INTRODUÇÃO

A perda do potencial de capacidade de deambular ameaça a independência de tal forma que, possivelmente, nenhuma outra limitação funcional o faça. A amplitude dessa ameaça pode ser suposta apenas quando a deambulação é comprometida por uma amputação de membro inferior (GUCCIONE, 2002).

Segudo Carvalho J. A. (2003), amputação é um termo que deriva do latim e apresenta o seguinte significado: ambi= ao redor de/ em volta de e putatio= podar/ retirar. Amputação pode ser definida como a retirada, geralmente cirúrgica, seja total ou parcial de um membro. Para muitos, o termo amputação está relacionada com terror, derrota e mutilação, provocando, de forma implícita, uma analogia com a dependência e a incapacidade.

Para Lianza (2001), até então não existe dados oficiais no Brasil, sobre a incidência de amputação de membros. Nos Estados Unidos, em 1979, 86 pessoas sofriam amputações a cada 10.000 habitantes. Acredita-se que no Brasil esse número é superior, devido, entre outras razões, a elevado ocorrência de acidentes de trânsitos, a incidência de certas moléstias tropicais como hanseníase e a pouca atenção voltada para o paciente diabético.

Nesse contexto, foi escolhido como objeto de estudo a reabilitação de pacientes vítimas de amputação buscando relatar desde definição até os cuidados de enfermagem que podem ser prestados a esses pacientes. O objetivo do presente estudo foi identificar quais os cuidados propostos a um paciente amputado, enfatizando o papel do enfermeiro como profissional integrante da equipe multiprofissional, focada para a reabilitação ótima em âmbito físico, social, e psíquico.

METODOLOGIA

Este estudo consta de uma revisão bibliográfica sendo realizado um levantamento acerca da reabilitação de pacientes submetidos à amputação, utilizando-se de bases de dados o Scielo. Como procedência da busca desse estudo utilizou-se as palavras-chaves: amputação, reabilitação e cuidados de enfermagem. Foram encontrados uma variedade de artigos científicos, sendo apenas 4 selecionados para essa pesquisa, por terem sido desenvolvidos em âmbito nacional e publicados em periódicos científicos de enfermagem, em revistas renomadas, além de serem relativamente recentes e abordarem aspectos relevantes que merecem consideração sobre o objeto de estudo.

Além dessas referências, utilizou-se 12 livros para subsidiar essa pesquisa: Tratado de Medicina Física e Reabilitação de Krusen, Prática de Enfermagem,Tratado de Enfermagem Médico-Cirúrgica, Fisioterapia: Avaliação e Tratamento, Medicina de Reabilitação, Manual de Reabilitação Geriátrica, Fisioterapia Geriátrica, Amputações de Membros Inferiores, Manual Merck, Enfermagem Médico-Cirúrgica e Planos, Cuidados de Enfermagem e Assistência de enfermagem nas Intervenções Clínicas e Cirúrgicas.

REVISÃO DE LITERATURA

Para se realizar uma amputação é necessário um estudo cuidadoso das condições de permeabilidade vascular no nível de amputação escolhido e uma inspeção minuciosa dos tecidos lesados. Um bom coto deve ser firme, sem contraturas articulares, aderências cicatriciais, neuromas, porém vai depender de fatores como mioplastia, miodese, hemostasia, neurectomia, sutura e posicionamento. (CARVALHO J. A., 2003).

A amputação de um membro inferior torna-se constantemente necessária por meio de doença vascular periférica progressiva (geralmente seqüela de diabetes mellitus), gangrena gasosa fulminante (queimaduras, geladuras, queimaduras elétricas), osteomielite crônica ou tumor maligno, deformidades congênitas. Dentro todas essas causas citadas, doença vascular periférica é a que mais prevalece quando se trata da etiologia das amputações (SMELTZER; BARE, 2004).

Normalmente, as amputações ocorrem por indicação de urgência ou eletiva. As que possuem caráter de urgência são em casos graves como traumas, neoplasias em estado avançado ou no caso de sepses, por trazerem risco de vida ao paciente. Por sua vez as eletivas são indicadas para os indivíduos portadores de seqüelas ou processos mórbidos, com a ótica de melhorar as condições de vida do paciente (CARVALHO J. A., 2003).

A amputação será efetivada no ponto mais distal que gera a recuperação bem sucedida. É importante avaliar o estado circulatório do membro por meio de exame físico e exames específicos. Sempre é desejada a preservação do joelho, afinal quase todo tipo de amputação pode ser adaptado a uma prótese (SMELTZER; BARE, 2004).

Conforme Kottke e Lehmann (1994), os níveis mais utilizados são as amputações transmetatársicas, a Syme e a convencional, conhecida como abaixo do joelho. É comprovado que quanto mais alto for o nível de amputação, se gasta mais energia para a deambulação. Se tiver um amputado abaixo do joelho andando no plano, gasta entre 10 e 40% de energia a mais do que uma pessoa não amputada andando a mesma distância. Um amputado acima do joelho, nas mesmas condições gasta de 60 a 100% mais energia do que um não amputado.

Segundo Nettina (2003), um dos critérios indispensáveis a ser realizados com um paciente pré-operatório de cirurgia de amputação é a avaliação hemodinâmica, que é realizada por meio de exames como angiografia, fluxo sanguíneo arterial, xenônio 133, para conseguir determinar o nível ótimo de amputação. Avaliar os sistemas cardiovascular, respiratório, renal como também outros sistemas orgânicos, para delimitar a condição pré-operatória do paciente, reduzindo assim, o risco da cirurgia ao melhorar a função.


Conforme Nettina (2003), após o ato cirúrgico, é importante observar e monitorar o paciente para prevenir as complicações como hemorragia, infecção, dor-fantasma não aliviada e lesão sem cicatrização. Deve-se promover a aceitação da alteração da imagem corporal, afinal o paciente está perdendo uma parte do seu corpo.

Segundo Lianza (2001), normalmente o paciente retorna da sala operatória ainda sob efeito do anestésico utilizado e com um coto coberto por um curativo gessado ou não. É importante evitar posiçõesque induzem contraturas das articulações proximais ao coto de amputação. Em pacientes sem isquemia dos membros inferiores deve-se elevar o membro com a elevação dos pés da cama, e jamais realizado com a colocação de travesseiros sob o membro afetado, isso quando se quer promover drenagem da extremidade.


Não ocorrendo complicações, o paciente terá alta hospitalar dentro de um período de quatro a cinco dias pós-operatório, deslocando-se em cadeiras de rodas, se possível, orientado devidamente de forma a prevenir, em casa, pela atitude postura e exercícios e as assustadoras contraturas articulares. Na alta, já será programado o comparecimento a uma unidade de reabilitação para preparar o coto e iniciar o reino de marcha unipodal em barras paralelas, depois no andador e após com muletas (LIANZA, 2001).

A reabilitação é definida porBeers e Berkow (2000) como "uma combinação de terapia física, ocupacional e de linguagem; aconselhamento psicológico; e trabalho social com a finalidade de auxiliar os pacientes a manterem ou se recuperarem de incapacidades físicas" p. 2466. Diogo (2003) complementa afirmando que reabilitação é entendida como um processo dinâmico, criativo, progressivo e educativo, com objetivos direcionados à restauração funcional do indivíduo, reintegrando-o à família, à comunidade e à sociedade, através da independência nas atividades cotidianas.

A presença de uma limitação funcional estabelecida por uma amputação de membros inferiores consequentemente causa interferência sobre a autonomia e independência, resultando em alterações na vida diária, no trabalho, na interação com a sociedade e na realização de atividades. Assim, a perda de uma parte integrante do corpo pode levar o paciente independente a um indivíduo dependente (DIOGO, 1997).


Beers e Berkow (2000) entendem que pacientes incapacitados tendem a ficar deprimidos podendo perder a motivação de restaurar a função perdida. Nesse momento podem estar utilizando no programa de reabilitação especialistas em saúde mental, a fim de superar os estados emocionais adversos enfocando a recuperação funcional. Uma assistente social pode estar ajudando o paciente e os familiares a se ajustarem, afinal, a incapacidade pode causar problemas financeiros, por exemplo, a ambos.


Como amputação é resultado de uma lesão, há necessidade de suporte psicológico para este paciente, para aceitar a alteração súbita na imagem corporal, como também para lidar com os estressores de uma hospitalização e modificação do estilo de vida. Afinal, as reações do paciente são imprevisíveis, podendo incluir raiva, amargura e hostilidade (SMELTZER; BARE, 2004).


Para Smeltzer e Bare (2004), a equipe de reabilitação é multidisciplinar, composta por paciente, enfermeira, médico, psicóloga, assistente social, profissional de reabilitação funcional, protético, entre outros. Os profissionais auxiliam o paciente para alcançar o nível de função e aumentar a participação do mesmo nas atividades da vida. Segundo Guccione (2002), os membros da equipe multidisciplinar têm como responsabilidade primordial reconhecer os principais indícios que afetam o controle e a reabilitação bem-sucedida.

Diogo (1997) relata que os profissionais envolvidos devem apoiar as decisões dos pacientes e de seus familiares, com respeito a autonomia de cada, num processo educativo e harmônico com as necessidades de cada indivíduo. Há a necessidade de considerar todas as limitações físicas, psíquicas e ambientais, isto é, fatores que podem interferir na adaptação.

A assistência de enfermagem não é somente realizada com procedimentos, mas também com atitudes, gesto carinhoso, sorriso, o saber ouvir, saber olhar, falar, reabilitar, prevenindo doenças e complicações. Saber gerar saúde amplamente, valorizando o ser humano, com respeito à dignidade, exercitando a cidadania encorajando-o a buscar o reconhecimento social (PAGLIUCA et al., 2006).

A enfermagem tem como prioridade apoiar a adaptação psicológica e fisiológica, proporcionar alívio da dor, prevenir complicações, promover a mobilidade/as capacidades funcionais e sempre estar fornecendo informações sobre o procedimento cirúrgico/prognóstico e necessidades de tratamento (DOENGES et al., 2003).

Para Hargrove-Huttel (1998) os principais diagnósticos de enfermagem são: distúrbio da imagem corporal, reação de pesar antecipada, risco de infecção, déficit de conhecimento, mobilidade física prejudicada, dor, dor crônica e perfusão tissular alterada. Smeltzer e Bare (2004) completam com outros diagnósticos como: risco de comprometimento da percepção sensorial, enfretamento ineficaz, déficit de autocuidado, entre outros.

Para alívio da dor pode-se utilizar opióides. Essa dor pode ser de caráter inflamatório ou infeccioso, como também pela pressão em uma proeminência óssea ou hematoma. Uma das medidas que podem ser tomadas para melhorar o nível de conforto seria mudar sempre que possível a posição do paciente ou colocar um saco de areia discreto sob o membro para se contrapor ao espasmo muscular. A dor também pode estar simbolizando luto e alteração da imagem corporal (SMELTZER; BARE, 2004).

Conforme Smeltzer e Bare (2004), os amputados podem estar relatando dor do membro fantasma após cirurgia ou 2 a 3 meses depois do ato cirúrgico, principalmente quando a amputação é acima do joelho. A enfermagem deve manter o paciente ativo, ação que contribui para minimizar a dor, os beta-bloqueadores aliviam consideravelmente o desconforto em queimação e maciço; os anticonvulsivantes controlam dores que são penetrantes e em casos de cãibra, também são utilizados os antidepressivos tricíclicos com intuito de melhorar e a capacidade de enfrentamento da situação.

Monitorar o equilíbrio hídrico é estar observando o paciente e os sintomas sistêmicos da perda sanguínea excessiva, como hipotensão, taquicardia, sudorese. Atentar-se para drenagem excessiva da lesão, reforçando os curativos usando técnica asséptica, mensurar a drenagem por aspiração, e monitorar a ingesta e débito para ter o balanço hídrico (NETTINA, 2003).

A elevação do membro é de suma importância, manter o membro residual envolvido adequadamente sob compressão com ataduras elásticas ou qualquer outro tipo de dispositivo compressivo, tudo conforme prescrição. Manter o paciente em um alinhamento corporal conveniente, estimular a realização de exercícios ativos e passivos de amplitude de movimento, ou seja, reforçar as instruções da equipe de fisioterapia, etc. (CARVALHO, A.C.S., 2008).Smeltzer e Bare (2004) complementam sobre a modelagem do coto de amputação é essencial para a adaptação à prótese, assim a enfermeira ensina ao paciente e aos familiaresa enfaixar o membro residual com curativos elásticos.

Em relação à aceitação da imagem, a enfermeira que firmou uma relação de confiança com o paciente submetido à amputação, está capacitada a conversar a aceitação do paciente, encorajando-o a olhar, sentir e cuidar do membro residual. Porém esse processo de aceitação pode levar meses, independentemente da motivação que o paciente apresente (SMELTZER; BARE, 2004).

É importante estar educando o paciente e a família quanto ao cuidado com o coto de amputação, enfatizar as necessidades de evitar colocação de curativos adesivos ou esparadrapos sobre o coto, aconselhar a evitar a aplicação de cremes, loções ou álcool no coto. Deve-se destacar o uso adequado da prótese, os cuidados com a prótese e a importância de nuca adaptar ou alterar a prótese mecanicamente sem a ajuda de um especialista (HARGROVE-HUTTEL, 1998).

O indivíduo que teve uma amputação de membro inferior enfrenta uma série de obstáculos físicos, sociais, de saúde e emocionais que impulsionam a dependência e a delegação de ações e responsabilidades do autocuidado para outras pessoas envolvidas com ele. Compete aos profissionais envolvidos na reabilitação promover independência e autonomia, atuando concomitantemente com familiares com ótica numa melhor qualidade de vida (DIOGO, 1997).

Deve-se compreender que é possível adaptar a novas experiências e praticar os princípios da bioética que diz sobre o respeito à vontade do paciente, mesma quando não se consegue convencer sobre a importância do cuidado planejado, estando esclarecido, tem o direito de se recusar a receber determinados cuidados (PAGLIUCA et al., 2006).


 
CONSIDERAÇÕES FINAIS

No entanto, para ter sucesso na reabilitação não é necessário somente a equipe multiprofissional, como médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, técnicos ortopédicos e terapeutas físicos, como também da aceitação da amputação pelo próprio paciente, colaborando com a reabilitação, principalmente motivando e dedicando para sucesso da mesma.

É notável que a atuação da enfermeira esteja centrada na ação educativa com o paciente e seus familiares, com finalidade de evitar complicações secundárias e proporcionar adaptação a nova situação. Através da assistência de enfermagem sistematizada, organizada, elabora, executa e avalia um plano de cuidados individualizado que respeite as etapas de uma reabilitação ótima.

Uma sugestão, é que sejam realizados estudos dentro deste contexto, na ótica de compreender o potencial de reabilitação dos indivíduos vítimas de amputação, assim a enfermagem pode ampliar o seu papel na contribuição de proporcionar melhor qualidade de vida à esses pacientes portadores de incapacidades crônicas, reconhecendo a reabilitação como um processo que vai além da alta hospitalar.

REFERÊNCIAS

BEERS, M.H.; BERKOW, R. Manual Merck: diagnóstico e tratamento. 17 ed. São Paulo, SP: Roca, 2000.

CARVALHO, J.A. Amputações de membros inferiores: em busca da plena reabilitação. 2 ed. Barueri, SP: Manole Ltda, 2003.

CARVALHO, A.C.S. Assistência de Enfermagem nas intervenções clínicas e Cirúrgicas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008.


DIOGO, M. J. D´E. A dinâmica dependêncai-autonomia em idosos submetidos à amputação de membros inferiores. Rev.latino-am.enfermagem. Ribeirão Preto, v.5, n.1, p. 59-64, janeiro 1997. Disponível em: <http://bases.bireme.br>. Acesso em: 28 de agosto de 2008.


DOENGES, M.E. et al. Planos de Cuidados de Enfermagem: orientações para o cuidado individualizado do paciente.
5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003.


GUCCIONE, A. A. Fisioterapia Geriátrica. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.


HARGROVE-HUTTEL, R. A. Enfermagem Médico-Cirúrgica. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998.


KAUFFMAN, T.L. Manual de Reabilitação Geriátrica. 1 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001.

KOTTKE, F. J.; LEHMANN, J.F. Tratado de Medicina Física e Reabilitação de Krusen. 4 ed. Barueri, SP: Manole Ltda, 1994.

LIANZA, S. Medicina de Reabilitação. 3 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001.


NETTINA, S.M. Prática de Enfermagem. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003.

PAGLIUCA, L.M.F. Pessoa com Amputação e Acesso ao Serviço de Saúde: cuidado de enfermagem fundamentado em Roy. Rev. Enferm UERJ. Rio de Janeiro: p. 100-106, jan/mar 2006. Disponível em: <http://www.portalbvsenf.eerp.usp.br/scielo>.Acesso em: 28 de agosto de 2008.

SMELTZER, C.S.; BARE, B.G. Tratado de Enfermagem Médico – Cirúrgica. 10ª ed. – Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan, 2004.