O sujeito, a sociedade e o acolhimento:

Os caminhos para transformação e crescimento social

 Johnny Everton Pinheiro de Borba

 

Resumo

O presente relatório é um estudo de caso sobre G., um jovem em situação de acolhimento que busca o convívio com seus familiares apesar do risco e da vulnerabilidade de sua comunidade. Para coexistir na sociedade, e não tornar-se alvo de situações conflitantes entre os moradores, o acolhimento pra G. garante sua proteção de uma região considerada perigosa. A família é o principal apoio na construção do sujeito, independente de moradia ou condição financeira, a principal dificuldade no desenvolvimento saudável de G. está estrutura disfuncional dos integrantes de sua família de origem. Para este relatório, fora realizada uma pesquisa bibliográfica a respeito da formação de sujeito as características na construção de sociedade e os impactos para o jovem acolhido, longe de sua família e amigos próximos. Como base teórica , busco uma compreensão empática e voltada no crescimento e desenvolvimento do sujeito através da linha teórica da abordagem centrada no cliente, que acredita no crescimento organismico e integral de cada individuo, independente de suas condições atuais de vida, estando em cada sujeito a resposta para seu crescimento pessoal.

Introdução 

A constituição de sujeito e sua transformação

Para uma definirmos e conceituarmos o sujeito, não podemos assim faze-lo sem entender que esta formação só acontece diante de suas vivencias em um determinado grupo social. Vigotski (2000, citado por Zanella, 2004), entende a pessoa como “um agregado de relações sociais encarnadas num indivíduo”, desta forma, só há um sujeito quando contextualizado diante das idealizações sociais que o define coletivamente e organizado com outros sujeitos.  Podemos definir como um fenômeno que acontece em determinado lugar e demarcado por característicashistoricas, culturais e religiosas, transformando a relações interpessoais sendo compreendida e aceita de forma mutua. “...é relativamente aceita por diversas vertentes psicológicas, embora em geral marcada por uma compreensão do social como fenômeno da natureza, descolado tanto da história dessa própria natureza quanto de seus agentes produtores” ... “Vigotski sobre essa temática, a qual afirma a síntese entre aspectos fisiológicos e psicológicos e confere ao ser humano uma existência ao mesmo tempo biológica, psicológica, antropológica, histórica e essencialmente cultural...” (Zanella ,2004).

Pensar em sujeito é termos uma compressão de um individuo com sentimentos, desejos, atitudes e comportamentos próprios, isto é, de maneira subjetiva, tendo características marcantes  que o delimitam em subgrupos dentro da sociedade, sendo uma unificação dos ideais conscientes e visíveis por estarem relacionados com suas características interpessoais. “Sendo corpo e consciência, ao mesmo tempo, o sujeito é objetividade (pois é corpo) e subjetividade (pois é consciência), não podendo ser reduzido a nenhuma destas duas dimensões. O Eu, ou a identidade, ou a especificidade do sujeito, aparece como produto das relações do corpo e da consciência com o mundo, conseqüência da relação dialética  entre objetividade e subjetividade no contexto social” (Maheirie, 2002).

O sujeito está para a sociedade assim como a sociedade está par o sujeito. Um depende do outro e a transformação do sujeito interfere diretamente nas transformações da sociedade. Assim a identidade do sujeito relaciona-se  as características do grupo social que convive, sendo para Ciampa (1997 citado por Maheirie, 2002), em que identidade é “contraditória, múltipla e mutável”.   O que fazemos hoje muda a forma que a sociedade verá amanhã, e que mudará ou será oposto e mudado por outros sujeitos da sociedade. “A possibilidade de o sujeito atribuir sentidos diversos ao socialmente estabelecido demarca a sua condição de autor, pois, embora essa possibilidade seja circunscrita às condições sócio-históricas do contexto em que se insere, que o caracteriza como ator, a relação estabelecida com a cultura é ativa, marcada por movimentos de aceitação, oposição, confrontamento, indiferença” (Zanella, 2004).

A sociedade e a familia

Como vimos até agora, a sociedade tem uma relação direta para o sujeito que também a modifica, e transforma o jeito de vermos a sociedade, caracterizada por fatores históricos, sociais, culturais, religiosos e ambientais de um determinado grupo. O homem é percebido, segundo Moscovki (1981 citado por Santos, 1994), como uma “máquina de processamento de informações que apresenta alguns problemas”... “O homem é visto como um "cientista imperfeito” Assim “a sociedade como produto humano é ,na verdade, uma reconstrução, uma reelaboração humana” (Santos, 1994).  . Como compreender a sociedade moderna e a  transformação do sujeito dentro do contexto familiar?

Se pensarmos na família dentro de um contexto social, poderemos  compreender muitos fatores de determinam um comportamento especifico para cada grupo familiar. “Representando a forma tradicional de viver e uma instância mediadora entre indivíduo e sociedade, a família operaria como espaço de produção e transmissão de pautas e práticas culturais e como organização responsável pela existência cotidiana de seus integrantes, produzindo, reunindo e distribuindo recursos para a satisfação de suas necessidades básicas”. Conforme o ECA (2012) Art. 6º:  “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Sendo o cuidado com o jovem conforme o Art. 227º “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.  Para Kreppner (1992, citado por Dessen & Silva, 2000) “a ênfase no contexto familiar e seu impacto sobre o desenvolvimento individual da criança, particularmente durante períodos de transição, ajuda-nos a compreender como os diferentes modos de realizar as tarefas de desenvolvimento podem afetar o desenvolvimento individual

Ainda a família é considerada um elemento chave na constituição do sujeito. Quando falamos de construção de uma nova família com a chegada dos primeiros filhos, começa uma nova etapa na formação do sujeito, não apenas como agente que transforma e modifica sua sociedade, passando a ser também quem transmite as primeiras informações de vida para outro sujeito  em desenvolvimento e crescimento social. Com isso, o papel dos pares passa por modificações descritos por Binda & Galimberti, (1990 citado por Vectore, 1998) de duas formas: “A necessidade de adaptação do ritmo de vida à presença da criança;  A necessidade de aceitar a criança no sistema familiar, definindo qual o seu espaço dentro do sistema emotivo e de relações da família”.

Existe , contudo muitos fenômenos que vem modificando a sociedade contemporânea. Para Carvalho & Almeida (2003), considera como fenômeno modificador da família: “aumento da proporção de domicílios formados por “não famílias”, não apenas entre os idosos (viúvos), mas também entre adultos jovens que expressariam novo “individualismo”; a redução do tamanho das famílias;  a fragilização dos laços matrimoniais, com o crescimento das separações e dos divórcios;  incremento da proporção de casais maduros sem filhos; e a multiplicação de arranjos que fogem ao padrão da típica família nuclear, sobretudo de famílias com apenas um dos pais, e em especial das chefiadas por mulheres sem cônjuge”. Estes fenômenos modificam fatores diretamente relacionados com a estrutura da família tradicional, dando uma nova característica para sociedade com um modelo familiar interligados a novos  princípios históricos e culturais de determinado grupo social.

  Descrição do caso

G. foi acolhido nos últimos meses por sua comunidade onde mora possuir inúmeros problema que o deixavam em risco. Entre os problemas foi no trafico de drogas que recebera dois tiros pelas costas, ficando muito tempo hospitalizado. Quando voltou para o acolhimento, estava usando uma bolsa de colostomia, muito emagrecido precisava de cuidados especiais. Chegou a evadir uma vez, retornando duas semanas depois.

Nesta ultima quinta feira, seu padrasto que cuidou de G. desde pequeno foi visita-lo e pediu autorização para a  equipe técnica que cuida da casa de acolhimento para sair neste feriado de Pascoa. Quando o padrasto chegou aparentava ter bebido, pois tanto a psicóloga quando “eu” sentimos cheiro de álcool vindo do padrasto de G. quando ele soube que podia levar o jovem para um passeio no feriado, se emocionou e chorou, dizendo que “gosta muito do garoto pois cuidou dele como se fosse seu filho desde pequeno”. Em pouco tempo G. trocou de roupa e fez uma mochila para a viagem. Existia um clima de muito afeto entre ambos, mostrando para mim e a equipe que sentiam falta um do outro. Não se falou muito sobre seus outros irmãos e sua mãe. Soube que uma irmã de G. tivera uma filha que deveria sair do hospital naquele dia.

 

 

O acolhimento como agente de proteção e formador do sujeito: um olhar humanista para o conceito de sociedade e família

O acolhimento é um fator determinante na construção de sujeito, principalmente quando este jovem convive em uma região de alto risco colocando-o em uma situação de vulnerabilidade e sendo responsável pela violação de seus direitos. O acolhimento é a proteção da criança desprotegida, sendo também um modificador do sujeito.  Para Coelho & Neto, 2007 ; Ruegger & Rayfield,( 1999 citado por Delgado, 2010)  “A retirada da criança do seio familiar é o último recurso, pois todas as alternativas devem ser cuidadosamente ponderadas; não é o fim do percurso protetor, atendendo à segurança afetiva da criança e aos custos emocionais envolvidos . O Acolhimento Familiar é um serviço especializado que proporciona um contexto familiar alternativo, quando o perigo torna a retirada inevitável”.

Desta forma, para termos uma compressão mais empática para a formação do sujeito e o quanto ele como construtor de seus próprio caminho modifica e aperfeiçoa seu autoconceito, também acaba por transformar e modificar o conceito pré estabelecido em outros indivíduos. Partindo da premissa que todos estamos  unidos e mutuamente interligados por relações interpessoais, a mudança do sujeito acontecerá quando seu “eu real” estiver em contato com seus sentimentos de forma integrada, diferenciando do seu “eu ideal”. Compreender empaticamente o outro significa no “senso comum como a capacidade de “se colocar no lugar do outro”, a empatia vem sendo considerada uma das habilidades mais abertamente valorizadas, transformando‑se em objeto de crescente interesse de investigação”... “definida, mais especificamente, como a “capacidade de compreender e sentir o que alguém pensa e sente em uma situação de demanda afetiva, comunicando‑lhe adequadamente tal compreensão e sentimento” (Del Prette & Del Prette 2001, citado por Rordigues & Ribeiro, 2011).

Como vimos, a estrutura familiar de G. possui muitos pontos que ainda o mantem sobre um olhar mais cauteloso, já que sua  condição de vida em seu grupo social o coloca em risco. Não obstante disso, sua familia possui uma desestrutura que não garante seu crescimento e desenvolvimento e isso deixa-o em situação vulnerável. “Depende em grande parte do sistema familiar de cada criança o desenvolvimento do seu potencial físico, socioemocional e intelectual, enquanto instância primeira da socialização, que proporciona afeto, compreensão, valores, crenças, modos de pensar, de sentir, de agir, uma identidade e um patrimônio comum que é partilhado no interior de um pequeno grupo de pessoas, na sua intimidade e de um modo contínuo” (Delgado,2010). Para uma construção do sujetio de forma integrada, é preciso uma consideição positiva incondicional que para Max Pàges (1976) no conceito rogeriano: “...um amor, mas um amor não ambivalente, diferente de todas as formas de amor-fuga, que o termo habitualmente adquire... uma espécie de afeição desesperada e lúcida, que liga dois seres separados, unidos somente por sua condição comum de serem separados” (Almeida, 2019).

Se o padrasto de G. costuma beber durante o dia, isso não significa que o jovem deva ficar em acolhimento. Problemas familiares são comuns em todas as classes sociais e que costumam ser resolvidos dentro do seio da familiar. Neste processo de “tornar-se pessoa”, Rogers (1961), o cliente mostra tendencia  a se afastar com hesitação e receio de um “eu” que ele não é, e mesmo não sabendo para onde caminhar, acaba com isso definindo negativamente o que ele é. “Seria uma tentativa frustrada do padrasto de G. beber pra tentar esconder seus sentimentos, ‘tomar coragem”, ou mesmo afastar-se do que ele não é: um “pai” despreocupado com a família. Em algum momento de sua vida, o padrasto de G. acreditou que manter uma postura mais séria tendo como encorajador o uso da bebida era o seu “eu ideal”. A modificação deste padrão desestruturado e vulnerável,  que possivelmente pode ser caracterizado como cultural e historicamente construído, só acontecerá quando o padrasto de G. for honesto em seus sentimentos, sem o uso de “mascaras”, para tentar diminuir o impacto do afastamento de G. ao núcleo familiar.

Bibliografia

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