Na nossa imperfeição, na nossa limitação em abstrair uma situação, em vê-la fora do espaço-tempo, em projetar adiante os efeitos da nossa maneira de tratar o outro, continuamos a fazer o que achamos que é melhor para quem amamos. Mas há grandes chances de estarmos fazendo errado.

Pode ocorrer um fenômeno interessante, a exemplo de uma mãe superprotetora. Uma mãe superprotetora fará tudo pelo seu filho, absorverá todos os seus problemas, dará o que ele precisa para se sentir bem e confortável. Passará a mão na cabeça sempre, pois não quer ver o filho sofrer. Uma mãe superprotetora tenta nunca magoar o filho. Ela abre mão de si, mas pode não suportar isso para sempre.

O filho superprotegido cria uma imagem ideal de sua mãe. Ele espera que ela seja inabalável, imutável. Ele não faz as coisas, pois sempre confia que a mãe fará por ele. Ele passa a exigir muito e, quando a genitora não consegue atendê-lo, se irrita e agride. Ele praticamente não teve que resolver problemas, então não consegue lidar quando surge algum. A mãe superprotetora tanto se esforçou, imaginando ter um filho à sua imagem (ou à imagem daquilo que ela idealizou), mas o efeito foi contrário.

Isso não se generaliza. Depende do filho, ele pode escolher ser amável ou exigente e intolerante. Conheço ao menos duas pessoas assim, e uma delas sou eu, embora não tenha sido tão superprotegido.

Muitas vezes, tentar dar um exemplo de compreensão, de amor incondicional, de paciência, de racionalidade, abrir mão de si pelo Outro, pelo Próximo, pode não surtir efeito. Depende do Outro, depende do que ele quer enxergar. Ele pode querer enxergar apenas o seu próprio conforto, e sempre que for ameaçado perderá a razão.

Interlocução de mim para comigo:

Nós podemos abrir mão de nós mesmos para tornarmos a vida do Outro melhor, mas talvez seja preciso discernimento para perceber se estamos sendo compreendidos ou se estamos alimentando o seu ego. Curioso, bastou eu dizer isso para ver claramente o meu ego; perceba quanta falta de humildade há nesta frase e o quanto eu estou querendo simplesmente me livrar da responsabilidade! Perceber-se como mais esclarecido pode criar no indivíduo um tom de arrogância, surgindo então mais uma dificuldade ao detentor da lucidez: controlá-la para que não volte-se contra si. Nessa condição, nosso ego pode articular de maneira que achemos que, se estamos tratando de alimentar egos, que alimentamos o nosso próprio! Infelizmente somos tendenciosos a ir por esse caminho, e é preciso que reunamos forças para não nos deixarmos levar.Talvez o Outro não saiba quais são as dimensões desse esforço, mas dizem os sábios que devemos fazer nossa parte sem esperar retorno, apenas com Amor fraterno. Claro, pois se esperamos retorno, ainda somos aquilo que o Ego determina. Devemos dar ao Outro o tempo que lhe for necessário. Tudo isso é muito confuso e conflitante, não tenho clareza, não sei para onde ir, não sei se faço bem ou mal. Se eu digo tudo isso ao Outro, achará que só estou tentando distorcer as coisas para alimentar o meu ego. Talvez seja... Surge, então, um conflito de egos. O único jeito de dar certo é o lado mais esclarecido continuar abnegando, praticando o Amor e buscando alcançar sua mais pura forma. Mas me sinto hipócrita ao afirmar isso, pois não é exatamente o que desejo. Meu desejo é conciliar as virtudes e as necessidades momentâneas. Meu ego articulador busca essa conciliação, ele diz que é possível ser bom, prestativo, útil e caridoso, sem necessariamente me libertar de desejos ou desistir de torná-los reais. Eu questiono se isso não faria mal a mim mesmo, visto que poderia estar me apegando. Mas estando pré-consciente de um possível apego, não seria possível minimizar seus efeitos? Sei que posso escolher me tornar verdadeiramente bom nessa vida mesmo, é só eu me desprender de todo o meu passado e todos os meus desejos e suportar todo o sofrimento que isso vai me causar. Abnegação é algo extremamente doloroso e, na mesma proporção, extremamente meritório, até porque sem sofrimento não há mérito.

Questiono o Outro que considera que eu possa sempre me abnegar: nossa diferença evolutiva é ínfima, você também não pode? Olhe para todo o seu passado, você consegue mudar radicalmente? Suportar toda a abstinência que isso causaria? Você está preparado para esse mérito?

Ou egos se aceitam, ou egos nem se beiram. O que vamos escolher?

Confuso? Como todos nós neste planeta! Não somos jamais o centro de (des)privilégios!