INTRODUÇÃO

A Guiné-Bissau é uma república situada na Costa Ocidental da África e localizada entre o Senegal e a Guiné-Conakry. Conhecida como a antiga Guiné- portuguesa foi à primeira colônia portuguesa na África a conquistar a independência através da guerrilha do Partido Africano pela Independência da Guiné e Cabo-Verde (PAIGC) fundado por Amilcar Cabral, assassinado em 1973.

O país foi lamentavelmente marcado por golpes de Estados, disputas pelo poder político e militar. Essa disputa pelo poder político e militar na sociedade guineense foi motivada por grandes interesses de atores políticos e militares que sempre se envolveram com os interesses da nação, interesses esses que causaram a morte de vários intelectuais e personalidades guineenses.

O processo pela independência nacional durou 11 anos de luta armada, desde 1963 do começo da guerra de libertação nacional que levou ao fim do regime colonial português na Guiné-Bissau. Durante a administração colonial, a luta pela independência nacional resultou no enfraquecimento da administração portuguesa na Guiné e por parte da população local, a conseqüência desse conflito foi à criação de tensões internas entre várias tendências políticas e interesses nacionais, que põe um fim na união da Guiné-Bissau e Cabo-Verde. A ala cabo-verdiana do PAIGC formou o Partido Africano da Independência de Cabo-Verde (PAICV) e por outro lado a Guiné-Bissau permaneceu com a sigla do Partido Africano pela Independência da Guiné e Cabo-Verde.

As questões políticas sempre foram fenômenos integrantes da sociedade moderna e pós-moderna guineense, assumindo várias formas complexas e difíceis de resolver
As análises sobre o conflito e violência política na Guiné-Bissau assim como as transformações e as mudanças sócio-econômicas e culturais que nelas ocorreram ao longo do tempo desde a sua independência até os dias atuais, foram fatores extremamente preocupantes por parte de todas as camadas sociais e dos cidadãos nacionais assim como os cidadãos estrangeiros que nela residem. Ao longo desses períodos, vários lideres de partidos políticos, sociedade civil guineense assim como a sociedade civil internacional procura buscar e solucionar os problemas críticos que o país vem enfrentando há vários anos.

PROCESSO DA INDEPENDÊNCIA E FORMAÇÃO DO ESTADO-NAÇÃO

A luta de libertação nacional na Guiné-Bissau foi um dos mais longos conflitos políticos armados na Costa Ocidental da África, fazendo desse país a primeira colônia portuguesa na África a conquistar a sua independência, proclamada em 24 de setembro de 1973, sendo reconhecido mais tarde pelo governo português apenas em 24 de Setembro de 1974. Durante o processo de independência pela libertação da nação guineense, a camada revolucionária era composta por elites políticas, grupos étnicos e religiosos dentre os quais: Balantas,1 manjacos, papéis, fulas, mandingas, bijagos, nalus, mancanhes, felupes, oincas, beafadas, etc.

A grande maioria desses grupos etnoculturais era composta por camponeses, agricultores, pescadores, operários, artesãos, marinheiros mobilizados pelo PAIGC (Partido Africano Pela Independência da Guiné e Cabo Verde) liderado por Amílcar Cabral. De qualquer forma a questão étnica era o ponto principal e preocupante no seio do partido. As raízes culturais desses grupos étnicos eram particulares e diferentes entre si, o que constituiu uma tarefa difícil para mobilizar e organizar um movimento a nível nacional.

A estratégia usada pelo PAIGC foi incorporá-los com objetivo comum de lutar pela pátria, expulsar os colonizadores portugueses e declarar a independência total. Por isso foram enviados para cada região da Guiné-Bissau revolucionários do mesmo grupo étnico, religioso e lingüístico, capazes de conviver, compreender, assim como respeitar os laços de parentesco e da solidariedade dentro do grupo, procedendo assim para que haja um movimento a nível nacional (HERNANDEZ, 2008).

O processo pela independência ganhou mais força ainda nos finais de década de 1950, quando toda uma massa política do partido PAIGC, assim como a população civil guineense, começou a organizar manifestações de protesto contra o governo da administração colonial portuguesa que praticava atos de explorações, abusos e maus tratos contra os trabalhadores, massacre dos marinheiros e dos camponeses locais.
Com essa onda de protestos realizados pela população local, o governo colonial português reagiu de forma agressiva para conter os manifestantes acabando assim assassinando mais de 140 pessoas e dezenas de feridos, o que deu inicio à primeira luta armada pela libertação do povo guineense.
O acontecimento ocorreu em Bissau nos arredores do Cais de Pindjiquiti 2 em 3 de agosto de 1959. Em 19 de setembro, o partido PAIGC conclui que a revolução armada seria a forma mais viável para a independência. Devido a fracos recursos tecnológicos e bélicos, o partido decidiu organizar a luta na clandestinidade utilizando a tática de guerrilha, e mais tarde foi apoiado, pela OUA (organização da Unidade Africana), pela Guiné-Conakry, Gana, Senegal e mais tarde por países comunistas, como a China, Rússia e em especial o Movimento dos Países Não Alinhados 3 de tendência Marxista ? Leninista. O governo colonial por sua vez passou a recrutar boa parte dos guineenses nas fileiras das suas forças armadas enquanto o conflito se prolongava.

Conforme SANGREMAN et al (2005).
As forças armadas portuguesas, à medida que o conflito se intensificava, foram também, e de uma forma crescente, utilizando um maior número de africanos nas suas fileiras, aproveitando o seu conhecimento do terreno, dos hábitos, das línguas e até da adaptação ao meio. A criação e o emprego de militares africanos na Guiné, nomeadamente comandos africanos, começou por ser um processo, no inicio da guerra, que apenas integrava um pequeno núcleo de militares africanos, de milícias e de tropas de segunda linha, que já colaboravam com as unidades metropolitanas. Estes militares iriam ser, na fase pós-independência, uma das fontes de conflito entre guineenses. (SANGREMAN, et al, 2005).

As forças armadas do governo colonial tinham um pequeno número de militares, e por essa razão começaram a mobilizar elementos nativos da Guiné para as suas fileiras a fim de proteger e defender os interesses militares e políticos da metrópole. Essa mobilização feita por governo de Portugal na época criou certo descontentamento por parte do partido PAIGC, o que mais tarde depois da independência esses grupos étnicos que apoiaram o governo colonial acabam sendo afastados dos benefícios do governo nacional guineense.

A administração colonial pretendia que todos nativos recrutados tivessem no mínimo o conhecimento na língua portuguesa e assumir compromisso com o governo português. Isso foi uma prática que o governo colonial criou não só na Guiné, mas em grande maioria das suas colônias em África.

Conforme ALMEIDA (1979).
Decreto n.º 3168, de 31-5-1917, que promulga a carta orgânica da Guiné. Segundo o art.307.º, os indígenas, para serem considerados portugueses, tinham de preencher os seguintes requisitos:
Terem dados provas de dedicação aos interesses da Nação portuguesa; saberem ler e escrever ou, pelo menos, falar a língua portuguesa; possuírem os meios necessários para a sua subsistência, ou serem capazes de obtê-los; terem bom comportamento, atestado pela autoridade administrativa da área em que residem. (ALMEIDA, 123, p, 1979).

Entre os anos de 1960 a 1964, o conflito ganhou mais proporção especialmente quando o PAIGC promoveu o seu primeiro congresso em Cassacá 4 no sul do país. Nessa assembléia interna do partido foram discutidas e analisadas propostas, tais como: a estratégia que será utilizada durante o conflito de luta pela independência; revisão do estatuto do partido; reestruturar o partido; obtenção de recursos bélicos, técnicos e materiais; reforçar membros militares nas regiões com maior intensidade do conflito; milícias populares; criação das forças armadas revolucionárias do povo (FARP); instruções dos militares, guerrilheiros e camponeses; situação do arquipélago de Cabo-Verde; Conselho Supremo de Guerra, etc. (HERNANDEZ, 2008).

Com essa situação cresceu assim a luta anticolonialista na então Guiné Portuguesa, o PAIGC passou a exercer a liderança pela independência nacional em todas as regiões do país. O partido liderado por Amílcar Cabral, articulador da nacionalidade guineense, passou a ganhar mais confiança dos trabalhadores e camponeses agrícolas, e começou a mobilizar praticamente toda a população nacional. Assim o Partido Africano Pela Independência da Guiné e Cabo-Verde (PAIGC) se estruturou e padronizou-se a nível nacional e internacional, especialmente nos organismos como a ONU (Organização das Nações Unidas), OUA (Organização da Unidade Africana), Movimento dos países não alinhados e dentre outras.

A partir deste momento, os guerrilheiros e revolucionários guineenses passaram a controlar quase todo o território nacional especialmente nas décadas de 1968 e 1969, conquistando assim vários lugares estratégicos e frentes de combate que eram comandados pelos portugueses.

Durante esse período, PAIGC começou criar a intensificar programas da melhoria para o desenvolvimento nacional. O partido estabeleceu programas agrícolas, deu grande ênfase na melhoria educacional. Foram criados estabelecimentos escolares, unidades hospitalares, e alfabetização dos adultos e crianças principalmente nas áreas libertadas. O partido fundou dezenas de escolas com mais de 350 professores.

De acordo com PÉLISSIER (1975).
During the war the PAIGC laid great emphasis on improving the educational services in the liberated areas and they claim to have established 160 schools with about 350 teachers and 15-16,000 pupils. However these figures are far removed from those of official sources which indicate a lack of educational facilities, especially in the secondary school range. The aim of the present government is to build 30 new schools and to establish courses in agricultural technology as well as adult literacy programmes. (PÉLISSIER, p, 400) 5

No início da década de 1970, o governo colonial já tinha sido enfraquecido militarmente, o que criou enormes conseqüências para o governo português. Por outro lado o PAIGC, assim como também o governo da Guiné Conakry sofreram bastante com as conseqüências da guerra, especialmente quando o governo da administração colonial atacou de surpresa com uma bomba a sede do partido PAIG que fica situado naquele país. Portanto após varias vitórias conquistadas pelo PAIGC e camponeses guineenses no inicio da década de 1973, os combatentes e revolucionários guineenses, sofreram um duro golpe que marcou para sempre a historia da Guiné-Bissau. Em 20 de Janeiro de 1973 em Conakry, Amílcar Cabral, líder do Partido Africano pela Independência da Guiné e Cabo-Verde foi morto a tiros por um comandante naval guineense do PAIGC, Inocêncio Kani.

Assim, depois de 9 (nove) meses após a morte de Amílcar Cabral, os dirigentes do partido, chefes tribais guineenses, pescadores e camponeses se reuniram em 24 de setembro de 1973 e proclamaram a independência unilateral da Guiné e Cabo-Verde.Depois de vários encontros realizados em muitos países para tentativa de negociação, o governo português e os representantes do PAIGC, assinam em Argel (Argélia) o processo da independência no dia 26 de agosto de 1974 6, onde Portugal reconhece a Guiné-Bissau como um país soberano e independente.

O partido adotou assim o seu primeiro estatuto e declaração da independência da Guine e Cabo-Verde. Desta forma, o governo foi constituído das seguintes personalidades: Luís Almeida Cabral assume o cargo de primeiro presidente da República da Guiné-Bissau, Francisco Mendes ficou com a pasta do comissário chefe de Estado, João Bernardo Vieira, assume cargo de comissário de Estado para forças armadas.

Pedro Pires foi nomeado como vice-comissariado para as forças armadas, Vasco Cabral controla a pasta de comissário de Estado para Economia e Finanças, Constantino Teixeira ficou com a pasta de comissário estadual da Segurança Nacional e ordem pública, Dr. José Araujo, assume a posição de comissário sem Carteira, Vitor Saúde Maria foi indicado pela pasta de comissário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Otto Schacht assume cargo de comissário de Comunicação e Transporte, Carlos Correia controla a pasta de comissário do Estado para planejamento Agrícola e Recursos Naturais, Dr. Fidelis Almada foi nomeado como comissário de Estado para Justiça, Armando Ramos passou a liderar a pasta de subcomissário para o Comercio e Artesanato, etc.

Em 1980 Luiz Cabral foi deposto por um golpe de Estado chefiado por então comandante geral das forças armadas, General João Bernardo Nino Vieira. Em 1975 a Guiné-Bissau e Cabo-Verde formaram assim dois Estados separados, o que põe um fim na união destes dois países. A ala cabo-verdiana do PAIGC formou o Partido Africano da Independência de Cabo-Verde (PAICV) e por outro lado a Guiné-Bissau permaneceu com a sigla do Partido Africano pela Independência da Guiné e Cabo-Verde (PAIGC). Portanto assim acaba o sonho da unificação dos dois povos e o projeto da unidade ficou marcado como uma imaginação e pesadelos. O golpe de Estado de 1980 era uma conseqüência de serie de crises dentro da estrutura do partido desde o período da liberdade da nação.

De acordo com (KOUDAWO 2001).
Em 14 de Novembro de 1980, um golpe de Estado derruba Luiz Cabral, o primeiro presidente da República. Este golpe de Estado, que é baptizado Movimento Reajustador 14 de Novembro, é o resultado de uma profunda crise, sendo que várias das suas causas datam do período da luta pela independência. Entre os factores mais salientes encontram-se: as lutas fratricidas de longa data entre a ala militar e a direcção política do PAIGC; as contradições entre guineenses e cabo-verdianos em relação ao projeto de Estado binacional desejado pelo PAIGC, mas mal aceite e mesmo mal vivido pelas populações dos dois países destinados à união; as dificuldades nascidas da passagem da teoria de Estado revolucionário à prática administrativa num contexto mal preparado para esta experiência. (KOUDAWO, p,131).

A união entre os dois países de certa maneira era um processo extremamente difícil, devido à própria conjuntura estrutural e as divergências políticas no seio do partido entre os guineenses e cabo-verdianos, divergências essas que foram notórias desde o período da libertação nacional principalmente nos finais da década de 1960. O assassinato a tiros de Amilcar Cabral em 1973, pelo próprio elemento integrante do PAIGC Inocêncio Kani comandante naval. De certa forma esse episódio foi um dos marcos preponderante para o entendimento do golpe de Estado 1980, e o desentendimento entre a ala Cabo-Verdiana e a ala guineense. A partir deste momento a crise política entra em cena e começou a estruturar até os anos de 1990.

Nesse período, as transformações sociais, culturais, econômicas e políticas a nível internacional eram processos marcantes e tiveram influencia enorme na estrutura política e social da Guiné-Bissau, principalmente no seio do partido PAIGC, onde a designação de renovação e abertura política foi reafirmada. Mesmo com essa tentativa de abertura política, a Guiné-Bissau parece ter sido passada de uma fase a outra com os mesmos problemas e as mesmas realidades sem nunca ter sido acabado alguma delas. O Estado guineense depois da independência não conseguiu dar conta dos seus próprios compromissos e responsabilidades.


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