I – INTRODUÇÃO

O trabalho do psicólogo inserido em uma equipe multidisciplinar, agrega os conhecimentos técnico-científicos da Psicologia para aplicá-los as situações que envolvem o processo de doença-internação-tratamento. Tais processos são atravessados pela complexidade das relações entre equipe de saúde-paciente-família , e pela própria instituição.

O exercício da profissão de Psicólogo, em sua especialidade de Psicologia Hospitalar é fundamentado em princípios técnico-clínicos que proporcionam a identificação e intervenção em situações críticas ligadas as questões de saúde e de qualidade de vida .

O serviço de Neurocirurgia do Hospital "X" é constituído de 16 leitos, que por motivos administrativos em algumas ocasiões funciona com ocupação parcial de 9 leitos, podendo em caso de emergência funcionar com 11 leitos ou sua plena capacidade. Conta com uma equipe multiprofissional formada por 8 médicos neurocirurgiões, 1 clinico geral , 1 psicóloga, 9 enfermeiros, 19 técnicos de enfermagem, 2 auxiliares operacionais , 1 assistente-social , 2 radiologista-intervencionista , além de contar com 5 residentes em Neurocirurgia.

As cirurgias acontecem 4 vezes na semana, as quartas-feiras além de cirurgia também são realizadas as seções clinicas cirúrgicas de coluna, e as sextas-feiras são realizadas as reuniões teórico - clinicas , que divide-se em : Jounal Clube (Clube de revista) onde são apresentados e discutidos artigos científicos sobre Neurocirurgia , e em seguida são apresentados as cirurgias da semana, e discutidos todos os casos do Serviço de Neurocirurgia com o objetivo de reflexão e análise sobre os pacientes internados com participação de toda a equipe , visando a melhor conduta a ser adotada para cada caso. A ênfase da reunião tem por objetivo a multidisciplinaridade.

O serviço de Neurocirurgia é caracterizado como um setor semi-intensivo , que recebe pacientes que necessitam de cirurgia e atenção pós-operatória. Na maioria das vezes são pacientes graves que apresentam quadros que demandam um cuidado maior e com múltiplas particularidades e necessidades específicas.

O paciente internado além de sofrer pela patologia que é acometido, tem que lidar ainda com várias perdas. É afastado de sua realidade , de sua rotina , família , trabalho, sendo que cada um reagirá de forma singular a todo esse processo. Além disso, a própria intervenção cirúrgica é geradora de conflitos, por si só ela pode ser entendida como uma situação crítica pela qual o sujeito é submetido , sujeito este, que traz consigo componentes de sua vida pessoal , de sua singularidade , manifestados em emoções , atitudes, comportamentos, fantasias , medos, que podem interferir de forma importante no processo de internação como um todo ,dificultando inclusive a prática médica. Neste contexto, o papel do psicólogo hospitalar, é não só perceber a doença, mas o sujeito que sofre com o esse adoecimento.

O psicólogo deve então , atuar objetivando amenizar o impacto da doença na subjetividade do sujeito, visando minimizar a angústia, ansiedade, estresse e o desamparo vivenciados pelos pacientes , focando em uma assistência mais integral e humanizada do mesmo, favorecendo e acolhendo a expressão dos sentimentos experimentados naquele momento, auxiliando a compreensão da situação vivenciada , e favorecendo a confiança entre o paciente-familia e equipe de saúde.

            O trabalho do psicólogo na enfermaria de Neurocirurgia possui aspectos comuns entre pacientes acometidos por patologias neurocirúrgicas , no que tange as construções socioculturais direcionadas ao cérebro e à coluna, bem como aspectos próprios de cada sujeito adoecido, relacionados com sua subjetividade , que direciona sua forma particular de posicionamento diante das situações .

            Com o objetivo de padronizar os procedimentos de atendimento psicológico , visando a melhoria do serviço prestado , é que se propôs a elaboração de um protocolo de atendimento psicológico na enfermaria de Neurocirurgia.

II - ATUAÇÃO DO SERVIÇO DE PSICOLOGIA

            O trabalho da psicologia nessa enfermaria compreende o atendimento dos pacientes internados no que se refere ao processo pré e pós-operatório, suporte aos familiares dos pacientes internados, bem como apoio a equipe sempre que necessário.

            No trabalho de enfermaria, objetiva-se o atendimento e acompanhamento de todos os pacientes internados, podendo-se dividir esses atendimentos em quatro momentos:

1) Triagem : onde é feita uma visita do Psicólogo a todos os leitos .E é nesse momento no qual é realizado uma breve avaliação de triagem para identificação da demanda;

2) Avaliação Psicológica : onde são avaliados de forma mais detalhada os pacientes que evidenciaram tal necessidade na etapa de triagem;

3) Atenção Psicológica Focal : após a avaliação e havendo necessidade de acompanhamento mais específico , o paciente passa a receber atenção mais regular, no mínimo duas vezes por semana.

4) Profilaxia Cirúrgica : Orientar os pacientes quanto aos principais aspectos objetivos de sua cirurgia : orientar o paciente quanto ao local no qual será realizada a cirurgia, seu transporte até lá, orientar quanto aos procedimentos de seu pós- operatório (se irá ser necessário ir para o CTI ou não e o motivos) , com referência aos aspectos subjetivos , o psicólogo deve oferecer a escuta para tais aspectos , e interpretar essa escuta de acordo com a singularidade de cada paciente.

            O paciente que passa pelo processo     de informação pré-operatória está prevenido de conseqüências desagradáveis que podem ocorrer pós-cirurgia (Antônio, P. S., Munari, D.B & Costa, H. K. (2002). E é importante que o psicólogo fique atento ao grau de aceitação e compreensão do que foi passado.

            Durante a hospitalização, quando identificada demanda que justifique acompanhamento psicoterápico , o paciente após alta hospitalar é orientado e encaminhado para o atendimento psicológico, sempre que possível , em um local próximo de sua residência.

            Sabe-se que quando um familiar adoece , de alguma forma, toda a família acaba sendo afetada . Foi no sentido de atender essa demanda dos familiares dos pacientes internados que o Serviço de Psicologia propôs que fosse realizada uma Reunião para os Familiares que acontece todas as terças-feiras ás 10h00min às 12h00min. Essa reunião é multidisciplinar e conta a presença de um médico neurocirurgião, da psicóloga responsável pela enfermaria , do residente da enfermaria (R2), e da enfermeira chefe do Serviço de Neurocirurgia , assim como da Assistente Social ocasionalmente.

            Tal reunião, tem por objetivo o suporte psicológico, esclarecimento de dúvidas quanto as questões do adoecimento como um todo e o acolhimento do sofrimento desses familiares. Sempre que necessário, é oferecido suporte psicológico a esses familiares também de forma individual.Essa reunião permite também a troca de olhares inter e intra- equipe.

            Torna-se importante salientar, que não se pretende propor uma sistematização dos atendimentos que são realizados, mas sim uma sistematização da rotina de trabalho por parte do Serviço de Psicologia, visando a melhoria da assistência integral ao paciente hospitalizado. Tal sistematização visa facilitar e orientar toda a equipe de saúde e a atuação de profissionais e estagiários do Serviço de Psicologia junto ao Serviço de Psicologia.

 

III – PRINCIPAIS REAÇÕES À HOSPITALIZAÇÃO NO SERVIÇO DE PSICOLOGIA

            A hospitalização e a necessidade de uma cirurgia são eventos potencialmente estressantes, o que pode gerar desconforto físico e psicológico que podem se manifestar antes ou pós-cirurgia. “O adoecimento é visto como uma situação inesperada para a qual não estamos preparados, pois ninguém escolhe adoecer” (Roth, 2002),com o procedimento cirúrgico isso também acontece , a” cirurgia é uma desconhecida na vida do indivíduo, e como tudo que é desconhecido pode causar ansiedades e despertar fantasias” .  

            Cada paciente reage de forma diferente, podendo ocorrer regressão, estados depressivos e transtornos de comportamento em geral. Muitas vezes a hospitalização e a cirurgia representam uma corte, uma ruptura que gera um grande impacto no sujeito, algo como se a vida fosse dividida ao meio , o que pode trazer para o sujeito um grande sofrimento. Em escritos de 1930, Freud considera que o sofrimento ameaça o sujeito em três dimensões: a do próprio corpo, do mundo exterior e nos relacionamentos com os outros , assim , o sofrimento tem sua origem não no mundo exterior mas na forma das relações estabelecidas pelo sujeito com a sua realidade , e é a partir dessa relação que o sujeito adoecido vai reagir frente à internação e à necessidade da cirurgia.

            O paciente cirúrgico pode sentir-se ameaçado por riscos reais e imaginários, já que está impossibilitado de realizar as suas atividades cotidianas, passa de forma abrupta por mudança de hábitos e costumes, está em um ambiente desconhecido onde existem normas rígidas, distante das pessoas significativas e exposto a procedimentos médicos invasivos e por vezes dolorosos. Segundo a literatura, o medo do desconhecido é a principal causa da insegurança e da ansiedade do paciente pré-cirúrgico, sendo a anestesia e a recuperação as principais fontes de dúvidas (Munari & Costa, 2002; Fighera1 & Viero).

            A ansiedade é uma reação comum em situações de hospitalização e cirurgia, desencadeando um conjunto de manifestações psíquicas, comportamentais e fisiológicas normais, podendo se tornar disfuncional quando é desproporcional ao evento que desencadeou ou quando não há um objeto específico para o qual se direcione. No caso de uma intervenção cirúrgica, o medo tem uma base real mesmo quando os riscos são mínimos (Junqueira, 2003).

            Outra situação comum é a Síndrome do Encarceramento, onde o paciente internado fica isolado e dependendo da estrutura psíquica individual, pode sofrer emoções negativas, com a modificação de sua rotina, privação de sua liberdade e exclusão do meio social, podendo ocorrer tanto em internações prolongadas ou mesmo em internações curtas podendo surgir repercussões clínicas marcantes como depressão, insônia , perda do apetite, estado regressivo gerando falta de iniciativa e, em consequência, dependência nas necessidades mais básicas. O indivíduo necessita da ajuda do outro nos cuidados de higiene, para pentear-se, barbear-se e alimentar-se. Essas diversas reações frente a hospitalização e ao próprio evento cirúrgico pode interferir no sucesso do próprio procedimento e, conseqüentemente na recuperação do paciente.

IV CONSIDERAÇÕES FINAIS

            O sujeito adoecido com necessidade de uma intervenção cirúrgica, tem no adoecimento uma ruptura em sua rotina, em suas relações, o que desperta no paciente estresse ansiedade, depressão, que causam além de sofrimento físico, um grande sofrimento emocional. O paciente vivência sentimentos de abandono, por parte dos seus familiares, e também de estar abandonando algo.

            A intervenção cirúrgica representa uma ameaça na vida de qualquer pessoa envolvendo uma carga emocional específica e diferenciada. Os momentos que antecedem a cirurgia provocam medo, ansiedade, tornando-se esses momentos dramáticos e assustadores para o paciente. O medo do desconhecido causa insegurança e desconforto.

            A profilaxia cirúrgica pode reduzir tais reações, favorecendo uma maior adaptação do paciente e seus familiares às mudanças ocasionadas pela hospitalização e cirurgia. Repercutindo positivamente tanto para o usuário da instituição hospitalar e à equipe médica, pois promove o bem-estar do paciente e aumenta sua colaboração ao tratamento.

            É de fundamental importância frisar a necessidade da construção de um vínculo de confiança entre a equipe de saúde-paciente-família, o que minimizará esses sintomas, e fazendo com que paciente e família sintam-se acolhidos em seu sofrimento o que certamente irá contribuir para sua recuperação.

            Vale ressaltar a importância do psicólogo em enfatizar uma visão humanizada do paciente, o profissional de saúde não deve focar somente o órgão adoecido, mas vislumbrar a totalidade do sujeito que se apresenta doente. Tão importante como o órgão que adoece é a pessoa que adoece, é importante portanto , abrir um espaço para que este pessoas enquanto sujeitos , se apresentem no que tange o “ser que é” em sua totalidade singular e não ao “órgão que está” em sua limitação.

            Cabe aqui citar o pensamento de Pinotti: “A doutrina da Filosofia da Cirurgia, é refletida e dissertada nos seus diferentes tópicos, é centrada no ser humano, o paciente”. No dizer de Ignacio Chávez “a medicina tem humanismo, quando aspira a ser algo mais do que tratar enfermidades, dando ao homem completo sentido à sua dignidade e liberdade”.

Eliane Coelho Martins de Sousa –Estagiária do serviço de Psicologia junto ao Serviço Neurocirurgia no período de outubro de 2010/outubro de 2012.

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