“O animal (diz Ortega) não rege a sua existência, não vive a partir de si mesmo, mas está sempre atento ao que se passa fora dele, a esse outro diferente dele. Nosso vocábulo outro não é senão o latino alter. Dizer, portanto, que o animal não vive a partir de si mesmo, mas do outro, trazido e levado e tiranizado por seu outro, é equivale a dizer que o animal vive sempre alterado, alienado, que a sua vida é constituída de alteração” (Luiz Caramaschi, “Terceira Jornada Filosófica”, p. 20). 

Poderia dizer que este breve trecho, exposto na magnífica obra de Luiz Caramaschi, é lamentável por relatar a realidade em que vivemos de uma maneira tão coesa? Sim. O autor cita Ortega para fortificar seu argumento, e mostrar a tamanha semelhança entre o animal (em um sentido pejorativo) e o “homem-massa” (O próprio Luiz Caramaschi descreve desta maneira, o homem que não tem opinião própria, não age por si mesmo, e sim, somente de acordo com que outros fazem).

Por conseguinte, tal como ocorre com os animais, quase todo o mundo está ‘alterado’, e na alteração o homem perde o seu atributo mais essencial: a possibilidade de meditar, de reconhecer-se dentro de si mesmo, para se pôr de acordo consigo mesmo e precisar, para si mesmo, aquilo que crê; aquilo que estima de verdade e o que deveras detesta. Nada pior que isto. As pessoas não fazem idéia do quanto isto é importante para suas vidas, pois, se soubessem, tenho certeza que iriam separar, no mínimo, quinze ou vinte minutos de seu dia, para meditar; ter um instante de reflexão; olhar para si mesmo, e analisar o que observa. A alteração cega o homem, o obriga a atuar mecanicamente em um frenético sonambulismo coletivo, e quando um Ser chega a perceber este axioma, é tão mal visto por aqueles, que vem a muitas vezes,  se convencer de que verdadeiramente estava errado. 

“[...] o homem costuma viver intelectualmente a crédito da sociedade em que vive, crédito do qual nunca se fez questão. Vive, portanto, como um autômato da sua sociedade. Só em tal ou qual ponto se dá o trabalho de revisar as contas, de submeter à crítica a idéia recebida e rejeitá-la ou readmiti-la; mas, desta vez, porque a repensou ele mesmo e examinou os seus fundamentos”. (Ortega Y Gasset, O Homem e a Gente, 292)

Mais uma vez, o texto escrito décadas atrás, relata tão bem a vida dos homens hoje,  que fico espantado. Qual “homem de negócios” atual não se encaixa perfeitamente nestas condições? Claro, não desmerecendo o trabalho, que é algo extremamente fundamental à vida das pessoas, porém, o autômato visível na vida de todos não é necessário, entretanto, está se tornando com o passar do tempo.  Ademais, o homem descrito acima, a partir do momento em que toma uma situação e a analisa criticamente, deixa de pertencer a “massa” e passa a se encaminhar para a conduta do “homem excelente”; ou seja, aquele que não segue a conduta que não visa o desenvolvimento do homem em todos os aspectos possíveis.  

Homem-Massa é todo aquele que não se valoriza a si mesmo — no bem ou no mal — por razões especiais, mas que sente “como todo mundo” e, entretanto, não se angustia, sente-se à vontade ao sentir-se idêntico aos demais” (Ortega Y Gasset, A Rebelião das Massas, p. 63). 

Quer algo mais “desatualizado” do que não estar ligado aos principais insultos ocorridos no reality-show das oito? Ou não ter visto aquele vídeo bombástico, que todos viram menos você? Ou não ter sua casa pintada da cor X ou com uma textura Y na parede, só porque a  casa da menina que atua na novela Z possuí? Estes e outros quase inumeráveis aspectos são extremamente evidentes nos descritos “homens-massas” de hoje em dia.