O Uso das Narrativas nas Pesquisas em Comunicação

Lívia Melo BARBOSA
Angelica de Fátima PIOVESAN
Prof. Dra. Fabricia Borges


Resumo

O presente artigo tem o objetivo de apresentar um estudo sobre o uso das entrevistas narrativas em pesquisas qualitativas em educação e comunicação, mediada pela psicologia sócio- histórica. Abordamos as relações dialéticas entre tempo, memória e narrativas através da teoria interacionista, proporcionando uma maior compreensão na construção dos dados e análises dos resultados. Utilizamos a metodologia das pesquisas qualitativas, visando uma melhor compreensão das relações semióticas.

Palavras-chave: Narrativas; memória; linguagem; comunicação; cultura.


Introdução
Ao estudarmos a linguagem, através de teóricos como Saussure (1970), Vigotski (2001; 1998; 1989), Bakhtin (1995; 2003), Barthes (2009), podemos perceber que a linguagem tanto oral, como escrita ou fotográfica, como instrumento mediador dos signos se desenvolve no meio social. Saussure (1970) propôs que o estudo do sistema do signo linguístico seria parte de uma ciência mais ampla que ele designou de semiologia: "a ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida social." (p. 16). Sendo assim, o sistema do signo linguístico seria o modelo para a análise de outros sistemas de signos, nesse artigo estaremos propondo como instrumentos utilizados na construção e análise dos dados na Pesquisa Qualitativa em Educação e Comunicação através do discurso das narrativas.
Através da linguagem percebemos também a importância das narrativas. Falar de narrativas é falar de tempo e de memória, podemos adicionar a estes instrumentos as imagens, imagens essas, que por sua vez, evocam memórias e essas memórias podem ser narradas. Este artigo tem como objetivo apresentar as narrativas, as memórias como instrumentos na pesquisa qualitativa em educação e comunicação mediada pela psicologia sócio-histórica.
Para esse estudo utilizaremos conceitos de teóricos como Flick (2009), Jovchelovitch e Bauer (2008) que expõem técnicas metodológicas para trabalhar com entrevistas narrativas em pesquisas qualitativas. Ao falar de tempo e narrativa citaremos teóricos como Ricouer (1994), Benjamin (1994).Todos esses autores são estudados pelo viés da psicologia sócio-histórica, focando as relações dialéticas e a rede de significações.

Narrativas
Segundo Jovchelovitch e Bauer (2008), o termo Narrare, originado do latim, significa relatar, contar histórias foi sistematizado em técnicas por Schutze, tornando as narrativas em instrumentos importantes na construção dos dados nas pesquisas qualitativas. Segundo os autores Flick (2009), Jovchelovitch e Bauer (2008), as entrevistas são utilizadas como dados nas Pesquisas Qualitativas e as narrativas são procedimentos de coleta e construção dos dados, sendo assim bem mais complexa, em termos de informações, do que a entrevista semi-estruturada. Os autores supracitados apontam como uma das principais características da narrativa, a capacidade de permitir ao pesquisador abordar o mundo empírico do entrevistado, além de descobrir ou delinear a situação inicial, apresentando-se como progressão de eventos e depois uma situação final sobre o objeto estudado.
Em 1970, o sociólogo alemão, Fritz Schutze utilizou a narrativa como método específico de coleta de dados, fundamentando-a em um conjunto de tradições teóricas advindas dos métodos: da sociologia fenomenológica, do interacionismo simbólico e da etnometodologia. O método introduzido por Schutze é utilizado principalmente na pesquisa bibliográfica, na educação, sociologia e na psicologia. Em 1977, Schutz, sistematiza as narrativas como uma técnica que é classificada como coleta dos dados do método de pesquisa qualitativa, sendo considerada uma forma de entrevista não estruturada, de profundidade, com características específicas (FLICK, 2009).
Benjamin (1994), afirma que ao narrar, o narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. Ele incorpora as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes. Partindo dessa afirmativa, podemos perceber por meio das teorias interacionistas, que o individuo quando está narrando, ele orienta sua fala para quem está ouvindo, ocorre a todo o momento, uma interação entre ouvinte e narrador. Ao narrar a sua própria experiência ou a vivida pelos outros, o narrador também incorpora as experiências dos ouvintes, nesse momento da narrativa acontece à construção de novos significados, tanto para o narrador quanto para o ouvinte.
Segundo Bernado (1999), é nas palavras e no encadeado das palavras, nas lentas distorções semânticas, na acumulação de sentidos ou nas bruscas rupturas de significado, e mais profundamente ainda na lógica que une tudo isso e lhe dá nexo, cada um de nós se insere em moldes já feitos. Podemos encontrar todos esses aspectos nas narrativas, pois os indivíduos estão sempre construindo novo significados, mesmo que esses novos significados rompam com os que já existiam anteriormente.
É importante ressaltar que de acordo com os autores: Flick (2009), Jovchelovitch, Bauer e Gaskell (2008) o tópico guia é de extrema importância, pois a entrevista não é uma conversa informal, por mais que a entrevista possa fluir de forma natural, o entrevistador deve estar muito bem preparado para apreender o que é dito e o que não é dito também. O pesquisador deve ter um conhecimento prévio do campo, através de observações ou através de colegas mais experientes para saber como ter um resultado mais produtivo durante as entrevistas. O pesquisador não poderá perder de vista os objetivos da pesquisa. Diante dos objetivos da pesquisa o pesquisador deve separar tópicos guias, que irão direcionar as entrevistas, contudo, esse direcionamento ocorre de forma flexível, pois devemos sempre está aprofundando cada vez mais as informações apontadas nas entrevistas.

Narrativa, Tempo e Memória
Ricouer (1994), afirma que o mundo exibido por toda narrativa é o mundo temporal. Ou seja, falar de narrativa é falar de tempo. Segundo o autor o tempo se torna tempo humano na medida em que está articulado com o modo narrativo; em compensação, a narrativa é significativa na medida que esboça os traços da experiência temporal.
Somando a idéia de Ricouer (1994), temos Aumont (1993), que afirma que o tempo do entrevistado/espectador, não é um tempo objetivo, mas sim o tempo da experiência temporal. A Psicologia tradicional, segundo Aumont (1993) tende a diferenciar os vários modos dessa experiência, entre eles: o sentido do presente, o sentido da duração, o sentido do futuro e o sentido da sincronia e da assincronia. Ressaltaremos aqui, o sentido do presente e o sentido de duração. Sobre o sentido do presente Aumont (1993) afirma que esse tempo é fundado na memória imediata, para o autor o presente não existe como um ponto no tempo, mas sempre como pequena duração. Sobre o sentido da duração o autor supracitado entende-o como sendo o que normalmente sentimos com "tempo". Ou seja, a duração é sentida com o auxílio da memória a longo prazo, como se combinasse "a duração objetiva que escoa, as mudanças que afetam nossos perceptos durante esse tempo e a intensidade psicológica com a qual registramos aquelas e estas." (AUMONT, 1993, p. 106)
O autor supracitado nos remete a idéia de que o presente não existe, é só uma pequena duração que logo vem a ser passado e o sentido de duração está relacionado com a memória de longo prazo, onde os eventos acontecem a todo momento, mas só conseguimos perceber a sua duração, graças a memória de longo prazo e as mudanças que vão nos afetando no tempo em que esses eventos vão sucedendo e a intensidade psicológica a qual os registramos.
Ao trabalharmos com narrativas e com a perspectiva sócio-histórica, concordamos com o posicionamento de Benjamin (1994) ao definir História. O autor mencionado anteriormente, fala de maneira alegórica sobre os olhos de um anjo, que ao olhar para o passado nos impulsiona para o futuro. Na psicologia sócio-histórica entendemos que as narrativas sobre as memórias, serão direcionadas pelo presente e o presente também irá direcionar as futuras expectativas.



Considerações Finais
Na perspectiva sócio-histórica vemos que tudo está interligado formando uma rede de significações. O que acontece com esse artigo não é diferente, pois falar de narrativa é falar de tempo, memória e cultura, falar de memória também é falar de tempo, narrativa e cultura.
Simson (2005) ao apresentar em seu capítulo denominado Imagem e Memória, a conceituação que o semiólogo Lotman faz sobre cultura, onde podemos perceber todos os aspectos citados anteriormente. O semiótico diz que a cultura é a memória longeva de uma comunidade e não um simples depósito de informações, a cultura é bem mais complexa, é organizada de modo que conserva as informações, elaborando continuamente os procedimentos mais vantajosos e compatíveis. Pois, recebe coisas codifica e decodifica mensagens, traduzindo-as a um outro sistema de signos, somente aquilo que foi traduzido em um sistema de signos pode vir a ser patrimônio da memória.
O presente artigo contribui para que possamos refletir sobre o quanto podemos enriquecer com informações detalhadas sobre o objeto de estudo, os resultados nas Pesquisas qualitativas em Educação e Comunicação quando utilizamos como instrumentos as entrevistas narrativas. Além da relação semiótica existente entre os dois instrumentos, não podemos deixar de ressaltar que o uso das entrevistas narrativas (1970) associadas à memória em pesquisa são contemporâneos. Por serem contemporâneos esses instrumentos que tem muito a serem explorados nas pesquisas, não apenas como instrumentos mediadores, mas como também como objeto de estudo.




Referências

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