Relações interpessoais em famílias com portador da doença de Alzheimer.

 FNC: FACULDADE NOSSA CIDADE

CURSO: GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS - DINÂMICA DAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS

PROF° ORIENTADORA MS. ESTHER COSSO

RELAÇÕES INTERPESSOAIS EM FAMÍLIAS COM PORTADOR DA DOENÇA DE ALZHEIMER

ELAINE SILVA DA COSTA.

     Introdução

Acompanhando o crescimento demográfico e a expectativa média de vida (Ramos, 2002) há um aumento de doenças que acometem a população idosa, entre elas as degenerativas, como a Doença de Alzheimer. O cuidado dos portadores desta enfermidade, geralmente, recai sobre a família, provocando alterações nos relacionamentos interpessoais. É o desafio deste trabalho compreender como se dão as relações interpessoais destas famílias.

     A Família como rede de relações na velhice

Na velhice, mesmo tratando-se de idosos saudáveis, há uma perda na rede de relações: aposentadoria, perda do cônjuge, perda de amigos, filhos que se mudam para locais distantes, doenças que se tornam impeditivas e limitam a livre convivência, bem como a diminuição nos trabalhos voluntários.  Estas perdas fazem com que desapareçam muitos dos papéis desempenhados pelo indivíduo durante as fases anteriores da sua vida. Enquanto as mulheres idosas, em geral, continuam ter amplas redes sociais, confiando nos amigos e nos filhos, os homens confiam mais em suas esposas.  Este núcleo na rede social de apoio corresponde àquela usufruída por idosos saudáveis (Papalia e Sally, 1998), já que àqueles com demência, que fazem parte do objeto deste estudo, apresentam dificuldade em manter a rede social.  Muitos idosos poderiam sentir-se, ao menos parcialmente, integrados nas atividades e relações de trabalho, se não fosse o início da demência de Alzheimer incidir sobre esta faixa etária. Também, a participação em grupos sociais de convivência envolvendo aposentados se torna restrita para os portadores da enfermidade, diminuindo a rede de apoio social (Qualls e Abeles, 2000).  Diante desses eventos, a família se torna a rede de apoio mais presente, principalmente no que se refere aos idosos com demência. Assim, a rede familiar, por vezes, apóia-se no papel desempenhado pelo cônjuge (Ramos, Santos, Rosa e Manzochi., 1991). No caso de um membro do casal se tornar portador da Doença de Alzheimer, o outro proporciona o atendimento. Os efeitos devastadores da doença de Alzheimer (DA) sobre os familiares foram reconhecidos por uma maioria substancial de cuidadores (91%), médicos (97%), e população em geral (93%). Os cuidadores freqüentemente relatam alterações significativas em seus estilos de vida (75%), perda da liberdade (48%), impacto da emoção (39%) e imposição de carregar um fardo (11%), além do impacto do trabalho remunerado (7%) e financeiro (7%), que repercutem sobre sua aceitação e admissão da doença em seu parente (Bond et al., 2005, citado por Brito-Marques, 2006).          Do ponto de vista epidemiológico, nos países desenvolvidos há uma tendência dos idosos morarem sozinhos, geralmente preservando sua autonomia financeira, física e mental. No Brasil, como em outros países latino-americanos, a maioria dos idosos reside com filhos e netos sob o mesmo teto, caracterizando a convivência multigeracional (Ramos, 2002; Camarano, 2002).    Atualmente, 44,3% dos idosos de mais de 65 anos vivem em famílias nucleares; 41,3%, em famílias extensas; 11,8%, em famílias unipessoais, e 2,6%, em famílias compostas (Silva e Neri, 1993, Chaimowicz, 2005), o que significa que a maior parte da população idosa está em convívio com suas famílias e apenas uma pequena porcentagem encontra-se nas casas geriátricas. Segundo Brock (Bee, 1997), apenas 4,6% de todos os adultos com mais de 65 anos, nos Estados Unidos, encontram-se em alguma instituição para atendimento. 

  Dessa população nem todos gozam de boa saúde física e mental e, frente às situações de doença, as famílias tornam-se o principal ponto de apoio e variam nos seus arranjos de papéis familiares. Assim, os membros da família desempenham determinados papéis de acorde contextos e exigencias familiares que configuram novas posturas frente a necesidades inusitadas. Crianças e velhos dependem, naturalmente, de seus familiares para atendimento de suas necessidades básicas, caracterizando-se como sistema de interdependência (Eizirik, Kapczinski e Bassols, 1993).

     Diagnósticos e conflitos emergentes

  Acompanhando o aumento da população de mais de 60 anos, temos um acréscimo significativo de doenças crônicas relacionadas à idade (Ramos, 2002).   Entre as demências, a Doença de Alzheimer é a mais prevalente e uma das mais aterradoras (Lage, Martinez e Khachaturian, 2001). Surgem problemas de memó-

ria. Sem memória, o presente é sem sentido. O passado construído ora com dificuldades, ora com alegrias, se torna estranho e desconhecido, mesmo quando gravado em fotografias.Então, o doente de Alzheimer se torna prisioneiro dos medos de um mundo antes desbravado e construído. Mesmo com os avanços tecnológicos da medicina, que auxiliam no aumento da expectativa de vida, e das descobertas genéticas, ainda não se tem tratamento eficaz para a enfermidade. Lentamente, a doen-

ça, cuja principal característica é ser progressivamente degenerativa, avança (Lage, Martinez e Khachaturian, 2001). Frente a este quadro, os familiares do

paciente com Alzheimer começam a conviver com uma nova situação que implica em sobrecarga, ansiedade e tristeza. A sociedade atual ainda não está preparada para oferecer recursos suficientes para atender o portador de Doença de Alzheimer, nem seus cuidadores. Emerge, assim, a necessidade de profissionais especializados se dedicarem a compreender a doença e suas vicissitudes. Inicia-se a busca de estratégias de modificação ambiental, de aconselhamento e apoio aos cuidadores, especialização de profissionais e serviços, de implantação de políticas de saúde e planejamento social que proporcionem bem-estar e qualidade de vida ao idoso doente, sua família e suas relações interpessoais.Segundo Ribes (1988), o enfrentamento da mudança de comportamento e evolução da doença de Alzheimer faz com que as relações interpessoais familiares passem por várias fases: 1º , se caracteriza pela falta de memória do idoso e é vivenciada por ele com ansiedade e sofrimento. A família, de um modo geral, reage com irritabilidade e incompreensão, 2º , o segundo momento se caracteriza por um processo depressivo, e o meio familiar responde perprotegendo o idoso, tirando-lhe a possibilidade de controlar o seu meio, 3º, a terceira fase se caracteriza por despersonalização, pois o idoso desconhece a si mesmo e aos outros. Neste momento o idoso passa a ser um estranho para a família. Enquanto o idoso perde seu lugar como membro da família, esta, por sua vez, começa a cristalizar o seu sofrimento (Krassoievitch, 1988). Deste ponto em diante, cada membro da família se sente ameaçado no seu espaço e privacidade. Sente o idoso como uma sobrecarga que absorve toda sua energia. Dependendo da gravidade com que se apresenta a doença e o tempo de evolução, a família reage com sentimentos depressivos. Neste momento há uma descaracterização das diferenças intergeracionais (Ramos, 2002).

      Os filhos cuidados dos pais

  Quando os pais começam a apresentar sinais de velhice, é freqüente que os filhos sintam-se irritados com eles. Quando os filhos começam a cuidar dos pais

doentes, não contam mais com a figura sólida que representavam. Os sentimentos de raiva surgem, provavelmente, para defender o filho de se defrontar com a

fragilidade dos pais, já que pode ser doloroso e triste para os filhos terem de perder a condição de serem cuidados e protegidos para ocupar o lugar de quem

protege (Eizirik et al., 1993; Lima, 2000). É importante salientar que o que ocorre, de fato, é uma troca de papéis e não de sua inversão; neste último caso, quando os filhos tomam para si o lugar dos pais, provocam a infantilização de seus pais e uma maior dependência dos mesmos.

  A resistência frente à transformação de papéis, que implica na maturidade dos filhos, pode provir de qualquer uma das partes: os filhos podem insistir na atribuição de um papel onipotente aos pais e impedir, desta forma, algum grau de regressão e dependência; os pais, por sua vez, podem prender-se aos papéis do passado e se negar a trocar sua figura de autoridade por outra mais de acordo com seu momento atual.As doenças degenerativas, como no caso das demências tipo Alzheimer, requerem uma constante adaptação da família à evolução do estado do idoso e dos cuidados que exige.

   A necessidade de serviços de longa duração se produz num período de restrição econômica, principalmente no contexto atual das famílias brasileiras. Algumas famílias já se ocuparam anteriormente e são muito competentes no âmbito de assistência a longo prazo. Outras famílias só conheceram enfermidades agudas e são incapazes de imaginar as contrariedades de um processo crônico (Kovács, 1996; Krassoievitch, 1988). No momento em que obtém o diagnóstico, a família entra numa fase em que todos os membros podem compartilhar um conhecimento

comum da enfermidade e prever a organização do tratamento. Aceitar que um processo é crônico é uma etapa que a família deve assimilar. À medida que o tempo

passa e o estado do paciente não melhora, alguns membros da família pensam, secretamente, que ele não se curará. Quando os membros da família passam a admitir falar sobre o assunto, a doença e suas vicissitudes se tornam mais suportáveis, e isto facilita na divisão de papéis entre os familiares na resolução dos problemas que daí advêm. A família pode, então, iniciar a tentativa de se reorganizar e começar a integrar a enfermidade crônica nas suas relações cotidianas.

 Logo, essas enfermidades crônicas exigem anos prolongados de cuidados e a família tem que fazer reajustes periódicos, à medida que seus membros passam por diferentes fases da vida (Busse e Blazer, 1999).

    Os pais dependentes dos filhos

    Dependência significa um estado em que a pessoa é incapaz de existir ou funcionar de maneira satisfatória sem a ajuda de outrem (Neri, 1995). Manifesta-se na necessidade que as crianças têm dos adultos, os adultos de outros adultos e os adultos dos filhos.

   A natureza da dependência transforma-se ao longo do curso de vida e, no caso da velhice, a dependência é decorrente das mudanças das exigências psicológicas e sociais (Neri, 1995), bem como de mudanças biológicas, entre estas, o aparecimento de doenças degenerativas.

  Do ponto de vista das mudanças das exigências sociais que levam à perda da autonomia na velhice, temos a perda do trabalho e aposentadoria que, muitas vezes, leva à dependência. Neste caso, os filhos, a família ou o Estado assumem o papel de pais. A incapacidade física para desempenhar atividades da vida diária pode variar de grau, produzindo diferentes resultados na dependência do idoso. Inicialmente, o paciente sente-se fragilizado mentalmente e impotente para enfrentar sua doença. Dentro deste contexto, constatamos o papel das relações mãe-filha. Depois de ter sido filha de sua mãe, mais tarde, a mãe de seus filhos tornar-se-á a mãe de sua mãe. Dependendo da qualidade das suas relações ao longo da vida, nesta última etapa, os sentimentos predominantes podem ser conflitantes e cheios de culpa (Krassoievitch, 1988).

        Relações Interpessoais na família e integridade do ego.

   As relações interpessoais familiares, quando o idoso apresenta o diagnóstico de Doença de Alzheimer, sofre mudanças na sua dinâmica psíquica e inúmeros conflitos emergem.

Cabe aos pesquisadores estabelecer, de forma mais específica, quais os fatores que precisamente influenciam na qualidade dessas relações. Isto porque as relações interpessoais são imersas em intensos sentimentos e afetos, que podem provocar distorções na percepção da realidade. Este viés, por exemplo, é comum em estudos que objetivam descrever conflitos nas relações interpessoais entre mães e filhas. Famighetti (1986) pretendeu estabelecer como são percebidos os conflitos que surgem entre as mães e as filhas que as cuidam. Concluiu que as mães tinham visão mais positiva frente ao conflito, enquanto as filhas não percebiam da mesma maneira. Todavia, para se obter sucesso neste tipo de investigação, é importante levarmos em conta os aspectos relacionados à cultura, assim como a rede social de apoio com os quais as famílias de idosos com demência podem contar.Quando o objetivo de compreender as relações interpessoais na família de idosos é a intervenção terapêutica, por exemplo, numa situação de crise, as dificuldades não são menores.  

   Da mesma forma, as percepções das relações e dos conflitos podem ser diferentes na perspectiva de cada membro da família, embora as angústias e os problemas a serem resolvidos têm se comportado sob leis psicológicas gerais, independente das diferenças culturais. Em qualquer parte se observa a complexidade das relações interpessoais familiares que incluem os idosos, devido ao envolvimento de diversas gerações e do próprio processo de envelhecimento de cada componente do grupo familiar (Camdessus, 1995).

      Considerações finais

  Quando gozam de boa saúde e estão buscando seu bem-estar, os velhos podem dar-se conta que eles próprios são o principal agente de seu isolamento ou de seus sentimentos de pertinência à rede social, correspondendo aos estereótipos tão bem conhecidos no meio social. Assim, os idosos são vistos selecionando ativamente certos objetos e potencialidades, suprimindo e valorizando outros, maximizado seus melhores recursos, o que se corrobora em Baltes e Baltes (1990). Portanto, a rede de relações deve ser mantida, porém se mantém na medida em que são afetivamente gratificantes para ambos (idosos e a rede de relações).

  A deterioração da saúde certamente é o mais forte causador do declínio nas relações interpessoais dos idosos. Incapacidades físicas, como a diminuição da mobilidade, perdas nas capacidades visuais e auditivas e dores crônicas podem se tornar impeditivas para as relações interpessoais e também reduzem a possibilidade de se ajudarem mutuamente (Qualls e Abeles, 2000). Além disso, a incapacidade física pode tornar o idoso dependente e provoca o ressurgimento de conflitos familiares (Krassoievitch, 1988). Da mesma forma, o surgimento de sofrimentos psíquicos graves provoca conflitos nas relações interpessoais familiares (Lima, 2000). Todas essas perdas são inevitáveis e faz parte desta fase do ciclo vital a luta pelo bem-estar frente a este número de modificações e mudanças na rede de relacionamento.

  O diagnóstico de Doença de Alzheimer de um dos progenitores provoca uma ruptura na estrutura da rede familiar e no modo operacional da sua rede de relações. Frente aos novos conflitos que surgem durante a evolução da doença, cada membro da família deve se reorganizar internamente, para dar conta da demanda sociofamiliar A teoria de Erikson (1976) nos ajuda a compreender que esses conflitos poderão ser enfrentados de maneira satisfatória se os familiares, cuidadores ou não, puderem apoiar-se mutuamente, mantendo a rede de relações interpessoais funcionando.

      Resumo

     A Doença de Alzheimer (DA) é uma desordem eurodegenerativa progressiva e incapacitante que se caracteriza pela deterioração cognitiva e da memória acompanhada da perda de autonomia, conseqüente à impossibilidade do desempenho das atividades diárias.    Acompanhada por uma variedade de sintomas neuropsiquiátricos e distúrbios comportamentais leva o idoso acometido à total dependência. Em geral, o cuidado destes pacientes que se tornam dependentes progressivamente recai sobre as famílias provocando mudanças nas relações interpessoais intrafamiliares.

   Este trabalho, apoiando-se na teoria psicossocial de desenvolvimento, tem, como principal objetivo, apresentar algumas considerações que podem ser úteis para a compreensão das relações interpessoais que ocorrem nas famílias de portadores de Doença de Alzheimer.

Segundo essa perspectiva teórica, para enfrentar tal problemática, cada membro da família será desafiado a manter a própria integridade do ego, para que possa oferecer melhores cuidados a(o) progenitor(a) sem, contudo, alterar o estilo próprio de vida

      Referências

   Camarano, Ana Amélia. (2002). Envelhecimento da População

   Brasileira. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia (Cap. 6).

   Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.

  Yuaso, D. R. (2000). Treinamento de cuidadores familiares de idosos de alta dependência em acompanhamento domiciliário.

  [Dissertação de Mestrado], Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, SP.

  Kovács, M. J. (1996). Vida e morte: laços de existência. São Paulo: Casa do Psicólogo.