PRINCÍPIOS DA ANÁLISE DE DISCURSO: SUJEITO, SENTIDO E LEITURA. 

Atílio Borges Neto 

RESUMO

Voltados à produção de sentidos, pretendemos explicitar algumas noções ligadas à disciplina da Análise do Discurso por sabermos que tais noções são relevantes para a efetuação de análises discursivas que buscam cada vez mais a clareza e o deslindamento de sentidos implícitos nos discursos. Assim buscaremos realizar uma clara exposição a respeito de alguns princípios da Análise do Discurso, sujeitos do discurso e sobre a questão do sentido e leitura. 

PALAVRAS-CHAVE: Análise do Discurso, sujeitos do discurso, sentido e leitura. 

ABSTRACT

Focused on the production of meaning, we intent to explain about some concepts related to discipline of Discourse`s Analysis because we know that such notions are relevant to the effectuation of discourse analyzes that increasingly seek clarity and unraveling of meaning implicit in discourses. So we seek to perform a clear explanation about some principles of discourse analysis, about subjects of discourse and also about the question of meaning and reading.

KEYWORDS: Discourse Analysis, subjects of discourse, meaning and reading.

Inicialmente vale a pena discutir sobre alguns princípios da Análise do Discurso[1]. Nessa linha de raciocínio, Orlandi (2006) explica que a linguagem pode ser estudada de muitas maneiras, através da linguística (como sistema de signos ou regras formais) ou através da gramática (por meio das normas). Ainda, as palavras “gramática” e “língua” podem significar coisas bem diferentes, portanto a maneira de estudá-las também é diferente, levando em consideração os diferentes autores, as diferentes épocas e tendências.

O foco da AD não é a língua nem a gramática, embora lhe sejam interessantes, mas sim, o próprio discurso. A palavra discurso tem em si a ideia de percurso, de movimento, logo, o discurso é a palavra em movimento e em seu estudo observa-se a prática da linguagem.

            A AD vê a linguagem como importante mediadora entre o homem, a realidade social e a natural. Essa mediação, feita através do discurso, dá autonomia transformadora ao homem, tornando-o capaz de modificar sua vida.

            Assim ela trabalha a língua no mundo, levando em conta a produção de sentidos enquanto parte da vida dos homens que falam relacionando a linguagem à sua exterioridade. Ela reflete sobre a maneira como a linguagem está materializada na ideologia e como a ideologia surge na língua, trabalhando a relação língua – discurso – ideologia. Então, de acordo com a autora, Não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia.

            Desse modo, no discurso pode-se observar a relação entre língua e ideologia, sendo possível compreender como a língua produz sentido para os sujeitos.

            Tendo em vista que o interesse da Análise do Discurso é o da língua funcionando para a produção de sentidos, é permissível que se analise unidades além da frase, ou seja, o texto.

            Diferente das análises de conteúdo que procuram extrair sentidos do texto, respondendo ao que o texto quer dizer, a AD vê a linguagem como não transparente e a questão colocada é: Como este texto significa? Para responder a questão, a AD não trabalha o texto como documento, como ilustração de algo que já se é sabido em outro lugar e que o texto exemplifica, mas vê, sim, o texto como tendo uma materialidade simbólica própria e significativa, produzindo o conhecimento a partir do próprio texto em sua densidade semântica. Logo, a AD o concebe em sua discursividade.

            No que toca a discursividade podemos assinalar o importante papel que os sujeitos do discurso estabelecem.  

            Nessa linha de raciocínio e de acordo com Bakhtin (1995), a linguagem tem caráter polifônico e dialógico, isto é, a linguagem é dotada de vozes diversas e toda palavra é direcionada a um sujeito com quem estabelece diálogo.

[...] Toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém [...] A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra se apóia sobre meu interlocutor. A palavra é território comum do locutor e do interlocutor.”( BAKHTIN, 1995, p.113).

       

            Apoiado na concepção da linguagem com caráter dialógico, Benveniste (1974) descreve, no dizer do sujeito enunciador, a presença do outro que recebe a definição de sujeito enunciatário.

       Associada a essa perspectiva, encontramos, nos dizeres de Fiorin (2006), uma concepção que se apresenta da seguinte forma:

[...] A enunciação define-se como a instância de um eu-aqui-agora. O eu é instaurado no ato de dizer: eu é quem diz eu. A pessoa a quem o eu se dirige é estabelecida como tu. O eu e o tu são actantes da enunciação, os participantes da ação enunciativa. Ambos constituem o sujeito da enunciação, porque o primeiro produz o enunciado e o segundo, funcionando como uma espécie de filtro, é levado em consideração pelo eu na construção do enunciado. Com efeito a imagem do enunciatário a quem o discurso se dirige constitui uma das coerções discursivas a que obedece o enunciador”. (FIORIN, 2006, p. 56).

            Para Fiorin (2006), o ato de enunciar requer sujeitos, tempo e espaço, em que o sujeito pode ser um (eu) enunciador, um (eu) narrador ou um (eu) interlocutor. O eu enunciador, é aquele sujeito que está pressuposto, ou seja, não se faz presente no enunciado. O (eu) narrador é aquele que está colocado dentro do enunciado com marcas de subjetividade e o (eu) interlocutor é alguém a quem o narrador pode permitir a palavra, um personagem que fala ou personagens que falam em discurso direto.

            Da asserção, feita por Fiorin (2006), de que a pessoa a quem o eu se dirige é estabelecida como tu, entendemos que a existência de um enunciador requer um enunciatário que é aquele com quem o enunciador estabelece diálogo, a existência de um narrador requer um narratário que é aquele para quem o narrador remete seus dizeres, a existência de um interlocutor requer um interlocutário que dialoga com o interlocutor. Para essas definições há uma razão lógica que consiste no fato de que o enunciador é um eu pressuposto, assim o enunciatário corresponde a um tu pressuposto. O narrador é um eu colocado no interior do enunciado, logo o narratário corresponde a um tu também lançado dentro do enunciado.

Por sua vez, o interlocutor é um eu estabelecido pelo narrador e que fala em discurso direto e o interlocutário é um tu que fala com o interlocutor. É sobre essas relações que está vinculada a menção, feita por Fiorin (2006), de que o eu e o tu são os sujeitos que compartilham a ação enunciativa, ou seja, são os actantes da enunciação, em que o eu é o produtor do enunciado e o tu é quem o eu leva em consideração na formação do enunciado.

 A respeito disso, podemos depreender que produzir um texto para uma pessoa especializada em determinada disciplina não é a mesma coisa que produzir um texto para uma criança ou para um adulto. Assim, embasados no que foi exposto até esse ponto, não há fragilidade em ilustrar as assertivas aqui colocadas, com a ideia de que aquele que fala ou escreve está falando ou escrevendo para alguém que pode estar ou não estar fisicamente presente ao lado de quem fala ou escreve.

            Passando, agora, a falar sobre concepções relacionadas ao sentido, Coracini (2001) diz que ler adequadamente consiste em uma interação com o texto, mais do que isso, é interagir com o autor do texto, sendo que este último é o que viabiliza tal interação. Essa perspectiva de leitura adequada sucede ora do conhecimento prévio que o leitor possui, provindo das inferências do leitor para o texto, ora da compreensão das unidades linguísticas para as experiências prévias do leitor em um processo que se eleva entre o conhecimento prévio que o leitor possui para o texto e a compreensão das unidades linguísticas para as experiências prévias do mesmo, mas também com a alternância de ambos conceitos em diferentes pontos do texto, assim, cabe ao leitor perseguir as pistas deixadas pelo autor para atinar as intenções dele e, com isso, ter compreensão adequada das ideias enunciadas no texto.

            Adotando essa linha de raciocínio, a leitura tem consistência em um diálogo, ou seja, uma interação entre texto e leitor ou autor e leitor. A autora faz uma afirmação de que o texto, segundo essa visão interacionista, é portador de um núcleo de sentido fixo, em que às margens desse núcleo são autorizadas certas variantes de sentido (sentidos diversos).

            As intenções do autor de um texto, então, se dão por indícios deixados por ele de modo deliberado da situação enunciativa. A partir disso, constitui-se a autoridade que coloca limites ao percurso e aos possíveis sentidos a determinado leitor. Leitor este que compartilha conhecimentos e convenções com o autor de determinado texto e mesmo tendo diferentes experiências de vida, ambos se envolvem em uma situação que pode aproximá-los ou afastá-los, com isso, estabelecendo a qualidade da leitura.

            Coracini (2001) ilustra essa visão interacionista de leitura mencionando o exemplo da árvore raiz que consiste numa árvore com forte unidade principal, denominada “pivo” que suporta raízes secundárias. Esta ilustração serve como argumento para o que ela disse sobre o texto como portador de um núcleo de sentido fixo, sentido invariável, que sempre ao redor dele são autorizadas certas variantes de sentido.

            Outro conceito de leitura está voltado para uma visão estruturalista de leitura que consiste, segundo Coracini (2001), na língua enquanto sistema de signos, cujo significado já se acha colocado na palavra de modo inseparável. Assim um texto consistiria em agrupamentos de palavras que, ao fazer parte de um sintagma, determinariam o sentido correto do texto. Baseado nessa visão, o leitor ideal seria aquele que tivesse capacidade de captar do texto o sentido que já se encontrava nele.

            Embora deixe evidente que há relevância na concepção da visão interacionista, a autora nos remete a considerar a língua como lugar de equivoco, na percepção de que todo enunciado é passível de se tornar outro diferente dele próprio, deslocando-se discursivamente de seu sentido para derivar um outro sentido.

            Nesse seguimento, a leitura é concebida como um processo de produção de sentidos e seus limites não são dados pelo texto nem pelo seu autor, mas, sim, “pelo momento histórico-social e pelas ideologias que atravessam a formação discursiva[2] ou o discurso no qual se encontra inscrito o sujeito leitor”. (CORACINI, 2001, p.142).

            Apoiado nessa visão, os sentidos se ramificam para locais imprevisíveis, promovendo confusão a quem pretender dirigir, dominar e prever por intermédio da razão o seu processo de desenvolvimento e sua terminalidade. Dessa visão que é discursiva de heterogeneidade, constitutiva de todo sujeito e dizer, há possibilidade de enxergar a leitura de outras maneiras.

A autora afirma que em nenhuma hipótese duas leituras serão idênticas, havendo sempre e de forma inevitável a produção de sentido especificada e restringida pelo inconsciente heterogêneo do sujeito, envolvendo suas crenças e experiências. Porém duas leituras feitas em contextos semelhantes terão pontos em comum, tais leituras nunca serão completamente diferentes, isso porque toda produção de sentido sofre ação da formação discursiva atravessada pela ideologia da sua ocasião histórico-social, que autoriza alguns sentidos e coíbe outros, e da história de cada leitor.

            Em termos conclusivos, cabe-nos ressaltar que com relação à identidade do sujeito que está sempre em mudança, é possível dar explicações às diversas leituras de um leitor que produz sentidos diferentes em situações distintas e partindo de um mesmo texto que se mostra fixo, sem qualquer alteração. Isso tudo quer dizer que os sentidos só podem ter um controle exercido pela formação discursiva, pelo grupo social ou pela comunidade interpretativa onde, em determinado momento histórico-social e em lugar específico, surgirá relações discursivas que aceitarão alguns sentidos proibindo outros.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1992.

BENVENISTE, E. Problemas de Lingüística Geral I. Campinas, SP: Pontes, 1988.

CORACINI, Maria. J.R. Discurso e Leitura: Heterogeneidade e Leitura Na Aula de Língua Materna. Pelotas: EDUCAT, 2001.

FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2006.

MAINGUENEAU, Dominique. Novas Tendências em Análise do Discurso. Campinas, SP: Pontes: 1997.

ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e Leitura. São Paulo: Cortez, 2006.



[1] O termo Análise do Discurso será tratado por “AD” em muitas situações adiante.

[2]    A formação discursiva foi ntroduzida por Foucault “para designar conjuntos de enunciados relacionados a um mesmo sistema de regras, históricamente determinadas”. (MAINGUENEAU, 2006, p.67)