É durante o brincar que a criança por vezes enfrenta sem medos ou inibições desejos e impulsos demasiado perigosos para se viverem na vida real.

Para que as crianças construam um mundo imaginário nas suas brincadeiras necessitam de uma base estável, um relacionamento com que se sintam realizadas. A percepção que a sua casa é um porto de abrigo é muito importante, pois durante o dia vão explorar o mundo e voltam para o conforto do lar no ceio de uma família que as acolhe e as ama.

Um sinal simples de que a criança sente que tem esse porto de abrigo é o facto de ir brincar. A brincadeira tem muitas vantagens ao nível da inteligência emocional e social, pois aprender a negociar, a cooperar e forma alianças ou a ceder com graciosidade, mas também a gerir as emoções.

A brincadeira oferece um espaço protegido para tentar coisas novas com o mínimo de ansiedade, visto ser uma atividade que gera conforto e alegria.

Durante o brincar, a criança desloca-se da realidade e cria o seu próprio mundo, por vezes ideal. Este mundo é caracterizado por um espaço seguro, onde é possível enfrentar ameaças medos e perigos e sair sempre incólume. É por isso que tantas crianças com problemas familiares brincam às lutas e guerras durante as sessões de ludoterapia. E ao fim de quatro sessões de guerras e disparos, sentem o conforto de que alguém que brinque com eles que compreenda o seu mundo, que quando a terapeuta quer brincar a outro jogo eles facilmente brincam aos consultórios e médicos com o telefone (brinquedo relacional). Quando se brinca tudo o que acontece fica em suspenso, como que numa realidade (e se). Como o Miguel (nome fictício) que queria muito ter um irmão e na sessão de ludoterapia fingia brincar com o irmão, nas primeiras sessões, e na terceira sessão ao admitir que gostava de ter mas não tem, pediu que brincasse com ele.

Por vezes o brincar ajuda a lidar mais facilmente com temidas separações ou abandonos, transformando-as em oportunidades de domínio e autodescoberta. Quando a criança pede para repetir brincadeiras devemos deixar repetir ela sente um conforto ainda maior quando consegue controlar os acontecimentos, pois ela está a formar a sua personalidade e é nessas alturas em que necessita de se sentir segura.


É durante o brincar que a criança por vezes enfrenta sem medos ou inibições desejos e impulsos demasiado perigosos para se viverem na vida real.

A pesquisa de Panksepp suscita uma pergunta intrigante: porque a prevalência da Perturbação de hiperactividade com défice de atenção está a aumentar nos países desenvolvidos, incluindo Portugal?

A resposta (ainda que não testada) faz-me sentido, até porque quando chagávamos à escola primária logo cedo brincávamos até a professora chegar. O facto de a criança dar vazão à sua necessidade de brincar num recreio livre logo de manhã, e só as levar para a sala de aula depois de essa necessidade ter sido satisfeita, quando estão mais capazes de prestar atenção.
Ao nível cerebral, o tempo passado a brincar compensa em crescimento neuronal e sináptico; toda aquela prática reforça os trilhos cerebrais.

À medida que a criança amadurece, os circuitos do controlo emocional suprimem gradualmente o efervescente impulso de rir e brincar, e quando encontramos adolescentes nas sessões de ludoterapia a crer brincar, talvez a sua necessidade ainda não tivesse sido superada.

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O autor de este artigo é Sónia Moura Sequeira, Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta membro da equipe do site Therapion.com