Gatinho Cheshire, que caminho devo seguir? - pergunta Alice. Depende onde você quer chegar - responde o gato (Alice no País das Maravilhas).


A fábula nos apresenta uma grande lição. Que caminho devo seguir? A resposta obvia seria indicar o caminho. Entretanto, a resposta surpreendente é: depende onde você quer chegar. Alice, vivendo em um mundo de sonhos, não sabe para onde seguir. Pergunta e resposta nos chamam atenção para o caminho, nos lembram a necessidade de não apenas chegar a algum lugar, mas a que lugar se pretende chegar. Não bastaria, portanto, uma meta inicial, para encontrar o caminho, devemos questionar a finalidade. Portanto, exige a escolha de uma opção metodológica.

Em Alagoas, os grandes proprietários de terras, estão concentrados, principalmente em duas grandes regiões: o litoral e o sertão. A primeira, mais desenvolvida economicamente, concentra os latifundiários do açúcar, em cerca de 65% das terras agricultáveis no Estado. Seu poder econômico e político perpassa todo o tecido social, estaria engendrado nas entranhas do poder e, com alto padrão tecnológico e de servidão, refletem a lógica de exploração capitalista no rural alagoano. Paralelamente, confundem capitalismo agrário com urbano, pois seus domínios vão além da concentração de terras. A este grupo econômico e político, a pergunta de Alice e a resposta do gatinho Cheshire perdem o sentido. Historicamente, passaram a concentrar terras, alocar recursos públicos, dominar a política alagoana. Desde a “emancipação” política de Alagoas, no início do século XIX, o poder esteve concentrado sob os auspícios dos produtores de açúcar. A partir década de 1930, além da concentração de terras, centrada na crescente decadência dos banguês, na fusão propriedades(quer sob a lógica dos casamentos familiares ou da compra e outros meios) e na incorporação de pequenas e médias áreas agricultáveis, ampliam seus domínios para o setor industrial . Assim, ao ampliar o setor industrial, favoreceram, no Estado, o aparecimento da categoria “fornecedores de cana”, para suplantar momentaneamente, a ainda insuficiência de propriedades para o plantio de cana, devido a necessidade que essa cultura possui para o desenvolvimento da produção. Além disso, concentravam o poder político a nível local, com a insistente permanência das famílias nas diversas esferas do poder público. Famílias violentas se digladiavam constantemente, como no caso dos Góis Monteiro. Divergiam em relação ao grupo familiar que iria governar o Estado e os Municípios, mas essas divergências não chegavam a abalar o poder de mando do setor sucroalcooleiro. Em nível nacional, concentravam forças, controlando o IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) e influenciando decisões no Congresso Nacional. Na década de 1950, com a “inapropriada” eleição de Muniz Falcão, recente líder oposicionista que se alia a usineiros dissidentes e a grupos oligárquicos do agreste e sertão, os usineiros vêem as "urnas" direcionar para uma possível mudança no comando político do Estado. Estava em jogo, não mudanças na ordem econômica local ou direcionamentos que provocassem questionamentos ao poder das persistentes oligarquias rurais, mas o comando do direcionamento político. Após sucessivas derrotas e, violenta reação do setor sucroalcooleiro através de seus representados na assembléia legislativa estadual, o impeachment do Governador, seu posterior retorno, desde que não entravasse a crescente ascensão dos usineiros, tudo voltaria ao "normal", bem ao estilo da “pax romana” tendo a frente armas e autoritarismos.


Também foi sob o domínio dos usineiros que a Ditadura Militar ganhou voz, representatividade e possibilitou o avanço da truculência. Mesmo antes do Golpe da elite econômica brasileira em 1964, a organização de milícias, o aparato estatal, a conivência das grandes religiões, a inércia da sociedade civil (des)organizada e a miséria crescente, favoreceram a sustentação do poder militar em um dos Estados da federação que, mesmo sendo o segundo menor em dimensão territorial, demonstrava possuir forças políticas e econômicas suficientes para não encontrar resistências significativas a qualquer atrocidade cometida.


O longo período ditatorial colocava em evidência, ainda mais, o setor sucroalcooleiro, ao mesmo tempo em que possibilitava a política continuista de exploração, dominação, expropriação de milhares de trabalhadores e, dentre eles, especialmente, os trabalhadores rurais. Estes, não puderam se organizar, não tiveram acesso a educação, saúde, moradia. Continuam sob a lógica da exploração desenfreada que é proporcionada por um capitalismo de orientação conservadora centrado na extrema exploração.
Em Alagoas, o chamado Estado do bem-estar social, não chegou a ser concretizado. Sequer as políticas populistas de Estado propagadas por JK-Janio-Jango nas décadas de 1950-60, puderam ser colocadas em prática. A chamada “república sindicalista”, expressão cunhada pela extrema direita brasileira e, por vezes, também divulgada, equivocadamente, por setores ligados a esquerda, em Alagoas, também não foi possível ser realizada. Nesse Estado, o movimento de sindicalização rural empreendido por Jango, a partir da pressão dos movimentos sociais rurais, mas que possuía forte teor de controle sindical pelo Estado, sofreu duros golpes, comandados pelo Governador-Major Luiz Cavalcante. A Igreja Católica, tradicional organizadora dos movimentos rurais que, em Estados como Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, propiciou a criação e organização de vários sindicatos rurais, em Alagoas, geralmente se omitiu ou se aliou ao major-governador Luiz Cavalcante. Este, tem seus feitos externados nas insistentes placas de comemoração com seu nome, nas diversas ruas por todo o Estado, pela mídia alagoana ou mesmo no imaginário da mídia recente, como o exemplo abaixo.

"(...) o major Luiz Cavalcante, o único governador de verdade em Alagoas desde 1961. Tudo o já que funcionou no Estado (o Produban, a Bacia Leiteira, o Instituto de Educação, o Cepa, as adutoras) e tudo o que ainda está funcionando (a Ceal, a Casal, o Trapichão, a Polícia Civil) a sociedade alagoana deve ao governador Luiz Cavalcante, o “maluco” que andava sozinho e se sentava nos bancos da praça para comer amendoim e chupar “rolete de cana”(JORNAL ALAGOAS 24 HORAS. 15h22, 21 de novembro de 2006 Acessado em 23/03/2009)."

Não é questionado o mérito da ações realizadas. Não se questiona que o Banco do Estado de Alagoas S.A. (PRODUBAN), desde a sua criação serviu para captar recursos estatais em favorecimento do setor sucroalcooleiro, até a sua liquidação, na década de 1990, sob alvos de CPI’s no Estado e no Senador Federal. Que as ações de fortalecimento da Bacia Leiteira no Sertão alagoano, possuía forte teor político para a contenção de frentes oposicionistas geradas a partir dos acordos com o grupo político de Muniz Falcão. A própria organização das estatais, Casal e Ceal, além de constituir parte de uma política de favorecimento ao capital privado, iniciada por JK, também serviu como mola propulsora para alavancar o setor sucroalcooleiro, sendo que a CEAL, atualmente federalizada, foi alvo de constantes abusos governamentais e de uso indevido da energia elétrica por parte das usinas. Portanto, a dívida da “sociedade alagoana” como apregoa o Jornal 24 horas, acima citado, foi paga com “sangue suor e lagrimas.”

A esquerda alagoana, notoriamente ligada ao Partido Comunista Brasileiro(PCB) passou a organizar os movimentos sociais no Brasil, mas por sua incipiente abrangência, não possuía expressão política no Estado que colocasse em xeque o poder usineiro ou mesmo que pudesse favorecer a ampliação da organização sindical para além do poder estatal. O certo foi que em Alagoas, os sindicatos rurais tiveram por base, a força organizativa da classe patronal do açúcar e do álcool (nas regiões litorâneas) e da Igreja Católica e eventuais partidos de esquerda (no agreste e sertão) (LÚCIO, 2003).


Sem organização política, a quase ausência da sociedade civil organizada e de organismos religiosos considerados progressistas, a classe trabalhadora alagoana, notadamente analfabeta, vivendo em meio a violência entre as famílias economicamente dominantes que são hesitavam em assassinar seus assemelhados para continuar no poder, foi contida bem ao estilo da elite alagoana, pela coerção. Foi assim, em todo o seu percurso histórico, desde o confronto político para manter a sede da capital alagoana no atual município de Marechal Deodoro, antiga Santa Maria Madalena da Lagoa do Sul, em meados do século XIX, aos Malta, Maia, Teixeira, Mendes, Novaes, Fidelis, Calheiro e Omena, aos atuais grupos familiares que se digladiam, irradiando violência por todo o Estado com constantes assassinatos. Nesta realidade marcada pela violência, enraizada na impunidade latente, impulsionada pela omissão e conivência estatal, se posicionar contrário, significaria, não apenas a continuidade da impunidade, mas a morte.


Resistir em Alagoas, confrontar o poder político e econômico das elites agrárias, é passível de ser assassinado, ou seja, não é apenas retórica: somente em 2007, o Estado, com um dos mais altos graus de conflitos por terras no país, teve, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra(CPT) 13 agressões, 2 ameaças de morte, 3 prisões e 4 tentativas de assassinatos. Como a maioria dos conflitos, gerados a partir das ocupações de terras, não estão sendo realizados em áreas consideradas produtivas, de acordo com o que estabelece a Constituição Federal de 1988; não fazem parte das terras que produzem cana-de-açúcar ou que estariam sendo ocupadas com a pecuária, pode-se dizer que a forma de exclusão do acesso as terras alagoanas, dentro da lógica de Reforma Agrária impetradas pelo Estado brasileiro, estaria centrada em possível perpetuação das propriedades privadas no campo, sob o domínio incondicional das elites econômicas. Estas, mesmo não estando preocupadas com o possível retorno econômico que as propriedades consideradas improdutivas poderiam gerar, não admitem a possibilidade de questionamento do acesso a terra. Além disso, os conflitos propiciariam o inflacionamento do valor das propriedades junto ao Governo Federal.
Para os trabalhadores rurais alagoanos, a pergunta de Alice e a resposta do gatinho Cheshire, diferentimente das elites econômicas que sabe o que quer e como chegar aos seus objetivos, utilizando, inclusive desvios possíveis existentes no Estado (neo)liberal, ainda continua fantasiosa. Não se sabe qual o caminho e, muito menos para onde seguir. Portas e janelas estão fechadas. Na verdade, o caminho único, em linha reta, indica aonde chegar: a obediência cega e irrestrita aos desmandos de sua elite.
O Estado brasileiro, não parece se preocupar com a miserabilidade existente em Alagoas. A corrupção em todo o país, se espalha sem qualquer medida a ser efetivada. A impunidade, permeia e o "quem manda aqui sou eu," prevalece. Bricamos de Federação, de República e Democracia. Esta, de forma elitista, impõe toda a sua força "democrática" sob o processo de exclusão e de dominação. O povo, passa a ser apenas um detalhe que, em Alagoas, não teria tanta importância assim.
"Que caminho devo seguir" ainda continua uma pergunta difícil de ser respondida e, mais, sua resposta, " depende onde você quer chegar" persiste em não encontrar possíveis alternativas para o sofrido povo alagoano. Parece que falta aquela história do "golfo" atribuida ao Velho Graciliano Ramos da necessidade de que o Estado deixe de ser inutil e possa servir de alguma forma para o Brasil. Se não é um golfo, pelo menos é uma "ilha", com seu povo abandonado e suas elites com trânsito livre ao continente. Nega-se a possibilidade do caminho a seguir. Sem verificar as causas da miserabilidade, encontram as respostas: culpam o povo alagoano, como se este tivesse alternativas frente aos desmandos existentes.