas ajudava Maria financeiramente. Em 2002, esta mulher deixou Euclides, não conseguindo conviver com este fato, ele tirou a própria vida enforcando-se. Sem perspectiva de futuro, sem renda e, vendo os filhos passando necessidades, Maria passou a freqüentar diariamente o centro da cidade do Recife para pedir esmolas - na companhia dos três filhos pequenos, Saulo (7 anos), Eduardo (2 anos) e Renata (1 ano) - como forma de sustento. Meses depois, Maria conheceu Pedro, numa festa na casa de sua mãe, e foi morar com ele uma semana depois, permanecendo até hoje. Este era traficante de drogas. Na época, morava em Olinda, de onde saiu fugido, pois estava sendo procurado pelos traficantes da área. Com ele, Maria teve mais duas filhas, Vanessa e Patrícia. Atualmente, Pedro não se encontra envolvido com as drogas. Faz biscates como carregador de frete nas portas dos mercados públicos.

Para Petrini (2003), apud Gomes e Pereira (2004), a pobreza, a miséria, a falta de perspectiva de um projeto existencial que vislumbre a melhoria da qualidade de vida, impõe a toda família uma luta desigual e desumana pela sobrevivência. As conseqüências da crise econômica a que está sujeita a família pobre precipitam a ida de seus filhos para a rua e, na maioria das vezes, o abandono da escola, a fim de ajudar no orçamento familiar. Essa situação, inicialmente temporária, pode se estabelecer à medida que as articulações na rua vão se fortalecendo, ficando o retorno dessas crianças ao convívio sócio-familiar cada vez mais distante. Percebe-se que para essa família, a perda ou rompimento dos vínculos produz sofrimento e leva o individuo à descrença de si mesmo, tornando-o frágil e com baixa auto-estima. Esta descrença conduz ainda o indivíduo a se desfazer do que pode haver de mais significativo para o ser humano: a capacidade de amar e de se sentir amado, incorporando um sentimento desagregador.

Saulo cresceu na rua. Cursou apenas a primeira série, não conseguindo ultrapassar esta série devido a sua dificuldade de aprendizagem. Em 2003 ? aos 8 anos de idade - iniciou o uso de cola. Devido ao envolvimento com a cola e a vivência de rua, em 2007, aos 12 anos, o pai ? traficante de drogas - veio buscá-lo e o levou para São Paulo, mas não ofereceu ao filho nenhuma proteção. Negligente, além de não oferecer condições míninas de cuidado, atenção e carinho, acabou por estimular o filho a usar crack. Não suportando as condições de maus tratos e violência às quais era submetido, Saulo foi viver na rua. Aos 14 anos, foi encontrado e acolhido por um abrigo. Que por sua vez, atendendo aos apelos de Saulo de voltar a morar com a mãe, entrou em contato com o Conselho Tutelar de Recife, encaminhando-o de volta a este município. Desde então, ele continua a fazer uso de drogas e pratica pequenos furtos e roubos. Atualmente, está sendo ameaçado de morte, devido aos roubos. Não está estudando e não consegue permanecer por mais de uma semana em casa, a não ser que esteja acorrentado. Forma que a genitora encontrou para protegê-lo destas ameaças e da vivencia de rua. Fica claro que ela o faz por não conseguir vislumbrar alternativa. Como não consegue convencer o filho através de argumentação, a mesma diz que "prefere acorrentá-lo que perdê-lo para as drogas" (sic).

Petrini (2003), apud Gomes e Pereira (2004) afirma que à medida que a família encontra dificuldades para cumprir satisfatoriamente suas tarefas básicas de socialização e de amparo/serviços aos seus membros, criam-se situações de vulnerabilidade. A vida familiar para ser efetiva e eficaz depende de condições para sua sustentação e manutenção de seus vínculos. A situação socioeconômica é o fator que mais tem contribuído para a desestruturação da família, repercutindo diretamente e de forma vil nos mais vulneráveis desse grupo: os filhos, vítimas da injustiça social, se vêem ameaçados e violados em seus direitos fundamentais.
Eduardo, assim como Saulo teve a mesma vivência de rua. Acreditava que tudo era permitido e com o passar do tempo a genitora passou a sentir dificuldade em impor uma educação mais adequada aos filhos. Já que, preferiam a liberdade da rua, tornando-se vulneráveis ao convívio com as drogas. Aos 10 anos, começou a fazer o uso de cola, tornando-se agressivo no ambiente escolar. Devido a este comportamento foi afastado da escola pelo Conselho Tutelar. Permaneceu afastado de abril de 2010 a março de 2011. Neste período, ficava na rua "morcegando" ônibus e usando cola. Em dezembro de 2010 foi encontrado na rua e levado pelo abrigo Pequeno Nazareno, onde ficou abrigado até meados de março de 2011. Dias depois voltou a estudar na Escola Municipal do Bairro cursando a quarta série do ensino fundamental. Porém, foi afastado novamente devido ao comportamento agressivo nas dependências escolares, para com os funcionários e colegas. O mesmo alega que é provocado, por isso reage desta forma. De acordo com a genitora, ela é chamada toda semana pela diretora da escola para informar sobre o comportamento do filho, conversa com ele, mas nada muda. Desta forma foi solicitado que comparecesse ao Conselho Tutelar em abril deste ano. De acordo com Maria, o Conselheiro Tutelar informou que Eduardo só retornaria à escola após passar por avaliação psiquiátrica. Acredita que ele tem algum distúrbio psicológico e ou psiquiátrico. Enquanto isso Eduardo passa o seu dia na rua com seus diversos a atrativos. É importante enfatizar que, em atendimentos realizados pela psicóloga, foi observado que Eduardo não apresenta nenhum problema de ordem psicológica, contudo, foi percebido falta de limite, educação, para isto a criança e a genitora serão encaminhados para realizar tratamento psicoterápico Em maio deste ano, foi realizada uma intervenção na escola pela ACS, Psicóloga, Assistente Social do NASF com o objetivo de conhecer o comportamento de Eduardo nas dependências escolares. Após discussão e analisando juntos algumas possibilidades ficaram acordadas que, este seria transferido de escola, iria para outra Escola Municipal, do mesmo bairro, uma vez que nesta escola existe um programa de acompanhamento psicopedagógico duas vezes por semana no horário contrário das atividades escolares, além de ser inserido no programa Mais Educação.

De acordo com o Estatuto da Criança e Adolescente, criado através de lei 8.069/90. Art.3 ressalta que "A criança e adolescente gozam de todos os direitos fundamentais e inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social em condições de liberdade e dignidade". Já o Art.4 diz que: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O Art. 53 diz que: A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. Contudo, isto não ocorreu com Eduardo, ao contrário, ele foi "afastado" das atividades escolares por comportamentos inadequados, e o que é mais irônico é que foi afastado pelo órgão responsável por fiscalizar se estão sendo cumpridos os direitos previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Diante disto fica a pergunta: como fica o Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer preconizado pelo Estatuto?

De acordo com a diretora da escola, o aluno encontrava-se bastante agressivo, batendo nos funcionário da escola, destratando os professores, alunos, servente, pichando a escola com lápis de cera e ameaçando pegar uma faca para ferir os funcionários. Causando temor a todos. Segundo relato da mesma, esta nunca afastou Eduardo da escola, contudo acredita que na condição que a criança se encontra, agressivo, não é possível mantê-lo inserido no ambiente escolar. "Ele consegue desestruturar toda a rotina da escola, bate nos colegas, esmurra as portas e paredes, chuta as portas, agride verbalmente as professoras, ameaça alunos..." (sic)

É sabido, que atualmente os professores vem sofrendo todo tipo de violência na escola, no entanto, também é percebido um despreparo de alguns profissionais da educação em lidar com esta problemática, bem como, a ausência de políticas públicas que possibilitem a estes exercerem sua profissão de forma mais preparada. Isto acarreta na desestruturação educacional repercutindo nos profissionais e alunos. Exemplificado acima.

Com a mudança da escola, e através dos relatos das atuais professoras, pode-se observar que Eduardo, no período de 2 meses, vem apresentando, dentro do seu contexto, uma evolução no que concerne a adesão das atividades oferecidas pela instituição. Tem estado participativo dentro de sala aula, bem como, fora dela. Além de participar efetivamente do programa mais educação e da sala de recursos multifuncionais.

Renata (10 anos de idade), apresenta comportamento tranqüilo, orientada alo e autopsiquicamente. Pensamento e raciocínio preservado. Relaciona-se bem com mãe, padrasto, professores, colegas da escola. Esta cursando terceiro ano do ensino fundamental, interagindo muito bem com todos na escola. Vanessa (6 anos de idade) é tranqüila e orientada alo e autopsiquicamente, pensamento e raciocínio preservado. Relaciona-se bem com os pais e irmãos. Foi matriculada na escola este ano, apresentando, até o momento, bom comportamento. Patrícia (2 anos de idade), é tranqüila, carinhosa, dorme bem e sua alimentação é baseada no aleitamento materno, no entanto, a equipe NASF vem trabalhando com os pais sobre a importância de introduzir alimentos saudáveis, além da inserção desta na creche, visto que ainda não foi matriculada na creche porque o genitor acredita que é muito pequena, além de ainda mamar.

Segundo Kaloustian & Ferrari (1994), apud Gomes e Pereira (2004), a família é o espaço indispensável para a garantia da sobrevivência e da proteção integral dos filhos e demais membros, independentemente do arranjo familiar ou da forma como vêm se estruturando. É a família que possibilita os aportes afetivos e, sobretudo, materiais necessários ao desenvolvimento e bem-estar dos seus componentes. Ela desempenha um papel decisivo na educação formal e informal. É em seu espaço que são absorvidos os valores éticos e morais, aprofundado os laços de solidariedade. É também em seu interior que se constroem as marcas entre as gerações e são observados valores culturais. Cada pessoa tem sua própria representação de família ? da família real e da família sonhada, da sua família e da do outro ?, representação esta ligada a concepções e opiniões, sentimentos e emoções, expectativas correspondidas ou não correspondidas. A família não é algo concreto, mas algo que se constrói a partir de elementos da realidade.

De acordo com os autores supracitados, nos últimos vinte anos, várias mudanças ocorridas no plano socioeconômico-culturais, pautadas no processo de globalização da economia capitalista, vêm interferindo na dinâmica e estrutura familiar, possibilitando alterações em seu padrão tradicional de organização. No imaginário social, a família seria um grupo de indivíduos ligados por laços de sangue e que habitam a mesma casa. Pode-se considerar, portanto, a família como um grupo social composto de indivíduos que se relacionam cotidianamente gerando uma complexa trama de emoções.

De acordo com Gomes e Pereira (2004), a gravidade do quadro de pobreza e miséria, no Brasil, constitui permanente preocupação e obriga a refletir sobre suas influências no social e, principalmente, na área de atuação junto da família, na qual as políticas públicas ainda se ressentem de uma ação mais expressiva. É sabido que, O Estado deve assegurar o direito e propiciar condições para a efetiva participação da família no desenvolvimento de seus filhos, porém os investimentos públicos brasileiros, na área social, estão cada vez mais vinculados ao desempenho da economia, que por sua vez produziram profundas mudanças na vida econômica, social e cultural da população, gerando altos índices de desigualdade social. Como reflexo dessa estrutura de poder, acentuam-se as desigualdades sociais e de renda das famílias, afetando as suas condições de sobrevivência e minando as expectativas de superação desse estado de pobreza, reforçando sua submissão aos serviços públicos existentes. As desigualdades de renda impõem sacrifícios e renúncias para toda a família. A situação de vulnerabilidade social da família pobre se encontra diretamente ligada à miséria estrutural, agravada pela crise econômica que lança o homem ou a mulher ao desemprego ou subemprego Incluir promoção da saúde e políticas publicas. Desta forma, o NASF juntamente com outros equipamentos de saúde e sociais, vem tentando atuar de forma intersetorial, criar estratégias que beneficiem a autonomia e manutenção dos vínculos familiares. Segundo Castro (2010), o desafio parece ser o de não perdermos nossa habilidade em olhar na íntegra aquele sujeito e/ou comunidade com as quais trabalhamos, mesmo quando for necessário reconhecer que intervir sobre as "causas das causas" de seu adoecimento está fora do alcance direto da ação, plano ou projeto.

Os equipamentos envolvidos para esta família são: NASF, Unidade as Saúde da Família, Gerência Regional Assistência Social (GRAS), Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializada da Assistência Social (CREAS), CPTRA, Conselho Tutelar, Juizado da Criança e Adolescente, Abrigos Pequeno Nazareno e Ruas e Praças, Escolas Municipais do Bairro, Policlínica Albert Sabin e Creche.

Baseado nas diretrizes do SUS, alguns encontros continuam sendo realizados com o objetivo de discutir os encaminhamentos do Projeto Terapêutico Singular (PTS) desta Família. Este consiste na participação da família dentro do seu contexto, juntamente com profissionais de diversas especialidades, visando construir um projeto que possibilite a produção de saúde, co-gestão, autonomia e conseqüentemente uma melhor qualidade de vida.

O processo de atendimento a família Silva teve início a partir de uma solicitação da USF ao NASF para realizar acompanhamento. A intervenção iniciou através do Acolhimento à referida família. Que de acordo com o Manual da Atenção Básica à Saúde da Prefeitura da Cidade do Recife (2009). Acolhimento consiste na mudança da postura dos profissionais em atender os usuários do SUS, avaliando o risco e necessidades de saúde caso a caso conforme a gravidade e vulnerabilidade. Logo, o Acolhimento é sim a porta de entrada para casos novos e intercorrências. Assim, o primeiro momento de Acolhimento proporcionado a esta família foi realizado através de uma intervenção domiciliar da Equipe do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (ENASF) e Equipe de Saúde da Família (ESF) que utilizaram a prática de Atendimento Compartilhado. A ENASF, que já havia tomado conhecimento do caso através da ESF, escutou a problemática apresentada pela família para em parceria com a mesma discutir a possibilidade de construção do Projeto Terapêutico Singular (PTS) e juntos viabilizar alguns encaminhamentos.

Atualmente esta família, dentro das suas possibilidades, vem buscando conquistar sua autonomia. Saulo, este está sendo sensibilizado a retomar os estudos, bem como, realizar tratamento para substâncias psicoativas. Eduardo vem se adaptando a nova escola. Esta tendo acompanhamento psicopedagógico. Renata e Vanessa, no momento, não apresentam dificuldades de nenhuma ordem. Quanto a Patrícia, os pais estão sendo orientados no concerne a alimentação saudável, bem como a inserção na creche. Inserção de Pedro no mercado de trabalho através do curso Profissionalizante; Psicoterapia para Maria e Eduardo, com o intuito de trabalhar as dificuldades apresentadas; Co- responsabilização da família pela qualidade de vida e produção de saúde e por fim realização sistemática à família pela ESF e NASF.

























Encaminhamentos realizados ao longo dos atendimentos.
ENCAMINHMENTO ARTICULAÇÃO DATA PREVISTA OBSTACULO
Psicoterapia para Eduardo e Maria NASF / Policlínica Albert Sabin Outubro/2010
Financeiro

Saulo iniciará tratamento para as Drogas USF/ Caps ad Luiz Cerqueira
Outubro/2010
Dificuldade em passar pelo processo de triagem
Eduardo retomara suas atividades escolares NASF / USF/ Conselho Tutelar/ NASF Novembro/2010
Professora Itinerante

Bolsa família foi reativada. CRAS/ NASF/ Conselho Tutelar Novembro/2010

Cesta básica até o companheiro conseguir sustentar a família Conselho Tutelar e CRAS
Novembro/2010

Pedro - fará um curso profissionalizante Conselho Tutelar e CRAS Novembro/2010

Saulo é encaminhado para tratamento das Drogas NASF / USF/ ONG Sara Vida
Dezembro /2010
Dificuldade em passar pelo processo de triagem.
Eduardo foi abrigado
Abrigo Pequeno Nazareno Dezembro/2010 a Fevereiro/2011 Fugiu duas vezes. Mãe assinou termo para sair
Renata será inserida no Mais Educação Conselho Tutelar
Fevereiro/2011
Não quis

Patrícia e Vanessa serão matriculadas na creche Conselho Tutelar
Fevereiro/2011
Patrícia não foi matriculada. Motivo: ainda mama
Eduardo retorna as atividades escolares
Escola Municipal do bairro Março/2011
Foi afastado por história de agressão aos funcionários
Saulo é albergado
NASF/ Mais Vida / USF/ Albergue casa do meio do caminho Luiz Cerqueira Abril/2011
Não consegue aderir ao tratamento. Foge em 16 de maio de 2011.
Eduardo é transferido de escola
NASF / USF/ Escola Municipal Renato Accioly Carneiro Campos Maio/2011














REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Arantes, R. Violência e cotidiano. Roda de diálogo. CENAP ? Centro Nordestino de Animação Popular, 2005.

Brasil, Ministério da Saúde. Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Cadernos de Atenção Básica. Secretaria de Atenção a Saúde. Departamento de Atenção Básica. Brasília, 2009.

Brasil. Prefeitura de Cidade do Recife. Atenção Básica à Saúde: Recife em Defesa da Vida. Secretaria Municipal de Saúde, 2009.

Brasil. Prefeitura de Cidade do Recife. Acolhimento: o atendimento no posto mudou para melhor. Recife em defesa da vida. Secretaria Municipal de Saúde, 2009

Castro, A. M. de (ET. AL); organizadores. Curso de Extensão para gestores do SUS em promoção da Saúde. Brasília: CEAD/ FUB, 2010.

Freitas, G. J. de. Violência e cotidiano: "viver com medo é viver pela metade" Pernambuco.

Gabardo, R. M.; Junges, J. R. e Selli, L. Arranjos familiares e implicações à saúde na visão dos profissionais do Programa Saúde da Família. Revista de Saúde Pública. Brasília ? DF, 2009.

Gomes, M. A. e Pereira, M. L. D. Família em situação de vulnerabilidade social:uma questão de políticas públicas. Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, 2004.

Pernambuco. Estatuto da Criança e Adolescente. Conselho Estadual de defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente ? CEDCA-PE, Recife ? Pernambuco, 2009.

Ribeiro, E. M. As várias abordagens da família no cenário do programa/ Estratégia de saúde da família (PSF). Revista Latino-americano de Enfermagem, São Paulo, 2004.